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SHARING THE WISDOM OF TIME / A SABEDORIA DO TEMPO

 DIÁLOGO DO PAPA FRANCISCO
  COM OS JOVENS E IDOSOS  

Instituto Patrístico Augustinianum
Terça-feira, 23 de outubro de 2018

[Multimídia]


 

[Federica Ancona, Itália, 26 anos]

Hoje, nós jovens, estamos sempre expostos a modelos de vida que exprimem uma visão “usa e deita fora”, aquela a que Vossa Santidade chama “cultura do descarte”. Parece-me que hoje a sociedade nos estimule a viver uma forma de individualismo que depois termina na competição. Não me pedem para mostrar o meu valor, mas para ser sempre melhor que os outros. Tenho a impressão de que quem cai neste mecanismo acaba por se sentir fracassado. Qual é, ao contrário, o caminho para a felicidade? Como faço para viver uma vida feliz? Como podemos, nós jovens, olhar para dentro de nós e compreender o que é deveras importante? Como podemos criar relações verdadeiras e autênticas quando à nossa volta tudo parece falso, de plástico?

Papa Francisco:

“Falso e de plástico”: é a cultura da maquilhagem, o que conta são as aparências; o que conta é o sucesso pessoal também à custa de espezinhar o próximo, ir em frente com esta competição que tu dizes — eu tenho aqui as perguntas escritas, para não sair fora do tema —. E a tua pergunta é: como ser felizes neste mercado da competição, neste mercado da aparência? Tu não proferiste a palavra mas eu permito-me dizê-la: neste mercado da hipocrisia; digo-o não em sentido moral, mas em sentido psicológico-humano: mostrar o que não se tem dentro, parecer dum modo mas dentro há o vazio, por exemplo, ou o afã para conseguir algo, não é assim?

Sobre isto sinto que te devo manifestar um gesto, um gesto para explicar o que te pretendo dizer com a minha resposta. O gesto é o seguinte: a mão estendida e aberta. A mão da competição está fechada e prende: prender sempre, acumular, muitas vezes a caro preço, à custa de aniquilar os outros, por exemplo, à custa do desprezo do próximo, mas... esta é competição! O gesto da anti-competição é este: abrir-se. E abrir-se a caminho. A competição geralmente está parada: faz os seus cálculos, muitas vezes inconscientemente, mas está parada, não se põe em jogo; faz cálculos, mas não se põe em questão. Ao contrário, a maturação da personalidade dá-se sempre a caminho, põe-se em questão. Usando uma expressão comum: suja as mãos. Porquê? Porque tem a mão estendida para cumprimentar, para abraçar, para receber. E isto faz-me pensar no que dizem os santos, também Jesus: “há mais alegria em dar do que em receber”. Contra esta cultura que aniquila os sentimentos, há o serviço, servir. E verás que as pessoas mais maduras, os jovens mais maduros — maduros no sentido de desenvolvidos, seguros de si, sorridentes, com sentido do humorismo — são os que têm as mãos abertas, estão a caminho, com o serviço. E a outra palavra: que arriscam. Se tu na vida não arriscares, nunca, nunca serás madura, nunca dirás uma profecia, terás unicamente a ilusão de acumular para te sentires segura. É uma cultura do descarte, mas para aqueles que não se sentem descartados é a cultura da certeza: ter todas as certezas possíveis para estar bem. E vem-me à mente aquela parábola de Jesus: o homem rico que tinha feito uma colheita tão abundante que não sabia onde armazenar o grão. E disse: “Construirei celeiros maiores e assim estarei tranquilo”. A certeza para toda a vida. E Jesus diz que esta história acaba do seguinte modo: «Estulto: esta noite morrerás» (cf. Lc 12, 16-21). A cultura da competição nunca considera o fim; só vê o fim que se propôs no seu coração: conseguir, subir, de qualquer forma, mas sempre espezinhando cabeças. Ao contrário, a cultura da convivência, da fraternidade é uma cultura do serviço, uma cultura que se abre e suja as mãos.

