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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL
 DE DIREITO CANÓNICO EM FRIBURGO

13 de Outubro de 1980

 

1. Dilectos filhos, venerados mestres e vós todos que vos aplicais ao estudo do Direito Eclesiástico.

A vós que terminastes agora na Suíça o IV Congresso Internacional de Direito Canónico e, trazidos pelo vosso amor e veneração para com o Sucessor de Pedro, fizestes uma deslocação mais longa para estardes presentes aqui em Roma e ouvirdes as minhas palavras e indicações — a vós saúdo do íntimo da alma.

2. Os Congressos Internacionais de direito eclesiástico, depois do Concílio Vaticano II, foram outros tantos documentos que provaram o vosso perseverante empenho. Além disso, os Congressos são de grande utilidade para a Igreja; por isso me congratulo convosco. Em Roma reunistes-vos no ano de 1968 e de novo em 1970 (Cf. AAS 60, 1968, 337-342; 62, 1970, 106-111), depois em Milão em 1973 (Cf. Communicationes 5, 1973, 123-131), em seguida em Pamplona no ano de 1976, e de novo aqui na Urbe em 1977 (Cf. AAS 69, 1977, 208-212). O meu insigne predecessor Paulo VI repetidamente desejou contemplar convosco o mistério da Igreja e também o lugar e a missão do mesmo direito dela. Repetidamente inculcava a importância da renovação do direito canónico; e explicava com que espírito se devia realizar a mesma renovação. Mais ainda, favorecia a maior união entre as disciplinas sagradas (Cf. Communicationes 5, 1973, 123-124) e segundo o parecer do Concílio Vaticano afirmava a necessidade de uma verdadeira teologia sobre o direito eclesiástico (Cf. ibidem., pp. 130-131). Quero também eu aprovar esta obra comum; quero confirmar de novo o mesmo magistério de grande importância; e quero eu próprio igualmente continuar a percorrer o mesmo caminho convosco, em vosso favor e ao vosso lado.

3. Expondo-vos as razões eclesiais que situavam o direito da Igreja, Paulo VI via um direito de comunhão, uma obra do Espírito e o direito da caridade (Cf. AAS 65, 1973, 98; Communicationes 5, 1973, 126-127; AAS 69, 1977, 209). Estas doutrinas seguiste-las vós para escolher o assunto do vosso Congresso em Friburgo. Tantas vezes encareceu ele o valor fundamental dos direitos do homem (Cf. AAS 69, 1977, 147-148; AAS 60, 1968. 338-339) e colocou na devida luz os principais direitos do cristão; daqui se viria, na devida altura, a redigir, depois do Concílio, o novo Código de Direito da Igreja (Cf. AAS 69, 1977, 149).

4. Quase é supérfluo dizer quanto o vosso Congresso despertou o meu interesse e reflexão. Que pode, na verdade, mais interessar do que definir melhor os direitos fundamentais dos cristãos, a fim de poderem ser mais perfeitamente observados? E que mais necessário será também do que respeitar e defender os direitos primários do homem sobretudo nos nossos tempos?

Neste campo tem a Igreja importantíssimo cargo para desempenhar. Na verdade, no seu próprio mistério de comunhão, pode a Igreja abranger o homem e determinar mais cuidadosamente os principais direitos, que declaram a natureza e defendem com certeza a dignidade do mesmo homem. Assim também o assunto do vosso Congresso de Friburgo respondeu às maiores solicitudes da Igreja e ao mesmo tempo aos maiores desejos dos homens da nossa época (Cf. Alocução de 6 de Outubro de 1979).

5. Verdadeiramente, existe uma actividade de que é necessário a Igreja, em virtude da sua mesma natureza, tomar maior cuidado ainda; refiro-me à comunhão. Esta comunhão realiza-a a Igreja, quando reconhece a dignidade da pessoa humana na liberdade, pedida pela sua origem divina e pela vocação eterna.

Se o mundo deseja a sua libertação, esta libertação encontra-se em Cristo. Cristo vive na Igreja. Portanto, a verdadeira libertação do homem consegue-se pela experiência da comunhão eclesial (Alocução de 31 de Março da 1979; cf. Homilia em Bourget, 1 de Junho de 1980).

