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Amadíssimos Irmãos no Episcopado,
1. Com grande alegria recebo–vos hoje, Bispos do Regional Norte 2 do Brasil, neste encontro colegial com o qual terminam, por este ano, as Visitas “ad Limina Apostolorum” do Episcopado brasileiro. Desejo expressar o meu agradecimento ao Senhor Arcebispo, D. Vicente Joaquim Zico, pela saudação que acaba de me dirigir em nome dos demais Irmãos Bispos do Regional, fazendose porta–voz de todos vós e dos fiéis das vossas dioceses.
Dirigis Igrejas disseminadas nos Estados do Pará, do Amapá, que têm em comum uma fisionomia econômico–social e uma realidade pastoral submetidas a constantes desafios, tendo em vista as distâncias entre uma Comunidade e outra e os inúmeros problemas que deveis enfrentar: o anúncio da Palavra de Deus que envolva uma realidade sacramental viva e operante; a organização da vida diocesana nos seus múltiplos aspectos estruturais e assistenciais; o fazer germinar “as sementes do Verbo” nas distintas culturas deste povo sedento de Deus – inclusive do indígena – que anseia por novos horizontes de paz, justiça e bem–estar. Para estas Igrejas se dirige agora meu pensamento, para vossos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Foi para eles que o Senhor vos constituiu “verdadeiros e autênticos mestres da fé”.
Neste momento de intensa comunhão espiritual queria exprimir–vos a minha gratidão pelo incansável trabalho pastoral que andais desenvolvendo em vossas Igrejas e, ao mesmo tempo, a favor da Igreja universal. O Sucessor do Apóstolo Pedro nesta ocasião privilegiada da visita “ad Limina” quer confortar–vos na fadiga do ministério episcopal, cumprindo assim o mandato do Supremo Pastor.
2. O Concílio Vaticano II, retomando toda uma luminosa tradição, “resolveu professar e declarar diante de todos a doutrina sobre os Bispos, sucessores dos Apóstolos, que junto com o Sucessor de Pedro, Vigário de Cristo e Cabeça visível da Igreja, regem a casa do Deus vivo”.
A natureza dos Bispos é de ser “sucessores dos Apóstolos”, participes da “plenitude do Sacramento da Ordem” e “membros do colégio episcopal pela sagração e pela hierárquica comunhão com o Papa e os demais Bispos”.
A figura do Bispo é definida pelo tríplice múnus que ele tem no meio da sua comunidade, de ensinar, santificar e de governar. Esta trilogia dá forma à sua missão, de modo que, de fato, ele garante a atuação plena, na sua Comunidade, da pessoa de Cristo. Esta imensa tarefa se realiza por meio da ação magisterial e profética no anúncio do Evangelho, da ação sacerdotal na celebração dos sacramentos e por meio da ação pastoral, colocando a sua vida a serviço dos homens.
O que Cristo foi para todos os homens, é o Bispo para o Povo da sua diocese, fiéis e não fiéis. Por meio do Espírito, os Bispos são a presença viva e atual de Jesus, “pastor e supervisor das vossas almas”. Eles são vigários da pessoa de Cristo e não apenas da sua palavra.
Eles constituem o fenômeno visível que o Senhor usa para poder continuar no tempo. Os primeiros Doze que ele chamou andando ao longo do mar da Galiléia e que depois enviou a pregar o Reino instituindo–os como colégio estável, eram o rosto humano do Senhor que se espalhava pelas cidades e aldeias da Palestina e que depois do Pentecostes, começou a propagar–se pelo mundo inteiro “para que partícipes do Seu poder, fizessem discípulos Seus todos os povos”.
A autoridade dos Bispos, vivida “cum Petro e sub Petro”, tem como finalidade dar continuidade no tempo ao rosto do Senhor, que é constituído por toda a Igreja, mas cuidando especificamente que não sejam alterados os seus traços essenciais e as suas feições específicas que O tornam único entre todos os rostos da terra.
Caríssimos Irmãos, que grande tarefa nos é confiada. Mas bem sabemos, que o Senhor nos envia o Espírito Consolador, assegurando–nos a sua constante proteção, para podermos ser suas testemunhas até os confins da terra, e ajudando a discernir o rosto de Cristo na delicada e difícil situação na qual particularmente se encontram as dioceses nas quais vós sois Pastores. Neste trabalho de discernimento são de grande ajuda as Conclusões da IV Conferência do Episcopado Latino–Americano de Santo Domingo, que retomam as precedentes Conferências do Rio de Janeiro, de Medellín e de Puebla.