É este o gesto. Não sei, não me quero repetir mas penso que seja esta a resposta essencial à tua pergunta. Queres salvar-te desta cultura que te faz sentir uma fracassada, desta cultura da competição, desta cultura do descarte, queres viver uma vida feliz? Abre: o gesto da mão sempre estendida assim, o sorriso, a caminho, nunca sentada, sempre a caminho, suja as mãos. E serás feliz. Não sei, sinto que devo dizer-te isto.

[Tony e Grace Naudi, de Malta, casados há 43 anos, avós]

Chamo-me Tony. A minha esposa Grace e eu crescemos uma família de quatro filhos, um rapaz e três moças, e temos cinco netos e outro que está para nascer. Como muitas famílias, demos aos nossos filhos uma educação católica, e fizemos o possível para os ajudar a viver a palavra de Deus na sua vida diária. Contudo, não obstante os nossos esforços, como pais, para transmitir a fé, os filhos algumas vezes são muito críticos, contestam-nos, parece que rejeitam a sua educação católica. O que lhe devemos dizer? Para nós a fé é importante. É doloroso ver os nossos filhos e os nossos netos distantes da fé ou muito ocupados com coisas mais mundanas ou superficiais. Diga-nos uma palavra de encorajamento e de ajuda. O que podemos fazer enquanto pais e avós para partilhar a fé com os nossos filhos e os nossos netos?

Papa Francisco:

Há uma coisa que eu disse certa vez, porque me surgiu espontânea, acerca da transmissão da fé: a fé deve ser transmitida “em dialeto”. Sempre. O dialeto familiar, o dialeto... Pensai na mãe daqueles sete jovens sobre a qual lemos no Livro dos Macabeus: por duas vezes a narração bíblica diz que a mãe os encorajava “em dialeto”, na língua materna, porque a fé tinha sido transmitida assim, a fé transmite-se em casa. Sempre. Foram precisamente os avós, nos momentos mais difíceis da história, que transmitiram a fé. Pensemos nas perseguições religiosas do século passado, nas ditaduras genocidas que todos conhecemos: eram os avós que ensinavam os netos a rezar, a fé, e os levavam secretamente ao batismo. Por que não os pais? Porque os pais estavam envolvidos na filosofia do partido, de ambas as partes [nazista e comunista] e, se escapava que batizavam os filhos, teriam perdido o trabalho, por exemplo, ou teriam sido vítimas de perseguições. Uma professora de um destes países contou-me que na segunda-feira depois da Páscoa tinham que perguntar às crianças: “O que comestes ontem em casa?”, simplesmente, e os que diziam “ovos, ovos”, elas tinham que informar e os pais eram punidos. Assim eles [os pais] não podiam transmitir a fé: eram os avós quem o fazia. E tiveram, nestes momentos de perseguição, uma grande responsabilidade nisto, assumida por eles mesmos, e levavam-na por diante, secretamente, com os métodos mais elementares.

Retomo: a fé deve ser transmitida sempre em dialeto: o dialeto de casa. E também o dialeto da amizade, da proximidade, mas sempre em dialeto. O senhor não pode transmitir a fé com o Catecismo: “lê o Catecismo e terás fé”. Não. Pois a fé não são apenas os conteúdos, há a maneira de viver, de avaliar, de rejubilar, de se entristecer, de chorar...: é a vida inteira que conduz a ela. E a sua pergunta é um pouco — permito-me — parece expressar um pouco um sentido de culpa: “Talvez tenhamos falhado na transmissão da fé?”. Não. Não se pode dizer isto. A vida é assim. No início vós transmitistes a fé, mas depois vive-se, e o mundo faz propostas que entusiasmam os filhos ao longo do seu crescimento, e muitos afastam-se da fé porque fazem uma escolha, nem sempre má, mas muitas vezes inconsciente, entre os valores, entram em contacto com ideologias mais modernas e afastam-se. Quis prolongar-me sobre esta descrição da transmissão da fé para dizer o meu parecer. O primeiro aspeto é não se assustar, não perder a paz. A paz, falar sempre com o Senhor: “Nós transmitimos a fé e agora...”. Tranquilos. Nunca procurar convencer, pois a fé, como a Igreja, não cresce por proselitismo, cresce por atração — esta é uma frase de Bento xvi — ou seja, por testemunho. Ouvi-los, acolhê-los bem, os netos, os filhos, acompanhá-los em silêncio.

