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SANTA MISSA EM SUFRÁGIO DOS CARDEAIS, ARCEBISPO E BISPOS
 FALECIDOS DURANTE O ANO

HOMILIA DO PAPA BENTO XVI

Altar da Cátedra da Basílica Vaticana
Quinta-feira, 4 de Novembro de 20
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(Vídeo)
Galeria fotográfica

Senhores Cardeais
Amados irmãos e irmãs!

«Se, pois, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto». As palavras que ouvimos há pouco na segunda leitura (Cl 3, 1-4) convidam-nos a elevar o olhar para as realidades celestes. De facto, com a expressão «as coisas lá do alto» São Paulo refere-se ao Céu, porque acrescenta: «onde Cristo está sentado à direita de Deus». O Apóstolo quer referir-se à condição dos crentes, daqueles que «morreram» para o pecado e cuja vida «já está escondida com Cristo em Deus». Eles estão chamados a viver quotidianamente no senhorio de Cristo, princípio e cumprimento de todas as suas acções, testemunhando a vida nova que lhes foi doada no Baptismo. Esta renovação em Cristo verifica-se no íntimo da pessoa: enquanto continua a luta contra o pecado, é possível progredir na virtude, procurando dar uma resposta plena e imediata à Graça de Deus.

Por antítese, o Apóstolo indica depois «as coisas da terra», evidenciando assim que a vida em Cristo impõe uma «escolha», uma renúncia radical a tudo o que — coisas inúteis — mantém o homem ligado à terra, corrompendo a sua alma. A busca das «coisas lá do alto» não significa que o cristão deve descuidar as suas obrigações e tarefas terrenas, mas não deve perder-se nelas, como se tivessem um valor definitivo. A chamada às realidades do Céu é um convite a reconhecer a relatividade do que é destinado a passar, face àqueles valores que não conhecem o desgaste do tempo. Trata-se de trabalhar, de se empenhar, de conceder-se o justo repouso, mas com o desapego sereno de quem sabe que é apenas um viandante a caminho rumo à Pátria celeste, um peregrino; num certo sentido, um estrangeiro rumo à eternidade.

A esta meta última já chegaram os saudosos Cardeais Peter Seiichi Shirayanagi, Cahal Brendan Daly, Armand Gaétan Razafindratandra, Thomáš Špidlik, Paul Augustin Mayer, Luigi Poggi; assim como os numerosos Arcebispos e Bispos que nos deixaram ao longo deste último ano. Desejo recordá-los com sentimentos de afecto, dar graças a Deus pelos seus dons concedidos à Igreja, precisamente através destes nossos Irmãos que nos precederam no sinal da fé e agora dormem o sono da paz. O nosso agradecimento torna-se oração de sufrágio por eles, para que o Senhor os acolha nas bem-aventuranças do Paraíso. Oferecemos pelas suas almas eleitas esta Santa Eucaristia, estreitando-nos em volta do altar, sobre o qual se faz presente o Sacrifício que proclama a vitória da Vida sobre a morte, da Graça sobre o pecado, do Paraíso sobre o inferno.

Apraz-nos recordar estes nossos venerados Irmãos como Pastores zelosos, cujo ministério foi sempre marcado pelo horizonte escatológico que anima a esperança na felicidade sem sombras que nos foi prometida depois desta vida: como testemunhas do Evangelho, inclinados para viver aquelas «coisas lá do alto», que são o fruto do Espírito: «amor, alegria, paz, magnanimidade, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão, domínio de si» (Gl 5, 22); como cristãos e Pastores animados por fé profunda, pelo grande desejo de se conformar com Jesus e aderir intimamente à sua Pessoa, contemplando de modo incessante o seu rosto na oração. Por isso eles puderam saborear a «vida eterna», da qual nos fala a página do Evangelho de hoje (Jo 3, 13-17) e que o próprio Cristo prometeu a «todo o que nele crer». De facto, a expressão «vida eterna» designa o dom divino concedido à humanidade: a comunhão com Deus neste mundo e a sua plenitude no mundo futuro.

