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CONCLUSÃO DO ANO SACERDOTAL

VIGÍLIA POR OCASIÃO DO ENCONTRO
INTERNACIONAL DE SACERDOTES

DIÁLOGO DO PAPA BENTO XVI
COM OS SACERDOTES

Praça de São Pedro
Quinta-feira, 10 de Junho de 2010

Imagens da celebração

 

América:

P. – Beatíssimo Padre, sou Pe. José Eduardo Oliveira e Silva e venho da América, exactamente do Brasil. A maior parte de nós aqui presentes está comprometida na pastoral directa, na paróquia, e não só com uma comunidade, mas por vezes já somos párocos de várias paróquias, ou de comunidades particularmente vastas. Com toda a boa vontade procuramos enfrentar as necessidades de uma sociedade muito mudada, já não totalmente cristã, mas damo-nos conta de que o nosso "fazer" não é suficiente. Para onde ir, Santidade? Em que direcção?

R. – Queridos amigos, antes de tudo gostaria de expressar a minha grande alegria porque estão reunidos aqui sacerdotes de todas as partes do mundo, na alegria da nossa vocação e na disponibilidade para servir o Senhor com todas as nossas forças, neste nosso tempo. Em relação à pergunta: estou deveras consciente de que hoje é muito difícil ser pároco, também e sobretudo nos países de antiga cristandade; as paróquias tornam-se cada vez mais vastas, unidades pastorais... é impossível conhecer todos, é impossível fazer todos os trabalhos que se esperam de um pároco. E assim, realmente, perguntamo-nos para onde ir, como o senhor disse. Mas em primeiro lugar gostaria de dizer: sei que existem tantos párocos no mundo que dedicam realmente toda a sua força pela evangelização, pela presença do Senhor e dos seus Sacramentos, e a estes fiéis párocos, que trabalham com todas as forças da sua vida, do nosso ser apaixonados por Cristo, gostaria de dizer um grande "obrigado", neste momento. Disse que não é possível fazer tudo o que se deseja, tudo o que talvez se deva fazer, porque as nossas forças são limitadas e as situações são difíceis numa sociedade cada vez mais diversificada, mais complicada. Penso que, sobretudo, é importante que os fiéis possam ver que este sacerdote não faz apenas um "job", horas de trabalho, e depois está livre e vive só para si mesmo, mas é um homem apaixonado de Cristo, que traz em si o fogo do amor de Cristo. Se os fiéis vêem que ele está cheio da alegria do Senhor, compreendem também que não pode fazer tudo, aceitam os limites e ajudam o pároco. Este parece-me o aspecto mais importante: que se possa ver e sentir que o pároco realmente se considera chamado pelo Senhor; que está cheio de amor ao Senhor e aos seus. Se isto existe, compreende-se e pode-se ver também a impossibilidade de fazer tudo. Por conseguinte, estar cheios da alegria do Evangelho com todo o nosso ser é a primeira condição. Depois devem fazer-se opções, ter a prioridade, ver quanto é possível e quanto é impossível. Diria que conhecemos as três prioridades fundamentais: são as três colunas do nosso ser sacerdotes. Primeiro, a Eucaristia, os Sacramentos: tornar possível e presente a Eucaristia, sobretudo dominical, na medida do possível, para todos, e celebrá-la de modo que se torne realmente o visível acto de amor do Senhor por nós. Depois, o anúncio da Palavra em todas as dimensões: do diálogo pessoal à homilia. O terceiro aspecto é a "caritas", o amor de Cristo: estar presentes para quem sofre, para os pequeninos, para as crianças, para as pessoas em dificuldade, para os marginalizados; tornar realmente presente o amor do Bom Pastor. E depois, uma prioridade muito importante é também a relação pessoal com Cristo. No breviário, a 4 de Novembro, lemos um bonito texto de São Carlos Borromeu, grande pastor, que se entregou verdadeiramente a si mesmo, e que nos diz a nós, a todos os sacerdotes: "não descuides a tua alma: se a tua própria alma for descuidada, também não podes dar aos outros quanto deverias. Por conseguinte, também deves ter tempo para ti mesmo, para a tua alma", ou, por outras palavras, a relação com Cristo, o diálogo pessoal com Cristo é uma prioridade pastoral fundamental, é condição para o nosso trabalho para os outros! E a oração não é algo marginal: a "profissão" do sacerdote é precisamente rezar, também como representante do povo que não sabe rezar ou não encontra tempo para o fazer. A oração pessoal, sobretudo a Oração das Horas, é alimento fundamental para a nossa alma, para toda a nossa acção. E, por fim, reconhecer os nossos limites, abrir-nos também a esta humildade. Recordemos uma narração de Marcos, no capítulo6, onde os discípulos estão "stressados", querem fazer tudo, e o Senhor diz: "Vamos embora, repousai um pouco" (cf. Mc 6, 31). Também isto é trabalho diria pastoral: encontrar e ter a humildade, a coragem de repousar. Portanto, penso que a paixão pelo Senhor, o amor do Senhor, nos mostra as prioridades, as escolhas, nos ajuda a encontrar o caminho. O Senhor ajudar-nos-á. Obrigado a todos vós!

