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VIAGEM APOSTÓLICA AOS ESTADOS UNIDOS
[1 - 8  DE OUTUBRO DE 1979]

ENCONTRO COM OS BISPOS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

Chicago, 5 de Outubro de 1979

 

Queridos irmãos em Cristo, nosso Senhor

1. Seja-me permitido dizer-vos, com toda a simplicidade, quanto vos estou grato pelo vosso convite para vir aos Estados Unidos. para mim motivo de imensa alegria realizar esta visita pastoral e, em particular, estar hoje aqui convosco.

Neste momento expresso-vos a minha gratidão, não só pelo vosso convite, não só por tudo quanto fizestes para preparar a minha visita, mas também por vos terdes associado comigo na obra de evangelizar, desde a, altura da minha eleição como Papa. Agradeço o vosso serviço ao Povo santo de Deus, a vossa fidelidade a Cristo nosso. Senhor, e a vossa união com os meus predecessores e comigo na Igreja e no Colégio dos Bispos.

Desejo ao mesmo tempo prestar homenagem pública a uma longa tradição de fidelidade à Sé Apostólica por parte da Hierarquia Americana. Ao longo de dois séculos, esta tradição edificou o Vosso povo, tornou autêntico o vosso apostolado e enriqueceu a Igreja universal.

Além disso desejo realçar, hoje, diante de vós e com profundo apreço, a fidelidade dos vossos fiéis e a vitalidade renovada que têm demonstrado na vida cristã. Tal vitalidade tem-se manifestado não só na prática dos sacramentos, mas também em abundantes frutos do Espírito Santo. Com grande zelo o vosso povo procurou edificar o Reino de Deus mediante a escola católica, e através de todos os esforços no campo da catequese. Também o interesse evidente pelos outros tem sido um empenho positivo do Catolicismo Americano, e hoje quero agradecer aos Católicos Americanos a sua grande generosidade. Do seu apoio têm beneficiado as dioceses dos Estados Unidos, e uma vasta rede de obras caritativas e de projectos de auto-promoção, incluindo os patrocinados pelos "Catholic Relief Services" e pela "Campanha para o Desenvolvimento Humano". Além disso, a ajuda dada às missões da Igreja nos Estados Unidos é um contributo permanente para a causa do Evangelho de Cristo. Dado que os vossos fiéis foram muito generosos para com a Sé Apostólica, os meus predecessores puderam receber apoio ao enfrentarem os compromissos da sua missão; e assim, no exercício da sua missão universal de caridade, foram postos em condições de ampliar a ajuda a quantos se vêem em necessidade, manifestando deste modo o interesse da Igreja universal por toda a humanidade. Portanto, para mim, esta é hora de agradecimento solene.

2. Mas, ainda mais, esta é hora de comunhão eclesial e de amor fraterno. Vim até vós como Bispo irmão: alguém que, como vós mesmos, conheceu as esperanças e os cuidados de uma Igreja local; que trabalhou no âmbito das estruturas de uma diocese e colaborou no organismo de uma Conferência Episcopal; que teve a experiência estimulante da Colegialidade de um Concílio Ecuménico, enquanto exercida pelos Bispos juntamente com aquele que presidia a tal assembleia colegial e era, ao mesmo tempo, reconhecido por ela como totius Ecclesiae Pastor, investido de "um poder pleno, supremo e universal sobre toda a Igreja" (Cfr. Lumen Gentium, 22).

Vim até vós como alguém que ficou espiritualmente edificado e enriquecido com a participação no Sínodo dos Bispos; que foi apoiado e assistido pelo interesse fraterno e pelo dom de si mesmos dos Bispos Americanos que se deslocaram à Polónia para exprimir solidariedade à Igreja do meu País; vim como alguém que encontrou uma consolação espiritual profunda na sua actividade pastoral, mediante o encorajamento dos Pontífices Romanos com os quais e sob os quais servi o povo de Deus e em particular, mediante o encorajamento de Paulo VI, para quem olhei não só como a Cabeça do Colégio dos Bispos mas também como meu pai espiritual. E hoje, sob o signo da colegialidade e em virtude de um desígnio misterioso da Providência divina, eu, vosso irmão em Jesus, vim até vós como Sucessor de Pedro na Sé de Roma, e por isso como Pastor de toda a Igreja.

