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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Regra de ouro

Segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 06 de 8 de fevereiro de 2018

A “regra de ouro” consiste em saber viver as humilhações com uma atitude de esperança e confiança em Deus, sem recorrer a fingimento e justificações falsas prêt-à-porter. Mas o Papa Francisco, na missa de hoje, sugeriu ao cristão verdadeiramente humilde que agarre a coragem com ambas as mãos e, repropondo os ensinamentos de santo Inácio, reze precisamente para ter as humilhações, para deste modo «se assemelhar mais ao Senhor».

«Na primeira leitura — observou o Papa referindo-se ao trecho do segundo livro de Samuel (15, 13-14.30; 16, 5-13) — ouvimos o sofrimento de David, a fuga de David, a derrota de David». E «David é grande: tinha vencido o filisteu e as mulheres louvavam-no; tinha consolidado o reino, estava a caminho» e «acabará por o reunificar». David, prosseguiu Francisco, «tinha uma alma nobre: por duas vezes podia ter matado Saul e não o fez». Portanto, tinha «aquela nobreza de alma: era grande, mas também pecador, um pecador que cometera pecados graves: o adultério, o assassinato de Urias, o do censo».

Em síntese, David tinha cometido «pecados graves». Contudo, «é santo: a Igreja — afirmou o Papa — venera-o como santo» não obstante «estes pecados, porque ele é santo, porque ele se deixou transformar pelo Senhor, se deixou perdoar pelo Senhor, ouviu a voz do Senhor, arrependeu-se, foi capaz de fazer penitência, de chorar». Tinha «aquela capacidade não muito fácil de reconhecer que era pecador: “Sou pecador”».

No trecho bíblico da liturgia, explicou o Pontífice, «vemos a humilhação de David: o filho faz uma revolução contra ele, o próprio filho, como ele afirma «que saiu das minhas vísceras”, o próprio filho; e dizem-lhe: “O coração dos israelitas está com Absalão: ele tem a maioria. Tu estás derrotado. Que fazemos?”». Nesta circunstância, afirmou o Papa, David «não pensou na própria pessoa: pensou na cidade, no povo, no templo e na arca, para que não fossem destruídos».

E David «faz aquele gesto que parece cobarde, mas é corajoso: foge, para salvar a cidade, o povo, o templo e a arca». Ele diz: «Levantai-vos, e fujamos da cidade, para que não se apresse Absalão e nos alcance, e lance sobre nós algum mal, e fira a cidade a fio de espada». Por conseguinte, David ordena aos seus companheiros para fugirem e deixarem a cidade. Eis, portanto, «aquela imagem de David» que, recordou Francisco, «subia o monte das Oliveiras — isto faz-nos pensar em algo — subia chorando e caminhava com a cabeça coberta e os pés descalços». O Antigo Testamento narra que David «chorava, descalço, com a cabeça coberta em sinal de penitência» e «toda a gente que estava com ele tinha a cabeça coberta e, subindo, chorava».

Este é «o pranto de David: um homem capaz de reconhecer os próprios pecados». E «o Senhor tinha-o preparado para este momento: humilhado. O grande David, humilhado, aquele que tinha vencido o filisteu, humilhado». E, reafirmou o Pontífice, tinha-o «humilhado com a derrota, a fuga e também com o insulto, porque este Simei não lhe dizia coisas agradáveis: «Vai-te embora, vai-te embora homem sanguinário e celerado! O Senhor fez cair sobre a tua cabeça todo o sangue da casa de Saul, no lugar de quem reinas; o Senhor entregou o reino nas mãos de Absalão, teu filho, e eis que agora estás arruinado, porque és um sanguinário».

Enquanto Simei «insultava» David, «os seus companheiros queriam defendê-lo». Mas ele impediu-lhes que o fizessem e diz claramente a Abisai que o deixem fazer, porque «é o Senhor que inspira os insultos. Vamos em frente, talvez o Senhor tenha piedade de mim e este insulto comova o coração do Senhor e me abençoe». E «com esperança» David continua o seu caminho.

«David humilde, David humilhado» insistiu o Papa, refletindo sobre aquela imagem quando ele «subia ao monte das Oliveiras». Mas também «David profeta, porque esta é precisamente a profecia de Jesus, subindo ao Calvário para dar a vida: insultado, deixado de lado, não ouvido». Portanto, «David, profeta de Jesus; mas o cerne deste trecho é a humilhação, a humildade», reiterou Francisco. E assim «quando Paulo fala de Jesus diz: “humilhou-se, aniquilou-se”». E esta é a «profecia de Jesus: a humildade de Jesus».

«Por vezes — realçou o Papa — pensamos que a humildade significa caminhar tranquilos, andar talvez de cabeça baixa, olhando para o chão. Mas também os porcos caminham de cabeça baixa: esta não é humildade. Esta é aquela humildade fingida, prêt-à-porter, que não salva nem preserva o coração». E assim «é bom — acrescentou — que pensemos nisto: não há verdadeira humildade sem humilhação, e se não fores capaz de tolerar, de carregar aos ombros uma humilhação, não és humilde: finges, mas não és».

«David carrega às suas costas os próprios pecados, não pensa nas coisas boas que tem» explicou o Pontífice. E «também Jesus carrega sobre os ombros os próprios pecados: Paulo diz-nos que assumiu os nossos pecados e que se fez pecado». Portanto, disse o Papa, «David é santo; Jesus, com a santidade de Deus, é realmente santo. David é pecador, Jesus é pecador mas com os nossos pecados. Contudo, ambos humilhados».

«Há sempre — reconheceu Francisco — a tentação de lutar contra aquele que nos calunia, contra aquele que nos humilha, que nos faz envergonhar, como este Simei» que no trecho bíblico insulta gravemente David. Mas «David diz “não”, o Senhor diz “não” aquele não é o caminho». Ao contrário, «o caminho é o de Jesus, profetizado por David: carregar as humilhações». E pensar que «talvez o Senhor olhe para a minha aflição e me confira o bem em troca da maldição de hoje». Em síntese, «carregar as humilhações na esperança». Porém, especificou o Papa, «se eu, diante de qualquer ofensa, de qualquer humilhação, me justifico imediatamente e procuro parecer bom ou fazer, como se diz, “caligrafia inglesa”, esta não é humildade». E assim, acrescentou, «pensemos nisto de forma correta: se não sabes viver uma humilhação, não és humilde e esta é a regra de ouro».

Na conclusão, o Pontífice convidou a pedir «ao Senhor a graça da humildade, mas com humilhação». E, recordou, «havia aquela religiosa que dizia: “sou humilde, sim, mas humilhada, nunca!”. Não, não! Não há humildade sem humilhação». Portanto, afirmou ainda Francisco, «peçamos esta graça e também, se alguém for corajoso, pode pedir — como nos ensina Santo Inácio — que lhe envie humilhações, para se assemelhar mais ao Senhor».

 


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