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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Deus arranja a maneira de entrar

Segunda-feira, 12 de junho de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 25 de 22 de junho de 2017

É suficiente manter a porta do coração entreaberta que «Deus arranja a maneira de entrar», salvando-nos de acabar no exército dos «in-misericordi»: neologismo para definir aqueles que, sem misericórdia, põem em prática as bem-aventuranças ao contrário. Foi precisamente contra a tentação «narcisista da autorreferencialidade» — o oposto da «alteridade» cristã que «é dom e serviço».

Referindo-se ao trecho da segunda carta de São Paulo aos Coríntios (1, 1-7), proposto pela liturgia como primeira leitura, o Pontífice observou que em apenas «19 linhas, Paulo fala 8 vezes de consolação, de se deixar consolar para consolar o próximo». Portanto, a consolação «é citada 8 vezes em 19 linhas: é demasiado forte, quer dizer-nos algo». E «por isso acho que esta é uma oportunidade, uma ocasião para refletir sobre a consolação: o que é a consolação da qual Paulo nos fala»? Mas «antes de tudo vejamos que a consolação não é autónoma, nem esstá fechada em si mesma».

Com efeito, «a experiência da consolação, que é uma experiência espiritual, tem necessidade da alteridade para ser plena: ninguém se pode consolar a si mesmo». E «quem procura fazê-lo, acaba por se fitar no espelho: olha-se no espelho, procura maquilhar-se, aparecer; consola-se com coisas fechadas que não o deixam crescer e respira o ar narcisista da autorreferencialidade». Mas «esta é a consolação maquilhada, que não deixa crescer, não é consolação porque está fechada, falta-lhe a alteridade».

«No Evangelho encontramos muitas pessoas assim», explicou. «Por exemplo, os doutores da lei, que são cheios de suficiência, fechados, e esta é a “sua consolação”». O Papa referiu-se explicitamente ao «rico Epulão, que vivia de festa em festa e assim pensava ser consolado». Mas talvez sejam as palavras da prece do fariseu, do publicano diante do altar, que melhor exprimem esta atitude: «Dou-te graças, ó Deus, porque não sou como os outros». Em síntese, aquele homem «fitava-se no espelho, olhava para a sua alma maquilhada por ideologias e dava graças ao Senhor». É Jesus quem «nos mostra estas pessoas que, com este estilo de vida, nunca alcançarão a plenitude», mas «no máximo a arrogância, ou seja, a vanglória».

«Para ser autêntica, cristã, a consolação precisa da alteridade» porque «a verdadeira consolação é recebida». Por esta razão, «Paulo começa com a bênção: “Bendito sejas, ó Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai misericordioso e Deus de toda a consolação!”». E «é o Senhor Deus quem nos consola, é Deus quem nos concede este dom: se tivermos o coração aberto, Ele vem e dá-nos a consolação». Esta é «a alteridade que faz crescer a verdadeira consolação; e a verdadeira consolação da alma amadurece também noutra alteridade, para que possamos consolar os outros». Eis, pois, que «a consolação é uma condição de passagem do dom recebido para o serviço oferecido», a ponto que «a verdadeira consolação possui esta dupla alteridade: dom e serviço».

«Assim, quando deixo entrar a consolação do Senhor como dom é porque preciso de ser consolado: tenho necessidade». Com efeito, «para ser consolado é preciso reconhecer que temos necessidade: só assim o Senhor vem, nos consola e nos confere a missão de consolar os outros». Sem dúvida, «não é fácil ter o coração aberto para receber o dom e praticar o serviço, as duas alteridades que tornam possível a consolação».

«É Jesus quem explica como posso abrir o meu coração», afirmou o Papa: «Um coração aberto é feliz e no Evangelho ouvimos quem é feliz, quem é bem-aventurado: o pobre». Assim, «o coração abre-se com uma atitude de pobreza de espírito: quantos sabem chorar, os mansos, a mansidão do coração; os famintos de justiça, os que lutam pela justiça; os misericordiosos, os que têm misericórdia pelo próximo; os puros de coração; os pacificadores e quantos são perseguidos por causa da justiça, por amor à justiça». E «assim o coração abre-se e o Senhor vem com o dom da consolação e com a missão de consolar os outros».

Mas há também aqueles que «têm o coração fechado: não são felizes porque não podem receber o dom da consolação e dá-lo aos outros». Não seguem as bem-aventuranças e «sentem-se ricos de espírito, suficientes». São «os que não têm necessidade de chorar, porque se sentem justos; os violentos que não sabem o que é a mansidão; os injustos que vivem e praticam a injustiça; os “in-misericordi” — sem-misericórdia — que nunca perdoam, nunca precisam de perdoar, pois não sentem a necessidade de ser perdoados; os sujos de coração; os promotores de guerra, não de paz; e os que nunca são criticados nem perseguidos por lutarem pela justiça, porque não se importam com as injustiças padecidas pelos outros: são pessoas fechadas».

Precisamente diante destas bem-aventuranças invertidas, o Pontífice sugeriu: «Hoje far-nos-á bem pensar» em «como é o meu coração: aberto? Sei receber o dom da consolação, peço-o ao Senhor e depois sei dá-lo ao próximo como dom do Senhor e meu serviço?». E «assim, com estes pensamentos durante o dia, voltemos a dar graças ao Senhor que é tão bom e procura consolar-nos sempre». Recordando que Deus «só nos pede que a porta do coração esteja aberta ou pelo menos entreaberta, de forma que Ele arranje a maneira de entrar».

 



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