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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Deixemo-nos consolar

Segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 51 de 21 de dezembro de 2017

O homem, apegado como é ao «negativo», às «feridas do pecado», que traz dentro de si, muitas vezes tem inclusive dificuldade até de se «deixar consolar» por Deus. Ao contrário, a Igreja, neste tempo de Advento, convida todos a reagir, a levantar-se dos próprios erros e a ter «coragem» porque Jesus vem, e vem precisamente para trazer «consolação».

Esta foi a mensagem que o Papa Francisco evidenciou na liturgia do dia. Com efeito, a reflexão do Pontífice começou exatamente do trecho do profeta Isaías (35, 1-10) no qual, «de uma forma um pouco bucólica», se antecipa a parte dedicada à «consolação de Israel», ao Senhor que, «consola o seu povo, promete a consolação, o faz regressar do exílio, onde há tristeza, escravidão...». A eles que «não podem cantar, não conseguem cantar, choram...», o Senhor «promete consolação».

Refletindo sobre quanto Deus realizou para os israelitas, o Papa recordou que Santo Inácio dizia «que é bom contemplar o ofício consolador de Cristo nosso Senhor, comparando-o com o modo como alguns amigos consolam os outros». E relativamente ao facto de que «o Senhor veio para nos consolar», sugeriu, por exemplo, que pensemos «na manhã da ressurreição na narração de Lucas, quando Jesus apareceu aos apóstolos: “Mas era tanta a alegria — diz o Evangelho — que não podiam acreditar”, a alegria impedia que acreditassem». Assim, disse, «muitas vezes, a consolação do Senhor parece-nos uma maravilha, algo irreal».

Contudo, observou, «não é fácil deixar-se consolar; é mais fácil consolar os outros». De facto, «muitas vezes, estamos apegados ao negativo, à ferida do pecado dentro de nós e, frequentemente, preferimos permanecer ali, sozinhos. Como o paralítico do Evangelho que ficava no leito. Em determinadas situações, a palavra de Jesus é: “Levanta-te!”». Contudo, sublinhou Francisco, «temos medo». Aliás, acrescentou, «no negativo, somos donos, porque temos a ferida dentro, do negativo, do pecado; ao contrário, no positivo somos mendigos e não gostamos de pedir esmolas, de mendigar a consolação».

A este respeito, o Pontífice deu dois exemplos de situações em que o homem prefere «não se deixar consolar». Há, em primeiro lugar, «a atitude de ressentimento». Ou seja, quando «preferimos o ressentimento, o rancor», e nós ficamos a remoer nos nossos sentimentos. Naquelas situações, o homem tem «um coração amargo, como se dissesse: “O meu tesouro é a minha amargura: ali estou eu, com a minha amargura”». Um exemplo encontra-se no Evangelho, no episódio do paralítico do piscina de Siloé: «trinta e oito anos ali, com a sua amargura, e sempre explicando: «Mas a culpa não é minha, porque logo que a água se agita não tenho ninguém que me ajude a entrar no tanque”». Raciocinava sempre «de forma negativa». Comentou o Papa: «Para estes corações amargurados é melhor o amargo do que o doce. A amargura como explicação». Do mesmo modo, muita gente prefere esta «raiz amarga» que «nos leva com a memória ao pecado original, ao pecado que nos feriu». E é um modo «de não se deixar consolar». Preferem dizer: «“Não, não, não me incomode, deixe-me aqui”. Derrotado».

Depois, há a atitude das «lamentações». O homem e a mulher «que reclamam sempre; em vez de louvar a Deus lamentam-se diante de Deus. E as lamentações são a música que acompanha aquela vida». A este respeito, o Papa recordou que Santa Teresa de Ávila dizia: «Ai da freira que diz: “Cometeram uma injustiça contra mim, algo inaceitável”, ai». E evocou também a vicissitude bíblica do profeta Jonas, «o prémio Nobel das lamentações». Jonas, com efeito, «fugiu de Deus porque se lamentava que Ele lhe teria feito algo de errado e foi-se embora, depois afogou-se, o peixe engoliu-o. Em seguida, voltou à missão e depois de ter cumprido a própria missão, em vez de se alegrar pela conversão, sobressai a amargura e lamenta-se: “Eu sabia que tu eras assim e sempre salvavas as pessoas...”, e lamentava-se porque Deus salva as pessoas». Porque, acrescentou, «também nas lamentações existem algumas contradições».

Uma atitude que o Pontífice relevou também no homem contemporâneo: «Nós vivemos muitas vezes respirando lamentações, somos inclinados às lamentações e podemos descrever muitas pessoas deste tipo que se lamentam». E deu o exemplo de um sacerdote que conheceu no passado: «um bom sacerdote, bom, bom, mas era o pessimismo personificado e queixava-se sempre, tinha as qualidades de “encontrar a mosca no leite”. Tratava-se, continuou, de um bom sacerdote, considerado «muito misericordioso no confessionário». Mas tinha este defeito de reclamar sempre, a ponto que os seus companheiros de presbitério brincavam dizendo que quando, no momento da morte, «subisse ao céu», a primeira coisa que teria dito a São Pedro, «em vez de o cumprimentar», seria: «Onde está o inferno?». E dizia que depois de ter visto o inferno, teria perguntado a São Pedro: “Mas quantos são os condenados?” — “Só um” — “Ah, que desastre a redenção...”. Só lamentações, só o negativo.

Mas diante da «amargura, do rancor, das lamentações», explicou o Papa, hoje «a palavra da Igreja é “coragem”». Uma palavra reiterada pelo profeta Isaías: «Coragem! Não temais; eis o vosso Deus, chega a vingança, a recompensa divina. Ele vem para vos salvar». Uma mensagem clara para cada crente: «Coragem, será ele quem te consolará. Confia nele. Coragem».

E é também, disse Francisco, «a mesma palavra de Jesus: “Coragem”». Por exemplo, repete-a àqueles homens que queriam que o seu amigo fosse curado. Estes, não obstante as dificuldades («Mas não se pode entrar, Senhor, há tanta gente... como podemos fazer....»), «subiram ao teto e, telha após telha, uma por uma, abriram o buraco e fizeram-no descer. Naquele momento não pensaram: “Mas há os escribas, há polícias, se nos prenderem levar-nos-ão para a prisão...”. Não, não pensaram nisto. Queriam apenas a cura, queriam que o Senhor consolasse o seu amigo e a eles».

A fim de reafirmar o conceito, o Pontífice retomou as palavras de Isaías: «Coragem! Coragem, não temais, fortalecei as mãos fracas: as mãos são frágeis, enrobustecei-as, coragem. “Tornai firmes os joelhos inseguros”: coragem, em frente, há joelhos inseguros... sim, mas em frente, coragem. “Dizei aos desorientados de coração — a quantos sentem rancor, que vivem nas lamentações: “Eis o vosso Deus que vem para vos salvar”».

A mensagem da liturgia de hoje, disse o Papa, «é muito bonita e muito positiva: deixar-se consolar pelo Senhor». Mesmo se não é fácil, «porque para se deixar consolar pelo Senhor» é necessário «despojar-se dos egoísmos, daquelas coisas que são o próprio tesouro, quer as amarguras, quer as lamentações, muitas coisas». Portanto, acrescentou, «seria bom que hoje, cada um de nós, fizesse um exame de consciência: Como está o meu coração? Tenho qualquer amargura? Sinto alguma tristeza?», e questionar-se: «Como é a minha linguagem? É de louvor a Deus, de beleza ou sempre de lamentações?». E também «pedir ao Senhor a graça da coragem, pois na coragem Ele vem para nos consolar».

 



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