África

P. – Santidade, sou Mathias Agnero e venho da África, exactamente da Costa do Marfim. Vossa Santidade é um Papa-teólogo, enquanto nós, quando conseguimos, lemos apenas alguns livros de teologia para a formação. Contudo, parece-nos que se criou uma ruptura entre teologia e doutrina e, ainda mais, entre teologia e espiritualidade. Sente-se a necessidade de que o estudo não seja só académico mas alimente a nossa espiritualidade. Sentimos a necessidade disto no próprio ministério pastoral. Por vezes a teologia não parece ter Deus no centro e Jesus Cristo como primeiro "lugar teológico", mas tem ao contrário os gostos e as tendências difundidas; e a consequência é o proliferar de opiniões subjectivas que permitem o introduzir-se, também na Igreja, de um pensamento não católico. Como podemos não nos desorientar na nossa vida e no nosso ministério, quando é o mundo que julga a fé e não o contrário? Sentimo-nos "descentrados"!

R. – Obrigado. O senhor focou um problema muito difícil e doloroso. Há realmente uma teologia que quer ser académica sobretudo, parecer científica e esquece a realidade vital, a presença de Deus, a sua presença entre nós, o seu falar hoje, não só no passado. Já São Boaventura, no seu tempo, distinguiu duas formas de teologia; disse: "há uma teologia que provém da arrogância da razão, que quer dominar tudo, que faz passar Deus de sujeito para objecto que nós estudamos, enquanto deveria ser sujeito que nos fala e nos guia". Há realmente este abuso da teologia, que é arrogância da razão e não alimenta a fé, mas obscurece a presença de Deus no mundo. Depois, há uma teologia que quer conhecer mais por amor ao amado, é estimulada pelo amor e guiada pelo amor, quer conhecer mais o amado. Esta é a verdadeira teologia, que vem do amor de Deus, de Cristo e quer entrar mais profundamente em comunhão com Cristo. Na realidade, as tentações, hoje, são grandes; sobretudo, impõe-se a chamada "visão moderna do mundo" (Bultmann, "modernes Weltbild"), que se torna o critério de quanto seria possível ou impossível. E assim, precisamente com este critério que tudo é como sempre, que todos os acontecimentos históricos são do mesmo género, excluiu-se precisamente a novidade do Evangelho, excluiu-se a irrupção de Deus, a verdadeira novidade que é a alegria da nossa fé. O que fazer? Aos teólogos eu diria antes de mais: tende coragem. E gostaria de manifestar o meu grande obrigado também aos numerosos teólogos que fazem um bom trabalho. Existem os abusos, sabemo-lo, mas em todas as partes do mundo existem muitos teólogos que vivem verdadeiramente da Palavra de Deus, se alimentam da meditação, vivem a fé da Igreja e querem ajudar para que a fé esteja presente no nosso hoje. A estes teólogos gostaria de dizer um grande "obrigado". E diria aos teólogos em geral: "não tenhais medo deste fantasma da cientificidade!". Eu sigo a teologia desde 1946: comecei a estudá-la em Janeiro desse ano e portanto vi quase três gerações de teólogos, e posso dizer: as hipóteses que naquele tempo, e depois nos anos 60 e 80 eram as mais novas, absolutamente científicas, quase dogmáticas, entretanto envelheceram e já não são válidas! Muitas delas parecem quase ridículas. Portanto, ter a coragem de resistir à aparente cientificidade, de não se submeter a todas as hipóteses do momento, mas pensar realmente a partir da grande fé da Igreja, que está presente em todos os tempos e nos dá o acesso à verdade. Sobretudo, também, não pensar que a razão positivista, que exclui o transcendente que não pode ser acessível é a verdadeira razão! Esta razão frágil, que só apresenta as realidades experimentáveis, é realmente uma razão insuficiente. Nós teólogos devemos usar a razão grande, que está aberta à grandeza de Deus. Devemos ter a coragem de ir além do positivismo à questão das raízes do ser. Isto parece-me de grande importância. Portanto, é preciso ter a coragem da grande, ampla razão, ter a humildade de não se submeter a todas as hipóteses do momento, viver da grande fé da Igreja de todos os tempos. Não há uma maioria contra a maioria dos Santos: a verdadeira maioria são os Santos na Igreja e devemos orientar-nos por eles! Depois, digo o mesmo aos seminaristas e aos sacerdotes: Pensai que a Sagrada Escritura não é um livro isolado: é vivo na comunidade viva da Igreja, que é o mesmo sujeito em todos os séculos e garante a presença da Palavra de Deus. O Senhor deu-nos a Igreja como sujeito vivo, com a estrutura dos Bispos em comunhão com o Papa, e esta grande realidade dos Bispos do mundo em comunhão com o Papa garante-nos o testemunho da verdade permanente. Tenhamos confiança neste Magistério permanente da comunhão dos Bispos com o Papa, que nos representa a presença da Palavra. E depois, tenhamos confiança também na vida da Igreja e, sobretudo, devemos ser críticos. Certamente a formação teológica gostaria de dizer isto aos seminaristas é muito importante. No nosso tempo devemos conhecer bem a Sagrada Escritura, também precisamente contra os ataques das seitas; devemos ser realmente amigos da Palavra. Devemos conhecer também as correntes do nosso tempo para poder responder razoavelmente, para poder – como diz São Pedro – "explicar a razão faz nossa fé". A formação é muito importante. Mas devemos ser também críticos: o critério da fé é o critério com o qual ver também os teólogos e as teologias. O Papa João Paulo II deixou-nos um critério absolutamente seguro no Catecismo da Igreja Católica: vemos nele a síntese da nossa fé, e este Catecismo é verdadeiramente o critério para ver para onde se orienta uma teologia aceitável ou inaceitável. Portanto, recomendo a leitura, o estudo deste texto, e assim podemos ir em frente com uma teologia crítica no sentido positivo, ou seja, contra as tendências da moda e aberta às verdadeiras novidades, à profundidade inexaurível da Palavra de Deus, que se revela nova em todos os tempos, também no nosso.

