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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À ÁFRICA
(2-12 DE MAIO DE 1980)

ENTREVISTA CONCEDIDA PELO SANTO PADRE
AO «L'OSSERVATORE ROMANO»
E À RÁDIO VATICANO DURANTE O VOO DE REGRESSO DA ÁFRICA

12 de Maio de 1980

 

PERGUNTA: Santidade, qual é a impressão mais viva que lhe permenece na mente e no coração, ao terminar esta peregrinação africana?

PAPA JOÃO PAULO II: Penso que é sobretudo a impressão de um encontro, se se considera esta palavra no seu significado total. Encontro quer dizer estar juntos, que as duas partes, as duas pessoas querem encontrar-se, querem e desejam isto. E para mim a impressão fundamental é esta, porque desejei vivamente aproximar-me o mais breve possível daquele continente, daqueles Países, daquela Igreja e daquela cristandade, e vi que havia o mesmo desejo da outra parte, que os diversos Países e as diversas Igrejas desejavam a mesma coisa. E assim, vivemos a plenitude deste encontro sobretudo no sentido existencial. Talvez também para mim seja difícil determinar o que significa para eles a pessoa do Papa, a pessoa do Bispo de Roma, sucessor de Pedro. Mas talvez seja algo diferente do significado que lhe damos nós europeus, mesmo cristãos; menos abstracta, talvez, menos teológico mas muito profundo no sentido afectivo. Sentido afectivo quer dizer para eles sentido existencial. Eles vivem com o coração, como vivem também com o seu corpo, vivem o seu génio africano, vivem, exprimem-se com o coração, na sinceridade, na total manifestação. E neste sentido a minha impressão geral é impressão de um encontro.

PERGUNTA: Crê que a resposta dada pela África aos seus gestos e às suas palavras, demonstre a plena maturidade do Continente para o contributo que pode dar à Igreja universal?

PAPA JOÃO PAULO II: Certamente existe maturidade. Naturalmente, a maturidade é sempre relativa; aquela maturidade quer dizer ao mesmo tempo juventude. Eles são jovens, jovens também na fé e na sua cristandade. As nossas tradições cristãs, as nossas histórias, também a história do meu povo, são milenárias; pelo contrário, no Gana e no Zaire a Igreja tem 100 anos, noutros Países até menos. São jovens. Portanto, existe a maturidade de um jovem. Outra é a maturidade de quem é já ancião, de um velho. Lembro-me das palavras que ouvi a D. Tchidimbo quando lhe falei pela primeira vez após a sua libertação. Disse-me assim: "Estou convicto de que a Igreja em África é agora bastante adulta para enfrentar todas as provas possíveis". Penso que isto se deva considerar como um aspecto essencial da sua maturidade. Mas, sobretudo, esta maturidade é maturidade de juventude, de alegria, de força, de serem eles mesmos, de se se encontrarem nesta Igreja como sua Igreja. Não é Igreja importada de fora, é a sua Igreja, a Igreja vivida autêntica e africanamente; todos nós vimos, sentimos e observámos isto; e também experimentámos grande alegria por esta africanidade, porque uma Igreja que fosse algo de importado, de estranho e não próprio, não seria ainda uma Igreja autêntica e autenticamente madura.

PERGUNTA: Qual foi o momento mais significativo, que pode recordar como o mais significativo de tantos dias e encontros tão diferentes?

PAPA JOÃO PAULO II: Direi que não houve um momento que não fosse significativo. Todos foram significativos, cada um a seu modo, no seu género: esta é a resposta à pergunta. Posso dizer que houve momentos que me sensibilizaram mais. Algumas vezes foram momentos brevíssimos. Por exemplo, quando o Rei dos Ashantes me disse, no colóquio: "Foi o meu predecessor que recebeu aqui pela primeira vez os missionários da Igreja". E disse com alegria: "We welcome the first priests, the first missionaries in our country". Foi um momento muito significativo, porque exigia um testemunho: o testemunho do centenário da evangelização, a tradição ainda viva dos que se encontravam lá no momento em que chegaram os primeiros missionários, a recordação de como os tinham recebido e de como os tinham tratado. Outro momento, que ficou gravado profundamente no meu coração e na minha memória, foi o encontro com as Religiosas carmelitas zairesas no seu convento. Foi um encontro muito bonito e muito autêntico. E depois, foi significativo por ter sido o único encontro banhado pela chuva, e verdadeiramente parecia que a chuva tinha esperado aquele momento, o encontro do Papa com as Religiosas, para agir com toda a sua força e as molhar a todas. Houve muitos outros momentos semelhantes, mas recordei apenas estes como exemplo. Mas a verdadeira resposta a esta pergunta é que não houve momento que não fosse significativo. Todos foram cheios de significado.

