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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CHILE E PERU
(15-22 DE JANEIRO DE 2018)

ENCONTRO PRIVADO COM OS SACERDOTES DA COMPANHIA DE JESUS

PALAVRAS DO SANTO PADRE

Santiago do Chile, Santuário de San Alberto Hurtado, SJ
Terça-feira, 16 de janeiro de  2018

[Multimídia]


 

Estou feliz por ver o padre Carlos! Foi o meu diretor espiritual em 1960, no meu juniorado. José era o mestre dos noviços, depois promovido a provincial. Carlos era zelador e... rei do bom senso! Conseguia dar conselhos espirituais verdadeiramente com grande bom senso. Recordo que certa vez fui ter com ele porque estava muito zangado com uma pessoa. Queria enfrentá-la cara a cara e repreendê-la. Ele disse-me: «Calma! Queres deveras romper com ele imediatamente? Procura outros caminhos...». Nunca esqueci este conselho, e agora estou-lhe grato por isto. Sim, no Chile senti-me imediatamente bem. Cheguei ontem. No percurso de hoje fui recebido muito bem. Vi numerosos gestos de grande afeto. Agora perguntai-me o que quiserdes.

Um jesuíta perguntou quais foram as maiores alegrias e dissabores que teve durante o pontificado.

Este período do pontificado é bastante tranquilo. A partir do momento em que no Conclave me dei conta daquilo que estava para acontecer — uma surpresa instantânea para mim — senti muito paz. E até hoje esta paz não me deixou. É um dom do Senhor, pelo que estou grato. E realmente espero que não mo tire. É uma paz que sinto como um puro dom, um puro dom. O que não me tira a paz mas, sim, que me amargura, são as bisbilhotices. Eu não gosto de tagarelices, elas entristecem-me. Acontece com frequência nos mundos fechados. Quando isto se verifica num contexto de sacerdotes ou de religiosos, sinto que devo perguntar às pessoas: mas como é possível? Tu que deixaste tudo, decidiste não ter uma mulher ao teu lado, não casaste, não tiveste filhos... queres acabar como um solteirão bisbilhoteiro? Oh, meu Deus, que vida triste!

Um religioso da província argentino-uruguaia perguntou que resistências encontrou e como as viveu.

Diante da dificuldade nunca digo que se trata de uma «resistência», porque significaria renunciar a discernir, o que ao contrário quero fazer. É fácil dizer que há resistência, sem se dar conta de que naquele contraste pode haver também uma migalha de verdade. E portanto deixo-me ajudar pelos contrastes. Com frequência pergunto a uma pessoa: «O que achas disto?». Isto ajuda-me também a relativizar muitas coisas que, à primeira vista, se parecem com resistências, mas na realidade é uma reação que nasce de um mal-entendido, do facto que certas coisas devem ser repetidas, explicadas melhor... Pode ser um meu defeito, o facto de que por vezes considero óbvias algumas coisas, ou dou algum salto lógico sem explicar bem o processo, porque estou convicto de que o outro entendeu imediatamente o meu raciocínio. Dou-me conta de que, quando volto atrás e explico melhor, então, naquela altura o outro diz: «Ah, sim, concordo...». Em síntese, ajuda-me muito examinar bem o significado dos contrastes. Ao contrário, quando me dou conta de que há verdadeira resistência, sem dúvida, sinto muito. Alguns dizem-me que é normal que haja resistência, quando alguém quer fazer mudanças. O famoso «sempre se fez assim» reina em toda a parte: «Sempre se fez assim, por que deveríamos mudar? Se as coisas estão assim, se sempre se fez assim, por que agir de outra maneira?». Esta é uma grande tentação, que todos vivemos. Por exemplo, todos a vivemos no pós-Concílio. As resistências depois do Concílio Vaticano ii, que ainda hoje existem, têm este significado: relativizar o Concílio, diluir o Concílio. Lastimo ainda mais quando alguém se alista numa campanha de resistência. E infelizmente vejo também isto. Tu perguntaste-me sobre as resistências, e portanto não posso negar que haja. Vejo-as e conheço-as. Existem resistências doutrinais, que vós conheceis melhor do que eu. Para a saúde mental, não leio os sites da internet sobre esta chamada «resistência». Sei quem são, conheço os grupos, mas não os leio, simplesmente para a minha saúde mental. Se há algo muito sério, informam-me para eu saber. Vós conhecei-los... É uma lástima, mas é preciso ir em frente. Os historiadores dizem que é necessário um século para que um Concílio ganhe raízes. Estamos a meio do caminho. Às vezes perguntamo-nos: mas aquele homem, aquela mulher, leu o Concílio? E existem pessoas que não leram o Concílio. E se o leram, não o entenderam. Cinquenta anos mais tarde! Nós estudamos filosofia antes do Concílio, mas tivemos a vantagem de estudar teologia depois. Vivemos a mudança de perspetiva, e já havia os documentos conciliares. Quando sinto que há resistências, procuro dialogar, quando o diálogo é possível; mas certas resistências vêm da parte de pessoas que julgam possuir a verdadeira doutrina, acusando-te de seres herege. Quando nestas pessoas, por aquilo que dizem ou escrevem, não encontro bondade espiritual, simplesmente rezo por elas. Desagrada-me mas, para a higiene mental, não evito este sentimento.

