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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II
 A CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, MALI E BURKINA FASO

[25 DE JANEIRO - 1º DE FEVEREIRO]

DISCURSO DO SANTO PADRE
DURANTE O ENCONTRO COM OS JOVENS
 NO PALÁCIO DOS DESPORTOS

Praia (Cabo Verde)
Sexta-feira, 26 de Janeiro de 1990

 

Jovens de Cabo Verde, rapazes e raparigas,
meus caríssimos amigos,

1. Sensibilizado pelo clima de entusiasmo festivo com que me acolhestes neste Palácio dos Desportos, retribuo as vossas saudações, exprimo-vos o meu afecto profundo e manifesto-vos a alegria que me inunda, por este encontro. Com ele, se conclui um dia intenso, tão rico de momentos em que a fé comum em Cristo, Senhor e Redentor da vida, se pôde manifestar e consolidar, mediante a partilha e o amor.

Nesta noite, dirijo-me a vós, caros jovens, com estas palavras do Apóstolo São Paulo: “Irmãos, fostes chamados à liberdade”, para viverdes, “pela caridade ao serviço uns dos outros” (Cfr. Gal 5, 13).

Esta mensagem dirigia-a, há muitos séculos, São Paulo aos cristãos da Galácia; mas ela contém uma resposta, plenamente actual, a certas interrogações, que também vós trazeis hoje nos vossos corações.

2. Não é verdade que sentis profundamente a fascinação da liberdade? E perguntais: qual será a melhor maneira de afirmarmos na nossa vida esse valor, de que depende a maturação plena da nossa personalidade?

É profundamente razoável esta vossa intuição. De facto, na perspectiva cristã, a vida é vocação para a liberdade, porque todo o ser humano traz em si a imagem de Deus, que é Liberdade Subsistente, e todos são chamados a participar na Redenção de Cristo, que é o supremo libertador do homem contra todas as forças do mal.

Todos os que aceitam o grande dom de ter Deus como Pai e Cristo como Redentor já não são escravos de nada. Quando acolhem Cristo morto e ressuscitado para a salvação do mundo, as pessoas ficam livres das angústias de um futuro incerto, e dos condicionamentos da natureza humana que o pecado tornou frágil e caduca.

3. A mensagem que vos trago, nesta tarde, caríssimos jovens que me ouvis, é esta: em Cristo - e não a fugir d’Ele - vós podeis ser livres. Se crescerdes numa amizade, diria, fraterna com Ele, o seu destino torna-se o vosso. E olhai que o d’Ele é um destino de liberdade. Se, pelo contrário, enveredais por um caminho distante d’Ele, já sabeis que ides parar a formas de verdadeira escravidão moral, escravidão essa que tanto mais vos acorrentará quanto menos advertida for. Importa, pois, que estejais prevenidos contra a influência subtil da moda corrente e da opinião dominante, que os meios de comunicação social vos apresentam. Existem cadeias invisíveis que embaraçam o espírito, tal e qual como aquelas correntes materiais que amarram o corpo.

Por isso, aqui vos repito a vós, nesta tarde, a sapiente e vigorosa advertência que Moisés fazia ao Povo de Israel: “Tende cuidado, para que o vosso coração não se deixe seduzir e, desertando, vos ponhais a servir outros deuses, e a prestar-lhes a eles a adoração” (Dt 11, 16), que é devida ao único Deus e Senhor.

Esta severa admoestação do Antigo Testamento encontra um eco muito claro na palavra, não menos exigente, do Apóstolo São Paulo: “Foi para que fôssemos livres que Cristo nos libertou: permanecei pois, firmes; e não vos sujeiteis de novo ao jugo da escravidão” ( Gal 5, 1).

4. Caríssimos jovens, acolhei Cristo na vossa vida! Se caminhais com Ele, se O tomais por companheiro de viagem a indicar-vos o caminho, vós não andareis à cata de falsos valores, nem ireis atrás dos ídolos do êxito pessoal, do poder, da riqueza e do erotismo; mas orientar-vos-eis na direcção dos valores autênticos, sobre os quais se funda a verdadeira liberdade. Esta não provém do ter mais, mas do ser mais: ser verdadeiros homens e verdadeiras mulheres.

Vós já sabeis que a autêntica liberdade pressupõe o autocontrole, o domínio de si, graças ao qual se torna possível viver uma vida perfeita, santa e vitoriosa sobre o reino aviltante do pecado (Cfr. Rm 6, 12).

5. Estas minhas palavras, caríssimos jovens, colocam-se, como vedes, num contexto de fé. Conheço as objecções, que, no mundo de hoje, se levantam contra a fé. Também vós as ouvis. Formulam-nas aqueles que vivem ao vosso lado, vossos companheiros no estudo, no trabalho e nos divertimentos. Não vos deixeis atemorizar, nem renuncieis às vossas convicções; não malbarateis os ideais que vos foram transmitidos por aqueles, que, à luz da própria experiência, comprovaram a autenticidade da fé.

