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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II
À REPÚBLICA DOMINICANA, MÉXICO E BAHAMAS
[25 DE JANEIRO - 1º DE FEVEREIRO DE 1979]

DISCURSO DO SANTO PADRE
AOS TRABALHADORES EM MONTERREY

Quarta-feira, 31 de Janeiro de 1979

 

"Campesinos", empregados e sobretudo trabalhadores de Monterrey.

Obrigado por tudo o que pude ouvir. Obrigado por tudo o que posso ver. A todos e a cada um, muito obrigado.

Agradeço-vos do coração este acolhimento tão quente e cordial, nesta vossa cidade industrial de Monterrey. A volta dela decorre a vossa existência e realiza-se o vosso trabalho rio, para ganhar o pão e o pão dos vossos filhos. Ela é ainda testemunho das vossas penas e das vossas aspirações. também obra vossa, obra das vossas mãos e da vossa inteligência, e, neste sentido, símbolo do vosso orgulho de trabalhadores e sinal de esperança, para novo progresso e para vida cada vez mais humana. Sinto-me feliz de encontrar-me entre vós como irmão e amigo vosso, como companheiro de trabalho nesta cidade de Monterrey, que é para o México algo parecido ao que significa Nova Hutta na minha longínqua e querida Cracóvia. Não esqueço os anos difíceis da guerra mundial, em que eu mesmo tive a experiência directa dum trabalho físico como o vosso, duma fadiga quotidiana e da dependência, peso e monotonia, a que obriga.

Partilhei das necessidades dos trabalhadores, das suas justas exigências e legítimas aspirações. Conheço muito bem a necessidade de que o trabalho não produza alienação nem frustração, mas corresponda à dignidade superior do homem. Posso dar testemunho duma coisa: nos momentos de maior provação, o povo da Polónia encontrou — na sua fé em Deus, na sua confiança na Virgem Maria Mãe de Deus e na comunidade eclesial, unida à volta dos seus Pastores — uma luz superior às trevas e uma esperança inquebrantável. Sei que estou a falar a trabalhadores, que são conscientes da sua condição de cristãos e querem viver esta condição com todas as suas energias e aceitando as consequências. Por isso, quer o Papa apresentar-vos algumas reflexões que dizem respeito à vossa dignidade como homens e como filhos de Deus. Desta dupla fonte brotará a luz que dará forma à vossa existência pessoal e social. Com efeito, se o espírito de Jesus Cristo habita em nós, devemos sentir a preocupação prioritária por aqueles que não tem o conveniente quanto a alimento, vestuário e habitação, nem têm acesso aos bens da cultura. Dado que o trabalho é fonte do próprio sustento, é colaboração com Deus no aperfeiçoamento da natureza e é serviço prestado aos irmãos que enobrece o homem os cristãos não podem despreocupar-se do problema do desemprego de tantos homens e mulheres, sobretudo jovens e chefes de família, a quem o desemprego conduz ao desânimo e ao desespero. Os que têm a sorte de poder trabalhar, aspiram a fazê-lo em condições mais humanas e mais seguras, a participar mais justamente no fruto do esforço comum quanto a salários, segurança social e possibilidades de desenvolvimento cultural e espiritual. Querem ser tratados como homens livres e responsáveis, chamados a participar nas decisões relativas à sua vida e ao seu futuro. Ê direito fundamental seu, criar livremente organizações que defendam e promovam os seus interesses e contribuam responsavelmente para o bem comum. A tarefa é imensa e complexa. Vê-se hoje complicada pela crise económica mundial, pela desordem de círculos comerciais e financeiros injustos, pelo esgotamento rápido dalguns recursos pelos riscos irreversíveis de contaminação do ambiente biofísico.

Para participarem realmente no esforço solidário da humanidade, os povos da América Latina exigem com razão que lhes sejam devolvidas a sua justa responsabilidade sobre os bens que a natureza lhes confiou e ainda as condições gerais que lhes permitam realizar um desenvolvimento conforme ao seu espírito próprio, com a participação de todos os grupos humanos que os formam. Tornam-se necessárias inovações ousadas e renovadas, para superar as graves injustiças herdadas do passado e para vencer o desafio das transformações prodigiosas da humanidade.

Em ambos os níveis, nacional e internacional, e por parte de todos os grupos sociais e de todos os sistemas, as realidades novas exigem aptidões novas. A denúncia unilateral do outro como oposto e o fácil pretexto das ideologias alheias, sejam quais forem, são álibis cada vez mais irrisórios. Se a humanidade quer dominar uma evolução que lhe escapa das mãos, se quer subtrair-se à tentação materialista que vai ganhando terreno numa fuga para a frente desesperada e se quer assegurar o desenvolvimento autêntico aos homens e aos povos, deve rever radicalmente os conceitos de progresso, que sob diversos nomes, deixaram atrofiar os deveres espirituais.

A Igreja oferece a sua ajuda. Não teme denunciar com energia os ataques à dignidade humana. Mas reserva o essencial das suas energias para ajudar os homens e grupos humanos, os empresários e trabalhadores, a que tomem consciência das imensas reservas de bondade que têm dentro de si e já fizeram frutificar na sua história, mas que devem hoje levar a frutos novos.

O movimento operário, a que a Igreja e os cristãos ofereceram um contributo original e diversificado, especialmente neste continente, reivindica a sua justa parte de responsabilidade na construção duma nova ordem mundial. Recolheu as aspirações comuns de liberdade e dignidade. Desenvolveu os valores de solidariedade, fraternidade e amizade. Na experiência comunitária, despertou formas de organização originais, melhorando substancialmente a sorte de numerosos trabalhadores e contribuindo, embora nem sempre se reconheça, para deixar vestígios no mundo industrial. Apoiando-se neste passado, deverá comprometer a sua experiência na busca de novos caminhos, renovar-se a si mesmo e contribuir, de maneira mais decidida ainda, para construir a América Latina de amanhã.

