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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A CUBA, AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
E VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)

ENCONTRO EM PROL DA LIBERDADE RELIGIOSA
COM A COMUNIDADE HISPÂNICA E OUTROS IMIGRANTES

DISCURSO DO SANTO PADRE

Independence National Historical Park, Filadélfia
Sábado, 26 de Setembro de 2015

[Multimídia]


 

Queridos amigos!

Boa tarde. Um dos momentos salientes da minha visita tem lugar aqui, diante do Independence Mall, local do nascimento dos Estados Unidos da América. Neste lugar, foram proclamadas pela primeira vez as liberdades que definem este País. A Declaração de Independência afirmou que todos os homens e todas as mulheres são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de alguns direitos inalienáveis e que os governos existem para proteger e defender tais direitos. Estas palavras continuam a ressoar e a inspirar-nos hoje, tal como inspiraram pessoas de todo o mundo, no combate pela liberdade de viver de acordo com a sua dignidade.

A história mostra também que esta verdade, como aliás qualquer verdade, deve ser constantemente reafirmada, assumida e defendida. A história desta nação é também a história dum esforço constante, até aos nossos dias, para encarnar estes altos princípios na vida social e política. Recordamos as grandes lutas que levaram à abolição da escravatura, à extensão do direito de voto, ao crescimento do movimento operário, e ao esforço progressivo por eliminar todas as formas de racismo e preconceito contra a chegada sucessiva de novos americanos. Isto demonstra que um país, quando está determinado a permanecer fiel aos seus princípios, a estes princípios fundadores, que se baseiam no respeito pela dignidade humana, torna-se mais forte e renova-se. Quando um país guarda a memória das suas raízes, continua a crescer, renova-se e continua a acolher dentro das suas fronteiras novos povos e novas pessoas que chegam.

Todos beneficiamos quando se faz memória do nosso passado. Um povo que recorda não repete os erros do passado; pelo contrário, olha confiante para os desafios do presente e do futuro. A memória salva a alma dum povo de tudo aquilo ou de todos aqueles que poderiam tentar dominá-lo ou utilizá-lo para os seus próprios interesses. Quando o exercício efectivo dos respectivos direitos é garantido aos indivíduos e às comunidades, estes não apenas se sentem livres para realizar as suas capacidades, mas também com estas capacidades, com o seu trabalho, contribuem para o bem-estar e enriquecimento de toda a sociedade.

Neste lugar, que é um símbolo do modelo dos Estados Unidos, quereria reflectir convosco sobre o direito à liberdade religiosa. É um direito fundamental que plasma o modo como interagimos social e pessoalmente com nossos vizinhos, cujos pontos de vista religiosos são diferentes dos nossos. O ideal do diálogo inter-religioso, onde todos os homens e mulheres de diferentes tradições religiosas podem dialogar sem brigar, este ideal é dom da liberdade religiosa.

A liberdade religiosa supõe certamente o direito de adorar a Deus, individual e comunitariamente, como a própria consciência dita. Mas, por outro lado, a liberdade religiosa transcende, por sua natureza, os lugares de culto, bem como a esfera privada dos indivíduos e das famílias, porque o facto religioso, a dimensão religiosa não é uma subcultura, faz parte da cultura de qualquer povo e qualquer nação.

As nossas diferentes tradições religiosas servem a sociedade, primariamente através da mensagem que proclamam. Convidam os indivíduos e as comunidades a adorar a Deus, fonte de cada vida, da liberdade e da bondade. Lembram-nos a dimensão transcendente da existência humana e a nossa liberdade irredutível contra a pretensão de qualquer poder absoluto. Basta lançar um olhar à história – faz-nos bem debruçar-nos sobre a história –, especialmente à do século passado, para ver as atrocidades perpetradas pelos sistemas que pretenderam construir este ou aquele «paraíso terrestre» dominando os povos, subjugando-os com princípios aparentemente indiscutíveis e negando-lhes qualquer tipo de direito. As nossas ricas tradições religiosas procuram oferecer significado e orientação, «possuem uma força motivadora que abre sempre novos horizontes, estimula o pensamento, engrandece a mente e a sensibilidade» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 256). Chamam à conversão, à reconciliação, ao compromisso em prol do futuro da sociedade, ao sacrifício de si mesmo no serviço do bem comum, e à compaixão por aqueles passam necessidade. No coração da sua missão espiritual, encontra-se a proclamação da verdade e da dignidade da pessoa humana, bem como de todos os direitos humanos.

As nossas tradições religiosas lembram-nos que, enquanto seres humanos, somos chamados a reconhecer o Outro que revela a nossa identidade relacional contra qualquer tentativa de instaurar «uma uniformidade que o egoísmo do forte, o conformismo do fraco, ou ainda a ideologia do utopista poderia procurar impor-nos» (M. de Certeau).

Num mundo onde as diferentes formas de moderna tirania procuram suprimir a liberdade religiosa, ou – como disse antes – reduzi-la a uma subcultura sem direito de expressão na esfera pública, ou ainda usara religião como pretexto para o ódio e a brutalidade, torna-se forçoso que os seguidores das diferentes tradições religiosas unam a sua voz para invocar a paz, a tolerância, o respeito pela dignidade e os direitos dos outros.