Além disso, esta comunhão eclesial é «íntima e sempre renovada comunhão com a própria origem da vida que é a Santíssima Trindade: isto é a comunhão de vida, amor e imitação de Cristo no seu seguimento. Com efeito, Ele, Redentor do Homem, insere-nos intimamente em Deus» (Alocução de 31 de Março de 1979. ).

E «Deus é a medida do homem. Deve portanto o homem voltar a esta fonte e a esta medida única que é o Deus encarnado, Jesus Cristo. Deve constantemente referir-se a Ele, se quer ser homem e deseja que o mundo seja humano» (Alocução de 31 de Maio de 1980).

Por isso, a dignidade do homem deve ver-se em Cristo, como neste Cristo total, que é a Igreja, é preciso reconhecer a natureza do direito eclesial, as relações necessárias dele e os direitos primários dos seus membros (Cf. AAS 65, 1973, 102-103).

 6. A ordem eclesial bem entendida é, no foro externo, ordem jurídica. E essa mesma ordem procura estabelecer a paz na comunhão: para isso se conseguir, esta paz será a caridade (Cf. AAS 69, 1,977, 148): Porque ninguém pode errar neste ponto: o direito não se opõe à caridade. Pelo contrário a caridade pede o direito para significar e tornar seguras neste mundo as suas necessárias reclamações. Por sua vez, essas exigências muito melhor se compreenderão se forem segundo a mente de Deus, as necessidades fundamentais do seu amor e também as estruturas vivas da Igreja mesma. Esta é por assim dizer, como prorrogação da Encarnação do Verbo (Cf. Lumen Gentium. 8 a), que se fez homem para salvar os homens e os levar ao Pai como filhos adoptivos, libertos a fim de participarem da liberdade e da glória dos filhos de Deus (Cf. Rom. 8, 19-21). Em Jesus Cristo e por meio d'Ele constituem o Corpo místico e a santa comunhão, quer dizer, a Igreja (Cf. Col. 1, 15-20).

7. Nesta comunhão, que é também jerárquica, devemos ver o homem baptizado. Cada cristão tem aí o seu grau e ordem e a sua obrigação. Além disso, esta comunhão é obra do Espírito, a qual mantém a sua firmeza por causa do sacerdócio dos próprios Bispos, que pela sucessão apostólica ensinam, governam e santificam o Povo de Deus e o conservam na unidade da fé e na caridade. E a comunhão sacerdotal deles é ministerial; serve a comunhão eclesial e protege a sua coerência à volta de Pedro; este, como centro, preside à caridade da sua unidade.

8. Estes princípios constituem o fundamento do direito eclesiástico; e formam também uma verdadeira teologia do direito. Além disso, iluminam e confirmam a dignidade do homem e os seus principais direitos. Nunca deixou a Igreja de defender estes direitos; estabeleceu mesmo penas canónicas contra os que atacam a vida e actuam contra a dignidade do homem ou prejudicam a sua boa fama ou lhe tiram a liberdade (Cf. C.I.C., Cân. 2350 par.1; 2352-2355). Do mesmo modo, nunca a Igreja deixou de pregar o dever, tanto dos particulares como das autoridades públicas, de observarem e promoverem os direitos da pessoa humana. A Igreja favoreceu a ordem entre as nações; afirmou o direito à liberdade, de todas as nações; apelou para a fidelidade aos tratados; persuadiu que se constituísse uma autoridade universal, para fomentar a comunidade humana e a paz do mundo, sendo observados aqueles mesmos direitos (Cf. Radiomensagem Natalícia de 1944, AAS 37, 1945, 17-21; cf. Enc. Summi Pontificatus, AAS 31, 1939, 437; Alocução ao Congresso dos Juristas Católicos, AAS, 45, 1953, 800; Alocução ao Congresso para a constituição da união europeia. AAS 49, 1957, 629. ).

