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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS BISPOS DO BRASIL DO REGIONAL
SUL-1 EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM
»

17 de Janeiro de 1986

 

Senhor Cardeal
e veneráveis Irmãos,
Bispos das Igrejas que estão no Estado de São Paulo

1. Dou graças a Deus, de todo o coração pela alegria intensa que constitui para mim este encontro com os Senhores, que integram o Regional Sul-l da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o qual abrange as Dioceses do belo Estado de São Paulo. Aguardei na oração a sua chegada, anticipando-a no meu espírito, com o vivo desejo de os ver e ouvir, um por um, e neste encontro todos juntos, para lhes comunicar algum dom que os possa “confirmar, ou antes, para que possamos consolar-nos juntos, pela fé que nos é comum, aos Senhores e a mim” .Que isso aconteça, para maior fruto de sua missão de Pastores, que velam e guiam o rebanho que o Senhor lhes confiou, de boa vontade, não como dominadores, mas como modelos do mesmo rebanho.

Com um só coração e uma só alma, adoremos a Cristo, que nos escolheu para o serviço do Evangelho, certos de que Ele está conosco, neste colóquio, síntese ideal daquilo que conversamos nas audiências privadas. Culmina aqui sua visita “ad limina”, com que desejaram reafirmar a comunhão entre os Senhores, Bispos da Região Paulista, e o Bispo de Roma, Sucessor de Pedro; e a perfeita união de mente e de coração que existe entre as suas Igrejas particulares e a Igreja de Roma.

2. Bispos de una região brasileira onde o anúncio do Evangelho e a edificação de Igreja remontam aos primórdios da história das Terras de Santa Cruz para aquém da descoberta, os Senhores são herdeiros e guardiães de uma tradição de valor inestimável. A essa tradição importa atender e a ela ir beber constantemente, não para que ela refreie a caminhada, mas permaneça impulso na mesma e força viva, e enriquecer, no cadinho da realidade presente, o “tesouro do pai de família que, avisado, dele sabe tirar coisas novas e velhas” .

É forçoso recordar aqui, como símbolo, um nome que está identificado com a história do Brasil cristão e, particularmente, com a história de São Paulo: o Beato José de Anchieta, “o Apóstolo do Brasil”. Ele despendeu a vida entre os seus “brasis”, no empenho generoso de “salvar as almas para a glória de Deus”. Guiado por uma visão realista e por um espírito evangélico admiráveis, e dedicando-se incansavelmente a múltiplas atividades, também de promoção humana e de cunho cultural, tudo ele soube orientar para o bem verdadeiro do homem, destinado e chamado a viver como filho de Deus, em fraternidade, em família. Anchieta era, antes de mais, um homem de Deus; e o segredo de sua tão ampla e eficaz atividade missionária e de promoção humana era a sua fé. A semelhança de Paulo Apóstolo, demonstrava saber em quem acreditava: “Scio cui credidi...” 

Foi ele, juntamente com um punhado de irmãos, santos só de Deus conhecidos, que marcou o rumo da história de uma população ativa, laboriosa e empreendedora, impregnada de espírito cristão, que mais tarde se adentrou para o interior do imenso território brasileiro, levando uma mentalidade e um tipo de costumes que incidiram, certamente, sobre a Nação que se estava a plasmar, com a conhecida brasilidade. De algo me pude aperceber, durante a visita pastoral ao seu País, quando tive a alegria de estar com a sua gente, em São Paulo, Aparecida e São José dos Campos. Vivem na minha memória e saudade essas jornadas radiosas.

3. Estas evocações e referências ao passado, minimamente me desviam o olhar do presente, de uma vasta Região, que é uma amostra bem completa do Brasil, com a luz e sombras que o caracterizam. Mas prevalece a luz, como pude concluir dos encontros pessoais com os Senhores. Há no conjunto, os sinais que fazem do nosso tempo uma época histórica maravilhosa, pelo que a humanidade já alcançou e construiu; mas marcada também por inquietude, incerteza e sofrimento.

