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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

CELEBRAÇÃO DA PALAVRA E ACTO MARIANO
 DE CONSAGRAÇÃO DA ESPANHA À NOSSA SENHORA

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Saragoça, 6 de Novembro de 1982

 

Queridos Irmãos no Episcopado
Queridos Irmãos e Irmãs

1. Os caminhos marianos trazem-me esta tarde a Saragoça. Na sua viagem apostólica por terras espanholas, o Papa faz-se hoje peregrino às margens do Ebro. A cidade mariana da Espanha. Ao Santuário de Nossa Senhora do Pilar.

Vejo assim cumprir-se um anseio, que já antes eu desejava poder realizar, de me prostrar como filho devoto de Maria diante do Pilar sagrado. Para render a esta boa Mãe a minha homenagem de filial devoção, e fazê-lo unido ao Pastor desta diocese, aos outros Bispos e a vós, queridos aragoneses, riojanos, sorianos e espanhóis todos, neste acto mariano nacional.

Peregrino a este santuário, como nas minhas precedentes viagens apostólicas que me levaram a Guadalupe, Jasna Gora, Knock, Nossa Senhora da África, "Notre Dame", Altötting, Aparecida, Fátima, Luján e outros santuários, recintos de encontro com Deus e de amor à Mãe do Senhor e nossa.

Estamos em terras de Espanha, com razão denominada terra de Maria. Sei que, em muitos lugares deste País, a devoção mariana dos fiéis encontra expressão concreta em tantos e tão venerados santuários. Não podemos mencioná-los todos. Mas como não nos prostrarmos espiritualmente, com reverente afecto, diante da Mãe de Covadonga, de Begonha, de Aránzazu, de Ujué, de Monserrate, de Valvanera, da Almudena, de Guadalupe, dos Desamparados, do Lluch, do Rocio, do Pino?

Destes santuários e de todos os outros não menos veneráveis, onde vos unis com frequência no amor à única Mãe de Jesus e nossa, é hoje um símbolo o Pilar. Um símbolo que nos congrega n'Aquela a quem, de qualquer rincão da Espanha, todos chamais com o mesmo nome: Mãe e Senhora nossa.

2. Seguindo tantos milhões de fiéis que me precederam, venho como primeiro Papa peregrino ao Pilar, como sinal da Igreja peregrina de todo o mundo, colocar-me sob a protecção da nossa Mãe, estimular-vos no vosso arraigado amor mariano, dar graças a Deus pela presença singular de Maria no mistério de Cristo e da Igreja em terras espanholas, e depositar nas suas mãos e no seu coração o presente e o futuro da vossa Nação e da Igreja na Espanha.

O Pilar e a sua tradição evocam para vós os primeiros passos da evangelização da Espanha.

Aquele templo de Nossa Senhora que, no momento da reconquista de Saragoça, é indicado pelo seu Bispo como muito estimado pela sua antiga fama de santidade e dignidade; que já por vários séculos antes recebe mostras de veneração, encontra continuidade na actual Basílica mariana. Por ela continuam a passar multidões de filhos da Virgem, que chegam para orar diante da sua Imagem e para venerar o Pilar bendito.

Essa herança de fé mariana de tantas gerações, há-de converter-se não só em recordação de um passado, mas em ponto de partida para Deus. As orações e sacrifícios oferecidos, o pulsar vital de um povo, que expressa diante de Maria as suas seculares alegrias, tristezas e esperanças, são pedras novas que elevam a dimensão sagrada de uma fé mariana.

Porque nessa continuidade religiosa, a virtude engendra nova virtude. A graça atrai graça. E a secular presença de Santa Maria, vai arraigando-se através dos séculos, inspirando e encorajando as gerações sucessivas. Deste modo consolida-se a difícil subida de um povo para o alto.

3. Um aspecto característico da evangelização na Espanha é a sua profunda vinculação com a figura de Maria. Por meio dela, através de mui diversas formas de piedade, chegou a muitos cristãos a luz da fé em Cristo, Filho de Deus e de Maria. E quantos cristãos vivem hoje também a sua comunhão de fé eclesial sustentados pela devoção a Maria, tornada assim coluna dessa fé e guia segura para a salvação!

