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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE
AO PAQUISTÃO, FILIPINAS, GUAM, JAPÃO E ALASKA
(16 DE FEVEREIRO - 27 DE FEVEREIRO DE 1981)

SANTA MISSA PARA OS AGRICULTORES

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Legazpi, Filipinas
Sábado, 21 de Fevereiro de 1981

 

Caros irmãos e irmãs

1. As leituras da liturgia de hoje, ouvidas aqui, tendo como fundo o vosso esplêndido Mayon, assumem especial significado e viva clareza. O cone quase perfeito do Mayon acentua o veredicto de perfeição pronunciado por Deus em relação àquilo que criara.

Mas não é somente a beleza da criação que o Mayon recorda. A sua forma faz-nos pensar em mãos em atitude de agradecimento e de aceitação: agradecimento pelo dom da terra a todo o povo, e aceitação de produzir nela o esforço humano do trabalho.

Esperei com impaciência encontrar-me convosco, para trazer-vos esta dupla mensagem: a terra como dom de Deus a todos os homens, e o mistério maravilhoso do trabalho.

2. Porque justamente a vós, caros agricultores? Porque vós sois importantes e tendes lugar especial no plano de Deus para o mundo: vós forneceis o alimento para todos os vossos semelhantes. É tarefa que merece o reconhecimento da dignidade daqueles que nela estão empenhados. Tendes, pois, todo o direito de esperar do Papa, que é vosso pai e irmão e servo em Cristo, uma palavra de encorajamento e de esperança, de orientação e de apoio.

Mas eu desejava tão ardentemente encontrar-me convosco não apenas por este motivo, mas também para proclamar os valores importantes de que a vossa vida dá testemunho. O trabalho rural possui deveras riquezas humanas e religiosas preciosas: amor profundamente radicado da família e da paz, sentido religioso, apreço pela amizade, confiança e abertura para com Deus e devoção Santa Virgem Maria, de maneira particular, no vosso caso, sob o título de Nossa Senhora de Peñafrancia.

Não exaltais, por acaso, estes valores quando cantais:

Kung ang hanap mo ay ligaya sa (Se procuras a felicidade na vida,)
Sa libis ng nayon doou manirahan
: (vai viver no campo:)
Taga-bukid nsan ay nsay gintong kalooban
, (são camponeses mas têm coração de ouro,)
Kayamanan at dangal ng kabukiran
. (tesouro e orgulho da fazenda)?

É um bem merecido tributo de reconhecimento que o Papa deseja exprimir-vos, porque a sociedade é-vos realmente devedora. Obrigado, caros agricultores, pela vossa preciosa contribuição para o bem-estar social dos homens; a sociedade deve-vos muito.

3. A vossa contribuição específica para a sociedade baseia-se na vossa profunda e viva consciência de que a terra é dom de Deus, dom que Ele entrega a todos os homens, que Ele deseja ver reunidos a formarem uma família e a tratarem-se como irmãos e irmãs (cf. Gaudium et Spes, 24). Tal dom não é, porventura, sublinhado no primeiro capítulo do livro de Génesis? "Deus disse: 'Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento" (Gén 1, 29). A terra pertence ao homem porque Deus confiou-a ao homem, e com o seu trabalho o homem submete-a e fá-la dar frutos (cf. Gén 1, 28).

Que se segue disto? Que não é vontade de Deus — não é segundo o Seu plano — que este dom seja usado de modo tal que os Seus benefícios sirvam para vantagem apenas de poucos, enquanto outros, a grande maioria, são deles excluídos. E quando esta maioria é efectivamente excluída da participação nos beneficies da terra e, portanto, condenada a um estado de inédia, de pobreza e de vida no limite da suficiência, e coisa torna-se extremamente grave.

Neste caso, de facto, a terra não está ao serviço da dignidade da pessoa humana — a pessoa humana chamada à plenitude de vida em Cristo Jesus! Mas é exactamente isto que vós sois e deveis sempre continuar a ser, aos vossos olhos e aos olhos dos outros, na teoria e na prática. Por conseguinte, deveis estar possibilitados de realizar as vossas capacidades humanas capacidade de "ser mais".

Tendes o direito de viver e de ser tratados conforme a vossa dignidade humana; ao mesmo tempo tendes igual dever de tratar os outros da mesma maneira. Devereis então ser capazes de extrair do vosso trabalho nas fazendas os meios necessários e suficientes para enfrentar as vossas responsabilidades familiares e sociais, de maneira humana e cristã válida.

4. No livro de Génesis vemos que "o Senhor levou o homem e colocou-o no jardim do Éden para o cultivar e, também para o guardar" (Gén 2, 15). E na nossa leitura de hoje ouvimos a ordem de Deus: enchei e dominai a terra; e dominai sobre toda a criação (cf. Gén 1, 28). Que nos dizem estes textos? A linguagem clara da Bíblia diz-nos que é vontade do nosso Criador que o homem se relacione com a natureza como senhor e guardião inteligente e nobre, e não como desfrutador leviano. É isso que se entende quando nos é dito "dominar" e "cultivar" a terra: o principio que dita a linha de acção obrigatória para todos aqueles que são responsáveis pelo problema da terra e nele interessados: pessoas investidas de autoridade pública, técnicos, empresários e trabalhadores.

