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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

As crianças famintas do Iémen

  Segunda-feira, 5 de novembro de 2018

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 46 de 13 de novembro de 2018

A violenta tragédia no Iémen, onde um povo inteiro está à beira do precipício, e as muitas pequenas «guerras em família, na paróquia ou no lugar de trabalho têm as mesmas raízes e eclodem se o egoísmo e a vantagem seletiva da «rivalidade» e da «vanglória» prevalecerem sobre «a unanimidade e a concórdia». Eis o forte apelo feito pelo Papa a favor da paz nas pequenas e grandes questões da vida.

«Jesus aconselha-nos a não sermos seletivos na vida, a não criarmos um círculo de amigos, esquecendo-nos de todos os outros», observou o Papa referindo-se ao trecho litúrgico de Lucas (14, 12-14) e frisando que «o sentido deste excerto do Evangelho é claro: não agir por interesse».

«Há pessoas — afirmou o Pontífice — que são seletivas e só têm relações sociais com quantos podem ser úteis, retribuir-lhes os favores: comportam-se, pensando na própria vantagem e excluindo os outros». Mas esta, admoestou, «é uma forma de egoísmo, segregação e interesse». Ao contrário, «a mensagem de Jesus é oposta: é a da gratuidade». Com efeito, «Jesus veio a nós não para acumular coisas ou constituir um exército: não! Veio para nos servir, para nos dar tudo gratuitamente».

Eis, insistiu o Papa, «a mensagem de Jesus: “Age gratuitamente com os outros, sem pensar na retribuição, na vantagem, no teu interesse”». E este estilo «alarga a vida, o caminho da vida, amplia o horizonte porque é universal». Portanto, «a gratuidade que Jesus traz é para todos: não é seletiva».

O Pontífice prosseguiu, observando que «sobre isto, aos doutores da lei que se julgavam os justos do tempo e eram seletivos nas amizades», Jesus diz «algo muito forte: “Vós que pensais sempre no vosso interesse, que vos julgais perfeitos, esperai: os publicanos — ou seja, os traidores da pátria — e as prostitutas preceder-vos-ão no reino dos céus”». E «contra este egoísmo do interesse, Jesus é incisivo e propõe este modo de agir da gratuidade, que é propriamente seu».

«Com o mesmo espírito e inspiração — afirmou o Papa — Paulo fala aos Filipenses na primeira Leitura, dando-lhes um conselho: tende os mesmos sentimentos, “sede unânimes e concordes” (2, 1-4). Pois, disse Francisco, «a pessoa seletiva, quem escolhe segundo o próprio interesse as amizades ou as pessoas com as quais se relacionar na vida, não é “unânime”, causa sempre divisão: “Estes são meus, os outros não”». «As pessoas seletivas são sempre fatores de divisão». Por isso «Paulo aconselha-nos a ser “unânimes”, aliás, “concordes”, ou seja, ter todos um só coração: o mesmo coração».

«Duas coisas vão contra a unidade, contra este ser “unânimes” e “concordes”: a rivalidade e a vanglória», afirmou o Pontífice. E assim, «se eu quiser examinar-me e ver se sou seletivo, devo interrogar-me sobre a minha rivalidade e vanglória».

Para enfrentar a questão da «rivalidade», Francisco quis referir-se, como «exemplo», às experiências na paróquia. A propósito, recordou que na missa estava presente a comunidade da paróquia romana de Nossa Senhora de Bonária, representada sobretudo por jovens. A rivalidade, explicou, pode surgir quando «o pároco deve fazer algo, mudar pessoas: “Escolheu este e não aquele”, “fez isto e não aquilo”». Eis como nascem «as lutas de rivalidade».

Muitas vezes é inútil recordar a estas pessoas que estão ali todas «para servir o Senhor», porque a resposta é: «Sim, sim, mas eu sou o primeiro!». Precisamente nisto consiste a «rivalidade, e também a bisbilhotice nasce da rivalidade, porque muita gente sente que não pode crescer, mas para se sentir superior ao outro diminui-o com o mexerico». Assim, a rivalidade torna-se também «um modo de destruir as pessoas».

A tal propósito, Paulo diz: «Que na comunidade não haja rivalidades», pois «a rivalidade é uma luta para esmagar o outro. A rivalidade é negativa: pode-se fazê-la de modo aberto, direto, ou com luvas brancas, mas sempre para destruir o outro e para se elevar a si mesmo». O raciocínio é este: «Dado que não posso ser tão virtuoso, tão bom, diminuo o outro, assim permaneço sempre superior». Portanto, «a rivalidade é um modo deste agir por interesse».

Além disso, acrescentou Francisco, há «a vanglória: gabo-me de» algo. Como se dissesse: «Eu fui eleito, não o outro, eu sou mais importante, julgo-me melhor que os outros». Mas «isto destrói uma comunidade, até uma família: pensai na rivalidade entre irmãos pela herança do pai, por exemplo, algo que acontece todos os dias». E ainda: «Pensai na vanglória, naqueles que se julgam melhores que os outros: como Jesus os repreendia, porque destroem a unanimidade e a concórdia, e agem por interesse, pensando na própria vantagem e utilidade».

«A vida cristã nasce da gratuidade de Jesus e deve ir em frente sempre com esta regra de gratuidade», insistiu o Papa, especificando: «Pratico o bem e não me preocupo se os outros fazem o mesmo ou não; não sou melhor que os outros: faço o que devo e não me preocupo em subir mais por rivalidade ou vanglória». Eis «a unanimidade e a concórdia que Paulo recomenda».

Nesta altura, Francisco quis referir-se à atualidade, recordando uma grave crise humanitária em ato: «Quando lemos as notícias das guerras, pensemos nas notícias relativas à fome das crianças no Iémen, fruto da guerra: estão longe, pobres crianças, mas por que não têm o que comer?». Mas, disse o Papa, «com esta rivalidade travamos a mesma guerra também em casa, nas nossas instituições: ali começa a guerra». E também «a paz se deve fazer ali: em família, na paróquia, nas instituições, no lugar de trabalho, procurando sempre a unanimidade e a concórdia, e não o próprio interesse».

«Peçamos esta graça para a nossa comunidade paroquial, para a nossa família — sugeriu o Pontífice — e quando penso em destruir de algum modo ou ferir esta unanimidade e concórdia, parar a tempo e dizer: não, isto não!». E, concluiu, «isto é bonito, é grandioso, esta é a paz, e com a nossa pequena contribuição ajudaremos a construir a paz do mundo, a paz de todos».

 



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