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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA
EPISCOPAL ITALIANA

29 de Maio de 1980

 

Venerados e caros Bispos da Itália

1. Tenho a satisfação de encontrar-me novamente no meio de vós, irmão entre irmãos, durante esta 17.a Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana. E verdade que a proximidade da minha peregrinação a Paris e a Lisieux, e as obrigações destes dias, só me permitem deter-me entre vós uma vez, ao contrário do que se deu o ano passado. Mas supra a intensidade do afecto a escassez do tempo! Desde já vos manifesto toda a minha alegria e a consolação que experimento ao encontrar-me convosco nesta circunstância privilegiada da anual actividade, colegialmente orientada e realizada, da vossa Conferência; manifesto-vos a espiritual participação que tomei na preparação e na realização desta Assembleia, e o interesse com que lerei, ao regressar da França, os resultados conclusivos destes dias de estudo. Sobretudo estou perto de vós na oração: se, como disse de maneira estupenda Clemente Alexandrino, «a Igreja tem uma só respiração à volta do altar» (Strom. VII, 6), nós encontramo-nos continuamente unidos, a respirar juntos na celebração eucarística de cada dia: «quoniam unus panis, unum corpus multi sumus, omnes qui de uno pane participamus» (1 Cor, 10, 17). E momento privilegiado, experiência de comunhão, a desta tarde, que nos permite experimentar mais a fundo a realidade de doação e de serviço do nosso episcopado em favor da Igreja de Deus que está na Itália, e que o Espírito Santo vos deu a vós e a mim a missão de governar e santificar.

2. «Somos os bispos desta Igreja», dizia-vos a 18 de Maio do ano passado, na homilia da concelebração na Capela Sixtina (Insegnamenti, 2, 1979, p. 1126). Sim, Irmãos, somos os Bispos da Igreja na Itália, recebemos de Deus essa enorme e exaltadora responsabilidade: vós, que fostes agregados aos Sucessores do Colégio Apostólico para ser os guias espirituais, os Mestres, os Sacerdotes desse povo italiano, a que pertenceis por destino de nascimento, por forma de mentalidade e educação, por cultura humana e eclesial, e do meio do qual fostes chamados para o cumprimento da vossa missão; e eu que, provindo embora de outra Nação, me tornei, por imperscrutável disposição divina, Bispo de Roma, Sucessor de Pedro na Sé Romana, recebendo assim aquele Primado, precisamente em virtude do qual tenho o mandato de Vigário de Cristo e de pastor da Igreja Universal, sem por isto esquecer as particularíssimas solicitudes, os vínculos e as obrigações que requer o cuidado da minha diocese de Roma.

Bispos da Igreja na Itália, vós e eu. A nós portanto foi confiado directamente por Deus o cuidado pastoral de um povo, cuja história civil e religiosa, de todos conhecida, esteve sempre entretecida inseparavelmente e ligada com a da Santa Sé, em relações únicas que a distinguem das vicissitudes históricas de todos os outros Países; um povo sobretudo cuja alma religiosa, cuja profunda matriz católica inspirou e marcou por si, indubitavelmente, as manifestações da vida quotidiana, as formas da piedade, a convivência familiar e civil, o surgir das instituições caritativas, como as expressões mais altas da arquitectura religiosa, da arte figurativa e também da literatura.

Tenho ainda diante dos olhos, e conservá-los-ei esculpidos no coração, os espectáculos de fé autêntica, de recolhida piedade litúrgica, de manifesta cordialidade humana, que, desde os inícios do meu Pontificado, este povo italiano me ofereceu naqueles encontros, riquíssimos de fervor e de alegria, que tive até agora — e foi grande graça! — em várias cidades e santuários italianos: Assis, Montecassino, Canale d'Agordo e Belluno, Treviso, Nettuno, Loreto e Ancona, Pomézia, Pompeia e Nápoles, Nórcia e Turim, são outras tantas imagens de Igreja, de povo, de instituições e de pessoas em particular, que todas me falam da bondade e da fé do povo italiano, e, melhor que outra definição verbal, testemunham com extraordinária eficácia em favor do animus religioso dos vossos fiéis: nem posso deixar despercebido que grande número dos participantes nas Audiências semanais das quartas-feiras provém das dioceses da Itália — das vossas dioceses! — como também outras numerosas peregrinações, que recebo no decurso do ano, favorecidas certamente pela vizinhança geográfica em confronto com outras Nações, mas sempre tão indicativas da convicção de fé católica que pulsa nas populações das várias regiões italianas. E que deveria dizer dos encontros agora habituais com as paróquias da minha diocese, aqui em Roma?