Vem-me à mente um episódio de um sindicalista — um dirigente, um sindicalista que eu conheci — que com 20/21 anos cedeu à dependência do álcool. Vivia sozinho com a mãe, porque a mãe o tivera quando era moça. Ele embebedava-se. E de manhã via que a mãe saía para ir trabalhar: o trabalho dela era lavar toalhas, camisas, como se lavavam naquele tempo, com uma tábua. Trabalhava o dia todo, e o filho ali... E ele via a mãe, mas fingia que dormia — não tinha trabalho numa época em que havia muito trabalho — e reparava como a mãe parava, olhava para ele com ternura e ia trabalhar. Isto mexeu com ele: aquele silêncio, aquela ternura da mãe desmoronou todas as resistências e um dia ele disse: “Não, não pode ser assim”, mexeu-se, amadureceu e formou uma boa família, uma boa carreira... Silêncio, ternura... Silêncio que acompanha, não o silêncio da acusação, não, aquele que acompanha. É uma das virtudes dos avós. Vimos tantas coisas na vida que com frequência só o silêncio bom, caloroso, pode ajudar.

Depois, se nos questionarmos acerca das causas deste afastamento, há sempre uma só causa que abre as portas às ideologias: os testemunhos negativos. Nem sempre acontece na família, não, a maior parte são testemunhos negativos de pessoas de Igreja: sacerdotes neuróticos, ou pessoas que dizem ser católicas e levam uma vida dupla, incoerências, pelo facto de procurarem dentro das comunidades cristãs coisas que não são valores cristãos... São sempre os testemunhos negativos que afastam da vida [de fé]. E depois, as pessoas recebem estes exemplos negativos, acusam. Dizem: “Eu perdi a fé porque vi isto e aquilo...”. E têm razão. E é necessário apenas outro testemunho, o da bondade, da mansidão, da paciência, o testemunho que deu Jesus na sua paixão, quando Ele sofria e era capaz de comover os corações.

Aos pais e aos avós que têm esta experiência, aconselho muito amor, muita ternura, compreensão, testemunho e paciência. E oração, oração. Pensai em Santa Mónica: venceu com as lágrimas. Era grande. Mas nunca discutir, nunca, porque isto é uma cilada: os filhos querem levar os pais à discussão. Não. Melhor dizer: “Não sei responder a isto, procura noutra parte, mas procura, procura...”. Evitar sempre a discussão direta, porque isto afasta. E sempre o testemunho “em dialeto”, ou seja, com aquelas carícias que eles entendem. Eis.

[Rosemary Lane, Estados Unidos da América, 30 anos]

Tive o privilégio de passar um ano a recolher a sabedoria dos idosos de todo o mundo para o livro «La saggezza del tempo». Aconteceu que perguntei a alguns idosos como enfrentam as suas dificuldades, as suas incertezas em relação ao futuro. Uma mulher sábia, Conny Caruso, disse-me que eu nunca me devo render. Devo trabalhar, lutar, ter confiança na vida. Mas hoje a confiança não pode ser considerada certa. Também de Vossa Santidade eu sinto esta mensagem de confiança. Faz-me refletir que a confiança seja proposta por pessoas que já viveram muitos anos. Nós, jovens, vivemos uma vida difícil, vivemos num mundo instável e cheio de desafios. O que diria, como avô, a jovens que querem ter confiança na vida, que desejam construir um futuro à altura dos seus sonhos?

Papa Francisco:

“O que diria o senhor, como avô, a jovens que querem ter confiança na vida, que desejam construir um futuro à altura dos seus sonhos?”. Eis a pergunta. Fizeste um bom trabalho, com estas entrevistas! É uma boa experiência que nunca esquecerás, nunca! Uma linda experiência.