Bem conhecendo a dedicação e o zelo apostólico que tendes demonstrado no exercício do ministério pastoral, de modo especial nas condições adversas de regiões imensas que deveis habitualmente cobrir, vossa autoridade se configura como um verdadeiro serviço que responde ao mandato de Cristo de governar a sua família. Este múnus pastoral, atuado em nome de Cristo, “é próprio, ordinário e imediato, embora seu exercício seja em última instância regido pela autoridade suprema”. O Bispo é o princípio e fundamento visível da unidade na Igreja particular confiada ao seu ministério pastoral mas para que cada Igreja particular seja plenamente Igreja, nela deve estar presente, como elemento próprio, a suprema autoridade da Igreja: o Colégio episcopal “juntamente com a sua Cabeça, o Romano Pontífice, e nunca sem ele” .
Corolário desta verdade fundamental, é a plena e cabal autoridade do Pastor em cada diocese, não havendo possibilidade de ser confundida com a influência do grei na direção da vida eclesial. Não podem admitir–se acentuações unilaterais que, sob influxos teológicos diversos, defenderiam a tese segundo a qual uma assembléia reunida em nome de Cristo se torna já “comunidade com os poderes da Igreja, incluindo o relativo à Eucaristia; a Igreja, como dizem alguns, nasceria "das bases"”.
Como compreenderão, não me refiro à já reconhecida e oportuna contribuição das Comunidades Eclesiais na vida de cada diocese ou paróquia; o seu dinamismo vem adquirindo sempre mais o valor de uma autêntica comunhão eclesial para o despertar do impulso missionário ad gentes. Trata–se de reiterar novamente, que “a unidade e a indivisibilidade do Corpo Eucarístico do Senhor implicam a unicidade do seu Corpo Místico, que é a Igreja una e indivisível”. Na pessoa dos Bispos, assistidos pelos presbíteros, está presente no meio dos fiéis, e por uma especial efusão do Espírito Santo, Jesus Cristo; só aos Bispos, pela consagração episcopal, lhes são conferidos os poderes de santificar, ensinar e governar, sempre quando são exercidos em comunhão hierárquica com o Sumo Pontífice e os membros do Colégio episcopal.
Enchei–vos de santo orgulho, queridos Irmãos no episcopado, porque, para desempenhar tão elevadas funções, fostes revestidos do Alto, e representais de forma eminente e conspícua o próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice. Levai essa carga com humildade e mansidão, mas não hesiteis em afirmar corajosamente vossa autoridade para exortar os fiéis tanto ao trabalho apostólico e missionário, como para a observância do Magistério da Igreja divinamente revelado.
3. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles”.
Um encontro entre pastores, mormente um encontro cuidadosamente preparado e com pleno e único interesse pela Igreja, não deve deixar de ser esta presença quase palpável do Mestre entre nós. Não posso deixar de dizer quanto me alegra e conforta vir a saber o esforço que pondes em alcançar a unidade e a comunhão no seio de toda a Igreja e, em especial, na numerosa Conferência Episcopal da qual sois membros, com o único objetivo de possuírem os mesmos sentimentos que houve em Jesus Cristo. Como sempre o faço, a todos desejo dirigir–me hoje para reforçar, na luz do Senhor, estes vínculos de unidade e de caridade que reina entre os membros da CNBB.
Todos sabemos a importância fundamental do testemunho que devem dar os Bispos de mútua união e colaboração entre si, de amor fraterno e efetiva solidariedade. Este testemunho é mesmo imprescindível para a eficácia do seu trabalho pastoral.
À comunhão dos sentimentos e afetos, deve corresponder uma comunhão efetiva, que enfrenta corajosamente os problemas que possam surgir na vida eclesial, as tentações e eventualmente desvios, para encontrar aquela unidade de diretrizes e de orientações, que leve as Igrejas particulares a viverem sempre mais sua fidelidade ao ensinamento de Cristo, em comunhão plena com toda a Igreja universal.
A ordem episcopal é, por sua natureza, de índole colegial, portanto, mesmo tendo plena jurisdição somente na sua diocese, cada Bispo tem uma viva solicitude sobre a Igreja universal. E esta dimensão da colegialidade se manifesta de várias formas, um das quais é constituída pela Conferência dos Bispos. Tratase de uma expressão institucionalizada não da collegialidade em estrito sentido, mas do affectus collegialis, ou seja, do sentido de união com o Romano Pontífice e, entre si, que devem viver os Bispos diocesanos no desempenho da própria tarefa.
