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VIAGEM APOSTÓLICA
DE SUA SANTIDADE FRANCISCO
À REPÚBLICA DA COREIA POR OCASIÃO
DA VI JORNADA DA JUVENTUDE ASIÁTICA

(13-18 DE AGOSTO DE 2014)

ENCONTRO DO PAPA FRANCISCO
 COM OS JORNALISTAS DURANTE
O VOO DE REGRESSO DA COREIA A ROMA

Segunda-feira, 18 de Agosto de 2014

 

Santidade, bem-vindo entre nós para o último encontro desta viagem que foi muito intensa, mas parece que resultou muito bem; pelo menos, o Santo Padre dá a impressão de estar satisfeito, dá a impressão de ter-se sentido bem e disso muito nos alegramos. Assim, para este encontro – que, creio, se desenrolará no estilo dos dois anteriores que tivemos com o Santo Padre –, organizámo-nos dividindo-nos por grupos linguísticos e depois, em cada um dos grupos, foram sorteados alguns colegas e algumas colegas que farão as suas perguntas. Temos um bom número... Quando o Santo Padre estiver cansado, diga-nos que basta e nós paramos; caso contrário, continuamos.

Agora, queremos começar por um representante do grupo asiático e convidamos para vir aqui ao microfone Sung Jin Park, da Yonhap News: é a agência coreana. Anuncio ainda quem se deve preparar, de tal forma que comece a aproximar-se daqui para depois não perdermos demasiado tempo à sua espera. A segunda pergunta será feita por Alan Holdren, de Ewtn.

Santidade, quer-nos dizer qualquer coisa como introdução? Ao Santo Padre, a palavra; e depois daremos a palavra ao colega coreano.

(Papa Francisco)

Bom dia. Muito obrigado pelo vosso trabalho, que exigiu muito empenho. Obrigado por tudo o que fizestes e, agora, pela amabilidade deste colóquio. Muito obrigado.

(Padre Lombardi)

Então, passamos a palavra a Sung Park.

(Sung Jin Park)

O meu nome é Sung Jin Park, jornalista da agência sul-coreana de notícias Yonhap. Santo Padre, desejo, em nome dos jornalistas coreanos e do nosso povo, agradecer a sua visita; trouxe a felicidade a muitas pessoas, na Coreia. Obrigado também pelo incentivo à unificação do nosso país. Santo Padre, durante a sua visita à Coreia, começou por se dirigir às famílias das vítimas do desastre do ferribote Sewol e consolou-as. Eu tenho duas perguntas. A primeira: Que sentiu quando as encontrou? A segunda: Não ficou preocupado que o seu gesto pudesse ser mal interpretado politicamente?

(Papa Francisco)

Quando te encontras face a face com o sofrimento humano, deves fazer aquilo que o teu coração te leva a fazer. Depois vão dizer: «Fez isto, porque tem esta ou aquela intenção política». Pode-se dizer tudo. Mas, quando tu pensas nestes homens, nestas mulheres, pais e mães que perderam os filhos, os irmãos e as irmãs, quando pensas no sofrimento tão grande de uma catástrofe, não sei como é, mas no meu coração – eu sou um sacerdote – sinto que devo aproximar-me! Sinto-o assim; a primeira coisa é essa. Eu sei que a consolação que uma minha palavra poderia dar, não é um remédio, não restitui a vida àqueles que morreram; mas, naqueles momentos, a proximidade humana dá-nos força, temos a solidariedade... Lembro-me, como arcebispo de Buenos Aires, que vivi duas catástrofes deste tipo: uma, o incêndio de um salão de baile, onde estava a realizar-se um concerto de música pop; morreram 193 pessoas! E outra vez, uma catástrofe com comboios; creio que morreram 120. E, então, eu senti o mesmo: aproximar-me. Intensa é a dor humana e, se nestes momentos tristes nos aproximamos, ajudamos muito. E, sobre a questão final, quero acrescentar uma coisa. Eu peguei nisto [mostra uma fita amarela dourada] e, depois de o ter trazido durante meia jornada – peguei nisto por solidariedade com eles -, alguém aproximou-se de mim e disse-me: «É melhor tirá-lo… o Santo Padre deve ser neutral» – «Sabe? Com o sofrimento humano, não podemos ser neutrais»: assim lhe respondi. Isto é o que eu sinto. Obrigado pela tua pergunta. Obrigado!