Por vir de outro País — cujas tradições religiosas são tão vivas, embora numa situação tão diversa de história, de cultura e de fisionomia psicológica leva-me a descobrir cada dia mais e a apreciar com tanta maior comoção a riqueza, antiga e nova, da vida Cristã neste País, escolhido pelos caminhos inefáveis de Deus para hospedar no seu centro a Sé de Pedro, para guardar as relíquias dos Apóstolos, para difundir no mundo a Palavra libertadora do Evangelho.

Tudo isto deve infundir, em vós e em mim, sentimentos, a renovarem-se cada dia, de gratidão a Deus por nos ter encontrado dignos, apesar dos nossos limites, de ser constituídos Pastores no meio deste povo; tudo isto deve inspirar-nos grande confiança, profunda alegria e crescente ânimo em prosseguir sem hesitação a nossa missão, procurando sempre novas aberturas, novas possibilidades e novos modos de acção; isto deve portanto suscitar propósitos de esforço nunca fatigado, nem fraco em enfrentar a nossa missão, que é missão de reforço da fé num momento de morte e de crise: e deve dar-nos sempre maior clareza de vistas e organização de planos pastorais para responder à nossa vocação, que é «de representar de forma eminente e conspícua o próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice e actuar na pessoa d'Ele», como disse o Vaticano II (cfr. Lumen Gentium, 21). Não tenhamos medo! O Senhor está connosco a dar-nos coragem, e, com São Paulo, oxalá digamos: «Omnia possum in eo qui me confortat» (Flp. 4, 13). A inegável e magnífica realidade eclesial em que e pela qual trabalhamos, infunde muita esperança, especialmente para o futuro.

3. Na perspectiva do nosso ministério, colocado concretamente na sua situação histórica, desejaria propor à vossa atenção, meus venerados Irmãos no Episcopado, alguns pontos que me parecem mais significativos e importantes para o desenvolvimento do vosso apostolado nas necessidades do mundo presente, melhor, no quadro geral da vida da Igreja Italiana.

Primeiramente, o problema de uma justa e bem entendida autonomia da Conferência Episcopal, para a definição e execução dos próprios encargos pastorais. E problema característico da Itália, pois pode parecer que os especiais laços, mediante os quais ela esteve e está em relação com o Pontificado e com a Sé Apostólica, tenha posto ou ponham talvez na sombra a própria Conferência Episcopal. Para dissipar portanto o equívoco, que talvez possa explicar-se historicamente mas falsificaria no fundo a realidade das ditas relações, é necessário que ela, consciente da própria actividade e da própria autonomia, saiba fazer plenamente reviver a tradição colegial, vigente na Igreja desde a mais remota antiguidade. Por outro lado, o Concílio Vaticano II sublinhou com novo vigor que as Conferências Episcopais, vistas na colegialidade vigente na «catolicidade de Igreja indivisa, ...podem hoje oferecer uma contribuição múltipla e fecunda para que o sentimento colegial leve a aplicações concretas» (Lumen Gentium, 23).

Vós sois portanto os responsáveis, e deveis sê-lo de modo cada vez mais consciente e activo, pela Igreja que está em Itália: independentemente de o Papa ser ou não ser de origem italiana mas tendo também conta, evidentemente, de que ele é Bispo de Roma e Primaz da Itália — a Conferência Episcopal deve proceder de modo cada vez mais orgânico e seguro, para tomar as próprias responsabilidades, para a valorização de todas as forças presentes na comunidade eclesial da Itália, em toda a Nação, em que a mesma Conferência deve existir e trabalhar, ser e operar.

