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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

DISCURSO DO SANTO PADRE
  ÀS RELIGIOSAS NA SEDE DO
«SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO»

Florianópolis, 18 de Outubro de 1991

 

Queridas filhas em Cristo!

1. Saúdo aos irmãos religiosos que se uniram a este encontro, mas dedicado sobretudo às religiosas do Brasil. Sinto-me imensamente feliz estando novamente convosco, revivendo aqueles encontros que tive a alegria de manter com as religiosas do Brasil, por ocasião da minha primeira viagem pastoral a esta querida Nação.

Agradeço à Irmã Ilze Mees, as amáveis palavras que acaba de me dirigir, em nome de todas as religiosas do Brasil.

Minhas filhas, é fundamental vosso papel nesta imensa tarefa da nova evangelização, a que Deus nos convoca neste final de milênio. Seria impossível à Igreja cumpri-la devidamente sem a participação generosa de vossa vida consagrada.

Como dizia há dois anos a todos os religiosos e religiosas do Brasil, “seria quase impossível imaginar a vitalidade da Igreja no Brasil sem essa rede de comunidades religiosas, que tornam presente e visível o Evangelho... Agradeço-vos de coração a fidelidade à vossa consagração e missão, a vossa presença eclesial em todas as latitudes deste imenso Brasil. A fecundidade misteriosa de vossas comunidades contemplativas, o testemunho dos que vivem sua inserção entre os mais pobres e a generosa dedicação dos que trabalham em regiões longínquas e isoladas, constituem uma riqueza para a Igreja no Brasil e comprovam sua vitalidade”(Ioannis Pauli PP. II Epistula occasione oblata XV Coetus generalis ordinarii Religiosorum Brasiliae, 1, die 11 iul. 1989: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XII, 2 (1989) 70s).

2. Este horizonte tão rico e empolgante da missão que Deus vos convoca para realizar na Igreja e no mundo, exige de vós, como condição de sua vitalidade, uma fidelidade incondicional a Cristo e à Igreja. Sobre ela quero falar-vos hoje, de maneira mais especial. Nunca será demais recordar que “a identidade e autenticidade da vida religiosa se caracterizam pelo seguimento de Cristo e pela consagração a Ele, mediante a profissão dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência. Com eles se expressa a total dedicação ao Senhor e a identificação com Ele, na sua entrega ao Pai e aos irmãos”(Ioannis Pauli PP. II Epistula ad Religiosos Religiosasque Americae Latinae D imminente anno ab Evangelio ibi nuntiato, 16, die 29 iun. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1715).

Amai, com profundo espírito de fé, esses três vínculos santos. Eles, por assim dizer, definem e qualificam a vossa vida, criam um espaço de absoluta liberdade dentro dos vossos corações, que podem, por eles, acolher o amor de Cristo e viver inteiramente por Ele, para Ele e d’Ele. A religiosa, fiel aos compromissos de sua consagração, experimenta a inefável felicidade de caminhar em companhia de Jesus, de viver de sua palavra, de gozar de sua presença interior, de participar na sua missão salvadora (Cfr. Ibidem).

3. Amai, portanto, com toda a alma, o conselho evangélico da castidade. Ele liberta, de modo singular, os vossos corações, para se inflamarem mais e mais na caridade de Deus e dos homens todos. Ele é um meio ímpar para vos dedicardes com ardor ao serviço e às obras de apostolado (Cfr. Perfectae Caritatis, 12).

Quando o amor de Cristo é assumido com “coração indiviso”, em sua plenitude, sem concessões e duplicidades, sem esmorecimentos e compensações, a castidade se revela como uma jubilosa afirmação do amor, e não como uma limitação ou uma negação. Ela canaliza e dá novo vigor à infinita capacidade de amar que Deus colocou no coração humano, levando-o às alturas do ilimitado amor divino. E é deste amor que brota a maternidade espiritual (Cfr. Gl 4, 19), geradora de vida para a Igreja. O exemplo de Maria Santíssima, a Virgem de Nazaré, será sempre fonte de especial fecundidade espiritual em vossa vida consagrada, e o amparo seguro da entrega feita por amor a Deus.

4. Amai, da mesma forma, com toda a alma, os conselhos evangélicos da pobreza e da obediência, com o ardente desejo de imitar o exemplo de Cristo, que “por vós se fez pobre, a fim de vos enriquecer por sua pobreza” (2 Cor 8, 9), e que, por amor ao Pai e para a salvação dos homens, “humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”( Fl 2, 8).