Parto da última frase: “à altura dos seus sonhos”. Sonhos é a última palavra. E a resposta é a seguinte: começa a sonhar. Sonha tudo. Vem à minha mente aquela bonita canção: «Nel blu dipinto di blu, felice di stare lassù». Sonhar assim, descaradamente, sem vergonha. Sonhar. Sonhar é a palavra. E defender os sonhos como se defendem os filhos. Isto é difícil de compreender mas é fácil de sentir: quando tens um sonho, uma coisa que não sabes como a expressar, mas a preservas e a defendes para que o hábito diário não te prive dela. Abrir-se a horizontes que são contra os fechamentos. Os fechamentos não conhecem os horizontes, os sonhos sim! Sonhar, e seguir os sonhos dos idosos, os sonhos deles; não só ouvi-los, gravá-los, e depois dizer “agora vamos divertir-nos”. Não. Lavai-os em vós. O sonho que recebemos de um idoso é um peso, custa levá-lo por diante. É uma responsabilidade: devemos levá-los por diante.

Há um ícone que vem do Mosteiro de Bose, que se chama “A Sagrada Comunhão”, ou seja, um monge jovem leva por diante um idoso, leva em frente os sonhos de um idoso, e não é fácil, vê-se que nisto tem dificuldade. Nesta pequena imagem tão bonita vê-se um jovem que foi capaz de assumir sobre si os sonhos dos idosos e os leva em frente, para os fazer frutificar. Talvez isto sirva de inspiração. Tu não podes carregar sobre ti todos os idosos, mas os sonhos deles sim, levando-os em frente, leva-os, que te fará bem. Não só ouvi-los e escrevê-los, não: assumi-los e levá-los por diante. E isto muda o teu coração, faz-te crescer, amadurecer. É a maturação própria de um idoso.

Eles, nos sonhos, dir-te-ão também o que fizeram na vida: contar-te-ão os erros, as falências, os sucessos, dir-te-ão isto. Assume-o. Assume toda esta experiência de vida e vai em frente. Este é o ponto de partida.

“O que diria Vossa Santidade aos jovens que querem ter confiança na vida?”: carrega sobre ti os sonhos dos idosos e leva-os por diante. Isto far-te-á amadurecer. Obrigado.

[Fiorella Bacherini, Itália, 83 anos]

Estou preocupada. Tenho três filhos. Um é jesuíta, como o senhor. Escolheram a sua vida e vão em frente pelo seu caminho. Mas olho também ao meu redor, olho para o meu país, para o mundo. Vejo crescer as divisões e a violência. Por exemplo, fiquei muito impressionada pela dureza e pela crueldade das quais fomos testemunhas no tratamento dos refugiados. Não quero discutir de política, falo da humanidade. Como é fácil fazer crescer o ódio entre as pessoas! E vêm-me à mente os momentos e as recordações de guerra que eu vivi quando era criança. Com quais sentimentos o senhor está a enfrentar este momento difícil da história do mundo?

Papa Francisco:

Obrigado! Gostei daquele “não falo de política, mas de humanidade”. É sábio!

Os jovens não têm a experiência das duas guerras. Aprendi isto do meu avô, que combateu na primeira, nas margens do Piave; aprendi muitas coisas da sua narração. Até as canções um pouco irónicas contra o rei e a rainha, aprendi tudo isto. As dores, as dores da guerra... O que deixa uma guerra? Milhões de mortos, no grande massacre. Depois veio a segunda, e eu conheci-a em Buenos Aires, com muitos migrantes que chegaram: numerosíssimos, depois da segunda guerra mundial. Italianos, polacos, alemães, muitíssimos. E ouvindo-os, compreendi que todos nós entendíamos o que é uma guerra, que ali não se conhecia. Acho que é importante que os jovens conheçam os efeitos das duas guerras do século passado: é um tesouro negativo, mas um tesouro para transmitir, para criar consciências. Um tesouro que também fez crescer a arte italiana: o cinema do pós-guerra é uma escola de humanismo. É importante que eles conheçam isto, para não cair no mesmo erro. Que eles conheçam como cresce um populismo: por exemplo, pensemos nos anos de 1932-33 de Hitler, aquele jovem que tinha prometido o desenvolvimento da Alemanha depois de um governo que falhara. Que saibam como começam os populismos.

