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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

HOMILIA DO SANTO PADRE
NA CELEBRAÇÃO DA PALAVRA
AOS FIÉIS REUNIDOS NO CONJUNTO HABITACIONAL
 
«VIRGEM DOS POBRES»

Maceió, 19 de Outubro de 1991

 

Ide vós também, para a minha vinha” (Mt 20, 4).

1. Assim fala no Evangelho o dono da vinha, aos operários que ele contrata para trabalhar em distintas horas do dia. Assim fala também, desde o início da história do homem sobre a terra o Deus-Criador, o Dono Absoluto do universo: “Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e dominai-a” ( Gn 1, 28). Esta frase do livro do Gênesis, indica as diretrizes essenciais da vocação do homem sobre a terra: família e trabalho. De fato, todos os homens e mulheres devem nascer e crescer numa família, que encontra o sustento no trabalho de seus membros.

“Ide trabalhar!” fala o Divino Senhor às gerações sempre novas, nas diversas horas da história e nos mais variados lugares em que habita o ser humano. Também aqui, neste grande e vasto País, pátria de tantas gerações, do passado, do futuro, e de hoje, Ele repete: “Ide vós também, para a minha vinha”. A todos, Ele insiste: “Ide trabalhar na minha vinha”.

2. O trabalho, a vocação ao trabalho, é a vocação de todos os homens. O homem deve tomar parte na obra criadora de Deus, deve completá-la de modo criativo, transformando a natureza na medida das suas necessidades e dos seus objetivos, “humanizando” a gigantesca matéria do mundo criado, conforme a vontade do Criador e segundo as leis que Ele deu à criação. O homem criado à imagem e semelhança de Deus, deve exprimir esta semelhança através do trabalho e de sua inteligência. “ A glória de Deus é o homem vivo” (S. Irenaei Adversus Haereses, IV,20,7: PG 7,1057) . Toda a criação visível, todo o mundo material convoca o homem para glorificar o Criador cumprindo a tarefa que Ele lhe confiou: Ide trabalhar na minha vinha!

3. Entramos assim no tema que nos trouxe hoje aqui, em que se unem dois tópicos de importância capital para o homem: o trabalho e a moradia. O trabalho humano deve revestir-se de amor sobretudo naquele pequeno espaço vital, no qual os homens vivem em comum como família: o casal e os filhos. Existe uma estreita ligação entre o trabalho e a casa. O homem mora, para trabalhar. Mas também, o homem trabalha para morar, para alcançar as condições de revestir pelo amor sua vida no lar.

O Concílio Vaticano II, afirmou que “com o seu trabalho, ordinariamente, o homem sustenta-se a si e à família, associa-se aos seus irmãos e presta-lhes serviços, pode exercer a verdadeira caridade e cooperar no aperfeiçoamento da criação divina” ( Gaudium et spes, 67). Estas condições ideais, conferem ao trabalho humano tal valor e dignidade, que o tornam capaz de assemelhar-se àquele que o mesmo Cristo desempenhou na Sua humilde casa de Nazaré. O Senhor nos ensinou o sentido profundo desta verdade, hoje, sem dúvida, patrimônio comum da nossa fé, e o Concílio promulgou-a definitivamente, conclamando a todos à santidade no meio do mundo através do próprio trabalho. Por que, então, isso parece, às vezes um sonho irrealizável, uma utopia?

Pensemos nas dificuldades do trabalhador rural que passa por grandes apuros e incompreensões devido ao descumprimento das leis sociais, por parte dos proprietários das terras. Abandonados e sem o apoio daqueles, que por justiça, deveriam auxiliá-los, a grande maioria dos pobres que trabalham no campo, carece de condições adequadas para fazer crescer, no próprio lar, aquela esperança de uma vida melhor e mais digna. A vida do trabalhador urbano, não se distingue em muito da dos outros trabalhadores. O êxodo rural para as grandes cidades, com o aumento assustador das favelas, sem o devido atendimento hospitalar e de educação, a dificuldade de emprego estável e os baixos salários, são problemas comuns que nos desafiam e mostram um completo desconhecimento do sentido cristão da vida. E os desocupados, os menores abandonados, vítimas prematuras do vício das drogas que lhes reserva morte cruel e implacável!

Queridos Irmãos, queridas Irmãs será possível que ainda hoje se repita aquele grito do rei Davi em seu cativeiro?: “Não há quem cuide de mim! Não existe para mim refúgio. Ninguém que se interesse por minha vida!” ( Sl 141 (140), 5). É bem verdade, que existem exemplos de cidadãos, homens e mulheres, dispostos, tanto no campo como na cidade, a não deixar desamparados seus irmãos que vivem na pobreza, sem trabalho e sem teto. Certamente, Deus Nosso Senhor os recompensará por sua sensibilidade pelos problemas dos seus semelhantes, solidarizando-se, através de medidas concretas, não poupando esforços para a promoção social na cidade e no campo, dos trabalhadores e suas famílias.

4. Não, caros brasileiros, não é uma utopia!

Deus quer que os homens vivam como irmãos!

Permiti-me insistir no tema da Campanha da Fraternidade proposto pelo Episcopado brasileiro para este ano: Solidários na dignidade do trabalho! Na Mensagem transmitida pela Televisão, dizia a todos que “o homem deve procurar encarar seu trabalho, não só como instrumento indispensável para o progresso da sociedade e meio mais eficaz para o relacionamento humano, mas também como sinal do amor de Deus pelas suas criaturas e do amor dos homens entre si e com Deus”. Mas como isso acontecerá se não houver doação mútua, generosidade, solidariedade?

