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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS PARTICIPANTES NO CONVÉNIO
 DO «MOVIMENTO PELA VIDA»

Sexta-feira, 3 de Dezembro de 1982

 

Ilustres Senhores

1. É com viva satisfação que vos apresento as minhas cordiais saudações ao receber-vos nesta Audiência particular, no termo do vosso Convénio Internacional sobre "Diagnose pré-natal e tratamento cirúrgico das deformações congénitas". Saúdo e agradeço ao Prof. Bompiani pela gentileza que teve em me informar acerca dos resultados obtidos no decorrer dos trabalhos, e aproveito para saudar também todos quantos deram o seu contributo cientifico para o aprofundamento de um tema tão novo e tão prometedor.

A minha saudação estende-se igualmente aos promotores do Convénio, os membros daquele "Movimento pela Vida", que tão generosamente se empenham na pesquisa de todos os caminhos úteis à tutela e à promoção deste fundamental valor da pessoa humana. Aproveito de bom grado esta oportunidade para exprimir aos Dirigentes do Movimento e a quantos apoiam as suas iniciativas a minha estima sincera, exortando todos a que não se deixem desanimar pelas dificuldades e obstáculos que possam encontrar no caminho, prosseguindo no serviço de uma tão nobre causa.

Apresento ainda uma palavra de saudação aos responsáveis da Federação das Caixas Rurais e Artesãs, que com o seu generoso contributo permitiram a realização deste Convénio. As finalidades sociais que inspiram a acção dos seus Institutos exprimem-se de modo particularmente adequado em iniciativas que, como esta, se destinam à promoção da vida, valor sobre o qual se apoiam todas as realizações humanas.

2. O tema abordado abre perspectivas de grande importância no que se refere a intervenções cirúrgicas desconhecidas pela medicina do passado, e que o moderno progresso científico torna hoje possíveis ou permitirá num futuro próximo. O cristão, como aliás todo o homem de boa vontade, não pode deixar de se alegrar com os progressos que a ciência faz no que se refere a terapias cada vez mais rápidas e eficientes, mesmo em campos muito delicados e cruciais. Ao saber com alegria dos resultados até agora conseguidos, a Igreja rejubila-se e encoraja todos quantos aplicam os talentos da sua inteligência neste sector tão importante da investigação médica, que se refere aos primeiros meses de existência do ser humano.

Por outro lado, facilmente se advertem os riscos a que está sujeita toda a intervenção terapêutica num ser que, nos primeiros momentos de vida, se encontra numa situação de particular fragilidade e exposto, mais do que em tempos sucessivos, a erros fatais ou a danos irreversíveis. Recordando-se daquele preceito da sabedoria tradicional: primum non nocere, o cientista esforçar-se-á portanto com todo o cuidado em não danificar aquela vida que ele pretende salvar ou melhorar, tomando as suas decisões com extrema prudência e cautela.

A este propósito, convirá ter presente que muitas deformações congénitas, sendo de natureza hereditária, podem ser oportunamente prevenidas em consultório matrimonial, respeitando-se as orientações sempre actuais do Papa Pio XII sobre esta matéria (cf. Discurso aos participantes no VII Congresso Internacional de Ematologia, em 12.9.1958: AAS 50, 1958, 732-740). As descobertas do P. Gregório Mendel, bem como da Genética que a partir delas se desenvolveu, permitem quantificar o risco das doenças hereditárias. A tarefa do Médico responsável será portanto a de avaliar, de entre as deformações possíveis, quais as mais prováveis, com base num atento estudo da árvore genealógica das pessoas interessadas em dar vida a um novo ser.

3. Constituíram objecto particular das vossas reflexões durante este Convénio as deformações já em acto no novo ser, bem como as várias técnicas a que é possível recorrer para as detectar e curar a tempo. Um tal assunto é da vossa exclusiva competência.

O que me preocupa neste momento é chamar a vossa atenção para alguns valores morais de fundo, aos quais é necessária uma referência constante, se se quiser evitar que determinados progressos no campo da ciência se revelem, porém, contraproducentes para o homem enquanto tal.

A este respeito, ocorre reafirmar antes de mais a sacralidade da função procriativa, na qual o homem e a mulher colaboram com Deus na propagação da vida humana segundo os planos da sua transcendente economia. Não é minha intenção repetir aqui quanto escrevi na Exortação Apostólica Familiaris consortio a este propósito. Mas não posso deixar de repetir a severa condenação, fundamentada na própria  lei natural, de todo o atentado directo à vida do inocente. Com efeito, o ser humano que se desenvolve no seio materno é inocente por antonomásia.