Quem é agora?

(Padre Lombardi)

Alan Holdren, de Ewtn.

(Papa Francisco)

E depois? [Riem]

(Padre Lombardi)

Depois temos Jean-Louis de la Vaissière, do grupo francês.

(Alan Holdren)

Santidade, o meu nome é Alan Holdren, trabalho para a Agência Católica de Notícias, ACI Prensa, de Lima, no Perú, e também para Ewtn. Como sabe, as forças militares dos Estados Unidos começaram, há pouco, a bombardear terroristas no Iraque para impedir um genocídio, para proteger o futuro das minorias – penso também nos católicos sob a sua guia. O Santo Padre aprova este bombardeamento americano?

(Papa Francisco)

Obrigado pela pergunta tão clara. Nestes casos, em que há uma agressão injusta, posso apenas dizer que é lícito fazer parar o agressor injusto. Sublinho o verbo: fazer parar. Não digo bombardear, fazer a guerra, mas fazê-lo parar. Os meios, pelos quais se pode fazê-lo parar, deverão ser avaliados. Parar o agressor injusto é lícito. Mas devemos também usar a memória! Quantas vezes, com esta desculpa de parar o agressor injusto, as potências se apoderaram dos povos e fizeram uma verdadeira guerra de conquista! Uma nação sozinha não pode julgar como se pára um agressor injusto. Depois da II Guerra Mundial, afirmou-se a ideia das Nações Unidas: é lá que se deve discutir, interrogar-se: «É um agressor injusto? Parece que sim. Como é que o fazemos parar?» Digo apenas isto, nada mais.

Em segundo lugar, as minorias. Obrigado pela palavra usada. Porque a mim dizem: «Os cristãos, pobres cristãos...» E é verdade, sofrem. Os mártires, sim; há tantos mártires. Mas, aqui, temos homens e mulheres, minorias religiosas, nem todas cristãs, e todos são iguais perante Deus. Parar o agressor injusto é um direito da humanidade, mas é também um direito do agressor: ser interrompido, para não fazer mal.

(Padre Lombardi)

Jean-Louis de la Vaissière, de France Presse. Prepare-se Fabio Zavattaro.

(Jean-Louis de la Vaissière)

Boa noite, Santo Padre! Volto ao caso do Iraque. À semelhança do Cardeal Filoni e do Superior dos Dominicanos, Cadoré, estaria Sua Santidade pronto a apoiar uma intervenção militar terrestre no Iraque para deter os jihadistas? E tinha ainda outra pergunta: Pensa poder um dia ir ao Iraque, talvez ao Curdistão, para apoiar os refugiados cristãos, que o esperam, e rezar com eles naquela terra onde vivem desde há dois mil anos? 

(Papa Francisco)

Obrigado. Estive recentemente com o Presidente do Curdistão, e ele tinha um pensamento muito claro sobre a situação, sobre como encontrar soluções... Mas era antes desta última agressão. À primeira pergunta, já respondi: estou de acordo com o facto de que, havendo um agressor injusto, se deve fazê-lo parar... Sim, [quanto a ir ao Iraque] estou disponível, mas acho que posso dizer o seguinte: quando, juntamente com os meus conselheiros, ouvimos falar desta situação das minorias religiosas e também do problema, então, do Curdistão que não podia acolher tanta gente – é um problema, compreende-se! Não podia… –, pusemo-nos a questão: que se pode fazer? Pensamos muitas coisas. Antes de tudo, escrevemos o comunicado feito pelo Padre Lombardi em meu nome. Depois, este comunicado foi enviado a todas as Nunciaturas, a fim de ser transmitido aos Governos. Em seguida, escrevemos uma carta ao Secretário-Geral das Nações Unidas... Tantas coisas... E, no fim, decidimos mandar um Enviado Pessoal, o Cardeal Filoni. E, por último, dissemos: se fosse necessário, quando voltarmos da Coreia, podemos ir lá. Era uma das possibilidades. Esta é a resposta: estou disponível. Neste momento, não é a melhor coisa a fazer, mas estou disposto a isso.

(Padre Lombardi)

Fabio Zavattaro... Prepare-se Paloma García Ovejero, da Cope.

