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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

Como se transmite a fé

Quinta-feira, 3 de maio de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 19 de 10 de maio de 2018

Nas grandes cidades as empregadas domésticas estrangeiras são cada vez mais frequentemente segundas mães e, com a concretude do amor e do testemunho, transmitem a fé às crianças. E talvez os pais, ocupados com numerosos compromissos de trabalho, tenham que redescobrir a beleza do seu papel na transmissão da fé aos seus filhos, sem esperar o catecismo na paróquia ou alguma esporádica participação na missa.

O Papa convidou de novo a ser testemunhas do Evangelho para suscitar a curiosidade em quantos não creem, e assim começar a obra do Espírito Santo, dirigindo um pensamento e uma oração especiais por todos os pais. E a sugestão a não transmitir a fé fazendo proselitismo nem procurando apoio como para uma seleção de futebol.

«No trecho da carta de São Paulo aos Coríntios fala-se da transmissão da fé», observou Francisco referindo-se à primeira leitura (15, 1-8), repetindo as palavras escritas pelo apóstolo: «Eu transmiti a vós antes de tudo o que também recebi». E é precisamente assim, explicou o Papa, que «se deve transmitir a fé: ofereço o que recebi, e Paulo recita o que recebeu». Mas «a fé não é só a recitação do Credo: a fé exprime-se no Credo mas é algo mais». Pois se «tudo aquilo em que cremos está no Credo, a atitude de fé vai além, é outra coisa, maior».

De resto, insistiu o Pontífice, «transmitir a fé não significa dar informações, mas fundar um coração na fé em Jesus Cristo». Por isso, «transmitir a fé não se pode fazer mecanicamente», dizendo: «Toma este livrete, estuda-o e depois eu batizo-te». Não, insistiu, «é outro o caminho para transmitir a fé: é comunicar o que nós recebemos».

É precisamente «este o desafio do cristão: ser fecundo na transmissão da fé», afirmou. Mas é «também o desafio da Igreja: ser mãe fecunda, dar à luz filhos na fé», acrescentou, explicando que «este não é um exagero: é o que dizemos na cerimónia do Batismo». Portanto, eis «a Igreja que “dá à luz”, que é “mãe”». E nesta perspetiva Francisco sugeriu «duas pistas da transmissão da fé».

«A Igreja é mãe se transmite a fé no amor, sempre com ar de amor», disse o Papa, recordando que «não se pode transmitir a fé sem esta caraterística materna». A ponto que «alguém escreveu elegantemente» que «a fé não é concedida, mas dada à luz». E é «a Igreja que dá à luz a fé dentro de nós: ou seja, a transmissão da fé carateriza-se sempre com o amor da mãe Igreja, dá-se em casa».

O próprio São Paulo, prosseguiu o Papa, «lembra a Timóteo, num bonito trecho: “Recordo a fé da tua mãe e da tua avó”». Portanto, explicou Francisco, «é a fé que deve ser transmitida de geração em geração, como um dom». Mas sempre «no amor, no amor da família: é ali que se transmite a fé, não só com palavras, mas com amor, carícias e ternura».

A este propósito, o Pontífice voltou a propor também o episódio narrado no livro dos Macabeus, «quando aquela mulher encorajava os sete filhos face ao martírio: no texto diz-se que por duas vezes aquela mulher falou aos filhos na língua materna, dava-lhes força na fé, mas na língua materna». Pois «a verdadeira fé se transmite sempre em dialeto: o dialeto do amor, da família, da casa, aquele que se capta no ar». E «talvez a língua seja a mesma, mas ali há algo de dialeto, e ali a fé transmite-se “maternalmente”».

Em síntese, explicou o Papa, se a «primeira atitude para a transmissão da fé é o amor, outra atitude é o testemunho». Na realidade, afirmou, «transmitir a fé não significa fazer proselitismo: é outra coisa, é maior ainda». Sem dúvida, prosseguiu, «não significa procurar pessoas que ajudem esta seleção de futebol, este clube, este centro cultural: isto está bem, mas para a fé não serve o proselitismo». E «Bento XVI disse: “A Igreja cresce não por proselitismo mas por atração”». Com efeito, afirmou Francisco, «a fé transmite-se por atração, ou seja, por testemunho». E, acrescentou, «hoje celebramos a festa de dois apóstolos, Filipe e Tiago, que deram a vida, transmitiram a fé mediante o testemunho». Portanto, devemos testemunhar a fé.

A este propósito, o Papa quis compartilhar uma sua recordação pessoal: «Certa vez numa das jornadas da juventude, acho que foi em Cracóvia, num almoço com os jovens, um deles perguntou-me: “Tenho um amigo que é ateu, mas é muito bom e eu gosto dele. O que devo dizer-lhe para que se converta?”». Eis a resposta franca do Papa: «É melhor que nada lhe digas, age. E que ele se questione: por que este homem se comporta assim? Por que este homem faz assim, quando é normal fazer o contrário? Dá testemunho!».

É um facto, explicou o Pontífice, que «o testemunho provoca a curiosidade no coração do outro, e o Espírito Santo pega nessa curiosidade» e começa a trabalhar «dentro». Assim, «a Igreja crê por atração, cresce por atração, e a transmissão da fé verifica-se com o testemunho, até ao martírio». Precisamente «quando se vê esta coerência de vida com o que nós dizemos, surge sempre a curiosidade: “Mas por que ele vive assim? Por que leva uma vida de serviço ao próximo?”». E «essa curiosidade é a semente que o Espírito Santo pega e leva em frente; e a transmissão da fé torna-nos justos, justifica-nos».

Portanto, afirmou o Papa, «a fé justifica-nos, e na sua transmissão nós fazemos verdadeira justiça aos outros». No fundo, «é simples» o que Paulo escreve aos Coríntios: «Eu transmiti a vós antes de tudo o que também recebi». As palavras do apóstolo são claras: «Eu transmiti o que recebi». Recordam «a transmissão da fé no amor, em casa». Mas, relevou Francisco, «muitas vezes em casa ouvimos dizer: “Quando frequentar o catecismo, aprenderá”». E «muitas vezes são as empregadas domésticas, mulheres de fé, que transmitem a fé às crianças: até as empregadas domésticas estrangeiras». Talvez os «pais trabalhem; talvez vão à missa uma, duas, três, quatro vezes por ano, talvez vão à missa de vez em quando, são católicos, mas não sabem transmitir a fé; são as empregadas domésticas que a transmitem».

E este, afirmou o Pontífice, «é um facto que se vê todos os dias nas grandes cidades e até aqui na Itália». A fé transmite-se «com o amor» e «a empregada doméstica é aquela que acaricia, que cuida, que faz crescer, que ajuda a mãe, é como uma segunda mãe». E «isto significa transmitir a fé no amor, no testemunho», porque não se trata de «transmitir uma filosofia», mas de «transmitir algo que te justifica, que te torna justo aos olhos de Deus».

Por fim, o Papa convidou a pedir «ao Senhor por tantos pais para que saibam cuidar disto, pois transmitir a fé é algo grandioso, muito bonito». E pedir «por tantos cristãos a fim de que o Senhor lhes conceda a todos a força de dar testemunho e, com o testemunho, semear curiosidade; e o Espírito Santo pega naquela curiosidade e abre o coração para receber a fé».

 


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