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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

A importância do «adeus»

Terça-feira, 19 de Maio de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 21 de 21 de Maio de 2015

O Papa Francisco recordou os sofrimentos dos rohingyas de Myanmar, abandonados em alto-mar e rejeitados, e dos refugiados cristãos e yazidis «expulsos das próprias casas» no Iraque: tragédias que acontecem hoje sob o olhar de todos. Celebrando a missa, o Pontífice repropôs uma reflexão sobre o sentido último de cada despedida, grande ou pequena, com a palavra «adeus» que exprime sempre um acto de se confiar ao Pai. E não deixou de mencionar a dor e a apreensão de todas as mães que vêem partir o próprio filho para a frente da guerra.

De resto, frisou o Papa, «nesses últimos dias do tempo pascal a atmosfera é de despedida». E «na liturgia a Igreja retoma o discurso de Jesus na última ceia, na qual se despedia antes da Paixão, e relê-o: Jesus despede-se para voltar ao Pai e para nos mandar o Espírito Santo» (Jo 17, 1-11).

Hoje, afirmou Francisco, «esta atmosfera de despedida concentra-se também na primeira leitura, uma das bonitas páginas dos Actos dos Apóstolos: a despedida de Paulo» (20, 17-27). Ele «estava em Mileto» e «mandou chamar os anciãos da Igreja em Éfeso» para «uma reunião de pequenas igrejas, grandes como paróquias». E assim «começa o discurso que acabará na liturgia de amanhã, na qual Paulo recorda a sua obra, o que fez: “jamais recuei perante qualquer coisa que vos pudesse ser útil. Preguei e instruí-vos”». Portanto «recorda-lhes o modo como trabalhou mas sem vangloriar-se». Justamente, é uma recordação: «Esta foi a minha vida entre vós». E acrescenta: «E agora, aqui vou, impelido pelo espírito, para Jerusalém».

Paulo «parte», explicou o Papa, com «uma despedida até um pouco dramática». Com efeito, esclarece que não sabe «o que lá me espera; o Espírito Santo avisa-me que, de cidade em cidade, me aguardam cadeias e tribulações. Mas a meu ver, a vida não tem valor algum, desde que eu possa concluir a minha carreira e cumprir a missão que recebi do Senhor Jesus». Isto é «dar testemunho da Boa Nova da graça de Deus».

Depois, Paulo «faz um discurso bastante longo, fraterno, e quando o acaba, começa a chorar», dizendo: «Agora sei que não mais vereis o meu rosto, vós todos, no meio dos quais passei proclamando o Reino». Depois «todos desataram em pranto e, lançando-se ao pescoço de Paulo, começaram a abraçá-lo», acompanhando-no «até ao barco».

Por fim, resumiu o Papa, referindo-se às duas leituras. «Jesus despede-se, Paulo despede-se e isto ajudar-nos-á a reflectir sobre as nossas despedidas. De facto, «na nossa vida são muitas as despedidas: as pequenas — sabemos que voltaremos amanhã ou depois — e as grandes, quando não se sabe como a viagem acabará».

Francisco reconheceu que faz «bem pensar nisto», porque «a vida é cheia de despedidas» e «há também muito sofrimento, muitas lágrimas» nalgumas situações. E convidou a pensar «naqueles pobres rohingyas de Myanmar. No momento de deixar a sua terra para fugir das perseguições não sabiam o que lhes teria acontecido. Há meses estão nas embarcações... Quando chegam a uma cidade, dão-lhes água e comida, e depois dizem: “Ide embora”: é uma despedida».

Recordou «a despedida dos cristãos e dos yazidis que não prevêem voltar à sua terra porque foram expulsos das próprias casas. Hoje!».

Depois o Pontífice explicou que «há pequenas e grandes despedidas na vida: penso na despedida da mãe que saúda, dando o último abraço ao filho que parte para a guerra, e todos os dias acorda com o temor do que um oficial venha anunciar-lhe: “Agradecemos muito a generosidade de seu filho que deu a vida pela pátria”». Porque «não sabemos como acabarão estas grandes despedidas». E «há também a última despedida, que todos faremos, quando o Senhor nos chamar para a outra margem: eu penso nisto».

«Estas grandes despedidas da vida, inclusive a última, não são as que se resolvem dizendo «até logo, até mais tarde, até à vista», despedidas «nas quais sabemos que voltamos logo ou depois de uma semana». Nas grandes, ao contrário, «não sabemos quando nem como» será o retorno. E precisamente «esta última despedida é representada também pelas artes, por exemplo, nas canções». E a tal propósito Francisco recordou o canto tradicional dos alpinos «O testamento do capitão» que narra «a despedida dos seus soldados». Assim propôs esta questão: «Penso na grande despedida, na minha grande despedida» isto é «não quando devo dizer “até mais tarde”, “até logo”, “até à vista”, mas “adeus”?»

Os dois textos da liturgia de hoje «dizem a palavra “adeus”: Paulo confia os seus a Deus e Jesus confia ao Pai os seus discípulos, que permanecem no mundo». Mas precisamente «confiar ao Pai, confiar a Deus é a origem do termo “adeus”». De facto, «dizemos “adeus” só nas grandes despedidas, quer nas da vida quer na última».

Diante da imagem de «Paulo que chora de joelhos na praia» e a de «Jesus triste porque ia ao encontro da Paixão, com os seus discípulos, chorando no seu coração» o Pontífice convidou a «reflectir sobre nós mesmos: far-nos-á bem». E a perguntar-nos «quem será a pessoa que fechará os meus olhos? O que deixo?». Com efeito, o Papa frisou que «Paulo e Jesus, os dois, nestes trechos fazem uma espécie de exame de consciência: “Fiz isto e aquilo”». E faz bem perguntar-nos a nós mesmos, como exame de consciência: “O que fiz?”». Com a consciência de que «me faz bem imaginar-me naquele momento, quando será não se sabe, naquele “até mais tarde”, “até à vista”, “até logo” que se tornará “adeus”». E perguntou também, convidando a reflectir: «estou preparado para confiar a Deus todos os meus? Para me confiar a mim mesmo a Deus? Para pronunciar a palavra de entrega do filho ao Pai?».

Francisco sugeriu também um conselho «se hoje tiverdes um pouco de tempo, e se não o tiverdes, procurai-o!»: lede o capítulo 16 do Evangelho de João ou o capítulo 19 dos Actos dos Apóstolos. Ou seja, «as despedidas de Jesus e de Paulo». Precisamente à luz destes textos, é importante pensar «que um dia também eu deverei pronunciar a palavra “adeus”». Sim, acrescentou, «a Deus confio a minha alma; a Deus confio a minha história; a Deus confio os meus; a Deus confio tudo».

«Agora — concluiu o Papa — façamos memorial do adeus de Jesus, da morte de Jesus». E fez votos para «que Jesus, morto e ressuscitado, nos envie o Espírito Santo a fim de aprendermos aquela palavra, a pronunciá-la existencialmente, com toda a força: a última palavra, “adeus”».

 



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