Relembrando o que disse noutra ocasião, mas adaptando-o a vós e ao vosso pais, gostaria de pedir-vos cultivásseis a terra dos vossos amados filipinos e a conservásseis. Zelai pelos bens da natureza; assegurai-vos que eles rendam mais em favor do homem, do homem de hoje e do homem de amanhã. No que diz respeito ao uso da terra como dom de Deus, é necessário haver grande preocupação pelas gerações futuras, pagar o preço da austeridade para não enfraquecer ou reduzir, e, pior ainda, tornar insuportáveis as condições de vida das futuras gerações. A justiça e a humanidade exigem isto (cf. Homilia em Recife, n. 7; 7 de Julho de 1980).

5. A nossa resposta ao dom de Deus é dada através do esforço e do trabalho do homem. Estes caracterizam a luta do homem no tempo e no espaço para dominar a natureza; são o assunto da minha mensagem especial para vós, meus caros trabalhadores, condutores dos triciclos e dos tractores.

Sinto alegria profunda ao encontrar trabalhadores como vós, porque me recordais aqueles anos da minha juventude em que também eu experimentava a grandeza e a severidade, as horas felizes e os momentos de ansiedade, os sucessos e as frustrações que são inerentes à condição do trabalhador. Agradeço-vos, pois, especialmente que me tenhais oferecido a ocasião de me encontrar convosco.

Reflictamos juntos sobre a dignidade do trabalho, sobre a nobreza do trabalho. Será que vos devo realmente falar sobre isto? Vós conheceis a dignidade e a nobreza do vosso trabalho, vós que trabalhais para viver, para melhorar a vossa vida, para prover ao sustento, à educação e ao bem-estar dos vossos filhos. O vosso trabalho é nobre porque é um serviço às vossas famílias e à comunidade ampliada que é a sociedade. O trabalho é um serviço no qual o mesmo homem cresce na medida em que se doa a si mesmo pelos outros.

6. Por este motivo, uma preocupação fundamental de todos indistintamente —  dirigentes, sindicalistas e homens de negócio — deve ser esta: dar trabalho a todos. Mas há um motivo mais profundo pelo qual cada homem tem direito ao trabalho; é para poder cumprir inteiramente a sua vocação humana, ou seja, tornar-se em Cristo uns co-criador com Deus. O homem torna-se mais plenamente homem através do trabalho livremente assumido e realizado. O trabalho não é castigo, é honra. Tornou-se no entanto difícil e fatigante, em consequência do pecado: "Comerás o pão com o suor do teu rosto" (Gén 3, 19), mas conserva sempre a sua exaltante dignidade.

Não nos iludamos. Fornecer trabalho ou emprego não é algo a ser assumido superficialmente, ou a considerar como aspecto secundário da ordens económica e do progresso. Deve ser elemento central nos objectivos da teoria e da prática económicas.

7. A justiça, porém, não requer apenas um emprego. A justiça exige ainda que aos trabalhadores seja pago um salário suficiente para manter as próprias famílias de maneira conforme à dignidade humana.

Requer, além disso, que as condições de trabalho sejam o mais dignas possível e que a previdência social seja aperfeiçoada de maneira que permita a todos, sob a base de maior solidariedade, afrontar riscos, situações difíceis e ónus sociais; que os salários sejam regulados nas suas diversas formas complementares; e que os trabalhadores tenham real e justa participação na riqueza que ajudam a produzir nas empresas, nas profissões e na economia nacional, Podeis estar certos de que o vosso Papa está convosco no que diz respeito a esta e semelhantes exigências, porque aqui está em jogo o homem.

Existem ainda muitas outras reflexões que gostaria de fazer juntamente convosco, caros irmãos e irmãs. Mas devemos prosseguir o Santo Sacrifício da Missa. No entanto, ainda uma vez permiti-me fazer um apelo: não vos esqueçais nunca da grande dignidade que vós, como seres humanos e como cristãos, deveis imprimir ao vosso trabalho, ainda que seja o mais humilde, ainda que seja o mais insignificante. Não permitais que o trabalho vos degrade, mas antes procurai viver totalmente a vossa verdadeira dignidade, segundo a palavra de Deus e o ensinamento da Igreja. Sim, do ponto de vista da fé, o trabalho corresponde à vontade de Deus Criador. Faz parte do plano de Deus para o homens e para a realização da pessoa humana; com o trabalho é dado ao homem uma participação no trabalho de Deus, que é a Criação. E do ponto de vista da fé, o trabalho é imensamente enobrecido por Jesus Cristo, o Redentor do homem.

Com o seu trabalho de carpinteiro em Nazaré e com os seus muitos outros trabalhos, Ele santificou todo o trabalho humano, conferindo deste modo aos trabalhadores especial solidariedade com Ele mesmo e dando-lhes uma participação no Seu trabalho redentor destinado a elevar a humanidade, a transformar a sociedade e a guiar o mundo, para louvor do Seu Pai que está nos céus. Tudo isto sublinha também a necessidade de que o trabalho seja bem feito e sublinha ainda a obrigação de os trabalhadores executarem as suas tarefas com consciência e segundo as exigências da justiça e do amor.

Amados irmãos e amadas irmãs em Cristo: O Papa convida-vos a rezar com ele e com a Igreja universal, para que todos os agricultores e trabalhadores do mundo vivam a sua dignidade, realizem a sua função dignamente e contribuam para a construção do Reino de Deus, para a glória da Santíssima Trindade. E continue Nossa Senhora de Peñafrancia e amar-vos, consolar-vos e proteger-vos, a vós, vossas famílias e ao vosso País. Assim seja.

 



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