(Fabio Zavattaro)

Peço desculpa! Um pequeno problema, para depois chegar ao grande: estamos já no espaço aéreo chinês? O Santo Padre é o primeiro Papa que pôde sobrevoar a China. O telegrama, que mandou ao presidente chinês, foi recebido sem comentários negativos. Pensa que estes possam ser passos em frente no diálogo possível? Teria desejo de ir à China?

(Padre Lombardi)

Pergunta se agora estamos no espaço aéreo da China? Sim, posso anunciar que, neste momento, estamos no espaço aéreo chinês, pelo que a questão é pertinente…

(Papa Francisco)

E, quando estávamos para entrar no espaço aéreo chinês, encontrava-me na cabine com os pilotos, e um deles fez-me ver um registo, dizendo: «Faltam dez minutos para entrar no espaço aéreo chinês, devemos pedir autorização. Pede-se sempre. É coisa normal! Pede-se a todos os países». E ouvi que pediam autorização e como lhes respondiam... Fui testemunha disto. E o piloto disse: «Agora parte o telegrama». Mas não sei como fizeram. Foi assim... Depois despedi-me deles, voltei para o meu lugar e rezei intensamente pelo grande e nobre povo chinês, um povo sábio…  Penso nos grandes sábios chineses; uma história de ciência, de sabedoria... Incluindo os jesuítas: fizemos história lá, com Padre Ricci... E tudo isto me veio à mente. Pergunta se eu tenho vontade de ir à China? Mas com certeza: amanhã! Eh, sim! Nós respeitamos o povo chinês; a Igreja pede apenas liberdade para a sua missão, para o seu trabalho; mais nenhuma condição. Depois não se pode esquecer aquele documento fundamental para o problema chinês que é a Carta enviada aos Chineses pelo Papa Bento XVI. Aquela carta é actual hoje, tem actualidade. Relê-la faz bem. E a Santa Sé está sempre aberta aos contactos: sempre, porque tem uma verdadeira estima pelo povo chinês.

(Padre Lombardi)

Paloma García Ovejero é da Cope, a Rádio católica espanhola. Prepare-se Johannes Schidelko da Kna.

(Paloma García Ovejero)

Bem, a próxima viagem será à Albânia. Talvez o Iraque. Depois Filipinas e Sri Lanka... Mas, onde irá em 2015? E digo mais: o Santo Padre sabe que, em Ávila e em Alba de Tormes, a expectativa é grande? Podem ainda ter esperança?

(Papa Francisco)

Sim, sim... A Senhora Presidente da República da Coreia, num espanhol perfeito, disse-me: «La esperanza es la ultima que se pierde». Assim me falou, referindo-se à unificação da Coreia? Eu diria o seguinte: Pode-se esperar, mas não está decidido.

(Paloma García Ovejero)

Mas depois: México, Filadélfia...?

(Papa Francisco)

Não! Agora vou explicar. Neste ano, está prevista a Albânia. É verdade. Alguns dizem que o Papa tem como estilo começar todas as coisas da periferia. Mas não! Vou à Albânia, porquê? Por dois motivos importantes. Primeiro, porque eles conseguiram fazer um governo – pensemos nos Balcãs! –, um governo de unidade nacional entre muçulmanos, ortodoxos e católicos, com um conselho inter-religioso que ajuda muito e é equilibrado. E isto é bom! Está harmonizado. A presença do Papa é para dizer a todos os povos: «Pode-se trabalhar em conjunto!» Eu senti a visita como se fosse uma verdadeira ajuda àquele nobre povo. E a outra coisa: é a história da Albânia. Quando pensamos que, religiosamente, foi o único dos países comunistas que tinha na sua Constituição o ateísmo prático. Se tu fosses à Missa, era inconstitucional. E dizia-me um dos ministros que foram destruídas – quero ser preciso no número – 1820 igrejas. Destruídas! Ortodoxas, católicas... naquele tempo. Além disso, outras igrejas foram transformadas em cinema, teatro, salões de dança... Eu senti que devia ir: é perto, faz-se num dia... No próximo ano, quero ir a Filadélfia, ao encontro das famílias; e fui convidado também pelo Presidente dos Estados Unidos para ir ao Parlamento americano e, pelo Secretário das Nações Unidas, a Nova York: talvez as três cidades juntas... Quanto ao México: os mexicanos querem que eu vá a Nossa Senhora de Guadalupe, e poder-se-ia aproveitar a mesma viagem, mas não tenho a certeza. E, finalmente, a Espanha… Os Reis convidaram-me e o Episcopado também... Há uma chuva de convites para ir a Espanha: Santiago de Compostela... Talvez seja possível, mas não adianto mais, porque não está decidido; ir de manhã a Ávila e a Alba de Tormes, e regressar à tarde... Seria possível.