Recordando essa presença de Maria, não posso deixar de mencionar a importante obra de Santo Ildefonso de Toledo "Sobre a virgindade perpétua de Santa Maria", na qual expressa a fé da Igreja sobre este mistério. Com fórmula precisa indica: "Virgem antes da vinda do Filho, virgem depois da geração do Filho, virgem com o nascimento do Filho, virgem depois de nascido o Filho" (c. 1: PL 96, 60).

O facto de que a primeira grande afirmação mariana espanhola tenha consistido numa defesa da virgindade de Maria, foi decisivo para a imagem que os espanhóis têm d'Ela, a quem chamam "a Virgem", ou seja, a Virgem por antonomásia.

Para iluminar a fé dos católicos espanhóis de hoje, Bispos desta Nação e a mesma Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé recordavam o sentido realístico dessa verdade de fé (cf. Nota de 1 de Abril de 1978). De modo virginal, "sem conhecer varão e por obra do Espírito Santo" (Lumen gentium, 63), Maria deu a natureza humana ao Filho eterno do Pai. De modo virginal, nasceu de Maria um corpo santo animado de uma alma racional, ao qual o Verbo se uniu hipostaticamente.

Éa fé que o Credo amplo de Santo Epifânio expressava com o termo "sempre Virgem" (DS 44) e que o Papa Paulo VI unia na fórmula ternária de virgem "antes do parto, no parto e perpetuamente depois do parto" (DS 1880). A mesma ensinada por Paulo VI: "cremos que Maria é a Mãe, sempre Virgem, do Verbo Encarnado" ("Credo" do Povo de Deus, 30 de Junho de 1968). A que haveis de manter sempre em toda a sua amplitude.

O amor mariano foi na vossa história fermento de catolicidade. Impulsionou os povos da Espanha a uma firme devoção e à intrépida defesa das grandezas de Maria, sobretudo na sua Imaculada Conceição. Nisto porfiavam o povo, as associações, confrarias e instituições universitárias, como as desta cidade, de Barcelona, Alcalá, Salamanca, Granada, Baeza, Toledo, Santiago e outras. E é o que impulsionou também a transplantar a devoção mariana ao Novo Mundo descoberto pela Espanha, que dela sabe tê-la recebido e que tão viva a mantém.

Tal facto suscita aqui, no Pilar, ecos de comunhão profunda diante da Padroeira da Hispanidade. É-me grato recordá-lo hoje, a dez anos de distância do V centenário do descobrimento e da evangelização da América. Um encontro ao qual a Igreja não pode faltar.

4. O Papa Paulo VI escreveu que "na Virgem Maria tudo é referido a Cristo e tudo depende d'Ele" (Marialis cultus, 25). Isto tem uma especial aplicação no culto mariano. Todos os motivos que encontramos em Maria para lhe tributar culto, são dom de Cristo, privilégios depositados nela por Deus, para que fosse a Mãe do Verbo. E todo o culto que lhe tributamos, redunda em glória de Cristo, ao mesmo tempo que o culto mesmo a Maria nos conduz a Cristo.

Santo Ildefonso de Toledo, a mais antiga testemunha dessa forma de devoção que se chama escravidão mariana, justifica a nossa atitude de escravos de Maria pela singular relação que Ela tem com o que se refere a Cristo: "Por isso sou teu escravo, porque o meu Senhor é o teu Filho. Por isso tu és a minha Senhora, porque és escrava do meu Senhor. Por isso sou o escravo da escrava do meu Senhor, porque foste feita mãe do teu Senhor. Por isso eu me fiz escravo, porque foste feita mãe do meu Criador" (De virginitate perpetua Sanctae Mariae, 12:PL96, 106).