A ciência e a técnica, conjunta ao trabalho e ao espírito de iniciativa, semearam o solo paulista de fabricas e centros industriais fazendo afluir aí um grande número de brasileiros, em busca de trabalho e de dias melhores. Infelizmente, porém, a moldura esquálida de cidades grandes, onde emergem as favelas, dão contrastes demasiado vivos ao cenário, em que o homem deveria ser o protagonista da própria existência. A isto juntam-se múltiplos fatores que longe de favorecerem um tipo de vida autenticamente humana a deterioram ainda mais. Muitos, condenados a uma situação infra-humana, facilmente são tentados a enveredar por caminhos que não levam à vida: violência, erotismo, droga e materialismo prático. E sabemo-lo, um mal nunca se vence com outro mal.

Cristo escolheu e enviou os Senhores, neste momento histórico, para evangelizar entre esse povo as maravilhas do seu amor. A gente de suas Dioceses vive as contradições do nosso tempo, com todas as possibilidades de bem que encerra e com todas as formas, antigas e novas, de mal, que acompanham a caminhada do progresso.

4. Conhecer e compreender a realidade maravilhosa e tremenda que é o homem, com a sua circunstância captar a sua necessidade profunda de amar e de ser amado e avaliar as suas aspirações legítimas pela justiça, pela paz e pela fraternidade, são coisas indispensáveis aos Pastores de almas. E estou certo que os Senhores disto se preocupam. Contudo, a tarefa primária da nossa paternidade espiritual é anunciar e testemunhar Cristo, transmitir e servir a fé em Deus, não para alienar, mas que para que cada homem possa encontrar para a própria vida, com todas as suas dimensões, o sentido último, unificante e apaziguador.

Haveria muito que dizer-lhes, queridos Irmãos, na imensidade dos problemas com incidências pastorais de que me falaram, no quadro da concentração industrial, da agricultura sofrida, das mudanças culturais profundas e do acúmulo de verdadeiros dramas humanos: desemprego, falta de habitação, famílias sem lar, jovens e crianças abandonados à rua. E, dentro da vida eclesial, problemas de envelhecimento e rarefação dos Sacerdotes, decaimento da prática religiosa, avanço das seitas, com desconforto e desajuste de tantos cristãos, perplexos e a interrogar-se. E numerosos foram entre os Senhores os que me confidenciaram suas preocupações a respeito dos Seminários.

Cada um destes assuntos poderia ser objeto de permuta interessante entre nós, ou de uma alocução apropriada. Isto não se apresenta viável. Mas não deixou de ser útil que tivessem confiado ao Papa e aos Dicastérios Romanos os seus cuidados; mesmo sem lhes darem soluções imediatas, eles os registraram na memória do espírito e do coração, como problemas postos à Igreja para a sua pastoral comum.

5. Desejaria que os Senhores levassem da sua visita “ad limina”, com a reavidada consciência da Colegialidade episcopal, que serve o seu ministério pastoral e por ele deve ser servida, algo que pudesse ser, não novidade, mas “mensagem” para o Povo de Deus: mensagem vital. Isto tem sido e vai continuar a ser para mim objeto de súplica ao Deus da paciência e da consolação, implorando que tenham uns para os outros os mesmos sentimentos, segundo o espírito de Cristo, para que num só coração e com uma só voz, glorifiquem a Deus , em comungado “sentire cum Ecclesia”.

Gostaria de dispor de espaço para discorrer aqui, junto com os Senhores, sobre o significado e alcance da realidade da comunhão na Igreja, na linha em que o fez o recente Sínodo dos Bispos, em eco ao Concílio, passados vinte anos. Isso serviria o resplendor daquela eclesiologia de comunhão, que não pode reduzir-se às meras questões de organização, ou àquelas que se referem a meros poderes, mas que é o fundamento da ordem e harmonia na Igreja e, antes de mais, da reta relação entre a sua unidade e a pluriformidade .

