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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II 
AO NOVO EMBAIXADOR DA COREIA 
JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO 
DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS

Sábado, 27 de Março de 1999

 

Excelência 

Dou-lhe as boas-vindas ao Vaticano e estou feliz por aceitar as Cartas Credenciais que o nomeiam Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Coreia junto da Santa Sé. Estou-lhe grato pelas amáveis palavras que me transmitiu da parte do Senhor Presidente Kim Dae-jung e pediria que lhe comunicasse a certeza das minhas orações pelo seu país e povo. 

A sua presença hoje aqui põe em evidência os estreitos vínculos de amizade que existem entre o seu país e a Santa Sé. Vossa Excelência recordou-me a minha primeira visita à Coreia em 1984, quando a Igreja católica celebrava o Bicentenário da própria presença nessa terra. As minhas lembranças do seu país são inseparáveis da experiência dos encontros com inumeráveis dos seus concidadãos, cujas amizade, hospitalidade e vitalidade deixaram em mim uma impressão duradoura. No decurso dessa primeira visita, também compartilhei os sofrimentos e as esperanças de toda a população da Península, e continuo a rezar para que um dia essa se reúna como uma única família. A este propósito, encorajo os esforços do seu Governo no sentido de resolver as actuais dificuldades através da confiança mútua, da assistência concreta e do diálogo aberto. Trabalhar em prol da paz exige esforços pacientes e perseverantes, dado que a verdadeira paz não é uma questão de poder nem de força, mas requer uma reconciliação genuína entre os povos. 

Ao prepararmo-nos para entrar num novo milénio, a resolução de muitos conflitos entre países e grupos étnicos representa um dos maiores desafios que se apresentam à comunidade internacional. Os meus pensamentos dirigem-se a todas as pessoas que, no mundo inteiro, continuam a sofrer em virtude da violência, da discriminação, da destruição da propriedade e da perda dos próprios meios de subsistência. Na minha Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1999, escrevi que «quando os direitos humanos são ignorados ou desprezados, quando a procura de interesses particulares prevalece injustamente sobre o bem comum, então é inevitável que se está a semear os germes da instabilidade, da revolta e da violência» (n. 1). A fim de se assegurar uma paz edificada sobre fundamentos sólidos e duradouros, é preciso um concertado esforço internacional em vista de promover e garantir uma cultura dos direitos humanos, e apraz-me saber que o seu Governo compartilha esta opinião. Nesta tarefa, a promoção da dignidade da pessoa deve ser um princípio-guia, enquanto que a busca do bem comum há-de constituir um compromisso primordial. 

No ano passado, a celebração do cinquentenário da promulgação da Declaração universal dos direitos humanos centrou a própria atenção nesta mesma necessidade de assegurar que os direitos sejam reconhecidos, respeitados e salvaguardados em toda a parte. A Declaração chama a atenção para uma série de características essenciais dos direitos humanos, que às vezes são subestimados e ignorados. Essa salienta o facto de que o reconhecimento da dignidade inata de cada um dos membros da família humana, assim como da igualdade e do carácter inalienável dos seus direitos, é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz (cf. Preâmbulo).

Consequentemente, os direitos humanos não são conferidos por uma autoridade externa, mas derivam da dignidade e do valor inerentes à pessoa humana; esses constituem uma simples consequência do facto que a pessoa é humana, e por isso são comuns a todos. Além disso, são válidos em todas as etapas da vida, e em cada uma das situações políticas, sociais, económicas e culturais. Eles «formam um conjunto unitário, visando resolutamente a promoção do bem em todos os seus aspectos, da pessoa e da sociedade» (Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1999, n. 3). Se se quiser assentar a paz entre as nações e os grupos sobre um fundamento sólido, e se os indivíduos, os povos e as nações quiserem desenvolver-se, é essencial que se defendam a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos. 

O desafio consiste em edificar uma nova estrutura de relacionamentos a todos os níveis, baseada sobre a salvaguarda do respeito pelos direitos humanos e pela liberdade do homem. Em virtude da sua singular missão espiritual, a Santa Sé procura ser um parceiro positivo e útil nesta imensa e crucial tarefa. A Igreja defende os direitos humanos e contribui para o estabelecimento da ordem política, social, económica e cultural, promovendo a dignidade transcendental de cada pessoa humana e afirmando que a liberdade religiosa constitui o âmago mesmo dos direitos humanos, pois a religião «exprime as aspirações mais profundas da pessoa humana, determina a sua visão do mundo, orienta o seu relacionamento com os outros» (Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 1999, n. 5).

Senhor Embaixador, a cultura do seu país foi profundamente forjada pelas tradições religiosas do Budismo e do Confucionismo. Nos últimos tempos, o Cristianismo tem contribuído em grande medida para o bem da nação. O respeito que a Coreia tem pela religião é indubitavelmente influenciado pela convicção segundo a qual no cerne de cada cultura se encontra a atitude do homem em relação ao maior de todos os mistérios, isto é, o mistério de Deus. «As culturas das diversas Nações constituem fundamentalmente modos diferentes de enfrentar a questão sobre o sentido da existência pessoal: quando esta questão é eliminada, corrompem-se a cultura e a vida moral das Nações» (Carta Encíclica Centesimus annus, 24). A genuinidade da democracia de uma sociedade e as justas relações entre as nações dependem da atitude que se toma perante a dimensão religiosa da existência humana e do interrogativo da verdade transcendental e objectiva. O bem das nações e dos povos exige o exercício da liberdade em obediência àquela verdade. Como medida da dignidade e da grandeza do homem, a liberdade possui uma «lógica» interior que a distingue e enobrece: «Ela (a liberdade) está orientada para a verdade e realiza-se na busca e na actuação (humana) da verdade... Longe de constituir uma limitação ou uma ameaça à liberdade, a referência à verdade acerca do homem – verdade universalmente inteligível através da lei moral inscrita no coração de cada um – é, na realidade, a garantia do futuro da liberdade» (Discurso de João Paulo II por ocasião da 50ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, 5 de Outubro de 1995; ed. port. de L'Osservatore Romano de 14.X.1995, pág. 3, n. 12). 

Senhor Embaixador, a minha prece e esperança é de que o novo milénio constitua o testemunho de um renovado florescimento do espírito humano. Desenvolvendo uma autêntica cultura da liberdade, fundamentada sobre os direitos humanos e o reconhecimento da verdade, homens e mulheres, grupos e nações hão-de aprender a vencer a ansiedade e o medo, enfrentando o futuro com confiança. Faço votos por que o povo coreano, trabalhando sabiamente em benefício da superação das dificuldades herdadas por este século muitas vezes trágico, viva uma nova era de paz, harmonia e progresso. 

Estou persuadido de que, enquanto o Senhor Embaixador desempenhar as tarefas da sua excelsa missão, os vínculos de amizade existentes entre a República da Coreia e a Santa Sé serão ulteriormente fortalecidos. Formulo-lhe os meus bons votos, assegurando-lhe que os vários Departamentos da Cúria Romana estarão sempre prontos a assisti-lo no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência e os seus compatriotas, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-Poderoso.

 

© Copyright 1999 - Libreria Editrice Vaticana



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