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RADIOMENSAGEM DO PAPA PIO XII
AO CONGRESSO EUCARÍSTICO BRASILEIRO (*)

Domingo, 31 de Outubro de 1948

 

Veneráveis Irmãos e dilectos filhos

Pela quinta vez, em breve volver de anos, se reune hoje o católico povo Brasileiro em Cortes de honra à volta do trono eucarístico do Rei divino, para prestar-lhe as devidas homenagens da sua fé sincera, da sua esperança firme, do seu amor agradecido.

Desta vez a concentração faz-se na capital do Rio Grande do Sul, na nobre cidade de Porto Alegre, que, ha precisamente cem anos, foi constituida Bispado independente, para dali a pouco surgir à categoria de Arcebispado, transformando a diocese numa grande e florescente Província eclesiástica.

Assim esse Quinto Congresso Eucarístico Nacional reveste um próprio, característico significado. Não é só a devida apoteose de adoração e louvor, de amor e acção de graças ao Deus de Eu­caristia, constantemente presente nos mil Sacrários, que constelam as Terras do Cruzeiro, protegendo-as, santificando-as, vivificando-as sobrenaturalmente; —  é, em primeiro lugar, a homenagem de gratidão que os fiéis da Arquidiocese Porto-alegrense e das Dioceses sufragâneas, e com eles — unidos num só coração e numa só alma — os fiéis de todos os Estados da grande Confederação Brasileira elevam ao Senhor por um século de assinalados benefícios, com que a divina liberalidade tão opulentamente enriqueceu toda a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Quando o primeiro Antístite de Porto Alegre viu inesperadamente cair sobre seus ombros a cruz do novo Bispado, sentiu-a enormemente pesada: tanta era a escassez de colaboradores, que o ajudassem a levá-la. Pouquíssimo o Clero para as poucas, mas imensas, freguesias; quasi nenhum para o seminário que tentava fundar! Em consequência, por toda a parte, na oceânica vastidão das cochilhas, um espectáculo quasi tão confrangedor, como aquele que o Redentor divino contemplava nas suas currerias apostólicas atravéz da Palestina e que lhe fazia vibrar de comiseração as mais íntimas fibras do Coração terníssimo.

Hoje, graças ao zelo indefesso dos Pastores de almas, graças à correspondência dos fiéis, que um de vossos grandes Bispos qualificava de « povo nobre e generoso, que tanto sabe aproveitar-se das graças abundantes que Deus lhe comunica », graças sobretudo à Providência com que o Pastor divino vela pela sua Igreja, — hoje o peso da cruz episcopal é sustentado por seis zelosos Prelados; o Clero, se não proporcionado ainda à grandeza da grei e à vastidão das terras por onde deve ser apascentada, é contudo numeroso e mais que em tantas outras dioceses; tem a emular-lhe o zelo e a coadjuvá-lo desinteressadamente muitos Institutos Religiosos; a vida católica, grandemente dilatada e cultivada, manifesta a sua pujança nas mais diversas manifestações e em variadas instituições religiosas e sociais; numa palavra, toda a Província eclesiástica, material e espiritualmente florescente, oferece à terra e ao ceu um espectáculo fértil de consolações, opimo de frutos, rico de prometedoras esperanças.

É justa pois, é devida essa homenagem de amor e gratidão ao Rei divino; e Nós, cujas são as alegrias e prosperidades de Nossos amados filhos, exultamos em espírito, bendizendo o Padre e Senhor dos ceus e da terra, porque assim lhe aprouve revelar em vós as maravilhas da sua graça e misericórdia, porque assim vos abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais e celestes em Cristo, elegendo-vos nele para serdes santos e imaculados na sua presença pela caridade.

A ardente piedade, o entusiasmo e fervor eucarístico demonstrado tão esplendidamente nos Congressos diocesanos, cujos ecos grandiosos transpondo os mares chegaram até Nós, culminam hoje dignamente nessa apoteose incomparável do actual Congresso.

Oh praza aos ceus que o hino de gratidão e amor que dele se desprende, não esmoreça nem se estinga, antes perdure e cresça para a eternidade!

E perdurará seguramente, se todos os participantes ao Congresso souberem colher a lição prática que ele não semente sugere, mas impõe: a lição de uma vida cada vez mais impregnada de Eucaristia. Quando o Rei divino, prestes a sair deste mundo para o Padre, decidiu no excesso do seu infinito amor ficar connosco até à consumação dos séculos, não foi para se condenar a ser um eterno prisioneiro, esquecido nas trevas de Sacrários abandonados! Nem foi só ou principalmente para sair deles de quando em quando a receber, em tronos esplendentes de lumes e recendentes de flores, as homenagens de adoração e glória, que à sua infinita Majestade, quanto mais escondida, tanto são mais devidas! Se ficou, foi para ser o Coração eternamente vivo e palpitante do seu Corpo místico; para ser o centro propulsor, a fonte manancial de vida e vida abundante para a sua Igreja e para todos e cada um de seus membros.