(Paloma García Ovejero)

É possível…

(Papa Francisco)

Sim, mas não está decidido. E esta é a resposta. A ti, obrigado!

(Padre Lombardi)

Johannes Schidelko da Agência católica alemã. Prepare-se Yoshimori Fukushima, do Japão, para a próxima pergunta.

(Johannes Schidelko)

Obrigado! Santidade, que tipo de relacionamento existe entre si e Bento XVI? Existe uma troca regular de opiniões, de ideias; há um projecto comum depois desta Encíclica?

(Papa Francisco)

Vemo-nos... Antes de sair, fui encontrá-lo. Duas semanas antes, ele enviou-me um escrito interessante: pedia-me a opinião... Temos um relacionamento normal, porque – e volto a esta ideia que talvez não agrade a qualquer teólogo; eu não sou teólogo – penso que o Papa emérito não seja uma excepção, mas, depois de muitos séculos, este é o primeiro emérito. Pensemos antes no que ele disse: «Envelheci, não tenho as forças…» Foi um belo gesto de nobreza e também de humildade e coragem. Penso: há 70 anos, os bispos eméritos também eram uma excepção, não existiam; hoje, os bispos eméritos são uma instituição. Eu penso que «Papa emérito» seja já uma instituição. Porquê? Porque se alonga a nossa vida e, a uma certa idade, não há a capacidade de governar bem, porque o corpo se cansa, a saúde talvez ainda seja boa, mas não se tem a capacidade para resolver todos os problemas de um governo como o da Igreja. E eu creio que o Papa Bento XVI tenha feito este gesto que, de facto, institui os Papas eméritos. Repito: talvez algum teólogo me diga que isto não está certo, mas eu penso-a assim. Os séculos dirão se é assim ou não; veremos! O senhor poderá dizer-me: «E se um dia o Santo Padre sentir que não consegue continuar?» Eu faria o mesmo, faria o mesmo! Rezarei muito, mas faria o mesmo. Ele abriu uma porta que é institucional, não excepcional. O nosso relacionamento é, verdadeiramente, de irmãos. Como já disse, sinto-o como se tivesse o avô em casa pela sabedoria: é um homem com uma grande sabedoria, com nuances, que me faz bem ouvi-lo. E também me encoraja muito. Este é o relacionamento que tenho com ele.

(Padre Lombardi)

Agora temos Yoshimori Fukushima, do Mainichi Shimbun: regressamos à Ásia. É japonês. Prepare-se Deborah Ball, do Wall Street Journal.

(Yoshimori Fukushima)

Papa Francisco, para já muito obrigado pela sua primeira visita à Ásia. Nesta viagem, o Santo Padre encontrou pessoas que sofreram. Que sentiu, quando saudou as sete «mulheres de conforto» na Missa desta manhã? No que diz respeito ao sofrimento das pessoas, como na Coreia, havia os cristãos escondidos também no Japão e, no próximo ano, celebram-se os 150 anos da sua «ri-emersão». Será possível rezar por eles, juntamente com o Santo Padre, em Nagasaki? Muito obrigado!

(Papa Francisco)