A senhora disse uma palavra deveras feia, mas muito verdadeira: “semear ódio”. E não se pode viver semeando ódio. Nós, na experiência religiosa da história da religião, pensamos na Reforma: semeamos muito ódio, muito, de ambas as partes, protestantes e católicos. Eu disse isto explicitamente em Lund [na Suécia, no encontro ecuménico], e agora, há cinquenta anos, lentamente, compreendemos que aquele não era o caminho, e procuramos semear gestos de amizade e não de divisão. Semear ódio é fácil, e não apenas no cenário internacional, mas até no bairro. Uma pessoa vai, fala mal de uma vizinha, de um vizinho, semeia ódio, e quando se semeia ódio há divisão, há maldade na vida quotidiana. Semear ódio com comentários, com bisbilhotices... Da grande guerra desço aos mexericos, mas são da mesma espécie. Semear ódio também com intrigas na família, no bairro, significa matar: matar a fama do outro, matar a paz e a concórdia em família, no bairro, no lugar de trabalho, fazer aumentar as invejas, as competições das quais falava a primeira jovem. O que faço eu — era a sua pergunta — quando vejo que o Mediterrâneo é um cemitério? Digo-lhe a verdade, eu sofro, rezo, falo. Não devemos aceitar este sofrimento. Não digamos “mas sofre-se em toda a parte, vamos em frente...”. Não, isto não é bom. Hoje há a terceira guerra mundial em pedaços: um pedacinho aqui, outro ali, lá e lá... Olhai para os lugares de conflito. Falta de humanidade, agressão, ódio entre culturas, entre tribos, também uma deformação da religião para poder odiar melhor. O caminho não é este: esta é a vereda do suicídio da humanidade. Semear ódio, preparar a terceira guerra mundial, que se está a travar em pedaços. E acho que não exagero nisto. Vem-me à mente — e é preciso dizer isto aos jovens — a profecia de Einstein: «A quarta guerra mundial será travada com paus e pedras”, porque a terceira terá destruído tudo. Semear ódio e fazer crescer o ódio, criar violência e divisão é um caminho de destruição, de suicídio, de outras destruições. Isto pode ser encoberto [justificado] com a liberdade, pode ser camuflado com muitos motivos! Aquele jovem do século passado, nos anos 30, disfarçava-o com a pureza da raça; e aqui, os migrantes. Acolher o migrante é um mandato bíblico, porque “tu mesmo foste migrante no Egito” (cf. Lv 19, 34). Depois, pensemos: a Europa foi feita pelos migrantes, muitas correntes migratórias ao longo dos séculos construíram a Europa de hoje, as culturas misturaram-se. E a Europa sabe bem que nos momentos difíceis outros países, da América, por exemplo, tanto do Norte como do Sul, acolheram os migrantes europeus; ela sabe o que isto significa. Antes de expressar um juízo sobre o problema das migrações, nós devemos reconsiderar a nossa história europeia. Eu sou filho de um migrante que partiu para a Argentina, e na América muitas pessoas têm um sobrenome italiano, são migrantes. Foram recebidos de coração, de portas abertas. Mas o fechamento é o início do suicídio! É verdade que os migrantes devem ser acolhidos, acompanhados, mas sobretudo integrados. Se nós acolhermos “assim” [como calha, sem um plano], não prestaremos um bom serviço: há o trabalho da integração. Nisto, a Suécia foi um exemplo há mais de quarenta anos. Eu vivi-o de perto: na época das nossas ditaduras militares, quantos argentinos e uruguaios foram refugiados na Suécia! E foram imediatamente integrados. Escola, trabalho... Integrados na sociedade! E quando estive em Lund, no ano passado, fui recebido no aeroporto pelo Primeiro-Ministro e depois, dado que ele não podia vir para se despedir, enviou uma ministra, acho que da cultura... Na Suécia, onde todos são loiros, ela era um pouco morena: una ministra da cultura assim... Mais tarde eu soube que ela é filha de uma sueca e de um migrante da África. Tão integrada que chegou a ser ministra do país. É assim que funciona a integração! Ao contrário, a tragédia de Zaventem [na Bélgica], que todos nós recordamos, não foi provocada por estrangeiros: foram jovens belgas que a cometeram. Mas jovens belgas que tinham sido guetizados num bairro. Sim, foram recebidos, mas não integrados. O caminho não é este! Um governo deve ter — os critérios são estes — o coração aberto para receber, boas estruturas para construir a senda da integração e também a prudência de dizer: posso até este ponto, mas não além. E por isso é importante que a Europa inteira chegue a um acordo sobre este problema. Pelo contrário, o fardo mais pesado é carregado pela Itália, Grécia, Espanha e, em medida menor, por Chipre, estes três-quatro países... É importante!