Assim, como afirma o Vaticano II, a Conferência dos Bispos tem a finalidade de “promover o maior bem que a Igreja proporciona aos homens, principalmente mediante métodos e formas de apostolado aptamente acomodados às circunstâncias decorrentes do tempo”. O afeto colegial se traduz numa ação pastoral em conjunto, sobretudo diante dos desafios comuns que tocam as várias dioceses dos mesmos territórios onde viveis. Trata–se de uma relação fraterna que, de forma alguma, se substitui ou invade a jurisdição própria de cada Bispo, mas que favorece a sintonia na cura pastoral do Povo de Deus.
Isto se manifesta claramente quando, seja o Bispo, seja a Conferência dos Bispos seguem nas suas decisões uma autoridade superior, a autoridade do Romano Pontífice e da Santa Sé. Cada situação tem as suas características próprias que cada Bispo e cada Conferência devem enfrentar com o seu estilo e a sua sensibilidade própria; mas os critérios últimos, sobretudo diante de novos problemas como, por exemplo, a inculturação, são sempre “a sintonia com as exigências objetivas da fé e a abertura à comunhão com a Igreja universal”. Por isso vos dizia no Centro de convenções, em Natal: “À luz desta verdade, é evidente que a unidade nas coisas necessárias é o pressuposto indispensável para que seja legítima a liberdade, e é também condição para que a união entre os membros da Conferência episcopal constitua expressão da caridade”.
4. Estes critérios ajudam também a resolver o problema próprio de cada Igreja particular como da Igreja universal; é o problema da centralização e de descentralização. Existe um patrimônio objetivo que a Igreja recebe do Senhor por meio da Revelação, do qual ela não é dona, mas ao qual obedece. Este patrimônio caracteriza a “Catholica”, a única Igreja espalhada no mundo inteiro; este centro, não é de tipo sociológico, político ou administrativo, mas dogmático, corresponde, pois, ao conteúdo da fé. O mesmo conteúdo e o mesmo centro vivem no mundo inteiro, coexistindo nas várias situações e enfrentando de forma original os vários desafios que as circunstâncias históricas colocam. Não teria sentido, portanto, falar de “vaticanização”, ou de “romanização”, da Igreja espalhada pelo mundo afora: romanizar–se não significa “vaticanizar–se”, mas estimular desde Roma a genuína entranha universal da Igreja. Neste sentido, é plenamente legítima a adaptação da única e idêntica experiência às diversas circunstâncias locais, assumindo o rosto dos povos onde a Igreja vive e, ao mesmo tempo, tentando transfigurar esse rosto à luz do anúncio de Cristo, mas sem nunca perder de vista a universalidade da Igreja, da qual Roma é garantia.
5. Na esteira destas observações, cabe ainda uma ulterior consideração, que queria apresentar–vos neste nosso encontro fraterno: trata–se da retomada do valor da lei canônica na vida pastoral da Diocese.
Na realidade, a lei canônica é um ato da “potestas legislativa” da Igreja, que tem como sua suprema lei a “salus animarum”. O objetivo da “magna disciplina” da Igreja, é o bem das pessoas e da comunidade eclesial. Todos os cânones e leis da Igreja têm sempre uma função pastoral para a difusão do Reino de Deus e a edificação do Corpo de Cristo. Longe de querer substituir o primado da graça, do amor e dos carismas na vida dos fiéis, a lei canônica tende a criar na sociedade eclesiástica aquela ordem que torne possível o maior desenvolvimento, seja das pessoas como da comunidade no seu conjunto. Desta forma, a disciplina eclesiástica, que nasce do atual Código de Direito Canônico, que tive a alegria de promulgar em 1983, é a tradução, numa linguagem canonística, da doutrina do Concílio Vaticano II.
Por isso, os Pastores velem para que os presbíteros e Povo de Deus não negligenciem as leis eclesiásticas por considerá–las inúteis, extrínsecas à vida da fé ou simplesmente repressivas. Neste ponto, também na vida da Igreja paga–se a dívida à mentalidade atual que tende a considerar contrária à liberdade e à autonomia humana qualquer tipo de norma. “Não se trata – como já tive ocasião de o dizer – de adaptar a norma divina nem sequer de a ceder ao capricho do homem, porque isto significaria a negação mesma daquela, e a degradação deste: trata–se de compreender o homem de hoje, de o pôr em justo confronto com as inderrogáveis exigências da lei divina”. Na realidade, já no Novo Testamento e até nos escritos paulinos se evidencia a importância da disciplina para a prática da mensagem evangélica. A única lei do “homem novo” que é a caridade, tem como característica o seguimento do mandato de Cristo e da Igreja em todos os seus aspectos.