O quadro que oferece a Itália é o de um País essencialmente católico no seu estrato profundo, mas que à superfície teve de enfrentar ataques, que, das opostas frentes do laicismo e do materialismo — segundo as directrizes que analisei no meu discurso à cidade de Turim — causaram grandes danos à vida espiritual da Nação: pensemos na dessacralização em acto, com reflexos pavorosos no plano da vida familiar e da moralidade pública e privada, e com a difusão de modelos de comportamento reprováveis, que se gravaram profundamente nas formas da vida individual e associada. Não vem a propósito analisar completamente agora o fenómeno (aborto, droga, pornografia, delinquência juvenil, permissivismo em todas as suas formas de persuasão, encoberta e oculta, etc.). Mas isto apresenta à vida pastoral horizontes nunca antes explorados, e interrogações dramáticas e inadiáveis.

Neste inegável contraste de posições radicalmente opostas — tradições católicas sãs que devem opor-se à secularização — a Conferência Episcopal italiana tem o dever de assumir autonomamente todas as próprias responsabilidades, para favorecer a afirmação dos valores sãos, que formam a honra genuína do povo italiano, e levantar barreira aos perigos que procuram miná-lo interiormente, praticando ela uma unidade de acção e de programas acerca da pastoral de conjunto, que, oportunamente graduada e adaptada à exigências de cada Igreja local, possa levar à frente, com alegria e decisão, o «opus ministerii» a que fostes chamados. A unidade entre os Bispos não é só primeira garantia para o bom resultado da própria actividade, mas é também fonte de coragem, de optimismo e de confiança.

4. A coesão das formas no âmbito da legítima e frutuosa autonomia deve garantir, no interior da Nação em que opera a Conferência Episcopal, aquele prestigio, aquela influência e aquela credibilidade que se requerem para a eficácia da acção pastoral em favor do povo. É este o segundo aspecto, que me parece merecer particular atenção, pois os Bispos são representação legítima e qualificada do povo italiano, são força social que tem responsabilidade na vida da Nação inteira. A Igreja não vive desenraizada das condições em que se encontra, não é abstracção, não é símbolo. A Constituição pastoral «Gaudium et Spes» sublinhou, desde o princípio, que «é dever permanente da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as sua esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático» (Gaudium et Spes, 4).

Quer isto dizer que num País Católico como a Itália, mas às vezes imerso e ameaçado por uma atmosfera hostil, devido à qual a Igreja se arrisca a encontrar-se num complexo de inferioridade e de suportar ainda, em certo modo, condições de injustiça e discriminação, os Bispos devem tornar-se presentes, a todos os níveis, no contexto da vida italiana, ser efectivamente os animadores activos e conscientes das forças que representam, formar o centro de coesão, a bandeira de identidade e o ponto de referência.

A Igreja, nos seus Bispos, nos seus sacerdotes e no seu laicado mais generoso, deve saber descobrir que possibilidades concretas tem para o bem da comunidade, e, consciente da própria força, encontrar sempre novos campos em que lançar-se para corresponder ao mandato de Cristo: «vos estis sal terrae,... vos estis lux mundi» (Mt. 5, 13 s.). Na sua história milenária, a Igreja nunca teve falta de ideias para excogitar e penem execução obras requeridas pelos tempos, recorrendo ao próprio potencial imenso de energias, votadas a Deus e às almas. Foi sempre como que uma «dadora de sangue», que proveu continuamente à troca de energias e iniciativas, num mundo que sempre esperou a sua presença urgentemente e em todos os campos. E se hoje tomada de certos encargos, por parte do Estado, interveio em campos que, noutra época, eram objecto de solicitude quase exclusivamente da Igreja, não faltam certamente nem sequer hoje — e a experiência bem o mostra — espaços de caridade e de entusiasmo generoso para chegar aonde outras forças não chegam. Na hodierna sociedade pluralista, tem maior esfera de acção quem sabe tomar, com esforço e continuidade, maiores responsabilidades pelos irmãos. Muito mais deve isto valer para a Igreja.

Esta, por outro lado, enquanto opera com iniciativas próprias, não pode eximir-se, perante os fiéis e toda a sociedade, de exprimir, quando seja necessário, a própria apreciação sobre problemas de natureza ética, que influam no sentido que tem a vida pessoal e comunitária.

É preciso, portanto, ir para a frente, sem temores, propondo As nossas comunidades os pontos programáticos de uma visão cristã e católica da vida terrena segundo o Evangelho, e de uma acção que lhe seja consequente, provendo às necessidades mais urgentes que isto requer de nós Pastores.