Mas, por favor, não semear ódio! E hoje, pediria a todos que por favor olhassem para o novo cemitério europeu: chama-se Mediterrâneo, chama-se Egeu. É isto que lhe quero dizer. E obrigado por ter feito esta pergunta, não por política, mas por humanidade. Obrigado!

[Jennifer Tatiana Valencia Morales, Colômbia, 20 anos]

Reunindo as histórias deste livro, fiquei profundamente impressionada com a vida dos idosos. Vossa Santidade já deve ter ouvido muitas história na sua vida! O que o levou a aceitar este projeto e a ouvir as histórias de vida das pessoas idosas, apresentadas neste livro? Este livro contém muitas histórias de idosos que vivem situações de grande pobreza, pessoas irrelevantes aos olhos do mundo, da sociedade. Ninguém as ouviria. Depois de ouvir histórias de vida, o senhor sente-se sensibilizado, mudado? Vossa Santidade gosta de ouvir histórias de vida? Isto ajuda-o, na sua profissão de Papa?

Papa Francisco:

A última pergunta: “Vossa Santidade gosta de ouvir histórias de vida? Isto ajuda-o, na sua profissão de Papa?”. Sim, gosto, gosto! Quando estou nas audiências de quarta-feira, começo a saudar as pessoas, paro onde há crianças e idosos. E ganho em experiência, muitas experiências quando ouço os idosos. Só vos direi uma, que se refere à família. Certa vez havia um casal que celebrava o 60° aniversário de casamento, mas eram jovens, porque naquela época as pessoas se casavam jovens. Hoje, para fazer com que um filho se case, a mãe deve deixar de passar a ferro as suas camisas, porque caso contrário ele não se vai embora de casa! Mas naquela época as pessoas casavam-se jovens. Eu perguntei-lhes: “Valeu a pena percorrer este caminho?”, e eles, que olhavam para mim, fitaram-se nos olhos e depois voltaram a olhar para mim, e tinham os olhos molhados; então responderam-me: “Estamos apaixonados!”. Eu nunca pensava numa resposta tão “moderna” da parte de um casal que celebrava 60 anos de matrimónio! Encontramos sempre novidades, coisas novas que nos ajudam a ir em frente.

Além disso, mais uma coisa: eu tive uma experiência casual de diálogo com os idosos, quando eu era jovem. Eu gostava de os ouvir. Uma nossa vizinha gostava muito de ópera, e eu adolescente, com 16-17 anos, acompanhava-a à ópera, sim, no “galinheiro” [a galeria], onde era menos caro... Depois, eu falava muito com as minhas duas avós: eu era curioso acerca da vida delas, impressionavam-me. Algo que recordo muito sobre os idosos é uma senhora que vinha a casa para ajudar a minha mãe a lavar: era uma siciliana, imigrante, que tinha dois filhos; vivera a guerra, a segunda guerra, e depois partira com os filhos; ela contava histórias de guerra, e aprendi muito da dor daquelas pessoas, o que significa deixar o país, a ponto que acompanhei aquela mulher até à morte, com 90 anos. E certa vez quando nos separamos e por um meu ato de egoísmo a perdi de vista, sofri muito porque não voltei a encontrá-la.