Seria óptimo, seria óptimo! Fui convidado quer pelo Governo, quer pelo episcopado; fui convidado. Os sofrimentos... O senhor volta a uma das primeiras perguntas. O povo coreano é um povo que não perdeu a dignidade. Foi um povo invadido, humilhado, sofreu guerras, agora está dividido, com tanto sofrimento. Ontem, quando ia para o encontro com os jovens, visitei o Museu dos Mártires. E terrível o sofrimento desta gente, simplesmente para não pisar a Cruz! É uma dor ou um sofrimento histórico. Este povo tem capacidade de sofrer, e também isto faz parte da sua dignidade. Mesmo hoje, estas mulheres idosas que estavam à frente na Missa: pensar que naquela invasão foram, ainda adolescentes, levadas para os quartéis, para as explorar... e elas não perderam a dignidade. Hoje fizeram-se ver, idosas, as últimas que restam… É um povo forte na sua dignidade. Mas, voltando a estas realidades de martírio, de sofrimentos, mesmo destas mulheres: estes são os frutos da guerra! E hoje vivemos num mundo em guerra, por todo o lado! Alguém me dizia: «Sabe, Padre, que estamos na III Guerra Mundial, mas “por pedaços”?» Entende? É um mundo em guerra, onde se realizam estas crueldades. Quero deter-me sobre duas palavras. A primeira é crueldade. Hoje, as crianças não contam! Outrora falava-se de uma guerra convencional; hoje, isto não conta. Não digo que as guerras convencionais sejam uma coisa boa… não! Mas hoje chega a bomba e mata o inocente com o culpado, a criança com a mulher, com a mãe... mata a todos. Devemos parar e pensar um pouco no nível de crueldade a que chegámos. Isto deve assustar-nos! Não digo isto para meter medo: pode-se fazer um estudo empírico. Neste momento, o nível de crueldade da humanidade é tal que mete medo. E a outra palavra, sobre a qual queria dizer alguma coisa e que está relacionada com esta, é tortura. Hoje, a tortura é um dos meios – diria – quase ordinários dos comportamentos dos serviços secretos de espionagem, dos processos judiciários... E a tortura é um pecado contra a humanidade, é um crime contra a humanidade. E, aos católicos, digo: torturar uma pessoa é pecado mortal, é pecado grave! Mais ainda: é um pecado contra a humanidade. Crueldade e tortura. Gostaria muito que vós, nos vossos mass media, fizésseis reflexões: Como vedes estas coisas, hoje? Como é o nível de crueldade da humanidade? Que pensais da tortura? Creio que fará bem, a todos nós, reflectir sobre isto.

(Padre Lombardi)

Deborah Ball, do Wall Street Journal; prepare-se Anaïs Feuga, da Rádio Francese.

(Deborah Ball)

Obrigado. A nossa pergunta é: O Santo Padre mantém um ritmo muito, muito intenso, muito apertado e permite-se pouco descanso e férias... nenhumas. Realiza estas viagens massacrantes. E, nos últimos meses, vimos que teve de cancelar alguns compromissos, mesmo no último momento. Não deveria preocupar-se com o ritmo que mantém?

(Papa Francisco)

Sim, já alguém mo disse! Eu fiz as férias, agora, em casa, como é meu costume fazer. É que uma vez li um livro, interessante, cujo título era: «Alegra-te por seres neurótico». Também eu tenho algumas neuroses, mas é preciso tratá-las bem, as neuroses. Dar-lhes o mate cada dia... Um destas neuroses é que sou um pouco apegado demais ao habitat. A última vez que fiz férias fora de Buenos Aires, com a comunidade jesuíta, foi em 1975. Depois, sempre faço férias – de verdade! – mas no habitat. Mudo o ritmo: durmo mais, leio as coisas que me agradam, ouço a música, rezo mais... E isto repousa-me. Em Julho e parte de Agosto, fiz isto, e estou bem. A outra questão: o facto de ter cancelado [compromissos]: isso é verdade, é verdade. No dia que devia ir ao "Gemelli", ainda tentei até 10 minutos antes, mas verdadeiramente não conseguia... Foram dias muito intensos. E agora devo ser um pouco mais prudente. Tens razão!

(Padre Lombardi)

Então agora Anaïs Feuga, da Rádio Francese. E prepare-se Francesca Paltracca, da Rádio Rai.

(Anaïs Feuga)

No Rio de Janeiro, quando a multidão gritava: «Francisco, Francisco», o Santo Padre respondia: «Cristo, Cristo». Hoje, como consegue gerir esta popularidade imensa? Como a vive?

(Papa Francisco)

Mas... não sei como dizer! Vivo-a, agradecendo ao Senhor por o seu povo se sentir feliz – isto faço-o verdadeiramente – e almejando ao povo de Deus o melhor. Vivo-a como generosidade do povo: isto é verdade! Interiormente, procuro pensar nos meus pecados e nos meus erros, para não me iludir, porque eu sei que isto durará pouco tempo, dois ou três anos, e depois... a casa do Pai. E também não é sábio perguntar-se por isso, mas vivo-a como a presença do Senhor no seu povo, que usa o bispo que é o pastor do povo para manifestar muitas coisas. Vivo-a com mais naturalidade do que antes: antes, assustava-me um pouco... Faço as coisas e, na mente, digo para mim mesmo: não cometas erros, porque não deves fazer mal a este povo; e todas estas coisas... são um pouco assim.