Em seguida, um noviço perguntou como aproximar a Igreja hierárquica das pessoas.

Acabei de dizer aos prelados o que penso sobre a relação entre bispo e povo de Deus. E portanto o que penso dos bispos está naquele discurso, muito breve, dado que tivemos dois encontros prolongados no ano passado, na visita ad limina. O dano mais grave que hoje a Igreja na América Latina pode sofrer é o clericalismo, ou seja, deixar de se dar conta de que a Igreja é todo o santo povo fiel de Deus, que é infalível in credendo, todos juntos. Falo da América Latina, porque é a que conheço melhor. Há tempos escrevi uma carta à Pontifícia Comissão para a América Latina, e hoje voltei a abordar este tema. É necessário dar-se conta de que a graça da missionariedade é ínsita no batismo, não na Ordem sagrada, nem nos votos religiosos. Consola ver que há muitos sacerdotes, religiosos e religiosas, que se põem totalmente em questão, isto é, com aquela opção conciliar de se colocar ao serviço do povo de Deus. Mas aquela atitude principesca resiste em certas pessoas. Deve-se dar ao povo de Deus o espaço que lhe pertence. E podemos pensar o mesmo sobre o tema da mulher. Como bispo de uma diocese, tive uma experiência singular: era preciso tratar um certo tema, e deu-se início a uma consulta — obviamente só entre sacerdotes e bispos — e fizemos uma reflexão que nos levou a uma série de questões sobre as quais tomar uma decisão. Contudo, o mesmo assunto, tratado numa reunião conjunta de homens e mulheres, levou a conclusões muito mais ricas, mais praticáveis e muito mais fecundas. É uma minha simples experiência, que vem ao meu pensamento agora, mas que me faz refletir. A mulher deve oferecer à Igreja toda aquela riqueza à qual von Balthasar chamava «a dimensão mariana». Sem esta dimensão, a Igreja permanece coxa, ou deve usar muletas, e então caminha mal. E acho que há um longo caminho a percorrer... E, repito, como disse hoje aos bispos: abandonar a atitude principesca, permanecer perto do povo...

Depois, tomou a palavra o padre Juan Díaz, que o Papa reconheceu e saudou: «Juanito!». O sacerdote perguntou em que aspetos da vida de jesuíta é necessário estar atento a não cair na tentação da mundanidade?

O alarme sobre a mundanidade foi despertado em mim pelo último capítulo das Meditações sobre a Igreja, de Henri de Lubac. Cita um beneditino, padre Anscar Vonier, que fala da mundanidade como do pior mal que possa acontecer à Igreja. Isto estimulou em mim o desejo de entender em que consiste a mundanidade. Sem dúvida, Santo Inácio fala sobre isto nos Exercícios, no terceiro exercício da primeira semana, onde pede para descobrir os enganos do mundo. O tema da mundanidade está na nossa espiritualidade de jesuítas. As três graças que pedimos naquela meditação são o arrependimento dos pecados, ou seja, a dor pelos pecados, a vergonha e o conhecimento do mundo, do demónio e das suas ações. Portanto, na nossa espiritualidade devemos ter presente a mundanidade e considerá-la como uma tentação. Seria superficial afirmar que a mundanidade significa levar uma vida demasiado relaxada e frívola. Estas são apenas consequências. Mundanidade é usar os critérios do mundo, seguir os critérios mundanos e escolher segundo os seus critérios. Significa fazer discernimento e preferir os critérios do mundo. Portanto, o que nos devemos perguntar é quais são os critérios do mundo. E é exatamente isto que Santo Inácio faz pedir naquele terceiro exercício. E aconselha que se façam três pedidos: ao Pai, ao Senhor e à Virgem, para que nos ajudem a descobrir estes critérios. Por conseguinte, cada qual deve pôr-se à procura do que é mundano na própria vida. Não é suficiente uma resposta simples e geral. No que sou mundano? Esta é a verdadeira interrogação. Não basta dizer no que consiste a mundanidade em geral. Por exemplo, sei lá, um professor de teologia pode tornar-se mundano se for à procura da última ideia para estar sempre na moda: isto é mundano. Mas os exemplos podem ser numerosos. E é necessário pedir ao Senhor para não sermos enganados, procurando discernir qual é a própria mundanidade.

Noutra pergunta foi enfrentado o tema das reformas da Cúria e da Igreja.

