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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II A LOURDES
[14-15 DE AGOSTO DE 1983]

AOS PEREGRINOS DOENTES

DISCURSO DO SANTO PADRE

Segunda-feira, 15 de Agosto de 1983

 

Meus queridos doentes, membros sofredores do Senhor Jesus

1. Seria necessário recordar-vos que Jesus de Nazaré — antes de subir a Jerusalém para consumar, no abandono quase total dos seus, o seu misterioso sacrifício de Redenção universal — concedeu, durante os seus anos de pregação itinerante, a prioridade às pessoas afligidas pelo sofrimento tanto físico como moral? E a história do cristianismo, com frequência de maneira bem clara, não tem feito senão ilustrar este serviço aos doentes e aos mais pobres, iniciado pelo seu divino Fundador. Por sua vez, o vosso país, a França, viu surgirem tantas congregações hospitalares! Como não mencionar as Filhas da Caridade, instituídas por Vicente de Paulo, nascido em Landes, muito perto daqui? Como esquecer que Bernadette Soubirous entrou na Congregação das Irmãs de Caridade e da Instrução cristã de Nevers, fundada no século XVII para as pequenas escolas, a visita aos pobres e aos doentes, e o serviço dos hospitais? E a cidade de Lourdes, não é ela o lugar por excelência onde os doentes se sentem de verdade em casa, assim como os que têm saúde, com os serviços e organismos plenamente adaptados a eles?

2. O sofrimento é sempre uma realidade, uma realidade de mil expressões. Penso nas misérias provocadas por certos fenómenos geológicos muito imprevisíveis, nos infortúnios morais que se multiplicam numa sociedade que acredita estar a chegar ao fim. Penso em todas as enfermidades e doenças: umas curáveis dentro de algum tempo, outras curáveis dentro de algum tempo, outras, infelizmente, ainda incuráveis. Se o sofrimento é objectivo, ele é mais ainda subjectivo, único, no sentido de que cada pessoa, aflita ou doente, reage diante do mesmo sofrimento de maneira diferente, às vezes de modo muito diferente. É o mistério da imponderável sensibilidade de cada um. E dá-se o caso — no domínio secreto das consciências — de pessoas sofrerem inquietudes ou remorsos sem fundamento real.

3. Perante todo o sofrimento, aos que têm saúde compete um primeiro dever: o do respeito, às vezes até mesmo o do silêncio. Não foi o Cardeal Pierre Veuillot, Arcebispo de Paris, tão rapidamente arrebatado há uns quinze anos por uma implacável doença, que pedia aos sacerdotes que o visitavam, que falassem do sofrimento com muita circunspecção? Nem justo, nem injusto, o sofrimento continua, apesar das explicações parciais, difícil de ser compreendido e difícil de ser aceito mesmo por aqueles que têm fé. Esta não elimina a dor. Une-a de modo invisível à de Cristo Redentor, o Cordeiro sem mácula, para ser com ela plenamente solidária, para lhe dar um outro significado, santificar por antecipação todas as provas e a morte mesma que oprimiriam a carne e o coração dos homens, seus irmãos. "E assim, por Cristo e em Cristo, esclarece-se o enigma da dor e da morte, o qual fora do Seu Evangelho, nos esmaga". Esta afirmação é tirada da admirável Constituição sobre a Igreja no mundo actual (Gaudium et spes, n.22). O profeta Isaías, que acabámos de ler, tinha razão quando dizia ao povo da sua época: "Tomai ânimo, não temais! Olhai, o vosso Deus... vem em pessoa salvar-vos" (Is. 35, 4). E Jesus pôde dizer com toda verdade: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei" (Mt. 11, 28).

4. Queridos doentes, gostaria de deixar nas vossas mentes e nos vossos corações três pequenos pensamentos que me parecem preciosos.

Em primeiro lugar, qualquer que seja o vosso sofrimento, físico ou moral, pessoal ou familiar, apostólico, e até eclesial, é importante que dele tomais consciência de maneira lúcida, sem o minimizar ou aumentar, e com todas as perturbações que ele provoque na vossa sensibilidade humana: revéses, inutilidade da vossa vida, etc.

Em segundo lugar, é indispensável progredir no caminho da aceitação. Sim, aceitar a realidade, não com uma resignação mais ou menos cega, mas porque a fé nos assegura que o Senhor pode e quer tirar o bem do mal. Quantos, aqui presentes, poderiam testemunhar que a provação, aceita com fé, fez renascer neles a serenidade, a esperança...! Se o Senhor quer tirar o bem do mal, Ele convida-vos a ser vós mesmos tão activos quanto o podeis, apesar da doença, e se sois deficientes, a valer-vos de vós mesmos, com as forças e talentos de que dispondes, apesar da enfermidade. Aqueles que vos circundam com a sua afeição e auxílio, e também as associações de que participais como as Fraternidades dos doentes, procuram precisamente fazer que ameis a vida, e a desenvolveis em vós, enquanto isto é possível, como um dom de Deus.

Enfim, o mais belo gesto fica por fazer: o da oblação. A oferenda feita por amor de Deus e dos nossos irmãos, permite atingir um grau, às vezes muito elevado, de caridade teologal, a saber, de se perder no amor de Cristo e da Santíssima Trindade em favor da humanidade. Estas três etapas vividas por cada um dos que sofrem, segundo o seu ritmo e a sua graça, lhe darão uma admirável libertação interior. Não é este o paradoxal ensinamento transmitido pelos evangelistas: "... aquele que perde a sua vida por minha causa, encontrá-la-á" (Mt. 16, 25)? Não é esta a atitude evangélica de abandono, tão profundamente experimentada por Bernadette de Lourdes e Teresa de Lisieux, doentes durante quase toda a própria vida? Queridos Irmãos e Irmãs que sofreis: retornai fortificados e renovados para a vossa "missão especial"! Vós sois os preciosos cooperadores de Cristo na aplicação, no tempo e no espaço, da Redenção que Ele adquiriu uma vez por todas e em beneficio da humanidade inteira pelos mistérios históricos da Sua encarnação, da Sua paixão e da Sua ressurreição. E Maria, sua Mãe e vossa Mãe, estará sempre junto de vós!

5. Permiti enfim que em vosso nome, e em nome da Igreja, eu agradeça e encoraje a "Hospitalidade" de Lourdes, bem como as "Hospitalidades" diocesanas da França e das outras nações aqui representadas. Avalio o trabalho evangélico e os méritos dos leigos e dos sacerdotes empenhados no serviço de assistência aos peregrinos que sofrem. Alguns, bem sei, sacrificam uma parte ou mesmo a totalidade dos seus feriados anuais para estarem de todo o coração à vossa disposição. Queridos capelães, religiosos e religiosas, médicos e enfermeiros, maqueiros e outras pessoas auxiliares, agradecei o chamamento que um dia ouvistes a oferecer a vossa vida por aqueles que sofrem. Nos vossos encontros diocesanos ou regionais, aprofundai com continuidade a espiritualidade e a prática da vossa missão na Igreja. Proponde a muitos jovens a que se unam a vós. Permanecei sempre unidos entre vós, com as Fraternidades católicas dos doentes que existem em quase todas as Dioceses, e naturalmente com os vossos Bispos.

Asseguro a todos vós a minha particular estima e invoco copiosas "graças de estado" para todos os membros das "Hospitalidades" de Lourdes, da França e do mundo!

Dentro de alguns minutos, é o próprio Senhor que vai abençoar os doentes, no Santíssimo Sacramento, que torna presente o Seu sacrifício, o dom da Sua vida e todo o Seu amor!

 



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