Há dez anos que o meu predecessor o Papa Paulo VI esteve na Colômbia. Queria trazer aos povos da América Latina a consolação do Pai Comum. Queria abrir à Igreja Universal as riquezas das Igrejas deste continente. Alguns anos mais tarde, celebrando o 80° aniversário da primeira Encíclica Social, a Rerum Novarum, escrevia: "O ensino social da Igreja acompanha com todo o seu dinamismo os homens nesta busca. Embora não intervenha para dar autenticidade a uma estrutura determinada ou propor um modelo prefabricado, não se limita simplesmente a recordar uns princípios gerais. Desenvolve-se por meio duma reflexão, amadurecida no contacto com situações mudáveis deste mundo sob o impulso do Evangelho como fonte de renovação, desde que a sua mensagem seja aceita na sua totalidade e nas suas exigências. Desenvolve-se com a sensibilidade própria da Igreja, marcada por uma vontade desinteressada de serviço e uma atenção aos mais pobres. Alimenta-se finalmente numa experiência rica de muitos séculos, o que permite assumir, na continuidade das suas preocupações permanentes, a inovação ousada e criadora requerida pela situação presente do mundo". São palavras de Paulo VI.

Queridos amigos: mantendo-se fiel a estes princípios, quer a Igreja chamar a atenção para um fenómeno grave e de grande actualidade: o problema dos emigrantes. Não podemos fechar os olhos à situação de milhões de homens que, na busca de trabalho e do próprio pão, têm de abandonar a sua pátria e muitas vezes a família, enfrentando as dificuldades dum ambiente novo nem sempre agradável e acolhedor, uma língua desconhecida e condições gerais, que os afogam na solidão e às vezes na marginalização — a eles, suas mulheres e seus filhos — quando não se chega mesmo a aproveitar essas circunstâncias para oferecer salários mais baixos, coarctar os benefícios da segurança social e assistencial e dar condições de habitação indignas de seres humanos. Há condições em que o critério posto em prática é o de procurar o máximo rendimento do trabalhador emigrado, sem atender à pessoa dele. Diante deste fenómeno, continua a Igreja a proclamar que não deve seguir-se, neste como noutros campos, o critério de levar a que permaneçam os factores económico, social e político, colocados acima do homem, mas que a dignidade da pessoa humana está acima de tudo o mais, e que a isto se há-de condicionar o resto.

Criaríamos um mundo bem pouco habitável, se apenas se olhasse a ter mais, e não se pensasse antes de tudo na pessoa do trabalhador, na sua condição de ser humano e de filho de Deus, chamado a uma vocação eterna — se não se pensasse em ajudá-lo a ser mais. Certamente, por outro lado, o trabalhador tem obrigações que há-de cumprir com lealdade, uma vez que sem isso não pode existir ordem social bem ordenada.

Aos poderes públicos, aos empresários e aos trabalhadores convido, com todas as minhas forças, a que reflictam sobre estes princípios e a que deduzam as consequentes Linhas de acção. Não faltam exemplos, é necessário reconhecê-lo também, em que se põem em prática com exemplaridade estes princípios da doutrina social da Igreja. Com isto me regozijo. Louvo os responsáveis e animo a que se imite este bom exemplo. Ganhará com isso a causa da convivência e fraternidade, entre grupos sociais e nações. Poderá ganhar até a própria economia. Sobretudo ganhará sem falta a causa do ser humano.

Não nos fiquemos porém só no homem. O Papa traz-vos ainda outra Mensagem que é para vós, trabalhadores do México e da América Latina: abri-vos para Deus. Deus ama-vos. A mãe de Deus, a Virgem Maria, ama-vos. A Igreja e o Papa amam-vos e convidam-vos a seguir a força arrebatadora do amor, que tudo pode vencer e construir. Há quase 2.000 anos, quando Deus nos enviou o seu Filho, não esperou que os esforços humanos tivessem eliminado previamente toda a espécie de injustiças. Jesus Cristo veio participar da nossa condição humana com o seu sofrimento, as dificuldades por que passou e a sua morte. Antes de transformar a existência quotidiana, Ele soube falar ao coração dos pobres, libertá-los do pecado, abrir os seus olhos a um horizonte de luz e enchê-los de alegria e esperança. O mesmo faz hoje Jesus Cristo, que está presente nas vossas igrejas, nas vossas famílias, nos vossos corações e em toda a vossa vida. Abri-Lhe todas as portas. Celebremos todos juntos nestes momentos, com alegria, o amor de Jesus e de sua Mãe. Ninguém se sinta excluído, em especial os mais desditados, porque esta alegria, que vem de Jesus Cristo, não traz ofensa para nenhuma pena. Tem o sabor e o calor da amizade, que nos é oferecida por Aquele que sofreu mais que nós, que morreu na cruz por nós, que nos prepara uma morada eterna a seu lado, e que já nesta vida proclama e afirma a nossa dignidade de homens, de filhos de Deus.

Estou com amigos trabalhadores a ficaria convosco muito mais tempo. Mas tenho de concluir. A vós aqui presentes, aos vossos companheiros do México e a todos os vossos compatriotas que trabalham fora do solo pátrio, a todos os operários da América Latina, deixo-vos a minha saudação de amigo, a minha bênção e a minha recordação. A todos, aos vossos filhos e familiares, o meu abraço de irmão.

 



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