Ele sabia que o mundo in maligno positus, mesmo depois de consumada a Redenção, continuaria a afogar-se em dilúvios de iniquidades; por isso aí o tendes, a todas as horas do dia e da noite, Vítima Santa em milhares de altares, como noutros tantos Calvários, imolando-se em holocausto latrêutico e propiciatório à Santidade e à Justiça eterna. Ele sabia a repetidamente o proclamara, que a sua Igreja atravéz dos séculos semelharia a um exército continuamente empenhado em renhidas e incessantes batalhas, às quais ninguém se poderia eximir, e onde a vitória é só dos herois que sabem perseverar até ao fim, sem render-se nem a lisonjas nem a ameaças, sem recuar diante do trabalho que o dever impõe ou do sacrifício que a cruz representa, sem temer os que podem matar o corpo, mas não alcançam a ferir a alma; constantemente prontos a renunciar a tudo e renunciar-se a si mesmos, para seguir a Cristo, para servir e ganhar a Deus, como peregrinos no tempo e cidadãos da eternidade. Mas sabia também que, para tanto, o cristão, que enfim é homem, não tinha em si mesmo recursos suficientes. E é por isso que aí o temos sob as aparências de pão, feito não só companheiro inseparável da nossa avançada para a eternidade, mas alimento quotidiano, fonte de saúde e fôrças e vida divina.

O si scires donum Dei! Se os fiéis, se todos os fiéis compreendessem bem o dom de Deus, com que fervor se precipitariam a haurir vida da fonte da vida ! Porque enfim « para ser bons católicos — o que quer dizer santos — devemos ser sarmentos daquela frondosa videira, devemos dessedentar-nos naquela fonte que jorra para a vida eterna, beber aquela água que apaga toda a sede, comer aquele pão que dá a vida e a imortalidade » (B. Contardo Ferrini, Scritti religiosi raccolti dal Sac. Carlo Pellegrini, ed. II, pp. 299-300).

Com efeito, é ali na contemplação do Modelo perfeitíssimo de toda a santidade e ao seu misterioso contacto, que se aprendem as virtudes que formam o verdadeiro cristão e se haurem energias para as praticar. É ali, ao pé da ara santa, onde se renova o único sacrifício que apaga os pecados do mundo, que se vê como a genuina liturgia de Igreja é a que faz dos fiéis, em união com a Vítima imaculada, uma hóstia viva, santa, agradável a Deus pela imolação generosa dos vícios e das más concupiscências, e pela conformidade com a imagem daquele que do trono da cruz na terra fez degrau obrigado para o trono eterno da sua glória. Ali vereis crescer e iluminar-se cada vez mais a vossa fé, e com ela distinguireis a verdade evangélica dos falsos evangelhos, que não são evangelho; a verdadeira espiritualidade, que eleva e endeusa a alma, das falsas miragens de espiritismos fantásticos que a degradam na fraude e na mentira. Ali, sentados todos à mesma mesa divina, participando todos do mesmo espiritual banquete, unidos todos em Christo e feitos nele uma só família, um corpo só, sentireis inflamar-se a caridade; mas uma caridade sincera, generosa, antiegoista, niveladora de todas as diferenças de raça, aproximadora de todas as distâncias sociais, conciliadora de todos os antagonismos de classe, triunfadora de todos os interesses contrastantes; e então até as crises sociais que afligem a humanidade e mais ou menos se fazem sentir entre vós, desapareceriam por encanto; porque ou não tem solução, ou só a tem resolvidas cristãmente na justiça informada da caridade.

Mas outra grande bênção de incalculável alcance podemos prometer-Nos deste reflorir da vida eucarística, e é o aumento das vocações sacerdotais. Quem frequentemente « se assenta àquela mesa de Paraiso e saboreia as delícias de ser filho de Deus » (l. c.),compreende melhor quão grande bênção é para uma pátria o Sacerdócio, pelo qual tem, sem o qual não pode ter Jesus a morar em seu meio, a santificar a sua terra. E então necessariamente aspira à honra de ver algum membro de sua família ennobrecido com a nobreza divina do caracter sacerdotal, feito outro Cristo na terra, e entretanto folgará de colaborar quanto possível para o incremento e cultivo das vocações sacerdotais; a fim de que multiplicados os bons pastores e bem apascentada a grei de Cristo, o Brasil seja realmente, em todo o alcance da palavra, a grande Nação católica do continente sul americano.

Digne-se a Virgem Aparecida, a cujo patrocínio confiastes o Congresso, estender o azul celeste do seu manto sobre o ceu do Cruzeiro; digne-se a Medianeira que deu ao mundo Jesus e com ele todas as graças, dár-vo-lo de novo, chamando as almas à Eucaristia: e não só à inocência para conservar imaculados os lírios da sua candura, nem só à juventude para entrar sã e forte na liça onde se forjam os atletas de Cristo, mas também e mais ainda à idade madura, que deve sustentar o maior peso da luta, sobre quem gravam as maiores responsabilidades para o bem e para o mal, de cujo exemplo e acção depende principalmente a derrota ou o triunfo final.

Com estes votos confiados à Virgem Aparecida, Rainha do Brasil, — como penhor dos favores celestes, a vós, Veneráveis Irmãos e dilectos filhos, e a todo o vosso Clero, ao Excelentíssimo Presidente da República, aos membros do Governo e mais Autoridades civis e militares, e a todo o amado Povo Brasileiro damos com todo o amor e carinho paterno a Bêncão Apostólica.

 

(*)  Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. 10 pág. 269-275.

 



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