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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

CELEBRAÇÃO DA PALAVRA COM OS EDUCADORES DA FÉ

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Granada, 5 de Novembro de 1982

 

"Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu e da terra porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isto foi do Teu agrado" (Mt 11, 25-26).

1. Desejo, queridos irmãos e irmãs, pronunciar convosco estas palavras de bênção que Cristo Jesus dirige ao Pai.

Glorifica-O porque o Pai é "Senhor do céu e da terra". E glorifica-O pelo dom da Revelação. Em certo sentido, a Revelação é o primeiro fruto da complacência de Deus para com os homens. Deus sentiu desde a eternidade complacência no homem, e por isso revelou no tempo a Si mesmo e os planos misericordiosos da sua vontade: "Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria — dizem as palavras do Concilio Vaticano II — revelar-Se a si mesmo e tornar conhecido o mistério da sua vontade (cf. Ef 1, 9), pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, e no Espirito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2, 18; 2 Ped 1, 4)" (Dei Verbum, 2).

Vós, "educadores na fé", realizais um especial serviço à Revelação divina, inspirando-vos nessa eterna complacência que reside em Deus mesmo.

Sois ao mesmo tempo discípulos e apóstolos de Cristo. A Ele, precisamente a Ele "tudo foi entregue" pelo Pai (Mt 11, 27). N'Ele manifestou o Pai tudo quanto devia ser revelado à humanidade do tesouro da sua divina complacência: "E ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11, 27).

Queridos irmãos e irmãs: o Filho deseja revelar-vos toda a verdade do amor de Deus, para que vós a anuncieis aos outros homens, pois que sois educadores na fé.

2. Unidos nesse amor do Pai, encontro-me hoje com os Pastores desta região, com todos vós que tendes na Espanha a importante missão de educar na fé, e com todos vós aqui presentes, vindos sobretudo das dioceses da Andaluzia e de Murcia.

Um quadro estupendo para este encontro é-nos oferecido pela bela cidade de Granada, uma das jóias artísticas da Espanha, que evoca acontecimentos transcendentais na história da Nação e da sua unidade.

Conheço a antiquíssima tradição da fé cristã destas Igrejas, o admirável testemunho dos vossos mártires, a vitalidade manifestada já no Concílio de Elvira, nos alvores do século IV. Aquela fé recebida nos primeiros tempos do cristianismo, continua arraigada na vida pessoal e familiar e na religiosidade popular das vossas gentes, manifestada sobretudo na devoção aos mistérios da Paixão do Senhor, da Eucaristia e no amor filial à Virgem Maria.

Para ajudar a manter e fortificar essa fé, estas terras tiveram a ventura de dispor de exemplares educadores cristãos. Entre eles, Frei Hernando de Talavera, o célebre arcebispo catequista que tão bem soube expor os mistérios cristãos a judeus e muçulmanos. E em tempos recentes destes à educação na fé mestres de grande estatura como o Bispo de Málaga, Dom Manuel González, o estupendo pedagogo Dom André Manjón, fundador das escolas e Seminário de Mestres do "Ave Maria", e o insigne Padre Poveda, fundador da benemérita Instituição Teresiana.

Eles uniram-se a outros admiráveis educadores cristãos procedentes de outras partes da Espanha; entre eles. Santo António Maria Claret e Dom Daniel Llorente. Figuras, todas elas, luminosas e extraordinárias, que se adiantaram à renovação catequética de tempos posteriores culminados no último Concílio Ecuménico. Figuras que continuam a ser um exemplo eloquente para todos os que hoje devem continuar a missão de educar na fé as novas gerações.

3. Essa missão que é um dever eclesial: "Ai de mim se não evangelizar" (1 Cor 9, 16), continua a ter nos nossos dias uma transcendental importância, para poder conduzir os fiéis — crianças, jovens e adultos —, através das diversas formas de catequese e educação cristã, ao centro da Revelação: Cristo. Por isso escrevi na minha primeira Encíclica: "A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, de modo particular, do nosso, é a de dirigir o olhar do homem e de orientar a consciência e a experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo, de ajudar todos os homens a terem familiaridade com a profundeza da Redenção que se realiza em Cristo Jesus" (Re-demptor hominis, 10).

Tal missão não é privativa dos ministros sagrados ou do mundo religioso, mas deve abranger os âmbitos dos leigos, da família, da escola. Todo o cristão deve participar no trabalho de formação cristã. Deve sentir a urgência de evangelizar "porque, se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar pois que me é imposta essa obrigação" (2 Cor. 9, 16).

Sobretudo hoje é necessário e urgente o referido trabalho, que ajude cada cristão a manter e desenvolver a sua fé na conjuntura de rápidas transformações sociais e culturais que a sociedade espanhola está a experimentar.