Quando se pensa que todos têm o direito a alcançar os bens necessários para uma vida digna e atingir o seu fim proposto por Deus, compreende-se a angústia, e mesmo a impaciência, de muitos cidadãos de vosso País que não se conformam com a injustiça pessoal e social em tantos setores da sociedade. Todos estão exigindo que se faça justiça e se cumpra o direito, que os bens da terra sejam repartidos e que as vidas humanas sejam respeitadas. Elas são santas, porque vêm de Deus, e não podem ser tratadas como simples coisas, através das inúmeras formas de intolerância e de discriminação. Todos clamam por moradia digna, por condições de trabalho protegidas por leis justas e efetivamente cumpridas, por uma política de saneamento eficaz, um atendimento hospitalar e um amparo à velhice justo e responsável. Os cristãos, como exigência de sua fé e de sua fidelidade a Cristo, que nos faz ver seu rosto divino no pobre, no faminto, no homem da rua ou no prisioneiro, devemos ser os primeiros nesta missão. Ela não possui motivações ideológicas ou políticas. Ela é a expressão de nosso amor e serviço a Cristo em nossos irmãos. Somente assim a família brasileira poderá ser essa “Igreja doméstica”, onde a paz e a harmonia reinarão, tornando-se o berço de uma sociedade cristã.

5. Queridos irmãos e irmãs de Alagoas e do Brasil!

De vossa bela terra que deu tantos filhos ilustres à pátria, quero elevar a Deus minha prece pelo homem brasileiro que precisa de trabalho e de teto. Deus ilumine a todos, de modo especial aos que conduzem os destinos do país, para que encontrem caminhos sábios e eficazes na solução de problemas do trabalho e da moradia. Um país tão jovem precisa cada ano de ver crescer os postos de trabalho. Um país de tal expressão demográfica, necessita com urgência de uma política habitacional inteligente, baseada no fato evidente de que a casa não é algo mais, mas um componente fundamental de qualquer política autêntica! Retribuo de todo coração as palavras de saudação que enviou através de vós o Senhor Presidente da República. Todos sentimos sua presença aqui.

Agradeço ao querido irmão no Episcopado, Dom Edvaldo Gonçalves Amaral e a todos os Bispos aqui presentes a acolhida fraterna ao Bispo de Roma e Sucessor do Príncipe dos Apóstolos. Felicito a Arquidiocese de Maceió, por ocasião do nonagésimo aniversário de sua instalação, com a posse do primeiro Bispo de Alagoas, Dom Antônio Brandão. Possa a continuidade da obra de exímios pastores constituir um estímulo aos meus irmãos para prosseguir no caminho por eles empreendido.

Esta celebração da Palavra tem como cenário este conjunto habitacional que recebeu o nome tão sugestivo de “Virgem dos Pobres”. O Papa está feliz de estar em vosso meio, queridos Irmãs e Irmãos que aqui morais. O nome do vosso bairro me traz à lembrança uma presença permanente na minha vida e meu ministério: a Virgem Maria! Que Ela, a quem nesta cidade venerais de modo especial com a invocação Nossa Senhora dos Prazeres, vos abençoe a todos! Ela, a esposa de José, o carpinteiro de Nazaré, a Mãe de Jesus, proteja a todos os trabalhadores de Alagoas e do Brasil!

Ela, que não encontrou casa onde pudesse dar à luz seu filho Jesus, não permita que continue faltando a moradia digna para as famílias brasileiras. Ela vos faça sentir sempre sua proteção materna! Por sua intercessão, abençoo a todos os que estão comprometidos com a causa do Evangelho de Cristo nesta diocese, leigos, sacerdotes, religiosas e religiosos, diáconos e os seminaristas, esperanças da Igreja de Alagoas. Desejo, enfim, que esta bênção recaia sobre todas as autoridades aqui presentes, como os Governadores de Alagoas e de Sergipe, a fim de que Deus lhes dê a força necessária para servir ao povo brasileiro.

Deus vos abençoe a todos!

6. “No fim da tarde o dono da vinha disse ao administrador:

Chama os operários e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até os primeiros” ( Mt 20, 8).

A parábola dos operários da vinha tem como tema o trabalho humano, que conforme os princípios da justiça requer um pagamento adequado. Mas, ao mesmo tempo, esta parábola apresenta a imagem do conjunto da vida humana sobre a terra. A vida do homem no seu conjunto orienta-se para a justiça definitiva, que é superior à da terra. Nós cremos, e esta é uma das verdades fundamentais da fé, que Deus premia o bem e castiga o mal. O critério para entrar na glória do seu Reino é o serviço ao irmão necessitado, presença viva de Cristo entre nós, no amor e na justiça (cfr. Mt 25, 31-46).

A parábola do Evangelho confirma esta verdade. Mas ao mesmo tempo, a supera. Assim se explica que os operários da primeira hora reclamassem, porque não receberam salário maior. O que Deus, Senhor da grande vinha da história, quer oferecer-nos, na eternidade do seu Reino, supera qualquer proporção com a justiça terrena. O que “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem, é o que Deus preparou para aqueles que o amam” ( 1Cor 2, 9). Este é, sem dúvida, o Dom sobrenatural, o dom da participação na vida íntima da Santíssima Trindade, quando veremos a Deus face a face.

7. Caros Irmãos e Irmãs, procurai acolher aquela exortação que São Paulo dirigia aos Colossenses, e que hoje repete para nós:

“Tudo o que fizerdes, em palavras ou em obras, fazei em nome do Senhor Jesus Cristo, dando graças a Deus Pai” ( Cl 3, 17).

Tudo o que fizerdes, fazei-o de boa vontade, como quem o faz para o Senhor e não para os homens, sabendo que recebereis do Senhor a herança (eterna) como recompensa”(Ibidem 3, 23)

Sim. Recebereis a herança!

“Servi, portanto, a Cristo Senhor” (Ibidem 3, 24)!

Amen!

 



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