Por causa da minha responsabilidade pessoal de pastor, como também por causa da nossa responsabilidade pastoral comum perante o povo de Deus nos Estados Unidos, desejo incutir-vos força no vosso ministério de fé, na qualidade de pastores locais, e apoiar-vos nas vossas actividades pastorais, individuais e colectivas, encorajando-vos a permanecer firmes na santidade e na verdade de nosso Senhor Jesus Cristo. Em vós desejo honrar Jesus Cristo, o Pastor e Bispo das nossas almas (Cfr. 1 Ped 2, 25).

Por causa do nosso chamamento para sermos pastores do rebanho, sentimos que nos devemos apresentar como servidores humildes do Evangelho. As nossas directrizes só serão eficazes na medida em que o nosso "ser discípulo" for genuíno, na medida em que as Bem-aventuranças se tornarem a inspiração das nossas vidas, na medida em que o nosso povo encontrar realmente em nós benevolência, simplicidade de vida e caridade universal porque espera.

Nós que, por mandato divino, devemos proclamar os mandamentos da lei cristã e convidar o nosso povo a uma conversão e renovação constantes, sabemos que se aplica sobretudo a nós próprios o convite de São Paulo: Deveis revestir-vos do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeiras (Ef 4, 24).

3. A santidade da conversão pessoal é efectivamente a condição para o nosso ministério frutuoso, como Bispos da Igreja. E a nossa união com Jesus Cristo que determina a credibilidade do nosso testemunho do Evangelho e a eficácia sobrenatural da nossa actividade. Só poderemos proclamar com convicção as insondáveis riquezas de Cristo ( Ibid. 3, 8), se nos mantivermos fiéis ao amor e à amizade de Jesus, se continuarmos a viver na fé do Filho de Deus.

Deus fez um grande dom à Hierarquia Americana nos últimos anos: a canonização de João Neumann. Um Bispo Americano foi oficialmente exaltado pela Igreja Católica porque servo exemplar do Evangelho e pastor do povo de Deus, sobretudo em consideração do seu grande amor a Cristo. Na altura da canonizacão, Paulo VI perguntou-se: "Qual é o significado deste acontecimento extraordinário, o significado desta canonização?". E respondeu dizendo: "É a celebração da santidade". Esta santidade de João Neumann manifestou-se no amor fraterno, na caridade pastoral e no serviço zeloso de alguém que era Bispo de uma Diocese e autêntico discípulo de Cristo.

Durante a canonização Paulo VI continuou dizendo: "A nossa cerimónia hoje é efectivamente a celebração da santidade. Ao mesmo tempo é urna antecipação profética — para a Igreja, para os Estados Unidos e para o mundo — de uma renovação do amor: amor a Deus e amor ao próximo". Como Bispos, somos chamados a exercer na Igreja esta função profética de amor e, por isso, de santidade.

Guiados pelo Espírito Santo, devemos estar todos profundamente convencidos de que a santidade ocupa o primeiro lugar na nossa vida e no nosso ministério. A este propósito, como Bispos damo-nos conta do imenso valor da oração: a oração litúrgica da Igreja, a nossa oração comunitária e a nossa oração individual. Nestes últimos tempos, muitos de vós descobriram que fazer retiros espirituais juntamente com os irmãos Bispos é verdadeira ajuda para aquela santidade que nasce da verdade. Deus vos ampare nesta iniciativa, para cada um de vós e todos em conjunto poderem realizar o seu múnus corno sinal de santidade oferecido ao povo de Deus na sua peregrinação para o Pai, e para serem também, como São João Neumann, uma antecipação profética da santidade. O povo tem necessidade de Bispos para quem olhe como para leaders na busca da santidade; Bispos que procuram antecipar profeticamente na sua vida a realização daquela meta, para que levam os fiéis.

4. São Paulo põe em relevo as relações da justiça e da santidade com a verdade (Cfr. Ibid. 4, 24). O próprio Jesus, na sua oração sacerdotal, pediu ao Pai para consagrar os seus discípulos por meio da verdade; e acrescentou: A tua palavra é a verdade Sermo tuus veritas est (Jo 17, 17). E continua, dizendo que se consagra pelos discípulos, para que eles também sejam consagrados na verdade. Jesus consagrou-se a si mesmo para que os discípulos pudessem ser consagrados (separados), pela comunicação daquilo que Ele era: a Verdade. Jesus diz ao seu Pai: Dei-lhes a tua palavra; a tua palavra é a verdade (Ibid. 17, 14.17).