Para isso deve-se revitalizar a educação na fé, ministrando uma profunda formação religiosa; estabelecendo a orgânica concatenação entre a catequese infantil, juvenil e de adultos, e acompanhando e promovendo durante toda a vida cristã o crescimento da fé. Porque uma "minoria de idade" cristã e eclesial, não pode suportar as investidas de uma sociedade secularizada de maneira crescente.

Por estas razões, a catequese de jovens e adultos deve ajudar a converter em convicções profundas e pessoais os sentimentos e as vivências talvez não suficientemente arraigados na infância. Deste modo a tarefa educadora encontra toda a sua panorâmica e amplitude para levar a todos a novidade da vida em Cristo. A fé cristã, de facto, comporta para o crente uma busca e aceitação pessoal da verdade, superando a tentação de viver na dúvida sistemática, e sabendo que a sua fé "longe de partir do nada, de simples ilusões, de opiniões falíveis e de incertezas, está baseada na Palavra de Deus, que não se engana e nem engana" (Catechesi tradendae, 60). Por isso, a catequese deve dar também "aquelas certezas simples, mas sólidas, que os ajudarão a procurar mais e melhor o conhecimento do Senhor" (ibid.).

A partir daí deve-se abrir ao cristão a perspectiva nova que abrange e orienta toda a sua existência, oferecendo-lhe com o programa cristão "razões para viver e razões para esperar" (Gaudium et spes, 31). Nessa linha pode encontrar o seu lugar de honra, no momento presente, o educador católico, orientando o seu esforço para uma formação integral que dê as respostas válidas oferecidas pela Revelação sobre o sentido do homem, da história e do mundo (cf. O leigo católico testemunha da fé, 28 - Sagrada Congregação para a Educação católica).

4. Embora a educação na fé seja uma tarefa que abrange toda a vida, há momentos do processo cristão que necessitam uma particular atenção, como os da iniciação cristã, a adolescência, escolha de estado e outras circunstâncias, de maior relevo na vida pessoal; depois de uma crise religiosa ou quando foram vividas dolorosas experiências. São momentos que deverão ser seguidos com maior cuidado para fazer que cada um escute oportunamente a chamada de Deus (cf. Mt 11, 28).

Para poder oferecer essa ajuda eficaz na educação na fé, é necessário e imprescindível formar de modo sólido os catequistas e educadores, dando-lhes uma adequada preparação bíblica, teológica, antropológica e que se lhes ensine a viver antes de tudo pessoalmente essa fé, para catequizar os outros com a palavra e sobretudo com a integra profissão da fé, assumida como estilo de vida.

Esta atitude exige a entrega total, de uma parte, à vivência da fé e, por outra, ao serviço da mesma e dos demais. O Apóstolo assim sublinha na leitura que escutámos: "Sendo completamente livre, fiz-me servo de todos para ganhar a todos" (1 Cor 9, 19). Ao utilizar a palavra "servo", São Paulo destaca a entrega total ao serviço da fé e daqueles a quem serve.

Ainda mais eloquentes são as suas palavras: "Com os fracos, fiz-me fraco, para os ganhar. Fiz-me tudo, para todos, para salvar alguns a todo o custo" (ibid., v. 22). O Apóstolo é um homem realista', compreende que a sua fadiga só produz frutos parciais. Todavia, entrega-se inteiramente: "E faço tudo por causa do Evangelho, para participar dele" (ibid., v. 23).

Sim, o Evangelho não só se transmite, mas dele se participa. Quem mais participa, transmite de maneira mais amadurecida; e quem transmite mais generosamente, de maneira mais profunda participa. Enfim, o anúncio do Evangelho, o serviço à fé, é aproximar Cristo dos homens e aproximar os homens de Cristo. Então se cumprem as suas palavras: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei" (Mt 11, 28).

5. Dentro do vasto campo da educação na fé, os Bispos espanhóis, na sua última Assembleia plenária escolherem como tarefa prioritária o serviço à fé, e chamaram a atenção sobre a importância da transmissão da mensagem cristã mediante a catequese e a educação religiosa escolar.

É um campo que merece muita solicitude pastoral. Não há dúvida de que a paróquia deve continuar a sua missão privilegiada de formadora na fé; não há dúvida de que os pais devem ser os primeiros catequistas dos seus filhos. Contudo, não se pode deixar de ter em conta a transmissão da mensagem de salvação com o ensino religioso na escola, particular e pública. Sobretudo num País, em que a grande maioria dos pais pede o ensino religioso para os seus filhos no período escolar. Esse ensino deverá ser ministrado com a devida discrição, com pleno respeito à justa liberdade de consciência, mas respeitando ao mesmo tempo o direito primordial dos pais, primeiros responsáveis da educação dos seus filhos (cf. João Paulo II, Aos Bispos da Província eclesiástica de Saragoça, na sua visita "ad limina", 2 de Fevereiro de 1982).