A insofismável conexão da mesma Igreja com Cristo, “que é sempre o mesmo, hoje, amanhã e por todos os séculos” , e que jamais pode dissociar-se do mistério da sua Cruz e Ressurreição, confere à fórmula antiga e sempre nova do “sentire cum Ecclesia” a prioridade absoluta em nossas programações e atuações pastorais. Co-responsabilidade apostólica, comunhão eclesial e conversão e reconciliação permanentes constituem os gonzos em que assenta esse “sentire”.

E, não seria necessário frisá-lo, trata-se da única Igreja de Jesus Cristo, que no Símbolo professamos una, santa, católica e apostólica, com a sua índole escatológica, luminosamente apresentada no número oito e no capítulo sétimo da “Lumen Gentium”. Ainda que fora do seu corpo se encontrem elementos de verdade e de santificação, essa Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica.

O conhecido cânone trezentos e trinta e três do Código de Direito Canônico, ao lembrar que o Romano Pontífice está sempre em comunhão com os Bispos e com toda a Igreja no desempenho do seu múnus, lembra também o direito que lhe assiste de determinar o modo de melhor o desempenhar; e faz referência, no cânone seguinte, às pessoas e às instituições que ele pode mandatar, de diversas formas, para, “em seu nome e por sua autoridade” desempenharem encargos, “para bem de todas as Igrejas”.

6. E sentir com a Igreja, amados Irmãos, alegrar-se com ela por tudo o que é verdadeiro, justo e válido nas instituições temporais a serviço do homem; ver com satisfação os esforços que visam promover os direitos e as liberdades fundamentais da pessoa humana; preconizar com ela as reformas que tenham como objetivo uma sociedade mais justa; animar mesmo os responsáveis pelo bem comum e empreender essas reformas, de acordo com os princípios éticos e cristãos. Mas sentir com a Igreja não se coaduna com reduzir ao sócio-político a sua missão. É sentir com a Igreja desenvolver uma pastoral específica para os pobres, assumindo o compromisso com a opção preferencial – não exclusiva, por certo, mas prioritária – por anunciar-lhes a mensagem da libertação plena: a mensagem da Salvação; mesmo lembrar aos pobres que eles estão próximos do Reino de Deus, que não lhes é permitido reduzirem-se à miséria, que devem fazer tudo o que é lícito para a superar; dizer aos que estão no bem-estar que usufruam do seu trabalho e diligência honesta sem se fecharem, mas pensando nos que estão carentes e sabendo partilhar com eles.

Mas é fazer tudo isto com a finalidade primária de que cada homem encontre a Cristo e com Ele percorra os caminhos da vida; é fazer com que Cristo nasça nos seus corações, pela ação do Espírito Santo, por meio da evangelização, anúncio da libertação do pecado e da comunhão com Deus. Deste modo, sentir com a Igreja não se compadece com aceitar os graves desvios que algumas “teologias da libertação” trazem consigo.

7. A preocupação de “sentir com a Igreja” não deixará, por certo, de estar subjacente à generosidade com que se dedicam ao próprio múnus, na sua tríplice dimensão: de anunciar o mistério da Salvação e de velar pela qualidade da sua apresentação; de presidir a oração do Povo de Deus e velar por que os Sacramentos sejam celebrados como se deve; e de ser, enfim, pais e pastores de todos, como o Bom Pastor, com particular atenção aos mais diretos colaboradores.

A este, aos seus queridos Sacerdotes, quereria referir-me, brevemente, pois são os autênticos educadores na fé, tarefa que exige muita clareza em “sentir com a Igreja”. Sobre a grande importância e urgência a dar a formação permanente dos Sacerdotes e dos candidatos ao Sacerdócio, já me detive com outro grupo de Irmãos Bispos brasileiros. Os membros do Presbitério e os que se preparam para integrá-lo, hão-de verificar sempre as condições de “sal da terra” e de “luz do mundo”. Por isso se lê no “Presbyterorum Ordinis” : “Pelo chamamento e pela ordenação, são segregados, de algum modo, do seio do Povo de Deus, não para se separarem desse Povo ou de qualquer homem, mas para se consagrarem totalmente à obra para que o Senhor os assume”: a favor dos homens, sim, mas nas coisas respeitantes a Deus.