PERGUNTA: Os africanos saudaram e acolheram Vossa Santidade como um peregrino de paz. Pensa que haja condições para poder esperar verdadeiramente. num futuro de paz para este continente?

PAPA JOÃO PAULO II: Direi que sim: eles têm grande necessidade de paz, uma grande necessidade. Eles falam disto e exprimem-no, rezam pela paz. Se pudessem tornar-se, no futuro, senhores do próprio destino e das próprias situações, estou certo que teriam a paz. Terão a paz. Porque agora vêem tantos e tantos problemas a serem resolvidos, para o que a paz é indispensável. Vêem tudo. Nada ganhariam com a guerra e com a luta. E depois, parece-me que são, por sua natureza, pacíficos nos seus propósitos. Têm o sentido de comunidade e o espírito de solidariedade no interior da própria família e da própria tribo, e também, direi, da própria nação, mesmo se esta é uma realidade ainda não bem determinada, mas que começa a sê-lo. Eles não quereriam a guerra, porque amam a vida e a família e porque consideram a paz como a condição fundamental para construir o próprio futuro. Depende de outros o não impor a guerra: envolvê-los numa guerra seria verdadeiramente um desastre para este jovem continente, para estes jovens povos, para as jovens estruturas politicas destes Jovens Estados. Penso que é muito grande a responsabilidade sobretudo do mundo ocidental e das grandes potências.

PERGUNTA: Sua Santidade chamou a atenção do mundo inteiro sobre o continente africano: então, qual seria a mensagem à cristandade do Ocidente em relação ao que deve ser feito em favor da África?

PAPA JOÃO PAULO II: Penso que é um ponto sobre o qual se deve reflectir. Pode-se dizer que tudo o que disse até agora durante esta viagem, durante esta peregrinação, foi ao mesmo tempo uma mensagem a toda a Igreja, também à Igreja da Europa e não só da Europa, à vida da cristandade do mundo inteiro, no que diz respeito a África. Deve-se absolutamente repensar em toda esta experiência e nos seus diversos elementos para os exprimir nesta perspectiva exacta, ou seja como dirigidos à vida de toda a cristandade. Em todo o caso, se devo dizer algo "à primeira vista", parece-me que a Igreja na África é ainda uma "Igreja em estado de missão, uma Igreja missionária, uma Igreja em estado de implantação e de crescimento, uma Igreja que deve ser ajudada, mas da qual, se deve também procurar aprender: e em diversos campos ela tem muito a ensinar-nos, porque os Africanos estão já perfeitamente conscientes de ser cristãos, de ser Igreja e de viver como Igreja a própria vida, a própria realidade humana, e evidentemente cristã. Sobre este ponto, devemos estar muito atentos a não destruir nada, até mesmo ajudando-os, e sobretudo estar atentos a considerá-los Igrejas irmãs, Igrejas irmãs na África. Elas têm ainda grande necessidade de "missionários e de missionárias autênticos, que permaneçam na linha doutrinal e pastoral exigida pela sua própria situação. Elas recebem-nos e recebê-los-ão sempre com muita amizade e com muito entusiasmo. Mas penso que é já o momento de começarmos a reflectir sobre como receber, isto é, como receber os dons de que elas são portadoras, porque já trazem um dom, ou melhor dizendo, muitos dons: Eis qual pode ser, mais ou menos, a minha resposta à sua pergunta.

 



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