Tive uma bonita experiência com os idosos; eles não me assustavam. Eu estava sempre com os jovens, mas... E mediante estas experiências entendi a capacidade de sonhar que os idosos têm, porque te dão sempre um conselho: “Vai assim, faz isto... conto-te isso, não te esqueças daquilo...”. Um conselho não imperativo, mas aberto e com ternura. E estes conselhos transmitiam-me um pouco o sentido da história e da pertença. A nossa identidade não é o bilhete de identidade que temos: a nossa identidade tem raízes e, ouvindo os idosos, nós encontramos as nossas raízes, como a árvore, que tem as próprias raízes para crescer, florescer e dar fruto. Se cortares as raízes da árvore, ela não crescerá, não produzirá frutos e talvez morra. Há uma poesia — eu disse-o muitas vezes — uma poesia argentina de um dos nossos grandes poetas, Bernárdez, que reza assim: «O que a árvore tem de florido, deriva daquilo que ela tem de enterrado». Mas não se deve ir às raízes para se fechar ali, como um conservador fechado, não. É preciso fazer — e ouvi isto na sala do Sínodo, foi um destes bispos sábios quem o disse — é preciso fazer como a trufa — a trufa é cara! — ela nasce perto da raiz, assimila tudo e depois, olha que joia, a trufa! E como faz mal para os bolsos, comprar uma!

Tirar a linfa das raízes, as histórias, e isto dá-te a pertença a um povo. E depois é esta pertença que te confere a identidade. Se me disseres: por que existem tantos jovens “líquidos” hoje, nesta liquidez cultural que está na moda, que não sabes se são “líquidos” ou “gasosos”...? Não é culpa deles! É culpa deste separar-se das raízes da história. E não se trata de ser como eles [os idosos], mas de haurir a linfa, como a trufa, de crescer e ir em frente com a história. Identidade, pertença a um povo.

E outra experiência que eu tive, já como sacerdote e como bispo, é aquela que fazem os jovens quando vão visitar um lar de idosos. Em Buenos Aires, uma pequena experiência. [Os jovens diziam:] “Vamos lá? Mas é chato, com os velhos!”. Esta era a primeira reação. Depois vão, com o violão, iniciam... e os anciãos começam a despertar, e no final são os jovens que já não querem sair! Continuam a tocar, porque se cria este vínculo.

Enfim, a figura bíblica: quando Maria e José levam o Menino ao Templo, são dois anciãos que os recebem. Aquele homem sábio [Simeão] que a vida inteira sonhou encontrar, ver o Libertador, o Salvador! E canta aquela liturgia, inventa uma liturgia de louvor a Deus. E a idosa [Ana] que estava no Templo, com a mesma esperança, começa a tagarelar e diz por toda a parte: “É isto, é isso...”, sabe transmitir aquilo que descobriu no encontro com Jesus. Eis a imagem dos dois anciãos! A Bíblia repete que eles são impelidos pelo Espírito. E diz que os jovens, Maria e José, com Jesus, querem observar a Lei do Senhor. É uma imagem muito bonita do diálogo e da riqueza que se transmite nisto, que é riqueza de pertença e de identidade. Não sei se respondi...

[Martin Scorsese, Estados Unidos da América, 75 anos]

Realizo filmes há muito tempo, mas cresci na classe trabalhadora, nos bairros periféricos de Nova Iorque. Ali há uma igreja, a catedral de São Patrício: é a primeira catedral católica de Nova Iorque. Passei muito tempo naquela igreja. Mas fora daquela igreja, a realidade era muito diferente: havia pobreza, violência... Quando eu era criança entendi que os sofrimentos que eu via não estavam na televisão, nem nos filmes: estavam precisamente ali, diante dos meus olhos, eram reais. Compreendi que na rua havia uma verdade e que na igreja se apresentava outra verdade, e que elas não eram, ou não pareciam ser iguais. Foi verdadeiramente muito difícil uni-las, reconciliar estes dois mundos. Muitas vezes o amor de Jesus parecia algo completamente “à parte”, alheio, alieno em relação àquilo que eu via acontecer na rua. Tive sorte, porque os meus pais eram bons, amaram-me, e também porque conheci um sacerdote jovem, extraordinário, que se tornou uma espécie de mentor para mim e para os outros, nos anos da formação. Porém, ainda hoje, olhando ao nosso redor — jornais, televisão — o mundo parece marcado pelo mal. Hoje as pessoas têm muita dificuldade de mudar, de acreditar no futuro. Já não se acredita no bem. Assistimos também aos penosos fracassos humanos na própria instituição da Igreja. Como podemos nós, pessoas idosas, fortalecer e orientar os jovens nas experiências que eles deverão enfrentar na vida? Santo Padre, como pode sobreviver a fé de um jovem ou de uma jovem neste furacão? Como podemos ajudar a Igreja neste esforço? De que modo, hoje, um ser humano pode levar uma vida boa e justa, numa sociedade onde aquilo que impele a agir são avidez e vaidade, onde o poder se manifesta com violência? Como posso viver bem, quando experimento o mal?