5. E uma das primeiras responsabilidades do momento presente é a da catequese. Foi sempre fundamental direito da Igreja e é-o sobretudo hoje, porque, por vários motivos, notam-se graves carências na formação religiosa e moral do laicado, em especial do que se ocupa a nível profissional e social.

Ao mesmo tempo há porém um despertar, favorecido e incrementado pela Conferência Episcopal italiana, que nestes últimos anos procedeu a um sério trabalho de estudo e de programação catequética, mesmo com a edição de novos textos adequados: e são também estes, em escala nacional, os frutos da atenção que o Episcopado da Igreja Universal aplicou ao problema especialmente tratado a propósito do tema da catequese na terceira e na quarta Assembleia Geral do Synodus Episcoporum.

Mas é necessário proceder, com incansável solicitude, a pôr em prática aquela que, juntamente com o dever de santificar e de pastorear o Povo de Deus, é a nossa missão específica: o ensino da sã doutrina. Que actuais que são ainda as palavras de Paulo: «Praedica verbum, insta opportune, importune, argue, obsecra, increpa in omnia patientia et doctrina. Erit enim tempus, cum sanam doctrinam non sustinebunt, sed ad sua desideria coacervabunt sibi magistros prurientes auribus... Tu vero vigila, in omnibus labora, opus fac evangelistae» (2 Tim. 4, 3-3.5). A nossa ordenação episcopal impõe-nos a obrigação especial de anunciar, com todo o empenho da nossa vida, aquele Evangelho que então nos foi colocado na cabeça: e isto deve recordar-nos que estamos consagrados, até à última respiração, ao seu anúncio, para que os nossos fiéis dele vivam e se deixem guiar por essa luz em todos os seus comportamentos, gerais e especiais, da vida pessoal, familiar, profissional e social.

Na minha Exortação Apostólica «Catechesi tradendae», ao sublinhar o primado desta obra evangelizadora, e ao desejar a todos os responsáveis «a coragem, a esperança e o entusiasmo» que para ela se requerem, dirigi-me de modo especial aos irmãos Bispos, e permito-me recordar-lhes que «a preocupação de promover uma catequese activa e eficaz não ceda nada diante de qualquer outra preocupação seja ela qual for. Tal solicitude vos levará a transmitir vós próprios a doutrina da vida aos vossos fiéis. Mas o mesmo cuidado há-de levar-vos a assumir nas vossas Dioceses, em correspondência com os planos da Conferência Episcopal de que fazeis parte, a superior direcção da catequese, rodeando-vos de colaboradores competentes e merecedores de confiança. O vosso papel principal há-de ser suscitar e alimentar nas vossas Igrejas verdadeira paixão pela catequese; paixão, todavia, que se encarne numa organização adequada e eficaz, que empenhe na actividade as pessoas, os meios e Os instrumentos, e também os recursos financeiros necessários. Podeis ter a certeza disto: se a catequese for bem dada nas vossas Igrejas locais, tudo o mais será feito com maior facilidade» (62-63; AAS 71, 1979, pp. 1328 s.).

Também nisto, esteja exemplarmente empenhado o Episcopado Italiano, continuando aquelas tradições de ensino, de catequese orgânica e capilar, que estiveram na origem do florescimento espiritual das vossas dioceses, e devem prosseguir e ser mesmo aumentadas; a vida diocesana deve estar de facto à altura dos problemas hodiernos e da situação de crise e dúvida, que põe os católicos diante do dever de cada vez aprofundar mais a. própria fé e de dar dela razão, com ardor de convicção e torça de persuasão, diante de um mundo que tem sempre grande saudade das coisas de Deus!

