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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
A UM GRUPO DE PEREGRINOS DE BÉRGAMO (ITÁLIA)

Sábado, 14 de Abril de 1982

 

Caríssimos Bergamascos!

1. Ao completar-se um ano da minha ida à vossa terra para comemorar o centenário do nascimento do Papa João XXIII, encontramo-nos de novo juntos. Com profunda fé cristã e com extraordinária gentileza quisestes retribuir a minha Visita pastoral com esta grande peregrinação que me comove e me conforta.

Desejo em primeiro lugar agradecer-vos sentidamente a vossa tão grande bondade e cortesia. Apresento a minha reconhecida e cordial saudação ao Bispo, D. Júlio Oggioni; exprimo depois as minhas respeitosas boas-vindas a D. Clemente Gaddi, que por tantos anos dirigiu com dedicação a Diocese, e a todas as Autoridades civis e religiosas, ao Senhor Governador, aos Presidentes das Câmaras Municipais, aos Presidentes das várias Administrações, aos representantes do mundo político, cultural, empresarial e sindical, aos Párocos e aos Responsáveis dos sectores da vida religiosa. De modo especial é-me grato saudar a todos vós, fiéis da terra bergamasca, trabalhadores, artesãos, empregados, mães de família, crianças e sobretudo jovens, vindos tão numerosos e cheios de entusiasmo enfrentando também dificuldades e sacrifícios! Sede todos bem-vindos à Casa do Papa. Tenho todos junto do meu coração, ao invocar do Senhor a abundância das suas graças sobre vós e sobre os vossos propósitos, e estendo, por meio de vós, a minha saudação e o meu sentimento de gratidão a toda a população de Sotto il Monte e da vasta Diocese e Província de Bérgamo.

2. É para mim consolador recordar aquela jornada transcorrida convosco, nos lugares caros e familiares ao Papa Joãol Apesar da chuva e do tempo nublado, os vossos olhos estavam cheios de expectativa, os vossos ânimos eram ardentes de alegria e de calor, as vossas vozes demonstravam fé e devoção. A minha era uma visita de amizade, de oração comum, de reflexão sobre a mensagem do grande Pontífice vosso concidadão, de conhecimento recíproco mais humano e imediato; e como recordo ainda hoje, comovido, os vários momentos daquela intensa jornada e a profunda fé cristã que li nos vossos rostos.

Desde então é passado um ano, rico certamente de tantas alegrias e consolações, mas infelizmente também denso de acon tecimentos bem trágicos. A minha Bérgamo permaneceu no meu coração!

3. Desejastes este presente encontro também para escutar de novo a minha palavra, a fim de reconfirmar a vossa fé e revigorar os vossos propósitos. E de bom grado, recordando-me da catequese desenvolvida durante a minha visita, deixo-vos algumas breves exortações.

Em primeiro lugar digo-vos com São Paulo: Permanecei firmes e conservai as tradições que recebestes" (2 Tess 2, 15). O Papa João, na audiência concedida à grandiosa peregrinação da Diocese de Bérgamo, a 8 de Novembro de 1958, revelava que na sua longa vida muitas e muitas vezes lhe chegara aos ouvidos "o elogio da radiante fé e da notável e generosa piedade da gente bergamasca", e acrescentava de maneira feliz: "A fidelidade à tradição do passado é garantia de feliz futuro" (Discorsi, Messagi, Coloqui del Santo Padre Giovanni XXIII, I, pp. 73, 75). Nas Encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris ele descreveu realisticamente a dramática situação do mundo moderno e as dificuldades da Igreja, às vezes enormes, no anunciar o Evangelho: "A nossa época — dizia — é percorrida e penetrada por erros radicais, é torturada e perturbada por desordens profundas; porém — acrescentava — é também uma época em que se abrem ao impulso da Igreja imensas possibilidades de bem" (Mater et Magistra, 274). Manter firmes e certas as tradições da fé cristã católica significa, hoje, sentir a necessidade estimulante e continua de formar autênticas "consciências" esclarecidas e praticantes, que saibam enfrentar o futuro, certas e seguras, apesar dos conflitos e contrastes. Ter uma consciência cristã significa estarmos convictos de que a verdade vem de Cristo: é a Ele, e só a Ele que é preciso recorrer, se queremos conhecer o significado da nossa existência e da história inteira. Recordemos o que escreveu o apóstolo São João: "A graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo" (Jo 1, 17); Ele é a "verdadeira luz que a todo o homem ilumina" (Jo 1, 9).

