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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

A graça da vergonha

Terça-feira, 21 de março de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 14 de 6 de abril de 2017

É preciso pedir a Deus «a graça da vergonha» porque «é uma grande graça envergonhar-se dos próprios pecados e assim receber o perdão e a generosidade de o conceder ao próximo». Comentando como de costume as leituras do dia, o Pontífice meditou primeiro sobre o trecho tirado do Evangelho de Mateus (18, 21-35). Jesus, explicou, fala «aos seus discípulos da correção fraterna, da ovelha perdida, da misericórdia do pastor. E Pedro julga ter entendido tudo e, corajoso como era, e também generoso, diz: “Mas quantas vezes devo perdoar, a propósito do que disseste da correção fraterna e da ovelha perdida? Está bem sete vezes?”. E Jesus responde: “Sempre”, com aquela forma “setenta vezes sete”». Na realidade, observou o Papa, «é difícil entender o mistério do perdão, porque é um mistério: por que devo perdoar se a justiça me permite ir em frente e pedir que aquela justiça faça o que deve?».

Quem oferece a resposta é a Igreja, que «hoje nos faz entrar neste mistério do perdão, o qual é a grande obra de misericórdia de Deus». E fá-lo antes de tudo com a primeira leitura, do livro do profeta Daniel (3, 25.34-43), com a qual «nos leva à prece de Azarias, momento muito triste da história do povo de Deus. São despojados de tudo, perderam tudo e sentem a tentação de crer que Deus os abandonou». Descrita a cena, Francisco repetiu as palavras deles: «Se fôssemos recebidos com o coração contrito e o espírito humilhado! Se encontrássemos misericórdia, com o coração contrito, o espírito humilhado e o nosso sacrifício diante de Vós. Senhor, não nos cubrais de vergonha, fazei connosco segundo a vossa clemência, a vossa grande misericórdia. Salvai-nos com os vossos prodígios».

Em particular, o Pontífice reiterou: «Senhor, não nos cubrais de vergonha». Eles, comentou, «tinham vergonha no íntimo, porque ficaram assim, como diz antes: “Por causa dos nossos pecados”». Em síntese, «Azarias entendeu bem que aquela situação do povo de Deus era por causa dos pecados. E envergonha-se. E envergonhado pede perdão». Eis então o “primeiro passo” a dar: «A graça da vergonha. Para entrar no mistério do perdão devemos envergonhar-nos». Mas «não podemos fazê-lo sozinhos, a vergonha é uma graça: “Senhor, que eu me envergonhe do que fiz”. Assim a Igreja põe-se diante deste mistério do pecado e faz-nos ver a saída, a oração, o arrependimento e a vergonha».

Em seguida, acrescentou o Papa, «a Igreja retoma o trecho do Evangelho e explica o que significa aquele “setenta vezes sete”». Quer dizer, esclareceu, «que devemos perdoar sempre. E Jesus narra esta parábola dos dois servos: o primeiro foi prestar contas ao patrão, que quer fazer justiça, mas o servo suplicou: “Tem paciência comigo”, pediu perdão e o patrão teve compaixão dele e perdoou-o». Mas quando o servo saiu, encontrou outro, cuja dívida «era muito pequena, só lhe devia cem denários, poucos tostões». E em vez de o perdoar, «pega-o pelo pescoço e diz: “Paga-me!”». Então, «ao tomar conhecimento disto, o patrão indigna-se, chama os algozes e manda aprisioná-lo: “Assim vos tratará o meu Pai celeste, se não perdoardes de coração o vosso irmão”».

Por isso é preciso perguntar: «Por que aconteceu isto? O homem ao qual foi perdoada uma grande dívida, a ponto que devia ser vendido como escravo, ele, a esposa, os filhos e tudo o que possuía», sai «e é incapaz de perdoar uma pequena dívida». Em síntese, «não entendeu o mistério do perdão».

Recorrendo a uma espécie de diálogo imaginário com os presentes, o Papa disse: «Se vos pergunto: “Sois todos pecadores?” — “Sim, padre, todos” — “E para receber o perdão dos pecados?” — “Confessamo-nos” — “E como te confessas?” — “Vou e digo os meus pecados, o sacerdote perdoa-me, pede-me que recite três Ave-Marias e depois volto em paz”». Neste caso, admoestou, «não entendeste. Só foste ao confessionário para fazer uma operação bancária, resolver uma questão administrativa. Não foste envergonhado por aquilo que fizeste. Viste algumas manchas na tua consciência e erraste porque acreditaste que o confessionário era uma lavandaria», só capaz de tirar «as manchas. Foste incapaz de sentir vergonha pelos teus pecados. Sim, estás perdoado porque Deus é grande, mas não entrou na tua consciência, não estavas consciente do que Deus fez, da maravilha que fez no teu coração; e por isso sais, encontras um amigo, uma amiga e começas a falar mal do outro, da outra, e continuas a pecar».

A experiência concreta de cada dia ensina: «O mistério do perdão é muito difícil» de entender. Por isso, observou Francisco, «hoje a Igreja é sábia quando nos faz refletir sobre estes dois trechos». Com efeito, só «posso perdoar se me sinto perdoado. Se não tens consciência de ser perdoado, nunca poderás perdoar, nunca». No fundo, em cada pessoa «há sempre a atitude de acertar as contas com os outros». Mas «o perdão é total. Só o posso conceder quando sinto o meu pecado, tenho vergonha, peço perdão a Deus e sinto que fui perdoado pelo Pai. Assim posso perdoar. Se assim não for, não posso perdoar, sou incapaz de o fazer. Por isso o perdão é um mistério».

Foi este o ensinamento da parábola do servo, «ao qual foram perdoadas muitas coisas», mas que «não entendeu nada: saiu feliz, livrou-se de um peso mas não compreendeu a generosidade daquele senhor. Saiu dizendo no coração: “Safei-me, fui esperto!” ou algo assim». E atualizando a reflexão, o Papa avisou: «Ao sair do confessionário, quantas vezes não reconhecemos mas sentimos que nos safamos». Mas «isto não é receber o perdão: esta é a hipocrisia de roubar o perdão, um perdão falso. E assim, dado que não tenho a experiência de ter sido perdoado, não posso perdoar os outros, não sou capaz, como aquele hipócrita que foi incapaz de perdoar o seu companheiro».

«Hoje, concluiu, peçamos ao Senhor a graça de entender este “setenta vezes sete”.

 



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