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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Braço de ferro com Deus

  Quinta-feira, 4 de abril de 2019

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 18 de 30 de abril de 2019

Rezar seriamente significa até fazer «braço de ferro» com Deus ou «balbuciar»: o importante é que não nos comportemos como papagaios arranjando-nos com duas palavrinhas «vazias». E «estou a fazer o melhor» foi a expressão escolhida pelo Papa para indicar a atitude certa na oração, assim como em qualquer outro aspeto da vida «porque para rezar é preciso coragem»: eis a sugestão do Pontífice na celebração na qual estava presente, privadamente, também o presidente da República italiana, Sergio Mattarella.

«Durante a Quaresma, preparamo-nos para a Páscoa com três obras: a oração, o jejum e a caridade», afirmou o Pontífice. «Hoje na primeira leitura — observou, referindo-se ao trecho do livro do Êxodo (32, 7-14) — a Igreja fala-nos da oração e especialmente da oração de intercessão: isto é, a intercessão de Moisés. O Senhor, podemos dizer, irou-se: “Agora, deixa-me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-los-ei” assim Deus diz a propósito do povo que fez um bezerro de ouro». E «Moisés, que deseja salvar o povo, porque se sente um deles, começa a rezar, ou seja, a convencer o Senhor para não os punir».

É «a oração de intercessão, mas com persuasão e fala-lhe como um mestre ao discípulo: “Moisés implorou ao Senhor, seu Deus, dizendo-lhe: «Por que, Senhor, a tua cólera se inflamará contra o teu povo, que fizeste sair do Egito com tão grande poder e com mão tão poderosa? Não é conveniente que se possa dizer no Egito: “Foi com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e suprimi-los da face da Terra!”. Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este povo”».

Portanto Moisés, explicou o Papa, «começa a persuadir Deus, com mansidão, mas também com firmeza: “Recorda-te de Abraão, de Isaac e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo: tornarei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa posteridade esta terra de que falei”». E «assim recorda a Deus as suas promessas, como se dissesse “mas, Senhor, não faças má figura, tu fizeste isto”. É uma oração de intercessão».

«O Senhor, quando fala a Moisés da sua ira, faz-lhe uma promessa: “Farei de ti uma grande nação”. Mas Moisés: “Não, ou com o povo ou nada. Se tu fizeres morrer este povo, matas-me também a mim”». Esta é «a intercessão com a persuasão. É um modo de interceder. E na Bíblia há muitos exemplos de intercessão: o de Abraão, quando o Senhor lhe diz que destruirá Sodoma. E Abraão, um homem que lutou durante a vida, que tinha um sobrinho que vivia lá, queria salvá-la. E não o faz com a persuasão mas com a negociação, como faz uma dona de casa com o preço quando vai ao mercado: negocia. Diz: “Mas, Senhor, espera um pouco... se fossem 40 justos, se fossem 40, não destruirei”. Depois, faz as contas e verifica que não são. “Mas desculpa-me Senhor, e se fossem 30?”. “Não destruirei”. “E se fossem 20, se...”. No final, dá-se conta de que só a família do seu sobrinho é justa. Este é outro modo de interceder: negociar com o Senhor. Assim faz Abrão a sua oração».

«Na Bíblia há muitos casos — prosseguiu Francisco — mas pensemos noutro modo de interceder: pensemos em Ana, a mãe de Samuel que, em silêncio, balbucia em voz baixa, move os lábios e permanece ali a rezar, a rezar, a rezar, balbuciando diante do Senhor, a ponto que o sacerdote que estava presente e a observava pensou que ela estivesse bêbada. Ela pedia um filho ao Senhor: a angústia de uma mulher; mas ali, diante de Deus, intercede. Depois outra senhora no Evangelho, também corajosa, a cananeia, que não usa a persuasão, nem a negociação, nem a insistência silenciosa. Quando Jesus lhe diz: “Não posso, porque sou para aqueles do povo de Israel. Não posso dar o pão aos cãezinhos”. Ela não desanima: “Mas os cãezinhos também comem as migalhas do pão que caem no chão”. E recebe o que quer».

O Pontífice recordou que «na Bíblia há muitos exemplos de oração de intercessão, com diversas modalidades. É verdade, é preciso coragem para rezar assim, porque na oração devemos ter coragem. Aquela parrésia, aquela coragem de falar cara a cara com Deus. E às vezes, quando alguém como este povo debate com o Senhor para obter algo, podemos pensar que o faz como se fosse um braço de ferro com Deus, e desta forma alcança o que pede: porque está convicto, tem fé em que o Senhor possa conceder a graça».

«É preciso muita coragem para rezar assim — insistiu o Papa — e nós ao contrário muitas vezes somos tíbios. Alguém nos diz: “Reza porque tenho este problema...”. Sim, rezo dois “Pai-Nossos”, duas “Ave-Marias”, e esqueço-me... Não, a oração do papagaio não está bem. A verdadeira prece é esta: com o Senhor. E quando tenho que interceder, devo fazê-lo com coragem».

«As pessoas, na linguagem comum, usam uma expressão que a mim diz muita coisa, quando querem obter uma graça: “estou a fazer o melhor”» afirmou o Pontífice. «Na oração de intercessão isto é válido também: “estou a fazer o melhor”. A coragem de ir em frente. Mas talvez depois surja uma dúvida: “Faço isto mas como sei que o Senhor me ouve?”. Temos uma segurança: Jesus. Ele é o grande intercessor. Ele subiu ao Céu, está diante do Pai a interceder por nós. Ele faz a oração de intercessão continuamente. Antes da Paixão, tinha dito a Pedro: “Pedro, Pedro, rezarei por ti, para que a tua fé não desfaleça”. Eis a intercessão de Jesus: Ele reza por nós, neste momento. E quando rezo, quer com a persuasão, com a negociação, quer balbuciando, quer debatendo com o Senhor, é Ele que recolhe a minha prece e a apresenta ao Pai».

«Jesus não tem necessidade de falar diante do Pai: mostra-lhe as suas chagas» reiterou o Pontífice. «O Pai vê as chagas e concede a graça. Quando rezarmos, pensemos que o fazemos com Jesus. Quando recitarmos a oração de intercessão corajosa, façamo-lo com Jesus: Ele é a nossa coragem, Jesus é a nossa segurança, que neste momento intercede por nós».

«Que o Senhor nos conceda a graça de empreender este caminho, de aprender a interceder» desejou o Papa. E «quando alguém nos pedir para rezar, não o façamos com duas oraçõezinhas vazias, não: façamo-lo seriamente, na presença de Jesus, com Jesus, que intercede por todos nós diante do Pai».

 



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