(Padre Lombardi)

Francesca Paltracca, da Rádio Rai; e prepare-se Sergio Rubín, do Clarín.

(Francesca Paltracca)

O Papa vindo «do fim do mundo», que se viu transplantado no Vaticano... Para além de Santa Marta, cuja vida e opção já nos contou, o Papa como vive dentro do Vaticano? Sempre nos perguntam: que faz ele, como se move, passeia? Depois vimos que o Santo Padre vai à cantina e nos surpreende cada dia... Vimos, por exemplo, que foi à cantina do Vaticano! Não cessa de nos surpreender... Então, que tipo de vida leva, para além do trabalho, dentro de Santa Marta?

(Papa Francisco)

Bem, procuro ser livre! Temos os encontros de serviço, de trabalho... Mas, fora disso, a vida, para mim, é a mais normal que posso fazer. Verdadeiramente gostaria de poder sair; mas não se pode..., não se pode! Não, não é por precaução; não se pode, porque se tu sais, logo te caem em cima as pessoas... e não se pode. É a realidade! Mas dentro, em Santa Marta, levo uma vida normal de trabalho, de descanso, de colóquios…

(Francesca Paltracca)

Enfim, não se sente prisioneiro?

(Papa Francisco)

Não, não. Inicialmente, sim! Agora… caíram alguns muros, tais como «o Papa não pode ir...». Um exemplo para te fazer rir: vou tomar o elevador, e logo acorre alguém, porque o Papa não podia descer sozinho no elevador. «Tu voltas para o teu lugar, que eu desço sozinho»... e a história acabou! É assim, não? É a normalidade, uma normalidade.

(Padre Lombardi)

Agora, é a vez de Sergio Rubín. Prepare-se Jürgen Erbacher.

(Sergio Rubín)

Santo Padre, sou Sergio Rubín. Peço desculpa, mas devo, por conta do grupo espanhol dentro do qual está também a Argentina, fazer-lhe uma pergunta que exige os seus profundos conhecimentos teológicos. A sua equipe, o San Lorenzo, pela primeira vez, tornou-se campeã da América! Eu gostaria de saber como vive este evento. E dizem-me também que o Santo Padre receberá uma delegação da Sociedade Desportiva na Audiência Geral desta quarta-feira…

(Papa Francisco)

Depois do segundo lugar no Brasil, é uma boa notícia. Eu soube isso aqui; disseram-mo aqui em Seul e acrescentaram: «Ouça! Vêm na quarta-feira...». E que venham! É uma audiência pública, estarão presentes... Para mim, o San Lorenzo é a equipe da qual era adepta toda a minha família: o meu pai jogava no basquete de San Lorenzo, era jogador da equipe de basquete. E, quando éramos crianças, lá íamos – até a mãe vinha connosco – ao «gasómetro»... Recordo, come se fosse hoje, a temporada de 1946: o San Lorenzo tinha uma brilhante equipe, acabaram campeões... Sabes? Com alegria: vivo-o com alegria. Mas milagres, não! Não falamos de milagres!

(Padre Lombardi)

Agora Jürgen Erbacher, da televisão alemã.

(Jürgen Erbacher)

A pergunta é: Já há tempos que se fala do projecto duma Encíclica sobre a ecologia. Pode-se dizer quando sairá e quais são os pontos centrais?

(Papa Francisco)

Esta encíclica... Conversei muito com o Cardeal Turkson e outros, e pedi ao Cardeal Turkson para reunir todas as contribuições que chegaram. E, antes da viagem – uma semana antes; não, quatro dias antes –, o Cardeal Turkson entregou-me o primeiro rascunho. O primeiro rascunho é grande assim... Eu diria que é maior um terço que a Evangelii gaudium! É o primeiro rascunho. Mas agora surge um problema não fácil, porque sobre a guarda da criação, a ecologia, incluindo a ecologia humana, pode-se falar com uma certa segurança até certo ponto. Depois, vêm as hipóteses científicas: umas bastante seguras, outras não. E um escrito assim, uma Encíclica, que deve ser de magistério, tem de falar com segurança, só sobre as coisas que são seguras. Porque, quando o Papa dizia que o centro do universo era a Terra, e não o Sol, errava, porque dizia algo que devia ser científico, mas não o era. Assim acontece agora. Temos agora de fazer o estudo, número por número, e creio que ficará mais reduzida. Mas, temos de ir ao essencial e àquilo que se pode afirmar com segurança. Pode-se dizer em nota de rodapé: «Sobre isto há esta hipótese, aquela, aqueloutra». Dizê-lo como informação, mas não no corpo de uma Encíclica, que é doutrinal e deve ser segura.

