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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
NA REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS

Sala Bolonha do Palácio Apostólico
Quinta-feira, 27 de Fevereiro

 

1. O essencial na missão da Congregação

Na celebração da Ordenação de um Bispo, a Igreja reunida, depois da invocação do Espírito Santo, pede que o candidato apresentado seja ordenado. Quem preside pergunta: «Tendes o mandato?». Ressoa nesta pergunta quanto fez o Senhor: «chamou a si os doze, e começou a enviá-los dois a dois...» (Mc 6, 7). No fundo, a pergunta poderia ser expressa também assim: «Estais certos de que o seu nome foi pronunciado pelo Senhor? Tendes a certeza de que foi o Senhor que o incluiu entre os chamados para caminhar com Ele de modo singular e para lhe confiar a missão que não é sua, mas que foi confiada pelo Pai ao Senhor?».

Esta Congregação existe para ajudar a escrever este mandato, que depois ressoará em tantas Igrejas e dará alegria e esperança ao Povo Santo de Deus. Esta Congregação existe para garantir que o nome de quem é escolhido tenha sido antes de tudo pronunciado pelo Senhor. Eis a grande missão confiada à Congregação para os Bispos, a sua tarefa mais importante: identificar aqueles que o próprio Espírito Santo chama como guias da sua Igreja.

Dos lábios da Igreja recolher-se-á em todos os tempos e lugares a pergunta: dá-nos um Bispo! O Povo Santo de Deus continua a falar: precisamos de alguém que vigie do alto; precisamos de alguém que olhe para nós com a abertura do coração de Deus; não nos serve um manager, um administrador delegado de uma empresa, nem sequer alguém que esteja ao nível das nossas insuficiências ou pequenas pretensões. Serve-nos alguém que saiba elevar-se à altura do olhar de Deus sobre nós para nos guiar para Ele. Só no olhar de Deus há futuro para nós. Precisamos de quem, conhecendo melhor a amplidão do campo de Deus do que o seu pequeno jardim, nos garanta que aquilo pelo que aspiram os nossos corações não é uma promessa vã.

O povo percorre com dificuldade a planície do dia-a-dia, e precisa de ser guiado por quem é capaz de ver as coisas do alto. Por isso, nunca devemos perder de vista as necessidades das Igrejas particulares às quais devemos providenciar. Não existe um Pastor standard para todas as Igrejas. Cristo conhece a singularidade do Pastor de que cada Igreja necessita para que responda às suas necessidades e a ajude a realizar as suas potencialidades. O nosso desafio é entrar na perspectiva de Cristo, tendo em consideração esta singularidade das Igrejas particulares.

2. O horizonte de Deus determina a missão da Congregação

Para escolher estes ministros, todos precisamos de nos elevar, de subir também nós ao «nível superior». Não podemos evitar de subir, não nos podemos contentar com medidas baixas. Devemos elevar-nos para além e ao de cima das nossas eventuais preferências, simpatias, pertenças ou tendências para entrar na amplidão do horizonte de Deus e para encontrar estes transmissores do seu olhar do alto. Não homens condicionados pelo medo a partir de baixo, mas Pastores dotados de parrésia, capazes de garantir que no mundo há um sacramento de unidade (Const. Lumen gentium, 1) e por isso a humanidade não está destinada à dispersão nem à desorientação.

É este o grande objectivo, traçado pelo Espírito Santo, que determina o modo com o qual se desenvolve esta tarefa generosa e importante, pela qual estou imensamente grato a cada um de vós, começando pelo Cardeal Prefeito Marc Ouellet e abraçando todos vós, Cardeais, Arcebispos e Bispos Membros. Gostaria de dirigir uma palavra especial de reconhecimento, pela generosidade do seu trabalho aos Oficiais do Dicastério, que silenciosa e pacientemente contribuem para o bom êxito do serviço de dotar a Igreja dos Pastores de que precisa.

Ao assinar a nomeação de cada Bispo gostaria de poder referir-me à respeitabilidade do vosso discernimento e à grandeza de horizontes com a qual o vosso conselho amadurece. Por isso, o espírito que preside aos vossos trabalhos, da tarefa difícil dos Oficiais ao discernimento dos Superiores e Membros da Congregação, mais não poderá ser do que aquele humilde, silencioso e laborioso processo realizado sob a luz que vem do alto. Profissionalismo, serviço e santidade de vida: se nos afastarmos deste trinómio decaímos da grandeza à qual estamos chamados.