Por outro lado, neste empenhativo esforço de confrontação mediante o qual o ordenamento canônico procura exprimir de maneira visível a alma interior daquela sociedade, exterior simultaneamente mas sempre misticamente sobrenatural que é a Igreja, “esse texto não seria o instrumento que deve ser na missão salvífica da Igreja, se aqueles, a quem compete, não cuidassem com diligência da sua aplicação”. Tal aplicação estará sempre a exigir quer a correta interpretação do texto legislado, quer o bem espiritual das almas. Matérias relacionadas, por exemplo, com a admissão de candidatos ao sacerdócio; a consideração dos erros, tipificados pela legislação canônica, que podem invalidar o consentimento matrimonial; a correta aplicação das normas litúrgicas de acordo com o Rito Romano – ou o Oriental, conforme o caso; a faculdade de administrar coletivamente o Sacramento da Penitência em determinadas e bem precisas circunstâncias, por não citar outras, demandam uma ponderação de vossa parte “graviter et onerata conscientia”, pois exprimem razões de justiça e de caridade para com o Povo fiel. Por isso, queridos Irmãos no episcopado, confirmai os sacerdotes e todo o Povo de Deus neste caminho do seguimento livre e cheio de alegria da lei do Senhor, para que Cristo seja amado em tudo e acima de tudo.
Chamaria ainda a vossa atenção para a questão da preparação canônica dos futuros sacerdotes. Por um longo período, o antigo texto legislativo, o Código Pio–beneditino, encontrou–se em um estado de contínua transformação, pela aplicação das diretrizes conciliares. Tal fato pode ter dificultado o estudo do Direito Canônico. Com a promulgação do atual Código, o curso seminarístico precisa introduzir, em seu currículo, um espaço suficiente para familiarizar o candidato ao Sacerdócio com o espírito da atual normativa, mas também com o seu conhecimento concreto e com a sua aplicação prática. É necessário cuidar da preparação de bons professores, em sintonia com a mente pastoral e, ao mesmo tempo jurídica, do nosso Código. É preciso rever os conteúdos e os tempos atribuídos ao Direito Canônico no curriculum escolar.
Ainda uma palavra sobre os Tribunais Eclesiásticos, que em vosso País, assumiram uma dimensão regional. Eles são o instrumento válido da atividade judiciária que é próprio do Bispo, que os preside por intermédio do seu Vigário Judicial. Como não ver, na sua atividade, uma importante dimensão pastoral? Sem nada perder do rigor científico e da aplicação fiel da norma e procedimentos judiciais, os Tribunais são chamados a se dedicarem a vários campos da Igreja, das questões matrimoniais aos graves problemas penais ou disciplinares, como expressão da Justiça, em defesa dos reais direitos dos cristãos ou da própria instituição eclesial. É importante e necessário que os Bispos sigam com atenção e interesse aqueles que, em seu nome e por sua autoridade, exercem o serviço da Justiça, proporcionando–lhes a possibilidade de adequada formação, velando pela correta execução de sua tarefa, proporcionando aqueles meios oportunos para que possam agir com a rapidez devida.
6. Ante a imensidade da missão que vos é confiada, jamais vos deixeis subjugar pelo cansaço ou pelo desanimo. O Ressuscitado caminha convosco e torna fecundo todos os vossos esforços. Trata–se de prosseguir uma obra já iniciada, cujo artífice principal é o Senhor; trata–se de oferecer, com humildade e disponibilidade total, o próprio contributo quotidiano, para que “venha o Reino” de Deus e “seja feita” a sua vontade. Neste instante o meu pensamento dirige–se a todos os brasileiros e, de modo particular, aos vossos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, aos membros das instituições e movimentos laicais e a todos os fiéis. A todos digo com o Apóstolo S. Paulo: “Fortalecei–vos no Senhor, pelo Seu soberano poder”. Não esmoreçais, pois no vosso trabalho e no vosso testemunho, mas antes, com plena confiança na graça de Deus, tornai Cristo presente em todas as circunstâncias da vossa vida. Este é o meu desejo: “E o próprio nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela graça, eterna consolação e excelente esperança, consolem os vossos corações e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras”.
Amadíssimos Irmãos, ao retornardes agora para as vossas Dioceses, sabei que vos acompanha o meu reconhecimento mais vivo pela vossa tarefa, o meu afeto, a minha oração constante, e a Bênção Apostólica que vos concedo de coração. A Maria, Mãe do Redentor, que com o título de Aparecida invocais como Padroeira dos brasileiros, recomendo fervorosamente as vossas pessoas, as vossas igrejas particulares e toda a vossa Nação.

 

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