(Padre Lombardi)

Fizemos 12 perguntas; em todos os grupos, já houve duas voltas. Quer continuar ou quer que vamos comer?

(Papa Francisco)

Depende da fome que eles têm...

(Jornalistas)
Não temos fome, nem temos sono...

(Padre Lombardi)

Então, tínhamos na lista Jung Hae Ko, do jornal coreano…

(Jung Hae Ko)

Santidade, muito obrigado pela sua visita à Coreia do Sul. Far-lhe-ei duas perguntas. A primeira: quando, pouco antes da Missa final na Catedral de Myeong-dong, o Santo Padre consolou algumas «mulheres de conforto», que pensamentos o invadiram? Esta é a minha primeira pergunta. A segunda: Pyongyang afirma que o cristianismo representa uma ameaça directa ao seu regime e à sua liderança. Sabemos que algo de terrível aconteceu aos cristãos norte-coreanos; mas não sabemos o quê. Há um empenhamento particular no seu ânimo para tentar mudar a perspectiva de Pyongyang sobre os cristãos norte-coreanos?

(Papa Francisco)

Sobre a primeira pergunta, repito isto: hoje, estas mulheres estavam lá, porque, apesar de tudo o que sofreram, têm dignidade: mostraram quem são! Eu pensei aquilo que disse há pouco, a propósito dos sofrimentos da guerra, das crueldades que traz uma guerra... Estas mulheres foram exploradas, foram escravizadas: isto são crueldades. Pensei em tudo isto: na dignidade que elas têm e também em quanto sofreram. E o sofrimento é uma herança. Nós dizemos – os primeiros Padres da Igreja diziam – que  o sangue dos mártires é semente de cristãos. Vós, coreanos, semeastes tanto, tanto. Por coerência. E agora vê-se o fruto daquela sementeira dos mártires. Sobre a Coreia do Norte, não sei... Sei que é um sofrimento... Um sei-o com certeza: que há alguns parentes, muitos parentes que não podem encontrar-se: e isto faz sofrer. Isto é verdade! É o sofrimento desta divisão do país. Hoje, na catedral, quando vestia os paramentos para a Missa, deram-me um presente: era uma coroa de espinhos de Cristo, feita com o fio de ferro que divide as duas partes da única Coreia. E trazemos connosco este presente, eu trago-o no avião... O sofrimento da divisão, de uma família dividida. Como disse – ontem creio, mas não me lembro quando, ou ao falar aos bispos, não me lembro –, temos uma esperança: as duas Coreias são irmãs, falam a mesma língua. Quando se fala a mesma língua é porque se tem a mesma mãe, e isto dá-nos esperança. O sofrimento da divisão é grande: eu entendo isto e rezo para que acabe.

(Padre Lombardi)

Agora é a vez de Pulella, do grupo de língua inglesa.

(Pulella)

Uma observação e uma pergunta: como ítalo-americano, queria congratular-me pelo seu inglês. Não deve ter medo. E, se antes de ir à América – a minha segunda pátria – quiser praticar um pouco, eu estou disponível. Seja qual for o sotaque que quiser tomar – inclusive o novayorquês; eu sou de Nova York – estou disponível. A pergunta é esta: Falou do martírio… em que ponto está o processo para a canonização do bispo Romero? O Santo Padre que resultado desejaria ver sair deste processo?

(Papa Francisco)

O processo estava na Congregação para a Doutrina da Fé, bloqueado – dizia-se – «por prudência». Agora desbloqueou-se; passou para a Congregação das Causas dos Santos e segue o caminho normal de um processo. Depende do modo como se movem os postuladores. Isto é muito importante: que o façam rapidamente. Quanto a mim, aquilo que eu queria é que se esclarecesse: quando há o martírio in odium fidei, quer por ter confessado o Credo, quer por ter cumprido em favor do próximo as obras que Jesus nos manda. E isto é um trabalho dos teólogos, que o estão a estudar. É que, por trás dele [Romero], temos Rutilio Grande e outros; há outros que foram assassinados, mas não estão à mesma altura de Romero. Isto deve-se distinguir teologicamente. Para mim, Romero é um homem de Deus, mas deve-se fazer o processo e o Senhor também deve dar o seu sinal... Se Ele quiser, fá-lo-á. Mas agora os postuladores devem mover-se, porque não há impedimentos.