A palavra santa de Deus, que é a verdade, é comunicada por Jesus aos seus discípulos. Esta palavra é confiada, como depósito sagrado, à sua Igreja, mas só depois de ter comunicado à sua Igreja, mediante o poder do Espírito Santo, um carisma especial para conservar e transmitir intacta a palavra de Deus.

Com grande sabedoria João XXIII convocou o Concílio Vaticano II. Perscrutando os sinais dos tempos, deu-se conta de que o necessário era um Concílio de natureza pastoral, um Concílio que deveria fazer resplandecer o grande amor pastoral e o cuidado de Jesus Cristo, o Bom Pastor, pelo seu povo. Mas deu-se conta também de um Concílio pastoral, para ser genuinamente eficaz, necessitar de uma base doutrinal sólida. E precisamente por este motivo, porque só a palavra de Deus é a base de todas as iniciativas pastorais, João XXIII, no dia da abertura do Concílio — 11 de Outubro de 1962 — fez a seguinte declaração: "O maior interesse do Concilio Ecuménico é este: que o sagrado depósito da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz".

Isto explica a inspiração do Papa João; é isto o que devia ser o novo Pentecostes: esta é a razão por que os Bispos da Igreja — na maior manifestação de colegialidade dada na história do mundo — foram chamados à reunião: "para que o sagrado depósito da doutrina cristã fosse salvaguardado e ensinado mais eficazmente".

No nosso tempo, Jesus continuou a consagrar de novo os seus discípulos na verdade, e fê-lo mediante um Concilio Ecuménico; continuou a transmitir, com o poder do Espírito Santo, a palavra do Pai às novas gerações. E o que João XXIII considerou ser o motivo do Concilio, considero-o eu o motivo deste período pós-conciliar.

Por esta razão, no primeiro encontro, em Novembro passado, com os Bispos Americanos, por ocasião da sua visita ad limina, eu disse: "Esta é hoje a minha esperança mais profunda para os pastores da Igreja na América, como também para todos os pastores da Igreja universal: que o sagrado depósito da doutrina cristã seja guardado e ensinado de modo mais eficaz". Na palavra de Deus está a salvação do mundo. Em virtude da proclamação da palavra de Deus, o Senhor continua, na sua Igreja e mediante a Igreja, a consagrar os seus discípulos, comunicando-lhes a verdade, que é Ele mesmo.

Por este motivo, o Concílio Vaticano II põe em relevo a missão que o Bispo tem de anunciar a verdade plena do Evangelho e de proclamar "todo o mistério de Cristo" (Christus Dominus, 12). Esta doutrina foi repetida com insistência por Paulo VI, para edificação da Igreja universal. Foi explicitamente proclamada por João Paulo I no próprio dia em que morreu, e também eu a tenho reafirmado frequentemente durante o meu pontificado. Estou certo que os meus sucessores e os vossos manterão este ensinamento, até Cristo voltar na Sua glória.

5. Entre as cartas, que me foram deixadas por Paulo VI, há uma que lhe foi escrita por um Bispo, na ocasião de ser nomeado para o episcopado, muito bela. Em forma de propósito resolutivo, contém uma afirmação clara da missão do Bispo de salvaguardar e ensinar o depósito da doutrina cristã, de proclamar o mistério de Cristo na sua totalidade. Por causa das intuições admiráveis que apresenta vou comunicar-vos um trecho dela.

Ao manifestar o seu compromisso de ser leal na obediência a Paulo VI e aos seus sucessores, o Bispo escrevia: "Estou decidido:

— a ser fiel e constante em proclamar o Evangelho de Cristo;

— a manter o conteúdo da fé inteiro e incorrupto, como foi transmitido pelos Apóstolos e professado pela Igreja sempre e em toda a parte".