3. A Igreja Apostólica como fonte

Onde encontrar então esta luz? A altura da Igreja encontra-se sempre nos abismos profundos dos seus fundamentos. Na Igreja Apostólica há aquilo que é alto e profundo. O amanhã da Igreja habita sempre nas suas origens.

Por conseguinte, convido-vos a recordar e a «visitar» a Igreja Apostólica para procurar ali alguns critérios. Sabemos que o Colégio Episcopal, no qual mediante o Sacramento serão inseridos os Bispos, sucede ao Colégio Apostólico. O mundo precisa de saber que há esta sucessão ininterrupta. Pelo menos na Igreja, este vínculo com a arché divina não se interrompeu. As pessoas já conhecem com sofrimento a experiência de tantas rupturas: precisam de encontrar na Igreja aquele permanecer indelével da graça do princípio.

4. O Bispo como testemunha do Ressuscitado

Por conseguinte, examinemos o momento no qual a Igreja Apostólica deve recompor o Colégio dos Doze depois da traição de Judas. Sem os Doze não pode descer a plenitude do Espírito. O sucessor deve ser procurado entre os que seguiram desde o início o percurso de Jesus e agora pode tornar-se «juntamente com os doze» uma «testemunha da ressurreição» (cf. Act 1, 21-22). Há necessidade de seleccionar entre os seguidores de Jesus as testemunhas do Ressuscitado.

Daqui deriva o critério essencial para delinear o rosto dos Bispos que queremos ter. Quem é uma testemunha do Ressuscitado? É quem seguiu Jesus desde o início e é constituído com os Apóstolos testemunha da sua Ressurreição. Também para nós é este o critério unificador: o Bispo é aquele que sabe tornar actual tudo o que aconteceu a Jesus e sobretudo sabe, juntamente com a Igreja, fazer-se testemunha da sua Ressurreição. O Bispo é antes de tudo um mártir do Ressuscitado. Não uma testemunha isolada mas juntamente com a Igreja. A sua vida e o seu ministério devem tornar credível a Ressurreição. Unindo-se a Cristo na cruz da verdadeira entrega de si, faz jorrar para a própria Igreja a vida que não morre. A coragem de morrer, a generosidade de oferecer a própria vida e de se consumir pelo rebanho estão inscritos no «adn» do episcopado. A renúncia e o sacrifício são conaturais com a missão episcopal. E desejo frisar isto: a renúncia e o sacrifício são congénitos à missão episcopal. O episcopado não é para si mas para a Igreja, para a grei, sobretudo para aqueles que segundo o mundo são descartáveis.

Portanto, para indicar um bispo, não serve a contabilidade dos dotes humanos, intelectuais, culturais, nem sequer pastorais. O perfil de um Bispo não é a soma algébrica das suas virtudes. Certamente, serve-nos alguém que se distingue (CDC, cân. 378 § 1): a sua integridade humana garante a capacidade de relações sadias, equilibradas, para não projectar nos outros as próprias faltas e tornar-se um factor de instabilidade; a sua solidez cristã é essencial para promover a fraternidade e a comunhão; o seu comportamento recto confirma a medida alta dos discípulos do Senhor; a sua preparação cultural permite-lhe dialogar com os homens e as culturas; a sua ortodoxia e fidelidade à Verdade total conservada pela Igreja faz dele uma coluna e um ponto de referência; a sua disciplina interior e exterior permite o domínio de si e abre espaço ao acolhimento e à guia dos outros; a sua capacidade de governar com firmeza paterna garante a segurança da autoridade que ajuda a crescer; a sua transparência e o seu desapego na administração dos bens da comunidade conferem autoridade e conquistam a estima de todos por ele.

Contudo, todos estes dotes imprescindíveis devem ser uma declinação do testemunho central do Ressuscitado, subordinados a este compromisso prioritário. É o Espírito Santo que faz as suas testemunhas, que integra e eleva as qualidades e os valores edificando o Bispo.

5. A soberania de Deus Autor da escolha

Mas voltemos ao texto apostólico. Depois do fadigoso discernimento vem a oração dos Apóstolos: «Ó Senhor, que conheces os corações de todos, mostra-nos qual destes... escolheste» (Act 1, 24) e «tiraram à sorte» (Ibid., 1, 26). Aprendamos o clima do nosso trabalho e o verdadeiro Autor das nossas escolhas. Não nos podemos afastar deste «mostra-nos tu, ó Senhor». É sempre imprescindível garantir a soberania de Deus. As escolhas não podem ser ditadas pelas nossas pretensões, condicionadas por eventuais «escuderias», camarilhas ou hegemonias. Para garantir esta soberania há duas atitudes fundamentais: o tribunal da própria consciência diante de Deus e a colegialidade. E isto é uma garantia.