Por sua parte, os mestres e educadores católicos podem ter, também no campo religioso, um papel de primeira importância. Neles confiam tantos pais e confia a Igreja para se obter essa formação integral da infância e da juventude, das quais, afinal, depende que o mundo futuro esteja mais perto ou mais longe de Jesus Cristo (cf. O leigo católico testemunha da fé, 81).

6. "Bendigo-Te, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e as revelaste aos pequeninos". Estas palavras abriram o nosso encontro. Durante ele, na nossa mente estava sempre presente a figura de um vasto e importantíssimo sector dos educandos na fé: as crianças. A elas quero referir-me agora de modo directo.

Vós, queridos meninos e meninas da Espanha, sois os primeiros a conhecer tantas coisas da Revelação que se escondem aos maiores. Sois por isso os predilectos de Jesus. Em vós, os pequenos, bendisse Ele o Pai, porque nos tornou participantes de verdades e vivências que estão escondidas aos sábios. Diante da vossa bondade, simplicidade, sinceridade e amor a todos, proclamava Ele: "Deixai as criancinhas e não as impeçais de vir a Mim, pois delas é o reino dos céus" (Mt 19, 14). A vossa inocência e ausência de mal faz também Jesus dizer que "se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no reino dos céus" (Mt 18, 3).

Ao falar-vos de Granada, durante este acto dedicado à educação na fé, o Papa quer dizer-vos que vos tem muito presentes na sua mente e no seu coração; e deseja recomendar-vos que tomeis com muito empenho a vossa formação na catequese, tanto na paróquia como na escola ou colégio e na instrução religiosa recebida dos vossos pais. Assim, pouco a pouco, aprendereis a conhecer e a amar a Jesus, a dirigir-vos cada dia a Ele com as orações, a invocar a nossa Mãe do céu, a Virgem Maria, a comportar-vos bem em cada momento e agradar a Deus, que nos contempla sempre com olhar de Pai.

Eu rezo por vós, mando-vos um abraço e bênção como amigo das crianças e peço-vos que rezeis também por mim. Verdade que o fareis?

7. Queridos educadores na fé: Diante deste estupendo panorama de um mundo a catequizar, para o aproximar de Cristo. Diante de tantos adultos, jovens e crianças, que reclamam uma fiel entrega à causa do Evangelho, com que vigor e convicção ressoam neste encontro as palavras do Apóstolo: "Se anuncio o Evangelho, não tenho de que me gloriar pois que me é imposta essa obrigação: ai de mim, se não evangelizar! (1 Cor 9, 16). Oxalá estas palavras se gravem profundamente nos vossos corações, queridos irmãos e irmãs.

O Apóstolo continua: "Se o fizesse espontaneamente, obteria recompensa; mas, não sendo de maneira espontânea, é um cargo que me está confiado". (1 Cor 9, 17).

Sim, trata-se de um cargo, confiado a administradores. Recordai esta expressão: "dispensadores da Revelação divina". E dado que essa Revelação procede da complacência de Deus para com os homens, então, indirectamente, sois também dispensadores daquela complacência, daquele amor eterno. Havereis de orar e esforçar-vos para que os vossos educandos na fé recebam de vós não apenas a palavra da verdade revelada, mas também esse amor do qual nasce a Revelação e que nela se expressa e realiza.

Por isso o Apóstolo acrescenta imediatamente referindo-se àqueles porque cumprem o serviço de dispensadores: "Em que consiste, pois, o meu mérito? Em que, ao evangelizar, faço-o gratuitamente, sem fazer valer os direitos que a evangelização me concede" (1 Cor 9, 18). Pois o Evangelho lhes atribui o direito ao sustento, se o serviço espiritual ocupa todo o seu tempo e absorve todas as suas forças. Contudo, a recompensa maior, segundo o Apóstolo, está em poder anunciar o Evangelho. Poder ser dispensadores das Palavras e do Amor de Deus, ser colaboradores e apóstolos de Jesus Cristo.

"Ai de mim se não evangelizar!".

Queridos educadores na fé: Seja Cristo a recompensa das vossas fadigas, cumpridas com desinteresse e magnanimidade em todas as Igrejas da Espanha. Que esta fadiga produza colheitas de cem por um. Assim o peço à Virgem das Angústias, Padroeira de Granada.

 



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