E o Bispo, com a mesma perspicácia, continuava a dizer a Paulo VI que, com a ajuda de Deus omnipotente, estava decidido:

— a edificar a Igreja, como Corpo de Cristo, e a permanecer unido a ela... com a ordem dos Bispos, sob a autoridade do sucessor do Apóstolo São Pedro;

— a mostrar benevolência e compaixão, em nome do Senhor, para com os pobres e os estrangeiros e quantos estiverem em necessidade;

— a procurar as ovelhas perdidas e a reuni-las no redil do Senhor;

— a rezar incessantemente pelo povo de Deus, cumprindo as gravíssimas obrigações do sacerdócio de modo a não dar qualquer motivo de censura".

Eis o testemunho edificante de um Bispo, de um Bispo Americano, sobre o ministério episcopal de santidade e verdade. Estas palavras dão-lhe crédito a ele e a todos vós.

Uma tarefa para a nossa época — como para todas as épocas na Igreja — é a de levar a mensagem do Evangelho ao centro da vida do nosso povo, para que este possa viver a plena verdade da sua humanidade, a sua Redenção e a sua adopção em Jesus Cristo, sendo enriquecido da "justiça e santidade da verdade".

6. No exercício do vosso ministério de verdade, como Bispos dos Estados Unidos, oferecestes colegialmente, mediante declarações e cartas pastorais, a palavra de Deus ao vosso povo, mostrando a importância dela para a vida quotidiana, pondo em evidência o poder que tem de elevar e curar, e ao mesmo tempo de alimentar as exigências intrínsecas do mesmo povo. Há três anos, fizestes isso de modo verdadeiramente especial mediante uma vossa Carta Pastoral, que tinha um título muito belo: "Viver em Jesus Cristo". Esta Carta, na qual oferecestes ao vosso povo o serviço da verdade, contém numerosos pontos aos quais desejo aludir hoje. Com piedade, com compreensão e amor, transmitistes uma mensagem ligada à Revelação e ao mistério da fé. E assim, com grande caridade pastoral, falastes do amor de Deus, da humanidade e do pecado, e do significado da Redenção e da vida em Cristo. Falastes da palavra de Cristo enquanto ela toca os indivíduos, a família, a comunidade e as Nações. Falastes de justiça e de paz, de caridade, de verdade e de amizade. E falastes de algumas questões especiais, que se referem à vida moral dos cristãos, nos seus aspectos quer individuais quer sociais.

Falastes de modo explícito do dever que tem a Igreja de ser fiel à missão que lhe foi confiada. Exactamente por este motivo falastes de certos pontos, que deveriam ser claramente reafirmados, por o ensino católico á seu respeito ter sido posto em dúvida, negado, ou transgredido na prática. Proclamastes repetidamente os direitos humanos, a dignidade humana e o valor incomparável das pessoas de qualquer origem racial ou étnica, declarando que "o antagonismo e a discriminação racial se contam entre os males mais persistentes e prejudiciais do nosso País".

Rejeitastes com energia a opressão do fraco, a manipulação do indefeso, o esbanjamento dos bens e dos recursos, os preparativos bélicos incessantes, as estruturas e a politica social injusta, e todos os crimes perpetrados e dirigidos contra os indivíduos e contra a criação.

Com a simplicidade dos Evangelhos, a compaixão de Pastores e a caridade de Cristo, enfrentastes a questão da indissolubilidade do matrimónio, afirmando justamente: "O pacto entre um homem e uma mulher, unidos em matrimónio cristão, é tão indissolúvel e irrevogável como o amor de Deus pelo seu povo e como o amor de Cristo pela sua Igreja".

Exaltando a beleza do matrimónio tomastes justamente posição quer contra a teoria da contracepção, quer contra os actos contraceptivos, como fez a Encíclica Humanae Vitae. E eu próprio, hoje, com a mesma convicção de Paulo VI, ratifico o ensinamento desta Encíclica, emanada pelo meu Predecessor "em virtude do mandato que nos foi confiado por Cristo" (AAS 60, 1968, p. 485).

Descrevendo a união sexual entre marido e mulher como expressão especial do seu pacto de amor, afirmastes justamente: "A relação sexual é bem humano e moral, apenas no âmbito do matrimónio; fora do matrimónio, é imoral".