É pois evidente que as investigações intra-uterinas tendentes a individuar precocemente os embriões e fetos com qualquer deformação, com o objectivo de os poder eliminar imediatamente através do aborto, devem ser consideradas radicalmente viciadas e, como tais, moralmente inadmissíveis. É igualmente inaceitável qualquer forma de experimentação no feto que possa danificar a sua integridade ou piorar as suas condições, a não ser que se trate de uma tentativa extrema de o salvar de uma morte segura. Com efeito, deve-se aplicar o princípio geral que proíbe a instrumentalização de um ser humano com o simples objectivo de contribuir para o progresso da ciência ou o bem-estar de terceiros.

4. Quais devem ser então os critérios aos quais se inspirará todo o Médico que deseje actuar segundo os valores das normas morais? Deverá antes de mais avaliar atentamente as eventuais consequências negativas que o uso necessário de uma determinada técnica de investigação pode ter em relação ao feto. Evitará também o recurso a procedimentos de diagnose dos quais não se possuam seguras garantias no que se refere à sua honesta finalidade e ao seu carácter substancialmente inócuo. Se suceder, como por vezes acontece nas opções humanas, que exista uma margem de risco, ela deve ser efectivamente compensada por uma verdadeira urgência da diagnose, e pela importância dos resultados positivos que se esperam sejam obtidos em favor do feto.

No caso de ser detectada uma deformação, o Médico não deixará de utilizar todos os recursos terapêuticos seguros que, no estado actual da investigação, se podem aplicar. Não se trata, portanto, apenas das técnicas tradicionais, mas também, sempre que isso seja possível, daqueles recentes progressos cirúrgicos que, com base nas informações comunicadas durante o vosso Congresso, estão a dar resultados surpreendentes. A decisão acerca do recurso a uma intervenção cirúrgica, ou a renúncia a tal intervenção, bem como quanto à técnica concreta a utilizar, constituem questões que o próprio Médico deverá resolver segundo a ciência e de acordo com a sua consciência. Terá porém sempre o cuidado de assegurar-se de que a intervenção seja realmente necessária, livremente aceite pelos pais, e que ofereça uma probabilidade de sucesso superior à probabilidade contrária.

Existem infelizmente algumas deformações, relacionadas com doenças cromossómicas, às quais não é possível, ao menos por agora, aplicar técnicas terapêuticas de carácter resolutivo. Também nestes casos a medicina fará quanto está ao seu alcance para reduzir o carácter patológico, mas evitará escrupulosamente qualquer tratamento que possa constituir uma forma ainda que velada de aborto provocado. O portador de tal anomalia não perde por esse facto as prerrogativas próprias de um ser humano, ao qual deve ser reconhecido o respeito a que todos os pacientes têm direito.

5. Ilustres Senhores, os princípios morais a que acabo de me referir não constituem, como sabeis, um obstáculo ao progresso científico que pretenda ser ao mesmo tempo progresso do homem considerado na superior dignidade do seu destino transcendente. Um dos mais graves riscos a que está exposta esta nossa época, é de facto o divórcio entre ciência e moral, entre as possibilidades oferecidas por uma tecnologia projectada em direcção a fronteiras sempre novas e desconhecidas, e as normas éticas emergentes da natureza humana, relegada para um lugar cada vez mais secundário. E pois necessário que todas as pessoas responsáveis afirmem unanimemente a prioridade da ética sobre a técnica, o primado da pessoa humana sobre as coisas, a superioridade do espirito sobre a matéria. Só nestas condições o progresso científico, que em tantos aspectos nos entusiasma, não se transformará numa espécie de moderno Moloch que devora os seus incautos adeptos.

"O homem supera infinitamente o homem", escreveu Pascal (Pensées, 434). Esta intuição, que a razão pode por si só atingir, é reforçada pela fé que nos apresenta o homem como a obra-prima do Criador, renovado no sangue de Cristo e chamado a entrar na família dos filhos de Deus por toda a eternidade.

Estas profundas verdades da razão e da fé, caros Médicos e Cirurgiões, deverão iluminar sempre a vossa nobre actividade, orientando-a na escolha de processos operativos que não ofendam nunca o supremo valor da dignidade da pessoa.

Com estas palavras, vos concedo de todo o coração, a vós e a todos os demais presentes, bem como aos respectivos familiares, a minha Bênção Apostólica, propiciadora dos favores celestes.

 

 

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