A fim de que esta luz de verdade resplandecesse para sempre, Jesus quis e fundou a Igreja. Ter uma consciência cristã significa também estarmos convictos de que só Cristo pode dar ao homem a verdadeira vida espiritual, a graça, que nos faz partícipes da mesma vida de Deus e nos torna idóneos para a ressurreição gloriosa. Como consequência, dá ainda a alegria da verdade e da caridade, que se sente tão preciosa e necessária especialmente nas circunstâncias dolorosas da vida. Jesus com efeito coloca-se como único e verdadeiro consolador da humanidade nas atribulações da sua peregrinação: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei" (Mt 11, 28). A formação das consciências cristãs é uma tarefa grande e essencial, que deve incitar hoje toda a comunidade cristã.

4. Exorto-vos, pois, a manter sempre aberto e confidente o diálogo entre jovens e adultos. Este é um tema de viva actualidade. O segredo do diálogo autêntico e construtivo para o cristão encontra-se no "sacramento", sobre o qual se baseia a família. Como bem salienta a Exortação Familiaris Consortio, complicados e não pequenos são os problemas que angustiam o lar doméstico na sociedade moderna, causando depois dificuldades em todos os sectores da humanidade. É preciso insistir sobre a realidade do "sacramento", do qual nasce a família cristã e sobre o qual se mantém. É o valor essencial do "sinal sacramental" que deve ser meditado profundamente, reafirmado em todo o seu alcance dogmático, moral e ascético, e vivido em todo o seu conteúdo de graça, de, luz, de amor, de ideal, de força e de alegria. Então se instaura e se mantém um clima de verdadeiro diálogo, consolador e corroborante, como dele é esplêndido exemplo a vida de João XXIII.

5. Enfim, empenhai-vos com coragem e perseverança era transformar a vossa fé em cultura, isto é, em "vida" no sentido mais profundo e amplo da palavra. De facto a cultura, em síntese, é a expressão da atitude espiritual do homem diante .da vida. Há por isso muitos tipos de cultura, ligados aos tempos, às épocas, aos lugares, às correntes ideológicas predominantes, etc. A "cultura cristã" é a que está permeada da "presença" de Cristo. E portanto certamente, e acima de tudo, uma doutrina filosófica, teológica, moral, ascética, jurídica, que exige um conhecimento completo e profundo; mas é um conhecimento que se torna amor, confiança, oração, adoração, comunhão, pessoal com Cristo Crucificado e Ressuscitado e, por isso, diálogo com a Santíssima Trindade; é um conhecimento que se faz "seguimento de Cristo", e portanto "cultura", bem encarnada nas vicissitudes do tempo, mas sempre com a perspectiva do futuro. No discurso já citado, o Papa João dizia com profunda sabedoria: "O mistério da nossa vida está nas mãos de Deus. O que importa é caminhar com justiça e santidade perante o céu, perante a nossa consciência, em exemplaridade de actos caritativos e puros". A fé cristã, rectamente compreendida e vivida de modo coerente, deve tornar-se visão global de todas as realidades, isto é, deve fazer-se "cultura", com todo o fascínio e a plenitude que lhe derivam da verdade que é Cristo, o Verbo encarnado: estes são os bons votos que formulo para vós; esta é a palavra de ordem que vos deixo.

6. Caríssimos!

Dentro de poucos dias tem início o mês dedicado a Maria Santíssima. Vós sabeis quão profunda e confiante foi a devoção do Papa João à Mãe celeste.

Seguindo o seu exemplo cultivai também vós uma autêntica devoção à Virgem Santa; mantende nas vossas mãos a coroa do Rosário, como fazia o grande Pontífice, a fim de que a brasa que está latente no carácter bergamasco, seja sempre também luz e chama de fé e de amor cristão!

Com estes votos, com grande efusão concedo-vos a Bênção Apostólica, penhor de copiosos favores celestes, extensivos a todos os fiéis da Diocese.

 

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