Europa

P. – Santo Padre, sou Pe. Karol Miklosko e venho da Europa, exactamente da Eslováquia, e sou missionário na Rússia. Quando celebro a Santa Missa encontro-me a mim mesmo e compreendo que ali encontro a minha identidade, a raiz e a energia do meu ministério. O sacrifício da Cruz revela-me o Bom Pastor que dá tudo pelo rebanho, por cada ovelha, e quando digo: "Isto é o meu corpo... isto é o meu sangue" oferecido e derramado em sacrifício por vós, então compreendo a beleza do celibato e da obediência, que livremente prometi no momento da ordenação. Mesmo com as dificuldades naturais, o celibato parece-me óbvio, olhando para Cristo, mas sinto-me transtornado ao ler tantas críticas mundanas a este dom. Peço-lhe humildemente, Padre Santo, que nos ilumine sobre a profundeza e o sentido autêntico do celibato eclesiástico.

R. – Obrigado pelas duas partes da sua pergunta. A primeira, onde mostra o fundamento permanente e vital do nosso celibato; a segunda, que mostra todas as dificuldades nas quais nos encontramos no nosso tempo. A primeira é importante, isto é: o centro da nossa vida deve ser realmente a celebração quotidiana da Sagrada Eucaristia; e aqui são centrais as palavras da consagração: "Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue", ou seja: falamos "in persona Christi". Cristo permite que usemos o seu "eu", que falemos no "eu" de Cristo, Cristo "atrai-nos para si" e permite que nos unamos, une-nos com o seu "eu". E assim, através desta acção, este facto que Ele nos "atrai" para si mesmo, de modo que o nosso "eu" se torna um só com o seu, realiza a permanência, a unicidade do seu Sacerdócio; assim Ele é sempre realmente o único Sacerdote, e contudo muito presente no mundo, porque nos "atrai" para si mesmo e deste modo torna presente a sua missão sacerdotal. Isto significa que somos "atraídos" para o Deus de Cristo: é esta união com o seu "eu" que se realiza nas palavras da consagração. Também no "estás perdoado" porque nenhum de nós poderia perdoar os pecados é o "eu" de Cristo, de Deus, o único que pode perdoar. Esta unificação do seu "eu" com o nosso implica que somos "atraídos" também para a sua realidade de Ressuscitado, que prosseguimos rumo à vida plena da ressurreição, da qual Jesus fala aos Saduceus em Mateus, capítulo 22: é uma vida "nova", na qual já estamos além do matrimónio (cf. Mt 22, 23-32). É importante que nos deixemos sempre de novo embeber por esta identificação do "eu" de Cristo connosco, por este ser "lançados" para o mundo da ressurreição. Neste sentido, o celibato é uma antecipação. Transcendamos este tempo e caminhemos em frente, e assim "atrairemos" para nós próprios e o nosso tempo rumo ao mundo da ressurreição, à novidade de Cristo, à vida nova e verdadeira. Por conseguinte, o celibato é uma antecipação tornada possível pela graça do Senhor que nos "atrai" para si rumo ao mundo da ressurreição; convida-nos sempre de novo a transcender-nos a nós mesmos, este presente, rumo ao verdadeiro presente do futuro, que hoje se torna presente. E chegamos a um ponto muito importante. Um grande problema da cristandade do mundo de hoje é que já não se pensa no futuro de Deus: só o presente deste mundo parece suficiente. Queremos ter só este mundo, viver só neste mundo. Assim fechamos as portas à verdadeira grandeza da nossa existência. O sentido do celibato como antecipação do futuro é precisamente abrir estas portas, tornar o mundo maior, mostrar a realidade do futuro que deve ser vivido por nós como presente. Por conseguinte, viver assim num testemunho da fé: cremos realmente que Deus existe, que Deus tem a ver com a minha vida, que posso fundar a minha vida em Jesus, na vida futura. E conhecemos agora as críticas