Como homens que têm palavras de verdade e o poder de Deus (2 Cor 6, 7), como autênticos mestres da lei de Deus e pastores compadecidos, afirmastes também com justiça: "O comportamento homossexual... enquanto coisa distinta da orientação homossexual, é moralmente desonesto". Na clareza desta verdade, exemplificastes a caridade efectiva de Cristo: não traístes aqueles que, por causa da homossexualidade, se encontram perante problemas morais difíceis, como aconteceria se, em nome da compreensão e da compaixão, ou por qualquer outro motivo, tivésseis despertado uma falsa esperança a qualquer irmão ou irmã. Pelo contrário, com o vosso testemunho prestado à verdade da humanidade segundo o plano de Deus, manifestastes realmente amor fraterno, dando alento à verdadeira dignidade humana daqueles que olham para a Igreja de Cristo, pedindo a norma que vem da palavra de Deus.

Destes também testemunho da verdade, servindo assim toda a humanidade, quando, fazendo-vos eco do ensinamento do Concílio ("a partir da concepção a vida deve ser garantida com o máximo cuidado" — Gaudium et Spes, 51), reafirmastes também o direito à vida e a inviolabilidade de toda a vida humana, inclusive a vida das crianças ainda não nascidas. Vós dissestes claramente: "Matar essas crianças inocentes ainda não nascidas é crime inqualificável... O seu direito à vida deve ser reconhecido e protegido plenamente pela lei".

E exactamente como defendestes as crianças ainda não nascidas segundo a verdade daquilo que são, falastes também claramente em favor das pessoas idosas, dizendo que "a eutanásia ou a morte por compaixão... é um grave mal moral... Tal morte é incompatível com o respeito pela dignidade humana e com a veneração pela vida".

No vosso interesse pastoral pelo povo, em todas as suas necessidades (incluindo a casa, a educação, a saúde, o emprego e a administração da justiça) destes novo testemunho afirmando que todos os aspectos da vida humana são sagrados. Na verdade proclamastes que a Igreja nunca abandonará o homem nem as suas carências temporais, porque ela guia a humanidade à salvação e à vida eterna. E uma vez que o maior acto de fidelidade da Igreja à humanidade e a sua "tarefa fundamental em todas as épocas e, de modo particular, na nossa, são dirigir o olhar do homem, orientar a consciência e a experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo (Redemptor Hominis, 10), por isso fizestes justamente alusão à vida eterna. Com efeito, é nesta proclamação da vida eterna que suscitamos um grande motivo de esperança para o nosso povo. Contra os ataques do materialismo, contra o secularismo que tudo invade e contra o permissivismo moral.

7. O sentido de responsabilidade pastoral foi também expresso por alguns Bispos separadamente, no seu ministério de Pastores locais. Para crédito dos seus Autores citarei apenas dois exemplos recentes de Cartas Pastorais publicadas nos Estados Unidos. Ambas são exemplo de iniciativas pastorais responsáveis. Uma trata da questão do racismo, denunciando-o vigorosamente. A outra refere-se à homossexualidade e trata a questão, como devia ser, com clareza e grande caridade pastoral, prestando assim real serviço à verdade e a todos os que procuram esta verdade que liberta.

Irmãos em Cristo: se proclamamos a verdade no amor, não podemos evitar todas as críticas; nem é possível agradarmos a todos. Mas é possível trabalhar de facto para o bem de cada um. Por isso estamos humildemente convencidos que Deus está connosco no nosso ministério de verdade e que Ele não nos deu um espírito de timidez, mas de força, de amor e de sabedoria (2 Tim 1, 7)

Um dos direitos fundamentais dos fiéis é receberem a Palavra de Deus na sua pureza e integridade, tal como é garantida pelo Magistério da Igreja universal; o Magistério autêntico dos Bispos da Igreja católica, que ensinam em união com o Papa. Caros irmãos: podemos estar seguros que o Espírito Santo nos assiste no nosso ensinamento, se formos absolutamente fiéis ao Magistério universal.

A este respeito, queria acrescentar um ponto de extrema importância, que recentemente pus em relevo, falando a um grupo de Bispos na sua visita ad limina: "Na comunidade dos fiéis, que deve manter sempre a unidade católica com os Bispos e a Sé Apostólica, há muitas intuições de fé. O Espírito Santo é activo em iluminar as inteligências dos fiéis com a sua verdade, e em inflamar os seus corações com o seu amor.