9. É encargo da Igreja salvar os Homens. Deve portanto esforçar-se por conhecer melhor os direitos fundamentais do homem e favorecer a observância e a execução deles; falamos dos direitos da família, dos grupos sociais e das comunidades religiosas (Cf. Alocução de 6 de Outubro de 1979. ). E necessário porém que estes direitos sejam reconhecidos pela sociedade civil e protegidos pelos estados. E todos os cristãos devem observar estes direitos vivendo sob a luz de Cristo. Na presente época da história, têm os cristãos todos o grave e urgente dever de trabalhar para aqueles mesmos direitos serem afirmados e respeitados nos costumes e nas leis públicas. Daqui nasce porém o vosso encargo próprio, sendo leigos cristãos e estudiosos do direito, de concorrer — com os vossos especiais predicados em ciências e erudição técnica e em amor ao homem — para conseguir que as regras jurídicas da cidade terrestre plenamente manifestem e exprimam a lei da sabedoria Divina impressa no coração dos homens, e para que as leis, que violam os direitos fundamentais, e portanto devem ser repudiadas por causa moral, sejam mudadas em normas que perfeitamente respeitem esses mesmos direitos: à vida desde a conceição até ao seu termo natural, à dignidade, à integridade e à liberdade ( Cf. Alocução em Aquila, 31 de Agosto de 1980). E também acontece felizmente investigardes vós todos estes argumentos e direitos com espírito e método ecuménico.

10. No que respeita aos direitos primários dos Cristãos, a definição deles exige um trabalho sem dúvida difícil. Esse trabalho, já começado pelo Concílio Vaticano II não sem grandes dificuldades, deve a todo o custo continuar-se. O direito renovado da Igreja proverá certamente, por seu lado, a que esses direitos se mantenham e apliquem na prática da vida; o que é mais necessário porque os mesmos direitos dos cristãos postulam como fundamento os direitos primários do homem. Aliás, estes principais direitos dos homens não só os proclamou solenemente a Declaração das Nações Unidas, mas foram depois definidos com outras subsequentes convenções (Cf. Mensagem à Assembleia das Nações Unidas, 2 de Dezembro de 1978), entre as quais é digna de nota a declaração dos Direitos da Criança ou mesmo do ainda não nascido. É necessário porém entender com maior perfeição, investigar mais profundamente e ponderar todos estes direitos. Infelizmente, contudo, muito longe se está de que eles sejam observados em toda a parte (Cf. ibidem.; Alocução inaugural da Conferência do Episcopado da América Latina, AAS 71, 1979, 201-202 III. n. 5; Enc. Redemptor hominis. 17, AAS / 71, 1979, 295-300; Alocução de 14 de Dezembro de 1979, em L'Oss. Romano, de 14 de Dezembro de 1979). Nem a legislação eclesial pode deixar de ter em conta estes direitos; pelo contrário, a legislação eclesiástica ajudará a que se apliquem tais direitos, e assim fará avançar e nobilitará os mesmos direitos.

11. Se noutros tempos alguns proclamaram a separação absoluta entre a Igreja e o Estado — entidades que têm certamente autoridade própria e poderes próprios —, isto não pode trazer consigo a separação entre a comunhão eclesial e a comunidade humana

Já sem dúvida foi dito justamente que todas as questões, que nesta época se apresentam aos homens, não podem de nenhum modo resolver-se só pela razão ou só pela acção de instituições puramente humanas. Mais e mais se sente que a sorte futura do homem já ultrapassa a ordem política, que há depois o perigo de a matéria e a técnica o oprimirem, e que tudo isto por fim se reflete necessariamente no mundo espiritual. Este juízo repete aquilo que há pouco eu disse em Paris: «O homem é a medida das coisas e dos factos no mundo criado; todavia Deus é a medida do homem mesmo» (Cf. Alocução de 31 de Maio de 1980).

12. Eis pois a razão porque — como declarámos o ano passado em Washington — o meu cargo me incita a testemunhar a verdadeira grandeza do homem em todo o conjunto da sua vida e existência. Esta excelência do homem deriva do amor de Deus que nos criou à Sua imagem e nos deu a vida eterna (Cf. Alocução de 6 de Outubro de 1979).

Dilectos filhos: os vossos trabalhos e esforços, e agora o vosso Congresso de Friburgo, uniram-nos intimamente com esta missão minha. Pedimos-vos pois que prossigais alegre e firmemente esta vossa tarefa de auxílio. O direito eclesiástico pode e deve penetrar e fomentar o direito simplesmente dos homens. Investigando vós os direitos fundamentais dos cristãos, conseguis certamente que os direitos primários dos homens sejam melhor conhecidos e mais perfeitamente observados; segundo o espírito de Deus, vós aumentais mais e mais a compreensão e defesa da verdadeira dignidade da pessoa humana..

Estes são em vosso favor os meus melhores presságios e votos.

Dê o Senhor mesmo perseverança aos vossos trabalhos; e sempre vos ajude e robusteça a Bênção Apostólica que me pedistes confiadamente.

 

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