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VISITA PASTORAL À REGIÃO DA LOMBARDIA
 20-22 DE MAIO DE 1983

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 NO ENCONTRO COM A POPULAÇÃO DE DESIO

Sábado, 21 de Maio de 1983

 

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Ao agradecer cordialmente ao vosso Pároco as amáveis palavras que me dirigiu, manifesto-vos de imediato a alegria de me encontrar hoje no meio de vós, querendo visitar-vos logo após a minha saída da metrópole milanesa. Vim aqui para honrar a memória do meu grande predecessor na Sé de Pedro, o Papa Pio XI, o vosso Achille Ratti.

A minha visita insere-se no quadro mais geral da viagem pastoral a Milão para o Congresso Eucarístico Nacional. Todavia, não podia deixar de tomar contacto com a generosa gente lombarda do interior milanês; também ele, como a capital, é caracterizado por aqueles dotes de laboriosidade, de solidez, de iniciativa e de humanidade, que por todos vós são reconhecidos e formam ao mesmo tempo o vosso orgulho e o vosso empenho. Mais ainda, eu devia vir a esta Cidade, que deu origem a um grande Papa. Por isso, de coração saúdo todos vós, caros Cidadãos de Desio, a começar das Autoridades de toda a ordem e grau, e agradeço-vos o festivo acolhimento que me reservastes, retribuindo-o com a certeza da minha estima e do meu afecto. De maneira particular, dirige-se a minha saudação ao Cardeal Carlo Confalonieri, aqui presente, antigo Secretário pessoal do vosso grande Conterrâneo, e agora Decano do Sacro Colégio, o qual melhor do que eu poderia falar do Papa Ratti.

2. Como dizia, vim aqui sobretudo no nome do Papa Pio XI.

E como não sentir particular emoção ao pisar esta terra, ao admirar este céu, ao respirar esta atmosfera, e sobretudo ao encontrar-me imerso no meio deste povo: elementos todos, que constituíram os dados fundamentais da formação severa e boa daquele grande Pontífice, a quem a minha própria pátria polaca é não pouca devedora?

Depois de ter deixado o cargo de Núncio Apostólico na renascida Polónia, na tarde de 5 de Setembro de 1921, poucos dias antes de regressar a Milão como novo Arcebispo, ele estava aqui em Desio, onde, do púlpito desta mesma igreja paroquial, entre outras coisas disse: "É com o coração comovido que agradeço ao Senhor ter-me, na sua bondade, reconduzido a esta igreja, a este altar, à fonte do meu Baptismo, após tantos acontecimentos, depois de tantas graças, depois de tanta preparação e extraordinária misericórdia e bondade (citado em: Autori Vari, Pio XI nel trentesimo della morte, Raccolta di studi e memorie, Milano 1969, p. 137).

Ele aqui nasceu, nesta Cidade, a 31 de Maio de 1857, Solenidade do Pentecostes, numa humilde família de trabalhadores. Em Achille Ratti sobressaíam alguns traços característicos da índole própria da população desta terra: uma profunda religiosidade, o sentido do equilíbrio e da consistência, a vontade firme e constante.

Ele soube unir as qualidades herdadas do lugar e da gente da sua origem, com os dotes e as virtudes conquistadas com tenaz esforço, oração e estudo durante os anos de Seminário, para o serviço de um mundo cada vez maior. De Vigário da paróquia de Barni, em Valassina, passou a ser professor no Seminário. Em 1888 foi acolhido entre os Doutores da célebre Biblioteca Ambrosiana, da qual foi Prefeito de 1907 a 1914, quando o Papa Bento XV primeiro o nomeou Prefeito da Biblioteca Apostólica Vaticana e depois, em 1918, Visitador Apostólico na Polónia ainda desmembrada entre o Império czarista de uma parte e os Impérios Centrais de outra. Enfim, em 1919, depois de a Polónia ter conquistado a independência, ali foi nomeado Núncio Apostólico e recebeu a sagração episcopal em Varsóvia, de tal sorte que mais tarde gostava de ser chamado "um bispo polaco" (cf. Obra citada, p. 189). Do seu grande amor à Polónia é sinal, entre tantos outros, também a imagem da Bem-aventurada Virgem de Czestochowa, que ele mandara colocar na Capela da Vila Pontifícia em Castel Gandolfo, diante da qual também nos nossos dias o Papa continua a ajoelhar-se em oração.

3. Foi sobretudo no Pontificado romano que ele teve a possibilidade de fazer frutificar em grande dimensão e de maneira incisiva aqueles preciosos talentos naturais e de graça, com os quais o Senhor o enriquecera: o profundo espírito de oração, o apaixonado amor a Cristo e à Igreja, a sólida fé na Providência, o amor aos estudos e a extraordinária cultura, a forte personalidade com temperamento reflexivo e carácter enérgico faziam dele um homem e um Pastor de excepcional integridade.

Elevado à Cátedra de Pedro, a 6 de Fevereiro de 1922, desempenhou até à morte, ocorrida a 10 de Fevereiro de 1939, uma multiforme actividade, que deixou um sinal profundo na Igreja, repercutindo também de vários modos na sociedade. O seu Pontificado desenvolveu-se num momento histórico bastante perturbado, quando o mundo e especialmente a Europa ainda definhavam devido às consequências da primeira guerra mundial, e no entanto já se encaminhavam de modo dramático para a terrível catástrofe de um novo conflito. Como escreveu o próprio Cardeal Confalonieri: "numa época como aquela (...), no geral desvanecimento dos mais generosos como na condescendente tolerância das massas, a sua voz foi quase sempre a única a elevar-se cada dia, livre e forte, em defesa dos direitos espezinhados, temida por alguns, esperada por outros como garantia única de sobrevivência e válida esperança de tempos melhores" (Obra citada, pp. 23 s.).