(Padre Lombardi)

Temos então a última pergunta. Deixamo-la fazer a Céline Hoyeau, que veio por La Croix, jornal católico francês.

(Céline Hoyeaux)

Santo Padre, tendo em conta a guerra em Gaza, foi um fracasso – a seu ver – a oração pela paz organizada no Vaticano a 8 de Junho passado?

(Papa Francisco)

Obrigado, obrigado pela pergunta. Aquela Oração pela paz não foi, absolutamente, um fracasso. Em primeiro lugar, a iniciativa não partiu de mim: a iniciativa de rezar juntos veio dos dois Presidentes, do Presidente do Estado de Israel e do Presidente do Estado da Palestina. Eles tinham-me feito chegar este desejo. Depois, queríamos fazê-la lá [na Terra Santa], mas não se encontrava o lugar certo, porque o custo político de cada um era muito forte, se fosse à outra parte. A Nunciatura? Sim; seria um lugar neutro, mas, para chegar à Nunciatura, o Presidente do Estado da Palestina deveria entrar em Israel e isso não era fácil. E eles disseram-me: «Fazemos isso no Vaticano; vamos lá nós». Estes dois homens são homens de paz, são homens que acreditam em Deus e viveram tantas coisas ruins, tantas coisas ruins que estão convencidos de que o único caminho para resolver aquela história é a negociação, o diálogo e a paz. Mas, agora a sua pergunta: foi um fracasso? Não, eu creio que a porta está aberta. Todos os quatro, como representantes; quis que Bartolomeu estivesse lá como chefe da Ortodoxia, o Patriarca Ecuménico da Ortodoxia – não quero usar termos que talvez não agradem a todos os ortodoxos – era bom que estivesse connosco como Patriarca Ecuménico. Foi aberta a porta da oração. Diz-se: «Deve-se rezar». Trata-se de um dom: a paz é um dom, um dom que se merece com o nosso trabalho, mas é um dom. Há que dizer à humanidade que, juntamente com o caminho da negociação – que é importante –, do diálogo – que é importante –, há também o da oração. Tudo certo! Depois chegou o que chegou; mas isso é conjuntural. Ao contrário, aquele encontro não era conjuntural; é um passo fundamental do comportamento humano: a oração. Agora, a fumaça das bombas, das guerras não deixa ver a porta, mas a porta ficou aberta desde então. E, dado que eu creio em Deus, creio que o Senhor olha para aquela porta, e olha para quantos rezam e todos aqueles que Lhe pedirem para Ele nos ajudar. Sim, gostei desta pergunta. Obrigado, obrigado por tê-la feito! Obrigado!

(Padre Lombardi)

Santo Padre, muito obrigado! Acho que fez mais de uma hora de conversação connosco e, por conseguinte, seja justo agora poder ir descansar um pouco no final desta viagem. Entre outras coisas, sabemos que provavelmente esta tarde voltará a visitar Nossa Senhora…

(Papa Francisco)

Partindo do aeroporto, irei agradecer a Nossa Senhora [em Santa Maria Maior]. É uma coisa linda! E o Dr. Giani mandara trazer as flores da Coreia com as cores da Coreia, mas depois, à saída da Nunciatura, uma menina veio com um ramo de flores, de rosas, e dissemos: «Levemos a Nossa Senhora precisamente estas flores duma menina da Coreia». E serão estas que Lhe levaremos. Do aeroporto, iremos lá rezar um pouco, e depois vamos para casa.

(Padre Lombardi)

Muito bem. Saiba que também nós estaremos com o Santo Padre a agradecer ao Senhor por estes dias extraordinários. E os nossos melhores votos ao retomar depois o seu ministério, em Roma; continuaremos a acompanhá-lo, esperando que o Santo Padre continue a dar-nos – como fez nestes dias – coisas estupendas de que falar. Obrigado!

(Papa Francisco)

E obrigado a vós pelo vosso trabalho, muito obrigado! Peço desculpa por não ficar mais tempo convosco. Obrigado! Bom almoço!

 



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