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VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX
(30 DE MAIO - 2 DE JUNHO 1980)

VISITA DO PAPA JOÃO PAULO II
AO INSTITUTO CATÓLICO DE PARIS

Paris, 1º de Junho de 1980

 

Monsenhor Reitor,

1. Agradeço sensibilizado as vossas palavras de boas-vindas, como agradeço do fundo do coração a todos os que me rodeiam nesta manhã por causa deste acolhimento que me impressiona profundamente. Por minha vez, dirijo-vos a saudação mais cordial, assim como às altas personalidades que houveram por bem corresponder ao vosso convite e honram esta reunião com a sua presença. E saúdo todos os membros da comunidade universitária com quem tenho o especial gosto de me encontrar neste lugar, herdeiro da mais prestigiosa tradição universitária. Neste ambiente tão evocador e tão carregado de história, permitir-me-eis estou certo — Excelência Reverendíssima, Senhoras e Senhores — que reencontre a minha alma de antigo professor e me dirija especialmente àqueles para quem o Instituto Católico existe: aos seus estudantes.

2. Caros amigos, a situação que é a vossa, aqui em Paris, convida a que se reflicta sobre as razões profundas da vossa presença neste Instituto. O mundo universitário parisiense, ilustre a tantos títulos, não é acaso rico de competências de todas as ordens, literárias e científicas? Em quantos centros não poderíeis vós encontrar, com o saber, o amor da verdade, fundamento desta liberdade intelectual sem a qual não pode haver, em parte alguma, nem espírito universitário nem Universidade digna deste nome?

Todavia, o magnífico progresso científico da época moderna sofre também as suas fraquezas, de que não é a menor a aplicação quase exclusiva às ciências da natureza e às suas aplicações técnicas. O humanismo mesmo não se reduz muitíssimas vezes a cultivar amorosamente os grandes testemunhos do passado sem lhes reencontrar as raízes? As ciências humanas, por fim, descobertas capitais da nossa época, encerram também em si mesmas, apesar dos horizontes que nos abrem, os limites inerentes aos seus modelos metodológicos e aos seus pressupostos.

Ao mesmo tempo, quantas pessoas andam à procura de uma verdade capaz de unificar-lhes a vida? Busca comovente, mesmo quando o apelo dos valores fundamentais inscritos no mais profundo do ser se encontra quase abafado pela influência do meio; busca muitas vezes ansiosa: é "às apalpadelas", como os atenienses a quem se dirigia São Paulo, que muitos procuram o Deus que nós anunciamos. Tanto mais que as convulsões da nossa época manifestam aos nossos olhos, sob muitos aspectos, o malogro cada vez mais patente de todas as formas daquilo a que se pôde chamar "humanismo ateu".

3. Não creio portanto enganar-me dizendo que os estudantes pedem, ao Instituto Católico de Paris, ao mesmo tempo que os diversos saberes que lhes são oferecidos — e, através deles, o acesso pessoal a outra ordem de verdade — uma verdade total sobre o homem, inseparável da verdade sobre Deus tal como Ele no-la revelou, porque ela não pode vir senão do Pai das luzes, do dom do Espírito Santo, Aquele de quem o Senhor nos assegurou que nos levaria à verdade completa.

Por isso, embora a vossa Casa se haja também ela distinguido no meio universitário pelos trabalhos de homens eminentes nos diversos ramos do saber, não é a ciência enquanto tal que justifica primeiramente pertencerdes ao Instituto Católico, mas a luz que ele ajuda a levar-vos sobre as vossas razões de viver. Neste campo, todo o homem precisa de certeza. Nós, cristãos, encontramo-la no mistério de Cristo que é, segundo as Suas próprias palavras, o nosso caminho, a nossa verdade e a nossa vida. É ele que, no princípio da nossa busca espiritual, é a alma dela e será o seu termo. Assim, conhecimento religioso e progresso espiritual vão a par e, desta diligência interior, própria daquele que procura a Deus, deixou-nos Santo Agostinho uma fórmula incomparável: "Fecisti nos ad Te, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te".