Papa Francisco:

“Como, de que modo pode sobreviver a fé de um jovem ou de uma jovem neste furacão? Como podemos ajudar a Igreja neste esforço?”. Eis a pergunta. Trata-se verdadeiramente de um furacão! Quando éramos crianças também se manifestava um fenómeno que sempre existiu, mas não tão forte como agora... Hoje, vê-se mais claramente aquilo que a crueldade pode fazer a uma criança... O problema da crueldade: como se age em relação à crueldade? Crueldade em toda a parte. Crueldade fria nos cálculos, para arruinar o outro... E uma das formas de crueldade que me impressiona, neste mundo dos direitos humanos, é a tortura. Neste mundo, a tortura é pão de todos os dias, parece normal, e ninguém fala. A tortura é a destruição da dignidade humana. Certa vez, eu acompanhava os pais jovens, e falei sobre o modo como corrigir as crianças, como as castigar: às vezes é necessária a “filosofia prática” do bofetão, uma pequena bofetada, mas nunca no rosto, nunca, porque isto tira a dignidade. Vós sabeis onde dá-la — eu dizia aos pais — mas nunca no rosto. E a tortura é como uma bofetada na face, é brincar com a dignidade das pessoas. A violência! A violência para sobreviver, a violência em determinados bairros, onde se não roubares não comes. E isto faz parte da nossa cultura, que nós não podemos negar, porque é a verdade e devemos reconhecê-la.

Mas deixo esta pergunta: como agir em relação à crueldade? A grande crueldade — falei sobre a tortura — e a pequena crueldade que existe entre nós? Como ensinar, como explicar aos jovens que a crueldade é um caminho errado, uma estrada que mata, não apenas a pessoa, mas também a humanidade, o sentido de pertença, a comunidade? E aqui há uma palavra que devemos dizer: a sabedoria do pranto, a dádiva do choro. Diante destas violências, desta crueldade, desta destruição da dignidade humana, o pranto é humano e cristão. Peçamos a graça das lágrimas, porque o pranto enternece o coração, abre o coração. Chorar é fonte de inspiração. Nos momentos mais intensos da sua vida, Jesus chorou. No momento em que Ele viu o fracasso do seu povo, chorou sobre Jerusalém. Chorar. Não tenhais medo de chorar por estas coisas: somos humanos.

Além disso, é preciso compartilhar a experiência; e volto a falar do dialeto e da empatia. Compartilhar a experiência com empatia, com os jovens: não se pode manter uma conversa com um jovem, sem empatia. Onde encontro esta empatia? Não condenar os jovens, assim como os jovens não devem condenar os idosos, mas ter empatia: empatia humana. Eu vou-me embora, porque sou velho, mas tu permanecerás, e esta é a empatia da transmissão dos valores.

E depois, a proximidade. A proximidade faz milagres. A não-violência, a mansidão, a ternura: estas virtudes humanas que parecem pequenas, mas são capazes de superar os conflitos mais difíceis, mais desagradáveis. Proximidade, como fez você quando era criança aproximando-se daquelas pessoas que sofriam muito, e dali talvez tenha adquirido a sabedoria que hoje nos mostra nos seus filmes. Proximidade àqueles que sofrem. Não ter medo. Proximidade aos problemas. E proximidade entre jovens e idosos. São poucas coisas: mansidão, ternura e proximidade. É assim que se transmite uma experiência e que se faz amadurecer. Os jovens, nós mesmos e a humanidade.

Estou-vos grato por todas estas perguntas e por esta vossa reflexão, que me fez falar um pouco demais! Agradeço o vosso trabalho, obrigado a vós, jovens sinodais, e a vós, idosos. Peço-vos que rezeis por mim. Obrigado!

 



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