A vida eterna foi-nos aberta pelo Mistério pascal de Cristo e a fé é o caminho para a alcançar. E isto sobressai das palavras dirigidas por Jesus a Nicodemos, referidas pelo evangelista João: «Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também tem de ser levantado o Filho do Homem, a fim de que todo o que n’Ele crer tenha a vida eterna» (Jo 3, 14-15). Há aqui uma referência explícita ao episódio narrado no livro dos Números (cf. 21, 1-9), que realça a força salvífica da fé na palavra divina. Durante o êxodo, o povo judeu revoltou-se contra Moisés e contra Deus, e foi punido com a chaga das serpentes venenosas. Moisés pediu perdão, e Deus, aceitando o arrependimento dos Israelitas, ordena-lhes: «Faz uma serpente ardente e coloca-a sobre um poste. Todo aquele que for mordido, olhando para ela, viverá». E assim aconteceu. Jesus, no diálogo com Nicodemos, revela o sentido mais profundo daquele acontecimento de salvação, relacionando-o com a própria morte e ressurreição: o Filho do homem deve ser elevado no madeiro da Cruz para que todo o que n’Ele crer tenha vida. São João vê precisamente no mistério da Cruz o momento no qual se revela a glória real de Jesus, a glória de um amor que se doa totalmente na paixão e na morte. Assim a Cruz, paradoxalmente, de sinal de condenação, de morte, de falência, torna-se sinal de redenção, de vida, de vitória, na qual, com o olhar da fé, se podem entrever os frutos da salvação.

Prosseguindo o diálogo com Nicodemos, Jesus aprofunda ainda mais o sentido salvífico da Cruz, revelando com sempre maior clareza que ele consiste no imenso amor de Deus e no dom do Filho unigénito: «De facto, Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho único». Esta é uma das palavras centrais do Evangelho. O sujeito é Deus Pai, origem de todo o mistério criador e redentor. Os verbos «amar» e «dar» indicam uma acção decisiva e definitiva que expressa a radicalidade com que Deus se aproximou do homem no amor, até à doação total, até ao limiar da nossa última solidão, descendo ao abismo do nosso extremo abandono, ultrapassando a porta da morte. O objecto e o beneficiário do amor divino é o mundo, ou seja, a humanidade. É uma palavra que cancela completamente a ideia de um Deus distante e alheio ao caminho do homem, e revela, ao contrário, o seu rosto verdadeiro: Ele deu-nos o seu Filho por amor, para ser o Deus próximo, para nos fazer sentir a sua presença, para vir ao nosso encontro e levar-nos ao seu amor, de forma que toda a vida seja animada por este amor divino. O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e doar a vida. Deus não dita leis, mas ama sem medidas. Não manifesta a sua omnipotência no castigo, mas na misericórdia e no perdão. Compreender tudo isto significa entrar no mistério da salvação: Jesus veio para salvar e não para condenar; com o Sacrifício da Cruz Ele revela o rosto de amor de Deus. E precisamente pela fé no amor superabundante que nos foi dado em Jesus Cristo, nós sabemos que também a menor força de amor é maior do que a máxima força destruidora e pode transformar o mundo, e por esta mesma fé nós podemos ter uma «esperança certa», a esperança na vida eterna e na ressurreição da carne.

Amados irmãos e irmãs, com as palavras da primeira leitura, tirada do livro das Lamentações, pedimos que os Cardeais, os Arcebispos e os Bispos, que hoje recordamos, generosos servos do Evangelho e da Igreja, possam agora conhecer plenamente como «é bom o Senhor com quem n’Ele tem confiança, com a alma que o procura» e experimentar que «com Ele está a misericórdia e nele é abundante a redenção» (Sl 129). E nós, peregrinos a caminho rumo à Jerusalém celeste, esperamos em silêncio, com esperança firme, a salvação do Senhor (cf. Lm 3, 26), procurando caminhar pelas sendas do bem, amparados pela graça de Deus, recordando sempre que «não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da futura» (Hb 13, 14). Amém.

 



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