Desde os primeiros passos do nosso trabalho complexo (das Nunciaturas ao trabalho dos Oficiais, Membros e Superiores), estas duas atitudes são imprescindíveis: a consciência diante de Deus e o compromisso colegial. Não o arbítrio mas o discernimento juntos. Ninguém pode ter tudo na mão, cada um coloca com humildade e honestidade a própria peça de um mosaico que pertence a Deus.

Esta visão fundamental estimula-nos a abandonar a pequena cabotagem das nossas barcas para seguir a rota do grande navio da Igreja de Deus, o seu horizonte universal de salvação, a sua bússola firme na Palavra e no Ministério, a certeza do sopro do Espírito que a estimula e a segurança do porto que a aguarda.

6. Bispos «querigmáticos»

Outro critério ensina isto em Act 6, 1-7: os Apóstolos impõem as mãos sobre aqueles que devem servir às mesas porque não podem «pôr de lado a Palavra de Deus». Dado que a fé provém do anúncio, temos necessidade de Bispos querigmáticos. Homens que tornam acessível aquele «por vós» de que fala são Paulo. Homens que guardam a doutrina não para medir como o mundo vive distante da verdade que ela contém, mas para fascinar o mundo, para o encantar com a beleza do amor, para o seduzir com a oferta da liberdade doada pelo Evangelho. A Igreja não precisa de apologetas das próprias causas nem de cruzados das próprias batalhas, mas de semeadores humildes e confiantes da verdade, conscientes de que ela lhes é sempre confiada de novo e que confiam no seu poder. Bispos conscientes de que também quando vier a noite e os encontrar cansados pela fadiga do dia, no campo as sementes estarão a germinar. Homens pacientes porque sabem que o joio nunca será muito, capaz de invadir o campo. O coração humano é feito para o grão, foi o inimigo que às escondidas lançou a má semente. O tempo do joio está já irrevogavelmente estabelecido.

Gostaria de frisar bem isto: homens pacientes! Dizem que o Cardeal Siri costumava repetir: «São cinco as virtudes de um Bispo: a primeria é a paciência, a segunda é a paciência, a terceira é a paciência, a quarta é a paciência e a última é a paciência com aqueles que nos convidam a ter paciência».

Por conseguinte, é preciso comprometer-se primeiro na preparação do terreno, na amplidão da sementeira. Agir como semeadores confiantes, evitando o medo de quem se ilude de que a colheita depende só de si, ou a atitude desesperada dos alunos, que não tendo feito os deveres, gritam que já não podem fazer mais nada.

7. Bispos orantes

O mesmo texto de Act 6, 1-7 refere-se à oração como a uma das duas tarefas essenciais do Bispo: «Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais confiaremos este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra» (vv. 3-4). Falei de Bispos querigmáticos, agora indico outra característica da identidade do Bispo: homem de oração. A mesma parreéia que deve ter no anúncio da Palavra, que deve ter na oração, tratando com Deus nosso Senhor o bem do seu povo, a salvação do seu povo. Coragem na oração de intercessão como Abraão, que negociava com Deus a salvação daquele povo (cf. Gn 18, 22-23); como Moisés quando se sente impotente na guia do povo (Nm 11, 10-15), quando o Senhor está aborrecido com o seu povo (cf. Nm 14, 10-19), ou quando lhe diz que está para destruir o povo e promete-lhe que o fará chefe de outro povo. Aquela coragem de dizer não, não negocio o meu povo, diante d’Ele! (cf. Êx 32, 11-14.30-32). Um homem que não tem a coragem de discutir com Deus a favor do seu povo não pode ser Bispo — digo-o de coração, estou convencido — nem sequer aquele que não é capaz de assumir a missão de levar o povo de Deus ao lugar que Ele, o Senhor, lhes indica (cf. Êx 32, 33-34).

E isto é válido também para a paciência apostólica: a mesma hypomone que deve exercer na pregação da Palavra (cf. 2 Cor 6, 4) deve tê-la na sua oração. O Bispo deve ser capaz de «ter paciência» diante de Deus, olhando e deixando-se olhar, procurando e deixando-se procurar, encontrando e deixando-se encontrar, pacientemente diante do Senhor. Muitas vezes adormecendo diante do Senhor, mas isto é bom, faz bem!