Como é óbvio, estas reais relações existentes entre Cristo e Maria fazem que o culto mariano tenha a Cristo como objecto último. Com toda a clareza entendeu-o o mesmo Santo Ildefonso: "Pois assim se refere ao Senhor o que serve a escrava; assim redunda ao Filho o que se entrega à Mãe; assim passa ao rei a honra que se presta em serviço da rainha" (c. 12: PL 96, 108). Compreende-se, então, o duplo destinatário do desejo que o mesmo Santo expressa, ao falar com a Santíssima Virgem: "que me concedas entregar-me a Deus e a Ti, ser escravo do teu Filho e Teu, servir o teu Senhor e a Ti" (c. 12:PL96 105).

Não faltam estudiosos que crêem poder sustentar que a mais popular das orações a Maria — depois da "Ave Maria" — foi composta na Espanha, e que o seu autor seria o Bispo de Compostela, S. Pedro de Mezonzo, nos fins do século X; refiro-me à oração "Salve".

Esta oração culmina na petição: "Mostrai-nos Jesus". É o que Maria realiza constantemente, como está plasmado no gesto de tantas imagens da Virgem, espalhadas pelas cidades e povoados da Espanha. Ela, com o seu Filho nos braços, como aqui no Pilar, mostra-O a nós sem cessar como "o caminho, a verdade e a vida" (Jo14, 6). Às vezes, com o Filho morto no seu regaço, recorda-nos o valor infinito do sangue do Cordeiro que foi derramado pela nossa salvação (cf.1 Ped18 s.;Ef1, 7). Em outras ocasiões, a sua imagem, ao inclinar-se para os homens, aproxima o seu Filho de nós e faz-nos sentir a aproximação daquele que é revelação radical da misericórdia (cf. Dives in Misericordia, 8), manifestando-se assim, Ela mesma, como Mãe da misericórdia (ibid., 9).

As imagens de Maria recolhem deste modo um ensinamento evangélico de primordial importância. Na cena das bodas de Caná, Maria disse aos servidores: "Fazei o que Ele vos disser" (Jo2, 5). A frase poderia parecer limitada a uma situação transitória. Contudo, como sublinha Paulo' VI (cf. Marialis cultus, 57), o seu alcance é muito superior: é uma permanente exortação a que nos abramos ao ensinamento de Jesus. Deste modo realiza-se uma plena consonância com a voz do Pai no Tabor: "Este é o Meu Filho muito amado, no Qual pus todo o Meu enlevo; escutai-O" (Mt17, 5).

Isto amplia o nosso horizonte para umas perspectivas insondáveis. O plano de Deus em Cristo era fazer-nos conformes à imagem do seu Filho, para que Ele fosse "o primogénito entre muitos irmãos" (Rom8, 29). Cristo veio ao mundo "para que recebêssemos a adopção" (Gál4, 5), para nos outorgar o "poder de chegarmos a ser filhos de Deus" (Rom1, 12). Pela graça somos filhos de Deus e, apoiados no testemunho do Espírito, podemos clamar:Abba, Pai(cf.Rom8, 15 s.;Gál4, 6 s).Jesus fez, por sua morte e ressurreição, que o seu Pai fosse nosso Pai(cf.Jo20.17).

E para que a nossa fraternidade com Ele fosse completa, quis depois que a sua Mãe Santíssima fosse nossa Mãe espiritual. Esta Maternidade, para que não ficasse reduzida a um mero título jurídico, realizou-se, por vontade de Cristo, mediante uma colaboração de Maria na obra salvífica de Jesus, ou seja "na restauração da vida sobrenatural das almas" (Lumen gentium, 61).

5. Um pai e uma mãe acompanham os seus filhos com solicitude. Esforçam-se eles numa constante acção educativa. A esta luz adquirem o seu pleno sentido as vozes concordes do Pai e de Maria: Escutai a Jesus, fazei o que Ele vos disser. É o conselho que cada um de nós deve procurar assimilar, e do qual desde o início do meu Pontificado quis fazer-me eco: "Não temais; abri de par em par as portas a Cristo" (cf.AAS70, 1978, 947).