Mas estas intuições de fé e este sensus fidelium não são independentes do magistério da Igreja, que é instrumento do próprio Espírito Santo e é assistido por ele. Só quando os fiéis são alimentados pela Palavra de Deus, fielmente transmitida na sua pureza e integridade, só então os seus carismas próprios se tornam plenamente operativos e fecundos. Quando a Palavra de Deus é fielmente proclamada à Comunidade e é acolhida, produz em abundância frutos de justiça e santidade de vida. Mas o dinamismo da Comunidade em compreender e viver a Palavra de Deus depende de ter recebido intacto o depositum fidei; para esta precisa finalidade foi dado à Igreja um carisma apostólico e pastoral especial. É o único e mesmo Espírito de verdade que dirige os corações dos fiéis e garante o magistério dos pastores do rebanho".

8. Uma das maiores verdades, de que somos guardas humildes, é a doutrina da unidade da Igreja, unidade que é ofuscada no rosto humano da Igreja por todas as formas de pecado, mas que subsiste indestrutível na Igreja Católica (Cfr. Lumen Gentium, 8; Unitatis Redintegratio, 2-3). A consciência do pecado chama-nos incessantemente à conversão. A vontade de Cristo estimula-nos a trabalhar séria e constantemente para a unidade com todos os nossos Irmãos cristãos, estando conscientes de que a unidade que procuramos é a da perfeita fé, unidade na verdade e no amor. Devemos rezar e estudar em conjunto, sabendo todavia que a intercomunhão entre cristãos divididos não é a resposta ao chamamento de Cristo para a unidade perfeita. Com a ajuda de Deus queremos continuar a trabalhar humilde e resolutamente, para afastar as divisões efectivas, que existem ainda, e restaurar assim aquela plena unidade na fé, que é a condição para participar na Eucaristia (João Paulo II, cfr. Alocução de 4 de Maio de 1979). A indicação dada pelo Concílio Ecuménico pertence a cada um de nós; e assim se exprime acerca do ecumenismo o Testamento de Paulo VI: "Continue-se o trabalho de aproximação com os Irmãos separados, com muita compreensão, com muita paciência, com grande amor; mas sem distorções da verdadeira doutrina católica".

9. Enquanto Bispos, que são servidores da verdade, somos também chamados a ser servidores da unidade, na comunhão com a Igreja.

Na comunhão da santidade nós próprios somos chamados, como recordei atrás, à conversão, de modo a poder pregar com força convincente a mensagem de Jesus: "Reformai as vossas vidas e acreditai no Evangelho". Temos uma tarefa especial a desempenhar para salvaguardar o Sacramento da Reconciliação, de modo que, na fidelidade a um preceito divino, nós e o nosso povo possamos experimentar, no mais profundo do nosso íntimo, quanto a graça abundou mais do que o pecado (Cfr. Rom 5, 20). Pela minha parte, ratifico o convite profético de Paulo VI, que alertava com urgência os Bispos para que ajudassem os seus Presbíteros a "compreender em profundidade como eles colaboram de perto com o Salvador, mediante o Sacramento da Penitência, na obra da conversão (Paulo VI, Alocução de 20 de Abril de 1978). A este propósito, confirmo de novo as normas da Sacramentum Poenitentiae, que põem em relevo tão sabiamente a dimensão eclesial do Sacramento da Penitência e indicam os limites precisos da Absolvição Geral, como fez Paulo VI na sua Alocução aos Bispos americanos em visita ad limina.

A conversão, na sua verdadeira natureza, é a condição para aquela união com Deus que atinge a sua expressão máxima na Eucaristia. A nossa união com Cristo na Eucaristia pressupõe, por seu lado, que os nossos corações estejam voltados para a conversão, que sejam puros. Esta é, na verdade, parte importante da nossa pregação ao povo. Na minha Encíclica procurei exprimir estas coisas com as seguintes palavras: "Cristo, que convida para o banquete eucarístico, é sempre o mesmo Cristo que exorta à penitência, que repete o 'Convertei-vos'. Sem este esforço constante e sempre renovado para a conversão, a participação na Eucaristia não teria a sua plena eficácia redentora" (Redemptor Hominis, 20). Perante o fenómeno vulgarizado no nosso tempo, segundo o qual muitos do nosso povo que recebem a Comunhão fazem uso raro da Confissão, devemos vincar o convite fundamental de Cristo à conversão. Devemos também reafirmar que o encontro pessoal com Jesus, que perdoa no Sacramento da Reconciliação, é um meio divino que mantém viva, nos nossos corações e nas nossas comunidades, a consciência do pecado na sua realidade perene e trágica, e que produz efectivamente, por acção de Jesus e o poder do Espírito Santo, frutos de conversão na justiça e na santidade de vida. Por este sacramento somos renovados no fervor, reforçados nas nossas resoluções e apoiados pelo encorajamento divino.