Acredito que uma das coisas das quais a Igreja mais precisa hoje, e isto é muito claro nas perspetivas e nos objetivos pastorais da Amoris laetitia, é o discernimento. Estamos habituados ao «pode-se, ou não se pode». A moral utilizada na Amoris laetitia é a moral tomista mais clássica, a de S. Tomás, não do tomismo decadente, como aquele que alguns chegaram a estudar. Na minha formação, também eu recebi a maneira de pensar no «pode-se, ou não se pode», «pode-se até aqui, ou até aqui não se pode». Não sei se te recordas [e aqui o Papa olha para um dos presentes] daquele jesuíta colombiano que veio ensinar-nos moral no «Colégio Máximo»; quando falamos do sexto mandamento, alguém ousou fazer esta pergunta: «Podem os noivos beijar-se?». Se podiam beijar-se! Entendestes? E ele respondeu: «Sim, podem! Não há problema! Contudo, é suficiente que no meio coloquem um lenço». Esta é uma forma mentis de fazer teologia em geral. Uma forma mentis baseada no limite. E nós carregamos as suas consequências. Se derdes uma olhadela ao panorama das reações suscitadas pela Amoris laetitia, vereis que as críticas mais severas feitas contra a Exortação são sobre o capítulo oito: um divorciado «pode ou não pode receber a Comunhão?». E, ao contrário, a Amoris laetitia vai numa direção completamente diferente, não entra nestas distinções e levanta o problema do discernimento. O que já estava na base da moral tomista clássica, grande, verdadeira. Então, a contribuição que gostaria de receber da Companhia é ajudar a Igreja a crescer no discernimento. Hoje, a Igreja tem necessidade de crescer no discernimento. A nós, o Senhor concedeu esta graça familiar de discernir. Não sei se o sabeis, mas é algo que eu já disse durante outras reuniões como esta, com jesuítas: no final do generalato do padre Ledóchowski, a máxima obra da espiritualidade da Companhia foi o Epítome. Nela, o que vós devíeis fazer era totalmente regulamentado, numa enorme miscelânea entre a Fórmula do Instituto, as Constituições e as Regras. Havia até as regras do cozinheiro. E tudo estava misturado, sem hierarquização. O padre Ledóchowski era um grande amigo do abade-geral dos beneditinos, e certa vez foi visitá-lo e levou-lhe aquele escrito. Pouco tempo depois, o abade procurou-o e disse-lhe: «Padre-geral, com isto o senhor aniquilou a Companhia de Jesus». E tinha razão, porque o Epítome tirava qualquer capacidade de discernimento. Em seguida veio a guerra. O padre Janssens teve que guiar a Companhia no pós-guerra, e fê-lo bem, como podia, porque não era fácil. E depois chegou a graça do generalato do padre Arrupe. Com o Centro inaciano de espiritualidade, a revista “Christus” e o impulso dado aos Exercícios espirituais, Pedro Arrupe renovou esta graça de família, que é o discernimento. Ultrapassou o Epítome, voltou à lição dos Padres, a Fabro, a Inácio. Nisto deve ser reconhecido o papel da revista “Christus” naquela época. E depois, também o papel do padre Luís González, com o seu Centro de espiritualidade: visitou toda a Companhia, para ministrar os Exercícios espirituais. Foram abrindo as portas, revigorando este aspeto que cresceu muito na Companhia, como hoje vemos. Recordando esta história de família, dir-te-ia que foi um momento no qual tínhamos perdido — não sei se o tivéssemos perdido, digamos que não se usava muito — o sentido do discernimento. Hoje oferecei-o — ofereçamo-lo! — à Igreja, que tem tanta necessidade dele.

A última pergunta, feita por um teólogo da província do Peru, foi relativa à colaboração da Companhia de Jesus com o Pontífice.

A partir do segundo dia depois da eleição! O padre Adolfo Nicolás veio visitou-me em Santa Marta... A colaboração começou assim. Veio cumprimentar-me; eu ainda morava no quartinho que me tinham atribuído durante o Conclave, não aquele que tenho agora, e ali conversamos. E os padres-gerais, ambos, Adolfo e agora Arturo, ambos apostaram muito sobre isto. Acho que neste ponto... está aqui o padre Spadaro... Ei-lo na galeria... Penso que, desde o primeiro momento, ele foi testemunha desta relação com a Companhia. A disponibilidade é total. E além disso com inteligência, como por exemplo sobre a doutrina da fé: é realmente um grande apoio. Mas ninguém pode acusar o atual pontificado de «jesuitismo». Digo-o, e julgo ser sincero ao afirmá-lo. Trata-se de uma colaboração eclesial, no espírito eclesial. É um sentir com a Igreja e na Igreja, no respeito pelo carisma da Companhia. E os documentos da última Congregação geral não precisaram da aprovação pontifícia. Eu não a considerei de modo algum necessária, porque a Companhia é adulta. E se fizer um erro... chegará uma queixa e depois veremos. Acho que esta é a maneira de colaborar. Bem, muito obrigado... contudo, quero dizer-vos ainda algo deveras importante, uma recomendação: o exame de consciência! Para os jesuítas é uma gema, uma graça de família... Por favor, não o descuideis!

 



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