Maria, por sua parte, é exemplo supremo desta atitude. Ao anúncio do anjo, responde com um sim incondicional: "Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc1, 38). Ela abre-se à Palavra eterna e pessoal de Deus, que no seu seio tomará carne. Precisamente este acolhimento torna-a fecunda: Mãe de Deus e Mãe nossa, porque é nessa hora que tem início a sua cooperação na obra salvífica.

Essa fecundidade de Maria é sinal da fecundidade da Igreja (Lumen gentium, 63 s): Abrindo-nos à palavra de Cristo, acolhendo-O e o seu Evangelho, cada membro da Igreja será também fecundo na sua vida cristã.

6. O Pilar de Saragoça foi sempre considerado como o símbolo da firmeza de fé dos espanhóis. Não nos esqueçamos de que a fé sem obras é morta (cf.Tg2, 26). Aspiremos à "fé que actua pela caridade" (Gal5, 6). Que a fé dos espanhóis, à imagem da fé de Maria, seja fecunda e operante! Que ela se torne solicitude para com todos, especialmente para com os mais necessitados, marginalizados, deficientes, doentes e os que sofrem no corpo e na alma.

Como sucessor de Pedro desejei visitar-vos, amados filhos da Espanha, para vos encorajar na vossa fé e infundir-vos esperança. O meu dever pastoral obriga-me a exortar-vos a uma coerência entre a vossa fé e as vossas vidas. Maria, que na vigília do Pentecostes intercedeu para que o Espírito Santo descesse sobre a Igreja nascente (cf.Act1, 14), interceda também agora. Para que esse mesmo Espírito produza um profundo rejuvenescimento cristão na Espanha. Para que esta saiba recolher os grandes valores da sua herança católica e enfrentar com valentia os desafios do futuro.

7. Dou profundas graças a Deus pela presença singular de Maria nesta terra espanhola que tantos frutos produziu. E quero finalmente recomendar-te, Virgem Santíssima do Pilar, a Espanha inteira, todos e cada um dos seus filhos e povos, a Igreja na Espanha, assim como também os filhos de todas as Nações hispânicas.

Deus te salve, ó Maria,
Mãe de Cristo e da Igreja!
Deus te salve, vida, doçura e esperança nossa!

Aos teus cuidados confio esta tarde
as necessidades de todas as famílias da Espanha,
as alegrias das crianças,
a aspiração dos jovens,
os desvelos dos adultos,
o sofrimento dos doentes
e o sereno entardecer dos anciãos.

Recomendo-te a fidelidade
e abnegação dos ministros do teu Filho,
a esperança dos que se preparam para esse ministério,
a alegre doação das virgens do claustro,
a oração e solicitude dos religiosos e das religiosas,
a vida e o empenho de quantos trabalham pelo reino de Cristo nestas terras.

Nas tuas mãos deponho a fadiga
e o suor dos que trabalham com as suas;
a nobre dedicação dos que transmitem o seu saber e o esforço dos que aprendem;
a linda vocação dos que com a sua ciência
e serviço aliviam o sofrimento alheio;
o trabalho dos que, com a sua inteligência, buscam a verdade.

No teu coração deixo os anseios dos que,
mediante as actividades económicas,
procuram com honradez a prosperidade dos seus irmãos;
dos que, ao serviço da verdade,
informam e formam rectamente a opinião pública;
de quantos, na política,
nas funções militares,
nos trabalhos sindicais ou no serviço da ordem pública,
prestam a sua honesta colaboração em favor de uma justa,
pacífica e segura convivência.

Virgem Santa do Pilar:
Aumenta a nossa fé,
consolida a nossa esperança,
torna mais viva a nossa caridade.

Socorre os que padecem infortúnios,
 os que sofrem solidão,
ignorância,
fome ou falta de trabalho.

Fortalece os fracos na fé.

Fomenta nos jovens a disponibilidade
 para uma total entrega a Deus.

Protege a Espanha inteira e os seus povos,
os seus homens e as suas mulheres.
E assiste maternalmente,
ó Maria, a quantos te invocam como Padroeira da Hispanidade.
Assim seja.

 



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