4. Não tenho dúvida, caros amigos, caros universitários e universitárias, de encontrar aqui as vossas convicções íntimas evocando assim as razões da vossa presença, mas agrada-me fazer notar o papel específico insubstituível do vosso Instituto e, dirigindo-me a vós, penso também nas Universidades católicas da França, representadas pelos seus Reitores, e penso nos Institutos análogos. Têm como incumbência própria iniciar na investigação intelectual, correspondendo à vossa sede de certeza e verdade. Permitem-vos identificar existencialmente, no vosso trabalho intelectual, duas ordens de realidades que temos demasidadas vezes tendência a opor como se fossem antitéticas: a investigação da verdade e a certeza de conhecer já a fonte da verdade.

Este esboço excessivamente rápido bastará para sublinhar a importância que atribuo ao ensino católico em geral, nos seus diversos níveis, e em particular ao pensamento universitário católico hoje. O ambiente católico, que desejais se situe bem para lá de simples invólucro, inclui a vontade de cada um se habituar a um olhar cristão sobre o mundo, uma maneira de apreender o real e também de conceber os seus estudos, por mais diversos que sejam. Falo agora, vós o compreendeis bem, de uma perspectiva que ultrapassa os limites e os métodos das ciências particulares para chegar à compreensão que deveis ter de vós mesmos, do vosso papel na sociedade e do sentido da vossa vida.

5. No conjunto da comunidade universal, os estudos filosóficos e teológicos especializados têm o primeiro lugar. É normal que eles sejam o coração do Instituto. É normal, e necessário também, que estas secções se distingam pela seriedade de cada trabalho das investigações e publicações. Quanto me felicito por ver o ensino teológico dirigir-se igualmente a estudantes leigos cada vez mais numerosos, oferecendo-lhes a possibilidade de uma formação cristã proporcionada à cultura e às responsabilidades profissionais que têm! Pois, que procurais aqui, caros amigos, senão a verdade da fé? Ela é que inspira o amor da Igreja, a quem o Senhor a confiou; ela também é que requer, em virtude da sua existência interna, a adesão convicta e fiel ao Magistério, o único a quem está confiado o encargo de interpretar a Palavra de Deus escrita e transmitida (cfr. Dei Verbum, n. 10) e de definir a fé em conformidade com esta Revelação (cfr. Lumen gentium, n. 25). Toda a obra teológica está ao serviço da fé. Sei que é um serviço especialmente exigente e meritório, quando é assim realizado: tem lugar capital na Igreja, e da sua qualidade depende a autenticidade cristã desses investigadores, dos estudantes e finalmente das gerações vindouras.

"A fé pense", segundo a expressão admirável de Santo Agostinho. Em Paris, há muito tempo, viveis vós nesta ebulição do pensamento, que pode ser tão criador como São Tomás o mostrou com brilho na vossa antiga Universidade, na qual foi modelo dos estudantes primeiro que se tornasse modelo dos mestres. Hoje como no seu tempo, é na mesma fidelidade que é preciso construir, com novo empenho, mas sempre tomando como base não só o Evangelho, inesgotável na sua eterna novidade, mas também a doutrina que a Igreja claramente formulou.

6. Tal é a responsabilidade pastoral do Instituto Católico. Penso em primeiro lugar nos leigos que lhe aproveitam o ensino. Tenho o gosto de os ver assim tão numerosos e tão diversos. Encontro entre vós um pouco da África, que me é ainda mais querida agora; a América Latina, tão abundantemente representada aqui, para a qual me dirigirei em breve. Não posso enumerar todos os vossos países, mas a todos vos manifesto a minha saudação afectuosa. Caros amigos, faço votos por que os vossos estudos no Instituto Católico vos permitam formar-vos uma consciência profundamente cristã e eclesial.