6. Uma palavra, agora, sobre o tema prioritário da Assembleia Geral, escolhido para o próximo Sínodo dos Bispos: o argumento tão importante e urgente dos «encargos da família cristã no mundo contemporâneo». Se recordei à vossa sensibilidade quanto estais especialmente responsáveis pela catequese, é exactamente porque ela encontra na família o primeiro banco de prova, o destino principal e o terreno mais propício. Por outro lado, vi com prazer que, entre as partes em que se divide o documento de trabalho desta vossa reunião, figura precisamente «o encargo primário da evangelização», além dos da hodierna situação social e cultural em relação à família, e aos encargos de promoção humana e social a ela respeitantes. Dando preferência, no âmbito da família, à temática da evangelização, atingistes o alvo e demonstrastes assim que a missão magisterial da Igreja deve dirigir-se de modo particular às famílias e a todos os seus elementos, para que estes, por sua vez, sejam capazes de corresponder, em plena consciência e maturidade de formação, àquela participação na missão profética de Cristo, que propôs o Concílio Vaticano II como definição específica dos encargos do laicado católico, no seu testemunho cristão (Lumen Gentium, 35; Apostolicam Actuositatem, 2).

Paulo VI pôs em realce, com tons inolvidáveis, esta característica própria da família, que está na missão evangelizadora. A família, escreveu o meu Predecessor na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, «nos diversos momentos da história da Igreja, bem mereceu a bela designação sancionada pelo Concílio Vaticano II, de 'Igreja doméstica': isto quer dizer que, em cada família cristã, deveriam encontrar-se os diversos aspectos da Igreja inteira. Por outras palavras, a família, como a Igreja, tem por dever constituir espaço onde o Evangelho seja transmitido e donde o Evangelho irradie. No seio de uma família que tem consciência desta missão, todos os membros da mesma família evangelizam e são evangelizados. Os pais, não somente comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido. E uma família assim torna-se evangelizadora de muitas outras famílias e do ambiente em que ela se insere» (71; AAS 68,1976, pp. 60 s.). Continuando esta clara linha de pensamento, eu mesmo recordei depois esta verdade, tão grande e bela, no já citado documento; e acrescentei que «a catequese familiar... precede, acompanha e enriquece todas as outras formas de catequese» (Catechesi tradendae, 68, AAS 71, 1979, p. 1334).

7. Bem se pode dizer portanto que a família, entendida como locus privilegiado da catequese, pode oferecer, às vossas discussões e aos vossos trabalhos, como que o centro focalizador para que o desenvolvimento e a discussão geral tenham a sua interior e lógica unidade. Efectivamente, numa recta concepção das funções da comunidade familiar, entendida como «ambiente de fé» — onde os pais exercitam, com a ajuda da graça sacramental do matrimónio, e na função que têm de testemunhas de Cristo, já assumida no sacramento da Confirmação, o seu mais importante dever — assegurando-se a presença e a continuidade dos maiores valores, no plano humano e cristão: a educação dos filhos; serem eles «provocados» constantemente a um estilo coerente de vida, mediante o exemplo e a palavra; a garantia e a defesa de uma saúde moral, que partindo do ambiente familiar se torna bem comum e geral da sociedade inteira; o poder de reacção contra os germes de desagregação ideológica e moral, de que o hodierno ambiente permissivo se torna portador nefasto junto dos adolescentes e dos jovens; e a disponibilidade para acolher a vida e para se tornarem apóstolos do amor à vida.

Destas simples alusões resulta de modo evidente a necessidade de restituir à família, no seu conjunto, aquela atenção primária que lhe é devida no conjunto da solicitude pastoral. É urgente uma pastoral da família.

Talvez, e por motivos plausíveis, tenha havido outrora excessivo fraccionamento, se tenham criado demasiadas divisões sectoriais na pastoral de conjunto, fixando a atenção em idades, em camadas sociais e campos diversos, tudo isto merecedor de cuidados, mas fez-se deste modo perder de vista — ou pelo menos afrouxar no interesse devido — a solicitude atinente à família na sua totalidade. Daí resultou uma dispersão de energias, e talvez não se tenham conseguido os resultados adequados ao esforço empregado; e o núcleo da unidade familiar, que se deve considerar sagrado em todos os seus elementos, como no-lo atestam as páginas da Revelação do Antigo e do Novo Testamento, sofreu com isso dando resultados que principiam a fazer-se sentir. Pense-se; por exemplo, na pastoral do casal, no quadro das dificuldades que ela sente quer pela força de choque das ideologias anticristãs, do hedonismo e da evasão, quer também pelos limites que a sociedade de consumo e a conjuntura económica apresentam, com gravíssimas consequências pessoais (individualismo, fuga das responsabilidades, limitação dos sentimentos, instabilidade afectiva e dificuldade em assumir um laço institucional). Pense-se ainda, para dar outro exemplo, no enorme potencial humano — de sabedoria, de experiência, de conforto e de ajuda — que representam os anciãos, hoje infelizmente postos de lado pela inexorável lei da produtividade, mas que a Igreja não pode e não deve esquecer na sua acção quotidiana.