A fé não rebaixa a dignidade do homem. Pelo contrário, proporciona à nossa inteligência os elementos suficientes, para respondermos cabalmente às interrogações que nos angustiam. A fé leva-nos a conhecer a verdade definitiva das coisas, das pessoas e de Deus. Não nos afasta do mundo, dos demais irmãos e irmãs. Pelo contrário, aproxima-nos ainda mais dos seus problemas e esperanças. A fé genuína no Redentor não nos isola, não nos alheia do mundo e do género humano; pelo contrário, “favorece poderosamente o desenvolvimento da comunhão entre as pessoas, e leva-nos a uma compreensão mais profunda das leis da vida social, que o Criador gravou na natureza espiritual e moral do homem” ( Gaudium et Spes, 23).

6. Ao abraçar a fé, e ao deixar-se amar por Cristo Redentor, o homem não foge de si nem dos outros; reencontra-se em si mesmo e nos demais, enquanto descobre no Pai da vida o elemento fundamental que a todos irmana: a imagem de Deus impressa pelo Criador, desde as origens, e restaurada pelo Salvador, depois do pecado. À luz da fé, cada um de vós pode olhar para o outro como para um ícone, um retrato, ao menos potencial, de Cristo.

Permanecei, portanto, firmes na fé! Vivei-a com simplicidade e com sinceridade! Deixai que seja o próprio Jesus Cristo a definir a vossa existência e a orientar as vossas escolhas, de modo que as relações entre vós correspondam sempre, e sem lapsos de continuidade nem evasões, ao modelo de caridade do coração de Cristo.

7. Que mais vos recomendarei, jovens meus amigos?

Foi do Coração de Cristo, pelo qual aprouve a Deus reconciliar consigo todas as coisas (Cfr. Cl 1, 20), que saíram estas palavras: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei... Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e assim, encontrareis conforto para as vossas almas” ( Mt 11, 28).

Num mundo despedaçado por divisões, conflitos e antagonismos ideológicos, vós podeis sentir a ânsia de mudanças, podeis sonhar com um “mundo reconciliado”. Mas, primeiro, é preciso confrontar tais impulsos com o Coração de Cristo: “Aprendei de mim!”. É preciso ter um coração manso e humilde: um coração reconciliado com Deus, consigo próprio e com o mundo.

Esta reconciliação pode e deve encontrar a sua plena expressão no encontro com Cristo, como “mistério de piedade”, no sacramento da Penitência, que é caminho aberto pela misericórdia divina à vida reconciliada ( Reconciliatio et Paenitentia, 22).

Depois, sede gratos ao Redentor do homem, pela vida e pelos dons com que vos cumulou. E não há modo melhor para exprimirdes essa gratidão do que uma assídua participação na Eucaristia. Nela, Jesus Cristo renova, connosco e para nós, a oferta de si mesmo ao Pai, em sacrifício de louvor, e a si nos incorpora. Com o Pão da vida, vivemos d’Ele e n’Ele (Cfr. Jo 6, 57).

8. Que outra palavra esperais do Papa? Exorto-vos, caros jovens, a estardes atentos ao chamamento divino. Sirva-vos de exemplo a Bem-aventurada Virgem Maria. Ao mensageiro angélico que lhe trazia o anúncio da Redenção, que lhe respondeu ela? “Faça-se em mim segundo a tua palavra” ( Lc 1, 38). E, como bem sabeis, foi graças a esta aceitação que “o Verbo se fez carne” no seu seio.

Maria não se esquivou a um compromisso que lhe tomava a vida inteira. Com o seu sim - generoso e devoto - ela não se evadiu da existência; antes, penetrou nela ainda mais plenamente, assumindo todas as consequências de uma missão que a associava ao Verbo de Deus, na realização do mistério supremo da Salvação.

Como a Virgem Mãe de Cristo, também vós sois familiares de Deus e cidadãos deste mundo. Como Ela, “ tende paz com Deus, por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo” ( Rm 5, 1); deixai-vos guiar pelo Espírito, cujos frutos são “caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e temperança” ( Gl 5, 22).

9. E é a Ela que, neste momento, desejo confiar-vos. A Maria Santíssima, a Mãe do Redentor; confiar-lhe a Ela, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, o futuro desta nação, cuja parte primordial sois vós, os jovens. Que Ela vos ajude a permanecer firmes na fé e a realizar a vossa “missão”, como baptizados, ao serviço do mundo.

E que Ela conforte os vossos coetâneos que sofrem por causa de doença, de deficiências, da incerteza pelo dia de amanhã, da falta de meios e, talvez, até da fome. Que todos tenham coragem e não se deixem rebaixar. A vida, o destino, a história presente e futura de um jovem, dependem da fidelidade àquela liberdade de filhos de Deus para a qual Cristo nos libertou.

Peço ao Deus de toda a misericórdia que ilumine a vossa mente e vos faça compreender qual é a esperança a que fostes chamados (Cfr. Ef 1, 18).

A minha Bênção Apostólica vos acompanhe sempre, vos encha de graça celestial, e alcance, para cada um de vós, a alegria de vos sentirdes perto de Cristo, e o conforto de experimentardes quanto Ele é o vosso Amigo.

 



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