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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

Como se faz a paz

Quinta-feira, 10 de Setembro de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 38 de 17 de setembro de 2015 

«Palavras, palavras, palavras», cantava Mina numa célebre canção. E também o Papa repetiu aquele refrão evocando o essencial do «estilo cristão». Que, sem muito palavreado e palavras bonitas, deve girar em torno do binómio «paz e misericórdia», e portanto em volta do perdão e da capacidade de nos suportarmos uns aos outros. Francisco recordou também as grandes guerras que se combatem, com a vergonha do comércio das armas, e os pequenos conflitos que dilaceram famílias, postos de trabalho e até as comunidades cristãs.

«Há alguns dias — recordou em primeiro lugar o Papa — a liturgia falava-nos do trabalho que fez Jesus Cristo, o Senhor: trabalho de pacificação e de reconciliação». E, acrescentou, «anteontem, na comemoração litúrgica do nascimento de Nossa Senhora, pedimos a graça da paz e da reconciliação».

«Paz e reconciliação», portanto, foi o que «fez Jesus: ele fez a paz». Precisamente «por esta razão, é chamado o príncipe da paz». O profeta Miqueias diz a este propósito: «E ele será a paz», aquele «que traz a luz, que faz a paz». Também «nos nossos corações, nas nossas almas», especificou Francisco. «E como fez Ele a paz? Dando a sua vida como uma oferta, uma oração para o perdão de todos».

«Questiono-me — prosseguiu o Papa — se nós agradecemos o suficiente este dom da paz que recebemos em Jesus». Porque «a paz foi feita, mas não aceite». E assim, realçou, «ainda, todos os dias, nos noticiários, nos jornais, vemos que há guerras, destruições, ódio, inimizade. E aquela inimizade que o Senhor disse à serpente depois do pecado, existe!».

Aliás, recordou, «há também homens e mulheres que trabalham tanto — mas mesmo tanto! — para fabricar armas que matam, armas que acabam por se manchar com o sangue de muitos inocentes, de muita gente». Há «guerras e a maldade de preparar a guerra, de construir armas contra os outros, para matar».

Os termos da questão são claros: «A paz salva, a paz faz-te viver, crescer; a guerra aniquila-te, arrasta-te para baixo». É fácil ouvir pessoas que dizem: «Padre, foi terrível o que aconteceu ali!». Mas certas situações, recordou Francisco, não se verificam só longe de nós: «A guerra existe também nas nossas comunidades cristãs, entre nós». E, como resposta, o Papa relançou «o conselho que hoje nos dá a liturgia: “perdoai-vos uns aos outros”», referindo-se ao trecho da carta aos Colossenses (3, 12-17).

Por conseguinte, disse, «são duas as palavras-chave». A primeira, «é o perdão: se não aprendermos a perdoar-nos, estaremos sempre em guerra». Daqui o convite de Paulo: «Assim como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós». Mas «se tu não souberes perdoar — acrescentou ainda Francisco — não és cristão, porque não fazes o que fez o Senhor». Mais ainda: «Se tu não perdoares, não podes receber a paz do Senhor, o perdão do Senhor».

O Pontífice recordou que «cada dia, quando rezamos o Pai-Nosso, dizemos: perdoai-nos, assim como nós perdoamos. E é — explicou — um condicional: procuremos convencer Deus que seja bom, como nós somos bons perdoando: ao contrário». A este propósito, o Papa comentou: «Palavras, não? Como se cantava naquela bonita canção “Palavras, palavras, palavras”, não é? Penso que a canta Mina... Parole!».

Este é, em síntese, o caminho certo: «Perdoai-vos! Como o Senhor vos perdoou, assim fazei vós! Perdoai-vos uns aos outros! E para nos perdoarmos, dou-vos um bom conselho: suportando-vos uns aos outros em família, no bairro, no trabalho... Suportando-vos uns aos outros». Sem bisbilhotar: «Aquele ali fez isso...». É necessário «tolerar, porque também aquele me suporta». Numa palavra, serve a «paciência cristã».

Quantas mulheres heróicas — prosseguiu Francisco — existem no nosso povo que suportam para o bem da família, dos filhos, muitas brutalidades, injustiças: suportam e vão em frente com a família». E ainda: «Quantos homens heróicos há no nosso povo cristão que suportam levantar-se de manhã cedo para ir trabalhar — muitas vezes um trabalho injusto, mal retribuído — para regressar numa hora tardia da noite, para manter a esposa e os filhos»; «são estes os justos».

Mas, afirmou o Papa, «quantos outros existem que, em vez de fazer o que devem, fazem trabalhar a língua e fazem a guerra». Com efeito, frisou, «o mesmo dano que faz uma bomba numa família, numa pequena aldeia, num bairro, num posto de trabalho», porque «a língua destrói, faz a guerra». Isto, especificou — não sou eu que o digo, mas o apóstolo Tiago». Portanto, eis reproposto o conselho prático de são Paulo: «Assim como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós: suportai-vos, perdoai-vos uns aos outros».

«Há outra palavra — explicou o Pontífice — proferida por Jesus no Evangelho, porque se repete o mesmo tema: misericórdia». No trecho de Lucas (6, 27-38) o Senhor diz: «Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso». O convite é a «compreender os outros, não a condená-los: o Senhor, o Pai é muito misericordioso, sempre nos perdoa e quer fazer a paz connosco». Mas, perguntou Francisco, «se tu não fores misericordioso, como poderá o Senhor ser misericordioso contigo, porque seremos julgados com a mesma medida com a qual julgamos os outros?».

Portanto, afirmou, «se tu és um sacerdote e não tens vontade de ser misericordioso, diz ao teu bispo para que te dê um trabalho administrativo, mas não vás ao confessionário, por favor!». Porque «um sacerdote que não é misericordioso faz tão mal no confessionário: maltrata as pessoas!». Talvez, alguém possa justificar-se dizendo: «Não, padre, eu sou misericordioso, mas sou um pouco nervoso...». Esta foi a resposta do Papa: «É verdade, antes de ires ao confessionário vai ao médico para que te dê um remédio contra os nervos! Mas sê misericordioso!».

E devemos ser «misericordiosos também entre nós». Em vez de nos lamentarmos — «mas aquele fez isto...» — é necessário perguntar-se: «E eu o que fiz?». Aliás, quem pode dizer «aquele é mais pecador do que eu? Ninguém pode dizer isto. Só o Senhor sabe». Todos nós, continuou o Papa, «podemos dizer: “sou pecador e preciso de misericórdia e de perdão. E por isso suporto os outros, perdoo os outros e sou misericordioso com os outros”». E «quando a alma é assim, o estilo cristão é aquele que Paulo ensina aos seus: «Revesti-vos de sentimentos de ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade”», como se lê na carta aos Colossenses.

Por conseguinte, é precisamente este «o estilo cristão: não é a soberba, não é a condenação, não é falar mal dos outros». O estilo cristão é «ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade». E, em definitivo, «o estilo de Jesus, o estilo com o qual Jesus fez a paz e a reconciliação, até ao fim». A ponto que, «no final, no último suspiro de vida, conseguiu ouvir aquele ladrão que dizia; «Sim, sim, sim, vem comigo, querido, hoje estarás comigo no Paraíso”».

Francisco concluiu a sua meditação com uma oração: «Que o Senhor conceda a todos nós a graça de nos suportarmos uns aos outros, de perdoarmos, de sermos misericordiosos, como o Senhor é misericordioso connosco; e de ter este estilo cristão de ternura, bondade, humildade, mansidão, magnanimidade».

 


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