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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Bilhete de identidade em leilão

Segunda-feira, 16 de Novembro de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 47 de 19 de Novembro de 2015

Um convite a não pôr «em leilão o nosso bilhete de identidade» cristã, a não nos conformar com o espírito do mundo, que quando consegue predominar leva à apostasia e à perseguição. Comentando a liturgia da palavra, o Pontífice dedicou a sua reflexão inteiramente à primeira leitura, tirada do primeiro livro dos Macabeus (1, 10-15.41-43.54-57, 62-64), resumindo o seu conteúdo «em três palavras: mundanidade, apostasia e perseguição». Relendo-o, Francisco observou «que o trecho começa assim: “Naqueles dias brotou uma raiz perversa”». E explicou que «a imagem da raiz que está na terra, não se vê, parece que não faz mal, mas depois cresce e mostra, faz ver, a própria realidade» negativa, presente também na carta aos Hebreus, cujo «autor advertia os seus do mesmo modo: “Que não brote nem cresça no meio de vós qualquer raiz venenosa, que provoque males e contagie todos”».

A tal propósito, o Papa descreveu «a fenomenologia da raiz», a qual «cresce, cresce sempre», até quando — como no caso do trecho analisado — pode parecer uma «raiz razoável: “Vamos e estabeleçamos uma aliança com as nações que nos circundam; por que tantas diferenças? Porque desde que nos separamos delas, aconteceram-nos muitos males. Vamos ter com elas, somos iguais”». E assim, prosseguiu a descrição, «algumas pessoas do povo tomaram a iniciativa e foram ter com o rei que lhes deu a faculdade de introduzir as instituições das nações. Onde? No povo eleito, isto é, na Igreja daquele momento».

Mas, advertiu Francisco, naquela acção «há a mundanidade. Fazemos o que faz o mundo, a mesma coisa: pomos em leilão o nosso bilhete de identidade: somos iguais a todos». Exactamente como os homens de Israel, os quais «começaram a fazer isto: construíram um ginásio em Jerusalém, segundo os usos das nações, segundo os costumes pagãos; cancelaram os sinais da circuncisão, isto é, negaram a fé, e afastaram-se da aliança sagrada; uniram-se às nações e venderam-se para praticar o mal». Mas, advertiu o Papa, precisamente «isto, que parecia tão razoável — “somos como todos, somos normais” — tornou-se a destruição». Porque, afirmou, «esta é a mundanidade. Este é o caminho da mundanidade, daquela raiz venenosa, perversa».

A este propósito, Francisco confidenciou que sempre lhe impressionou o facto de «que o Senhor, na última ceia rezasse pela unidade dos seus e pedisse ao Pai que os libertasse de qualquer espírito do mundo, de qualquer mundanidade, porque a mundanidade destrói a identidade; a mundanidade leva ao pensamento único, elimina a diferença».

E a primeira consequência disto é a apostasia. O Papa demonstrou-o prosseguindo a leitura do trecho: «Depois o rei prescreveu no seu reino que todos formassem um só povo — o pensamento único, a mundanidade — e que cada um abandonasse os próprios hábitos. Todos os povos se adaptaram às ordens do rei; inclusive muitos israelitas aceitaram o seu culto: sacrificaram aos ídolos e profanaram o sábado». Portanto «a apostasia. Isto é, a mundanidade leva-nos ao pensamento único e à apostasia. Não são permitidas, não nos são permitidas as diferenças». Acabamos por nos tornarmos «todos iguais. E na história da Igreja, na história vimos, penso num caso, que das festas religiosas foi mudado o nome — o Natal do Senhor tem outro nome — para cancelar a identidade».

Além disso, não podemos esquecer, parece que nos diz a leitura, que à apostasia se segue a perseguição. «O rei — prosseguiu o Pontífice — elevou ao altar uma abominação de devastação. Também nas cidades próximas de Judá erigiram altares e queimaram incenso nas portas das casas e nas praças; rasgaram os livros da lei que conseguiram encontrar e lançaram-nos ao fogo. Se na casa de alguém fosse encontrado o livro da aliança e se alguém obedecesse à lei, a sentença do rei condenava-o à morte». Eis então «a perseguição», que «tem início a partir de uma raiz» até «pequena, e acaba na abominação da desolação». De resto, «este é o engano da mundanidade». E por isso na última ceia Jesus pedia ao Pai: «Não te peço para os tirar do mundo, mas protege-os do mundo», ou seja, «desta mentalidade, deste humanismo, que ocupa o lugar do homem verdadeiro, Jesus Cristo»: desta mundanidade «que nos tira a identidade cristã e nos leva ao pensamento único: “Todos fazem isto, por que não nós?”».

Eis a actualidade do trecho hodierno, que «com os tempos que correm, deve fazer-nos meditar» sobre como é a nossa identidade. É preciso perguntar-se: «É cristã ou mundana? Ou chamo-me cristão porque quando era criança fui baptizado ou nasci num país cristão, onde todos são cristãos?». Segundo Francisco é necessário encontrar uma resposta a estas questões, pois «a mundanidade que entra lentamente», depois «cresce, justifica-se e contagia». Como? «Cresce como aquela raiz» citada na leitura; «justifica-se — “façamos como fazem todos, não somos tão diferentes” — procura sempre uma justificação, e no final contagia, e muitos males nascem dela».

No final da homilia o Papa evidenciou que toda «a liturgia, nestes últimos dias do ano litúrgico», nos faz pensar nestas realidades e, em particular hoje, diz-nos «em nome do Senhor: protege-te das raízes venenosas, das raízes perversas que te afastam do Senhor e te fazem perder a tua identidade cristã». Trata-se de uma exortação para nos mantermos à distância «da mundanidade» e pedirmos na oração, principalmente, que a Igreja seja protegida «de qualquer forma de mundanidade. Que a Igreja tenha sempre a identidade conferida por Jesus Cristo; que todos nós mantenhamos a identidade» recebida no baptismo; «e que esta identidade não seja deitada fora» só porque queremos «ser como todos, por motivos de “normalidade”». Em síntese, concluiu Francisco «que o Senhor nos dê a graça de manter e proteger a nossa identidade cristã contra o espírito de mundanidade que cresce sempre, se justifica e contagia».

 


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