10. Como guias escolhidos numa comunidade de louvor e de oração, temos particular alegria em oferecer a Eucaristia e em dar ao nosso povo o sentido da sua vocação enquanto povo pascal, que tem a "aleluia" como canto próprio. Devemos ter sempre presente que o valor de todas as acções litúrgicas e a eficácia de todos os sinais litúrgicos pressupõem o grande princípio, segundo o qual a liturgia católica é teocêntrica, e é sobretudo "culto da majestade divina" (Sacrosanctum Concilium, 33) em união com Jesus Cristo. O nosso povo tem um sentido sobrenatural, que o leva a olhar com veneração para a liturgia, especialmente para aquilo que se refere ao mistério da Eucaristia. Com fé profunda compreende o nosso povo que a Eucaristia, na Missa e fora da Missa, é o Corpo e o Sangue de Cristo, e por isso é digna da adoração própria do Deus vivo e só d'Ele.

Como ministros de uma comunidade de serviço, é privilégio nosso proclamar a verdade da união de Cristo com os seus membros, no seu Corpo que é a Igreja. Por isso, recomendamos todo o serviço prestado em seu nome e aos seus irmãos (Cfr. Mt 25, 45).

Numa comunidade de testemunho e de evangelização seja esse testemunho límpido e irrepreensível. Neste capítulo, a imprensa católica e os outros meios de comunicação social são chamados a desempenhar uma função especial de grande dignidade, ao serviço da verdade e da caridade. A finalidade da Igreja ao usar e patrocinar estes meios está ligada à sua missão de evangelizar e de servir a humanidade; através de tais meios, a Igreja espera fomentar, cada vez com maior eficácia, a mensagem consoladora do Evangelho.

11. Cada Igreja local, a que vós presidis e servis, é uma comunidade fundada na Palavra de Deus e a actuar segundo a verdade desta Palavra. E na fidelidade à comunhão com a Igreja universal que é autêntica e se torna estável a unidade local. Na comunhão com a Igreja universal as Igrejas locais encontram sempre mais claramente a sua própria identidade e o seu enriquecimento. Mas tudo requer que cada Igreja conserve uma abertura total à Igreja universal.

E este o mistério que celebramos hoje, proclamando a santidade, a verdade e a unidade do ministério episcopal.

Irmãos: este nosso ministério torna-nos responsáveis perante Cristo e a sua Igreja. Jesus Cristo, o Grande Pastor (1 Ped 5, 4), ama-nos e ampara-nos. É Ele quem transmite a Palavra do seu Pai e nos consagra na verdade, de modo que possa cada um de nós, por seu lado, dizer ao seu povo: Por eles eu me consagro, para que também eles sejam consagrados na verdade (Jo 17, 19).

Rezemos e dediquemos energias especiais a promover e a manter as vocações para o sagrado Presbiterado, de modo que a actividade pastoral do ministério sacerdotal possa ser assegurada às gerações futuras. Peço-vos que façais apelo aos pais e às famílias, aos Sacerdotes, aos Religiosos e aos Leigos para que se unam na resposta a esta responsabilidade vital de toda a Comunidade. E mantenhamos desperta nos jovens a prontidão para seguirem a Cristo e para abraçarem o seu convite com generosidade plena.

E já que nós próprios todos os dias nos esforçamos por alcançar a justiça e a santidade, nascidas da verdade, olhemos para Maria, Mãe de Jesus, Rainha dos Apóstolos e Causa da nossa alegria. Santa Francisca Cabrini, Santa Isabel Ana Seton e São João Neumann peçam por nós e por todo o povo que sois chamados a servir em santidade e verdade, e na unidade de Cristo e da sua Igreja.

Queridos Irmãos: A oração esteja com todos aqueles que amam nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível (Ef 6, 24).

 



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