Nós vivemos numa época sujeita «à globalização do paradigma tecnocrático» (Enc. Laudato si’, 106), que visa conscientemente uma uniformidade unidimensional e procura eliminar todas as diferenças e as tradições numa busca superficial de unidade. As religiões têm, portanto, o direito e o dever de fazer compreender que é possível construir uma sociedade onde «um são pluralismo, que respeite verdadeiramente aqueles que pensam diferente e os valores como tais» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 255), é um «precioso aliado no compromisso pela defesa da dignidade humana, (...) um caminho de paz para o nosso mundo [tão] ferido» (ibid., 257) pelas guerras.

Os Quakers, que fundaram Filadélfia, viviam inspirados por um profundo sentido evangélico da dignidade de cada pessoa e pelo ideal duma comunidade unida pelo amor fraterno. Tal convicção levou-os a fundar uma colónia que haveria de ser um paraíso de liberdade religiosa e tolerância. Este significado de compromisso fraterno em prol da dignidade de todos, especialmente dos mais fracos e vulneráveis, tornou-se parte essencial do espírito norte-americano. Durante a sua visita aos Estados Unidos em 1987, São João Paulo II prestou-vos um comovente tributo, lembrando a todos os americanos que «a prova decisiva da vossa grandeza é o modo como tratais cada ser humano, mas de maneira especial os mais fracos e os mais indefesos» (Discurso na cerimónia de despedida no Aeroporto de Detroit, 19 de Setembro de 1987, 3).

Aproveito esta oportunidade para agradecer a todos aqueles que procuraram, qualquer que seja a sua religião, servir a Deus, o Deus da paz, construindo cidades animadas pelo amor fraterno, cuidando do próximo em necessidade, defendendo a dignidade do dom divino, do dom divino da vida em todas as sua fases, defendendo a causa dos pobres e dos imigrantes. Com muita frequência, em toda a parte, os mais necessitados não são escutados. Vós sois a sua voz, e muitos dentre vós – homens e mulheres religiosos – fizeram com que o seu grito fosse ouvido. Comeste testemunho, que muitas vezes encontra forte resistência, recordais à democracia norte-americana os ideais que a fundaram, e que a sociedade debilita-se cada vez que nela e por toda a parte prevalece a injustiça. Pouco antes, falei da tendência à globalização. A globalização não é má. Pelo contrário, a tendência para nos globalizarmos é boa, une-nos. O que pode ser má é a maneira de a fazer. Se uma globalização pretende fazer a todos iguais, como se fosse uma esfera, tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa e de cada povo. Se uma globalização procura unir a todos, mas respeitando em cada pessoa, a sua personalidade, a sua riqueza, a sua peculiaridade, respeitando em cada povo, a sua riqueza, a sua peculiaridade, esta globalização é boa, faz-nos crescer a todos e leva à paz. Aqui, gosto de usar um pouco de geometria. Se a globalização é uma esfera, onde cada ponto aparece igualmente equidistante do centro, anula, não é boa. Se a globalização une como um poliedro, onde todos os pontos estão unidos mas cada um conserva a sua própria identidade, é boa e faz cresce um povo, dá dignidade a todos os homens e favorece os seus direitos.

No nosso meio, temos hoje membros da grande população hispânica dos Estados Unidos, bem como representantes de imigrantes recentes aqui chegados. Obrigado por abrirem as portas. Muitos de vós são emigrantes – saúdo-vos com grande afecto – e muitos de vós emigraram para este país, pagando pessoalmente um alto preço, mas com a esperança de construir uma nova vida. Não desanimeis com as dificuldades que tendes de enfrentar, sejam eles quais forem. Peço para não vos esquecerdes que, tal como aqueles que vieram antes de vós, trazeis muitos talentos a esta nação. Por favor, não vos envergonheis das vossas tradições. Não esqueçais as lições que aprendestes dos vossos antepassados e que podem enriquecer a vida deste país americano. Repito: não vos envergonheis daquilo que faz parte de vós, o sangue da vossa vida. Também vós sois chamados a ser cidadãos responsáveis e a contribuir – como fizeram com tanta determinação os que chegaram antes – a contribuir frutuosamente para a vida das comunidades onde viveis. Penso de modo particular na fé fervorosa de muitos de vós, no sentido profundo da vida familiar e em todos os outros valores que recebeste sem herança. Trazendo as vossas contribuições, não só encontrareis o vosso lugar aqui, mas ajudareis a sociedade a renovar-se a partir de dentro. Não percais a memória do que aconteceu aqui há mais de dois séculos. Não percais a memória daquela Declaração que proclamou que todos os homens e mulheres foram criados iguais e dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis e que os governos existem para proteger e defender estes direitos.

Queridos amigos, agradeço o vosso caloroso acolhimento e o facto de vos terdes reunido hoje comigo. Preservemos a liberdade; cuidemos da liberdade: a liberdade de consciência, a liberdade religiosa, a liberdade de cada pessoa, de cada família, de cada povo, pois é ela que cria lugar para os direitos. Possam esta nação e cada um de vós sentir-se renovados na gratidão pelas muitas bênçãos e liberdades de que gozais. E possais defender estes direitos, especialmente a liberdade religiosa, porque esta foi-vos dada pelo próprio Deus. Ele vos abençoe a todos. E por favor, peço-vos que rezeis um pouco por mim. Obrigado!

 



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