Parrésia e hypomone na oração forjam o coração do Bispo e acompanham-no na parresia e na hypomone que deve ter no anúncio da Palavra no querigma. É isto que entendo quando leio o versículo 4 do capítulo 6 dos Actos dos Apóstolos.

8. Bispos Pastores

Nas palavras que dirigi aos Representantes Pontifícios, tracei do seguinte modo o perfil dos candidatos ao episcopado: sejam Pastores próximos do povo, «pais e irmãos, sejam mansos, pacientes e misericordiosos; amem a pobreza interior como liberdade para o Senhor e também a exterior como simplicidade e austeridade de vida, que não tenham uma psicologia de “Princípios”; ... que não sejam ambiciosos e que não procurem o episcopado... sejam esposos de uma Igreja, sem andar em busca constante de outra — isto chama-se adultério. Sejam capazes de “vigiar” a grei que lhes será confiada, isto é, de cuidar tudo o que a mantém unida; ... capazes de “vigiar” o rebanho» (21 de Junho de 2013).

Reafirmo que a Igreja precisa de Pastores autênticos; e gostaria de aprofundar este perfil do Pastor. Vejamos o testamento do apóstolo Paulo (cf. Act 20, 17-38). Trata-se do único discurso dirigido aos cristãos pronunciado pelo Apóstolo no livro dos Actos. Não fala aos seus adversários fariseus, nem aos sábios gregos, mas aos seus. Fala a nós. Ele confia os Pastores da Igreja «à Palavra da graça que tem o poder de edificar e de conceder a herança». Portanto, não donos da Palavra, mas entregues a ela, servos da Palavra. Só assim é possível edificar e obter a herança dos santos. A quantos se atormentam com a pergunta sobre a própria herança — «qual é a herança de um Bispo? O ouro ou a prata? — Paulo responde: a santidade. A Igreja permanece quando se dilata a santidade de Deus nos seus membros. Quando do íntimo do seu coração, que é a Santíssima Trindade, esta santidade brota e alcança todo o Corpo. Há necessidade de que a unção do alto escorra até à orla do manto. O Bispo nunca poderá renunciar ao anseio de que o óleo do Espírito de santidade chegue até à última orla da veste da sua Igreja.

O Concílio Vaticano II afirma que aos Bispos «está plenamente confiado o cargo pastoral, ou seja, o cuidado assíduo e diário da grei» (Lumen gentium, 27). É preciso reflectir mais sobre estes dois adjectivos qualificativos da cura da grei: assídua e diária. No nosso tempo, com muita frequência, a assiduidade e a quotidianidade são associadas à routine e ao tédio. Por isso, muitas vezes procura-se fugir para um permanente «algures». Esta é uma tentação dos Pastores, de todos os Pastores. Os padres espirituais devem explicá-lo bem, para que nós o compreendamos e não caiamos. Também na Igreja, infelizmente, não estamos livres deste risco. Por isso é importante reafirmar que a missão do Bispo exige assiduidade e quotidianidade. Penso que neste tempo de encontros e de congressos é muito actual o decreto de residência do Concílio de Trento: é muito actual e seria bom que a Congregação para os Bispos escrevesse algo acerca disto. Ao rebanho serve encontrar espaço no coração do Pastor. Se isto não estiver firmemente ancorado em si mesmo, em Cristo e na sua Igreja, será continuamente agitado pelas ondas em busca de compensações efémeras e não oferecerá abrigo algum ao rebanho.

Conclusão

No final destas minhas palavras questiono-me: onde podemos encontrar homens assim? Não é fácil. Existem? Como podemos seleccioná-los? Penso no profeta Samuel em busca do sucessor de Saul (cf 1 Sm 16, 11-13) que pergunta ao idoso Jessé: «estão aqui todos os teus filhos?», e tendo ouvido que o pequeno David andava a apascentar o rebanho, ordena: «Vai chamá-lo». Também nós não podemos deixar de perscrutar os campos da Igreja procurando quem apresentar ao Senhor para que Ele te diga: «Unge-o: é ele!». Estou certo de que eles existem, porque o Senhor não abandona a sua Igreja. Talvez nós não andemos o suficiente pelos campos à procura deles. Talvez nos sirva a admoestação de Samuel: «Não nos sentaremos à mesa antes que ele tenha vindo aqui». Gostaria que esta Congregação vivesse desta santa inquietação.

 



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