Os conselhos evangélicos, tal como sempre foram entendidos e vividos na Igreja, podem hoje parecer uma verdadeira “loucura” (1Cor 1, 18) a muitos incapazes de perceber a “sabedoria das coisas de Deus” (Cfr. Mt 16, 23). São, de fato, uma loucura, mas uma feliz loucura de amor.

Ficai certas de que não pode haver autêntica renovação da vida religiosa, nem um reflorescimento das vocações religiosas, sem este sincero aprofundamento da vossa fidelidade à consagração total, expressa e concretizada nesses conselhos.

Os conselhos evangélicos, permiti-me insistir, vividos em plenitude de alegria, vos identificam com Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado. Tornam-se assim para toda pessoa consagrada uma fortíssima motivação amorosa, um ideal sempre vivo e presente, capaz de superar todos os cansaços, aflições e contrariedades.

5. Estes três conselhos evangélicos, arcabouço da vossa vida de doação, devem, porém concretizar-se de acordo com a identidade específica de cada família religiosa.

A variedade dos Institutos religiosos é como “uma árvore que se ramifica, esplêndida e múltipla, no campo do Senhor” (Lumen Gentium, 43).

Esta diversidade se explica, por vontade de Deus, pela variedade dos carismas dos Fundadores e Fundadoras. Esses carismas devem ser vividos pelos seus discípulos e discípulas, conservados zelosamente, aprofundados e desenvolvidos, em homogênea continuidade, ao longo dos tempos, sejam quais forem as circunstâncias históricas.

Cada Instituto, com efeito, como reflexo da infinita variedade dos dons do Espírito, tem seus “fins e seu caráter próprios” (Cfr. Codex Iuris Canonici, can. 598), não somente no que concerne à observância dos conselhos evangélicos, mas também em tudo que se relaciona com o estilo de vida de seus membros.

6. Daí decorrem diversas conseqüências. Levando-se em conta que a formação inicial e permanente, segundo o próprio carisma, está nas mãos do Instituto, a f ormação intercongregacional não pode suplir inteiramente a tarefa da formação permanente dos seus membros. Esta deve estar impregnada, em muitos aspectos, das características próprias do carisma de cada um dos Institutos. Cada um deve, portanto, promover e organizar diversos tipos de formação especial, para o melhor cumprimento de seus fins específicos. Com efeito, a fidelidade ao próprio carisma precisa ser aprofundada no conhecimento, cada dia mais apurado, da história do Instituto, da sua missão peculiar e do espírito do Fundador, acompanhado de um esforço correspondente para encarná-lo na vida pessoal e comunitária. Por isso, a formação intercongregacional deverá ser complementar e a serviço de cada Instituto, mas não servirá de suplência ou como nivelamento dos distintos carismas.

A segunda consequência, derivada da primeira, é que esta rica diversidade de carismas, os frutos próprios com que contribuem para o Reino de Deus, se empobreceriam caso fossem nivelados por um mesmo padrão, ou uniformizados por causa de finalidades pastorais que se polarizam em torno de um objetivo unilateral.

Deve-se ter isto presente, de forma muito especial, com relação aos problemas que, muitas vezes, trazem consigo a chamada “ inserção da comunidade religiosa em meio popular”.

Já notava o documento de Puebla, que a opção preferencial pelos pobres tem sido um fator muito expressivo na vida religiosa latino-americana durante os últimos tempos (Cfr. Puebla, 721-766). Esta opção preferencial pelos pobres, que nunca é exclusiva nem excludente, levou, de fato, a muitos religiosos e religiosas a estarem generosamente “presentes nos bairros de periferia, entre os indígenas, os anciãos e os doentes, nas inúmeras situações de miséria que a América Latina (e, conseqüentemente o Brasil), vive e sofre, como são as novas pobrezas que afetam sobretudo os jovens, desde o alcoolismo até à droga” (Ioannis Pauli PP. II Epistula ad Religiosos Religiosasque Americae Latinae D imminente anno ab Evangelio ibi nuntiato, 19, die 29 iun. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1718).

Neste sentido, as pequenas comunidades religiosas inseridas em meio popular, podem ser, e na realidade o são muitas vezes, uma expressão significativa desta “opção pelos pobres”.