Alegro-me com saber que a vida de oração floresce aqui. Não é como o desenvolvimento espontâneo do conhecimento do Senhor? Vós não podeis contudo progredir nela sem que um dia se ponha a questão, no seu sentido mais lato: "Como viverei eu para Cristo?". Interrogação inseparável da tomada de consciência pessoal das exigências de uma vida cristã autêntica. Tal interrogação vai-se formulando lentamente e não desenvolve senão pouco a pouco a sua força vital. Ela contribui em grande medida para orientar, segundo as convicções cristãs reforçadas pela vossa passagem por aqui, a vossa vida familiar e profissional. Também peço eu por vós todos e todas, que me escutais, no momento capital em que orientais interiormente a vossa vida, para saberdes acolher esta interrogação se ela se tornar mais urgente, mais imediata: "Que devo eu fazer pelo Senhor?". Oxalá Ele mesmo consiga inspirar-vos a resposta.

Ao dizer-vos isto, já entrei na consideração das vossas responsabilidades. Primeiros beneficiários da formação que estai recebendo, não podeis ignorar aquilo a que ela vos com-promete. Monsenhor d'Hulst, fundador, faz agora mais de um século, do Instituto Católico, dizia que este fora estabelecido "para lançar, no mundo que pensa, um fermento cristão". Isto cria-vos obrigações, para hoje e para amanhã, nos vossos diversos países e mesmo mais longe.

7. Acabo de aludir ao apelo do Senhor. Volto-me agora para os sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas que prosseguem aqui a própria formação. Sabei que tendes grande lugar no meu coração e na minha oração. Preparai-vos com ardor para a tarefa de evangelização que vos espera. Na França, a Igreja foi desde há muito Igreja missionária, antecipando assim as orientações do Concílio Vaticano II. Sem remontar mais alto, esta actividade missionária bastaria abundantemente para a glória do século passado, século magnífico em que o dinamismo da fé, longe de se deixar abater diante da magnitude da tarefa, se espalhou por uma multidão de famílias cristãs, de vocações sacerdotais e religiosas, de instituições de toda a espécie, que muito ultrapassaram as fronteiras da França. Durante os dias que passei nas Igrejas tão vivas da África, fui testemunha maravilhada das messes que desabrocham, fruto do trabalho obscuro e perseverante a que tantos missionários sacrificaram a vida. O Instituto Católico foi fundado nessa época. Segundo a sua vocação própria, tomou parte neste trabalho. Hoje mais que nunca, a messe é grandes Preparais-vos aqui para entrar no campo do Senhor da messe. Amanhã, na França como nos vossos respectivos países: sabeis quanto a Igreja conta convosco.

8. Disse eu que me dirigia especialmente aos estudantes. mas agora, quero voltar-me também para todos os que se dedicam aqui ao serviço deles, pois compreenderam a importância desta tarefa da Igreja e a ela consagraram a maior parte da própria vida: primeiramente o conjunto do corpo professoral, que é notavelmente numeroso e competente, para se ocupar das múltiplas especializações; os que se ocupam da parte administrativa do Instituto Católico e todos os que permitem que esta Casa viva. Tenho o prazer de lhes expressar viva gratidão.

9. Senhoras e Senhores, caros amigos, universitários e universitárias, digo-vos como conclusão desta demasiado breve visita: sede fiéis à herança recebida. Continuai a prestar atenção aos apelos que vos chegam. Não vos deixeis sufocar com o peso da secularização, rejeitai o fermento da dúvida, a desconfiança das ciências humanas e o materialismo prático avassalador... Neste local cheio de história, quero convidar-vos a que partilheis a minha esperança e quero manifestar-vos a minha confiança. Aqui, os discípulos de Santa Teresa e de São João da Cruz deixaram vos a memória e o exemplo de uma vida inteiramente consagrada à contemplação da única Verdade. Aqui, sacerdotes vindos já de horizontes bem diversos, entre os quais vários dos vossos predecessores da Universidade de então, deram testemunho da fidelidade total. Aqui, nova época se abriu, há pouco mais de um século, com a fundação do Instituto Católico.

O Espírito Santo, o Espírito do Pentecostes, vos ajude a clarificar o que é equivoco, a aquecer o que está morno, a iluminar o que é obscuro, a serdes diante do mundo testemunhas autênticas e generosas do amor de Cristo, porque "ninguém pode viver sem amor".

Formulo os votos mais ardentes pelo vosso ensino, pelos vossos estudos e pelo vosso futuro. De todo o coração peço ao Senhor vos dê a Sua luz e vos abençoe.

 



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