Cada diocese não pode deixar de considerar a fundo todos os problemas relacionados com a vida familiar, tendo sempre muito presente, como disse o Concilio Vaticano II, que «a família — na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social — constitui assim o fundamento da sociedade» (Gaudium et Spes, 52). E esta realidade exige uma solicitude pastoral de primeira ordem.

Olhando sempre para a função evangelizadora da família, não posso esquecer também aquela actividade de promoção vocacional, que deve estar na base dos vossos esforços pastorais: de facto, só da acção conjunta da Igreja e da família podem nascer aquelas condições favoráveis, graças às quais seja acolhida mais facilmente, pelos jovens, a voz de Cristo que chama a que se dediquem a Ele e às almas.

8. Os jovens! Falta-me tempo para dedicar o discurso aos vários planos, a que se dirige nestes dias a vossa atenção. Mas não posso permitir que falte ao menos uma palavra precisamente sobre o problema da juventude, que requer de Vós Pastores os cuidados mais assíduos e generosos. Pensai neles. Não se podem sem dúvida esquecer as outras idades, no conjunto de uma pastoral atenta e orientada. Mas são os jovens que devem atrair, primeiro que todos os outros, a atenção, também porque a chegada à maturidade das gerações é cada vez mais rápida e corre-se o risco de chegar sempre atrasado se não se orientam todos os esforços para a formação global das gerações juvenis que incessantemente se apresentam à sociedade humana e eclesial, e querem tomar nela o seu posto de presença e de responsabilidade.

Segui-os com os vossos sacerdotes melhores, não deixeis que as formas associativas, em que lhes apraz associarem-se, sejam fogos de palha que depressa se apagam, desbaratando energias preciosas, nem menos ainda que se desenvolvam à margem da Igreja ou, não o queira Deus, em contraposição a ela. No respeito das legítimas formas pluralistas de associacionismo, de espiritualidade e de apostolado, sabei orientar rectamente as extraordinárias energias da juventude de hoje, que sabe ainda olhar para a Igreja como para a autêntica forma de vida onde há a garantia, encontrando a Cristo, de gastar-se generosamente por «alguma coisa que vale».

Recomendo a cada um de vós a pastoral juvenil como o ponto mais precioso do próprio ministério.

9. Venerados e caros Irmãos, Bispos da Itália!

Ao deixar à vossa reflexão os pontos que me permiti expor-vos simplesmente neste colóquio familiar, é-me agradabilíssimo reafirmar vos a minha estima profunda e manifestar-vos ainda o meu incitamento para a delicada e árdua obra, a que fostes enviados pelo Espírito Santo.

Estou perto de vós nas dificuldades e sobretudo no trabalho apostólico: estamos todos juntamente empenhados na santificação, no magistério e ria guia do Povo de Deus. As nossas débeis forças humanas nada poderiam sem o auxílio, sem a presença de Cristo. Ë Ele o nosso modelo, o nosso estímulo e a nossa força. Como Ele se consumiu até à morte pela humanidade, assim também nós, por Ele escolhidos sem qualquer mérito nosso, como Pedro, como Paulo, como André; como os Apóstolos todos, sigamo-l'O, com eles e como eles, até ao extremo das forças, para completar a obra do Pai: «Me oportet operari opera Eius, qui misit Me, donec dies est» (Jo. 9, 4). Sim, irmãos caríssimos, trabalhemos enquanto temos força, enquanto é dia.

A Virgem Santíssima, Mãe da Igreja, Rainha dos Apóstolos, está ao nosso lado, como esteve nos dias do Pentecostes, fortificando a coragem e a alegria no coração daqueles homens, que se preparavam para evangelizar o mundo, segundo a ordem de Cristo. Ela não abandonará nenhum de nós. E com os olhos fixos naquele Cenáculo, do qual partiram os Apóstolos, recomendo-vos um a um a Ela, e com muito afecto a todos vos abençoo, ao mesmo tempo que às vossas caríssimas dioceses.

 

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