Não me é possível hoje, não digo desenvolver, mas nem mesmo acenar de forma completa a todos os âmbitos da vida católica e social, em relação aos quais ele tomou clara e firme posição. Mas a alguns não se pode renunciar: sobretudo àquelas intervenções que mais assinalaram o seu tempo e que ainda o tornam grande aos nossos olhos.

4. Assim, é digno de nota o facto que já na sua Carta encíclica inaugural, Ubi arcano, de 23 de Dezembro de 1922, diante do ímpeto dos males do tempo, dirigiu um ponderado apelo ao Laicado católico, reconhecendo-lhe a função que lhe compete na Igreja para colaborar no apostolado dos Bispos. Esta abertura valerá a Pio XI o apelativo de "Papa da Acção Católica", que, de modo especial na Itália, ele defenderá perante a ingerência e abusos do regime político de outrora.

Com a Encíclica Miserentissimus Redemptor, de 8 de Maio de 1928, deu ele um forte impulso à devoção ao Sagrado Coração, recordando o primado do amor salvífico de Deus, a quem o cristão é totalmente devedor. Aliás, já na Encíclica Quas primas, de 11 de Dezembro de 1925, tinha salientado a suave e universal soberania de Cristo Rei, cuja festa anual instituía, e que ainda permanece, embora transferida, no novo calendário litúrgico.

A Encíclica Divini Illius Magistri, de 31 de Dezembro de 1929, reinvidicou o direito à educação dos jovens por parte da família e da Igreja contra qualquer monopólio estatal.

Um lugar especial, nesta recordação dos documentos pontifícios de Pio XI, cabe à Encíclica Casti Connubii, de 31 de Dezembro de 1930, dedicada ao tema do matrimónio e da familia. Foi uma tomada de posição muito vigorosa, não só contra os danos do divórcio, do aborto, dos métodos anticoncepcionais, dos assim chamados matrimónios 'de experiência', mas sobretudo em favor da nobreza natural e da santidade cristã do amor conjugal e da instituição familiar. Também hoje, como escrevia então Pio XI, "a Igreja católica, em pé no meio destas ruínas morais, eleva alta a sua voz" em favor de uma família, que seja cada vez mais lugar de autêntica maturação humana e cristã.

Uma particular solicitude ele dedicou também aos problemas das Missões, cuidando que fossem cada vez mais separadas das potências coloniais; favoreceu sobretudo a formação do Clero autóctone, com os grandes gestos proféticos da consagração em São Pedro, dos primeiros seis Bispos chineses, em 1926, e da nomeação dos primeiros dois Bispos africanos para o Uganda e Madagáscar, em 1939.

Também no campo social e político, Pio XI fez sentir forte a sua voz. A Encíclica Quadragesimo anno, de 15 de Maio de 1931, comemorando a célebre Rerum Novarum de Leão XIII, traçava as grandes linhas de uma reforma social, baseada na estreita colaboração entre empresários e trabalhadoras de todas as profissões, e condenava os excessos tanto do capitalismo como do socialismo. Na obra de reconciliação da Santa Sé com o Estado italiano, como também nas iniciativas, concordatárias dos seus anos de pontificado, teve em vista só a liberdade da Igreja, a sua missão apostólica e o bem das almas.

Ele estava profundamente consciente que a concórdia entre a Igreja e o Estado, duas soberanias distintas e tão diferentes, é sempre fecunda de progresso e daquela paz que esteve de modo constante à frente dos seus pensamentos, a ponto de valer como programa já no seu lema episcopal, Pax Christi in Regno Christi: "a paz de Cristo no Reino de Cristo".

Por isto ele sempre se opôs, com coragem e com a indómita fortaleza que lhe eram características, às prepotências dos regimes totalitários da época e às respectivas ideologias inspiradoras. Basta recordar a Encíclica de 1931, Non abbiamo bisogno, relativa ao contexto político italiano do momento, e depois, em 1937, a Mit brennender Sorge, com, a qual denunciou com energia a ideologia nazista, e a Divini Redemptoris que levantou a sua voz contra o materialismo ateu.

5. Caros Irmãos e Irmãs! Estes são apenas alguns traços sintéticos da personalidade do Papa Pio XI, a qual lança as suas raízes nas virtudes éticas e na fé cristã do povo de Desio. E desejaria aqui convidar-vos e encorajar-vos a cultivar, com empenho cada vez maior, os mesmos valores de integridade, de disciplina moral, de dedicação ao próprio dever, e mais ainda de indefectível adesão a Jesus Cristo, de generosa participação na vida da Igreja, de um decidido testemunho evangélico na sociedade. São princípios, estes, que nunca passam, mesmo no variar das situações históricas.

A condição sócio-cultural, em que sois hoje chamados a viver, exige de vós um renovado empenho por fazer resplandecer a fé cristã e os valores do Evangelho no ambiente industrial e operário que vos caracteriza. Sede testemunhas alegres, convictas e generosas, tanto a nível individual como familiar e paroquial.

Sirva-vos de estímulo e de auxílio nestes ideais e nestes propósitos o Ano Santo em curso, que se coloca em prosseguimento daquele extraordinário, já promulgado e celebrado precisamente por Pio XI em 1933, para comemorar o aniversário da Redenção, isto é, da morte e ressurreição de Cristo.

Peço ao Senhor todo o bem para vós, sobretudo para aqueles que estão em dificuldades de vários géneros, para os que sofrem, para os jovens, para todos os que estão em busca de trabalho ou simplesmente à procura de um absoluto como razão de vida.

Asseguro-vos a minha lembrança na oração, e de grande coração concedo-vos uma especial Bênção Apostólica, que obtenha para vós e para as vossas famílias as abundantes e fecundas graças celestes.

 



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