Mas é de suma importância saber que essa presença, para estar de acordo com os desígnios do coração de Cristo, deve ser vivida em perfeita harmonia com o espírito dos fundadores de cada Instituto e com as características próprias da vida consagrada.

7. Propor a todas as famílias religiosas um só modelo de vida e missão, a inserida nos meios populares, seria esquecer a importância insubstituível da ação que muitas religiosas, em consonância com o seu carisma peculiar, devem desenvolver nos diversos ambientes sociais.

As religiosas que, pela índole e fins próprios de seus Institutos, trabalham nestes ambientes, fiquem certas de que são um foco de evangelização muito necessário, e estão prestando um grande serviço à causa de Cristo na sociedade, considerada como um todo orgânico.

Naturalmente, esta vossa ação diferencia-se substancialmente da que compete aos leigos, por sua própria vocação. Nunca será uma imitação da mesma, pois isso descaracterizaria a essência da vossa vocação religiosa.

Quanto às religiosas que, sempre de acordo com o carisma do seu instituto e com a legítima indicação da Autoridade correspondente, se inseriram nos meios populares, compartilhando a vida e os trabalhos dos mais pobres, fiquem certas de que serão operárias eficazes do Evangelho na medida em que preservarem sua identidade como consagradas.

É, sem dúvida, muito louvável o esforço generoso e a boa intenção com que ajudam as populações carentes, muitas vezes abandonadas à própria sorte. Porém, é necessário que essas pequenas comunidades observem certos critérios, que assegurem sua autenticidade religiosa. Entre eles: a garantia de que possam viver em comunidade, de acordo com as características de cada instituto, a vida de oração, comunitária e pessoal, que exige na comunidade os tempos e os lugares de silêncio; a completa disponibilidade para obedecer às exigências das superioras do Instituto; uma atividade apostólica que corresponda, antes de tudo, não a uma escolha pessoal, mas a uma opção do Instituto, em harmonia com o carisma e com a pastoral diocesana, da qual o Bispo é o primeiro responsável (Cfr. Congr. pro Institutis Vitae Consecr. et Societatibus Vitae Apost. Normae directivae de Institutione in Religiosis Institutis, 28, die 2 febr. 1990: AAS 82 (1990) 491s).

Enfim, qualquer que for o trabalho a que vos dedicais, não poderá nunca diminuir, de qualquer forma, a vida de oração contínua, como diz o Senhor: “convém orar sempre e não desfalecer” (Lc 18, 1). A vida religiosa exige que se harmonize, em uma forte unidade, o tempo dedicado à intimidade com Deus e o tempo consagrado às diversas atividades.

8. Com grande alegria quero recordar agora a recomendação que fiz aos Bispos brasileiros do Regional Norte-1, na sua visita ad limina, quando lhes pedia “a promoção e acompanhamento dos Institutos de vida contemplativa, cuja presença na Igreja se torna tanto mais importante quanto são maiores as necessidades pastorais do povo” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio ad quosdam Brasiliae episcopos, 4, die 21 maii 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1374).

Caríssimas religiosas contemplativas, o Papa vos assegura que sois um grande tesouro da Igreja. Sem vossa amorosa imolação, sem vossa intercessão continuada, sem vosso alegre sacrifício, o trabalho da Igreja se veria privado de uma das maiores fontes de energia. Estais no próprio coração da Igreja. Sois como um motor oculto que lhe fornece energia para sua atividade fecunda. Perseverai na vossa função indispensável de orar, contribuindo para que a ação do Espírito vivifique todo o organismo eclesial.

9. Queridas irmãs, meditai nesta dupla fidelidade que o Papa vos recorda, que Deus vos pede. Não duvideis de que dela depende a incomparável eficácia de vossa vocação e missão na Igreja. Esta fidelidade será sempre vosso ponto de referência para qualquer renovação, para toda e qualquer “reciclagem”, que procure, de modo autêntico, a verdadeira vitalidade da vida religiosa.

Termino este encontro agradecendo a Deus, mais uma vez, o dom de vossa vida consagrada, que enriquece de modo singular a Igreja toda. E peço, ao mesmo tempo, que a nova evangelização almejada por todos, seja vitalizada por uma nova floração de autênticas vocações religiosas no Brasil, autênticas religiosas.

De todo coração abençoo a todas as famílias religiosas, todas e cada uma de vós, confiando-vos aos cuidados maternos da sempre Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida. E termino este encontro agradecendo a Deus pela beatificação de Madre Paulina.

 



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