Como sugestão, na “Relatio finalis” os Padres do último Sínodo, em vista de uma melhor aplicação do Concílio, expressaram-se assim: “A formação dos candidatos ao Sacerdócio deve merecer o máximo cuidado. Nesta formação cuide-se da formação filosófica e do modo de ensinar a Teologia proposto pelo Decreto "Optatam Totius"”.

8. Outro empenho que a situação sócio-cultural, que pude auscultar falando com os Senhores, indica como particularmente urgente é o da pastoral familiar. A família é a célula fundamental da sociedade, viveiro das gerações futuras e “igreja doméstica”. As profundas e rápidas transformações que caracterizam o nosso tempo e a sua Região Paulista exigem da Igreja uma renovada solicitude neste delicado setor da pastoral.

Impõe-se, despertar nas consciências a preocupação pelas realidades espirituais e eternas e o senso do primado dos valores morais, que são os valores da pessoa humana como tal . E para obviar a potenciais forcas desagregadoras da instituição familiar, que o progresso moderno, com os seus recursos, pôs nas mãos do homem, é necessária uma continuada evangelização, mediante assídua e incisiva instrução religiosa, catequese, prática sacramental e oração.

Para tudo isto há que aproveitar os bons préstimos dos movimentos e organizações eclesiais para a espiritualidade e apostolado da família. Ao que me resulta, eles tiveram uma certa florescência em suas Comunidades e ainda agora aí se encontram operantes, com bom êxito. Que sejam estimulados em seu empenho na salvaguarda e promoção do amor vivido segundo Deus e em ajudar as famílias a serem fermento ativo, para a animação cristã do ambiente A Igreja, que transmite o ensino de Cristo, proporciona critérios seguros para que os casais cristãos possam realizar-se e ser felizes na própria escolha de vida, em fidelidade ao ideal do amor-comunhão e aos deveres que lhes impõem a fecundidade e a educação dos filhos.

Nesta linha, vai um apelo à pregação, em particular à homilia, dado o seu alcance e função, “sempre cuidadosamente preparada, substanciosa e adaptada e reservada aos ministros sagrados”. E vai um apelo também às escolas e meios de comunicação de massa: é preciso envidar todos os esforços em prol de uma moralidade de base que tem sido força secreta do Povo brasileiro.

9. Meus amados Irmãos:

Não quereria terminar este grato encontro sem ir em espírito ao Santuário de Aparecida, bem conhecido e caro pela incidência na vida cristã no Brasil, e sobretudo em suas terras, que dele estão mais próximas. Ele eleva o nosso pensamento para Maria Santíssima, a Mãe de Jesus, que “brilha, como sinal de esperança segura e de consolação, aos olhos do povo de Deus peregrino” . No mistério de Cristo, Ela tem um lugar muito particular: o da mulher que acolhe jubilosa o amor de Deus e se lhe entrega completamente; e o da mãe, que gera o Verbo Encarnado, acompanhando o seu crescimento humano e a sua missão; e dilata depois a sua maternidade a toda a Igreja. Ela constitui modelo ideal de amor ao Pai, de união com Cristo e de docilidade ao Espírito Santo, de serviço à Igreja e de caridade para com todos os homens. Assim importa apresenta-la, cultuá-la e imitá-la.

Que Nossa Senhora Aparecida ajude as Comunidades diocesanas consagradas aos seus cuidados de Pastores e ajude todo o querido Povo brasileiro.

Que os inspire no seu devotado ministério quotidiano e realidade da Igreja-comunhão. E que os acompanhe a certeza do meu afeto e da minha oração, para que Deus abra caminho e torne eficaz o seu generoso trabalho pastoral.

Levem uma saudação muito cordial aos Presbitérios, aos Religiosos e Religiosas, aos Leigos comprometidos nos ministérios ou em tarefas específicas de apostolado e a todos os Fiéis – crianças, jovens, adultos e anciãos – de suas Comunidades, com uma ampla e afetuosa Bênção Apostólica.

 

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