mundanas das quais o senhor falou. É verdade que para o mundo agnóstico, o mundo no qual Deus não tem lugar, o celibato é um grande escândalo, porque mostra precisamente que Deus é considerado e vivido como realidade. Com a vida escatológica do celibato, o mundo futuro de Deus entra nas realidades do nosso tempo. E isto deveria desaparecer! Num certo sentido, esta crítica permanente contra o celibato pode surpreender, num tempo em que está cada vez mais na moda não casar. Mas este não-casar é uma coisa total, fundamentalmente diversa do celibato, porque o não-casar se baseia na vontade de viver só para si mesmo, de não aceitar qualquer vínculo definitivo, de ter a vida em todos os momentos em plena autonomia, decidir em qualquer momento como fazer, o que tirar da vida; e portanto um "não" ao vínculo, um "não" à definitividade, um ter a vida só para si mesmos. Enquanto o celibato é precisamente o contrário: é um "sim" definitivo, é um deixar-se guiar pela mão de Deus, entregar-se nas mãos do Senhor, no seu "eu", e portanto é um acto de fidelidade e de confiança, um acto que supõe também a fidelidade do matrimónio; é precisamente o contrário deste "não", desta autonomia que não se quer comprometer, que não quer entrar num vínculo; é precisamente o "sim" definitivo que supõe, confirma o "sim" definitivo do matrimónio. E este matrimónio é a forma bíblica, a forma natural do ser homem e mulher, fundamento da grande cultura cristã, das grandes culturas do mundo. E se isto desaparecer, será destruída a raiz da nossa cultura. Por isso, o celibato confirma o "sim" do matrimónio com o seu "sim" ao mundo futuro, e assim queremos ir em frente e tornar presente este escândalo de uma fé que baseia toda a existência em Deus. Sabemos que ao lado deste grande escândalo, que o mundo não quer ver, existem também os escândalos secundários das nossas insuficiências, dos nossos pecados, que obscurecem o verdadeiro e grande escândalo, e fazem pensar: "Mas, não vivem realmente no fundamento de Deus!". Mas há tanta fidelidade! O celibato, mostram-no precisamente as críticas, é um grande sinal de fé, da presença de Deus no mundo. Rezemos ao Senhor para que nos ajude a tornar-nos livres dos escândalos secundários, para que torne presente o grande escândalo da nossa fé: a confiança, a força da nossa vida, que se funda em Deus e em Jesus Cristo!

Ásia

P. – Santo Padre, sou Pe. Atsushi Yamashita e venho da Ásia, precisamente do Japão. O modelo sacerdotal que Vossa Santidade nos propôs neste Ano, o Cura d'Ars, vê no centro da existência e do ministério a Eucaristia, a Penitência sacramental e pessoal e o amor ao culto, dignamente celebrado. Tenho diante dos olhos os sinais da pobreza austera de São João Maria Vianney e ao mesmo tempo da sua paixão pelas coisas preciosas para o culto. Como viver estas dimensões fundamentais da nossa existência sacerdotal, sem cair no clericalismo ou numa estraneidade à realidade, que o mundo hoje não nos permite?

R. – Obrigado. Portanto, a pergunta é como viver a centralidade da Eucaristia sem se perder numa vida meramente cultual, alheios à vida de todos os dias das outras pessoas. Sabemos que o clericalismo é uma tentação dos sacerdotes em todos os séculos, também hoje. Muito mais importante é encontrar o modo verdadeiro de viver a Eucaristia, que não é um fechamento ao mundo, mas precisamente abertura às necessidades do mundo. Devemos ter presente que na Eucaristia se realiza este grande drama de Deus que sai de si mesmo, deixa como diz a Carta aos Filipenses a sua própria glória, sai e desce até ser um de nós e desce até à morte na Cruz (cf. Fl 2). A aventura do amor de Deus, que deixa, se abandona a si mesmo para estar connosco e isto torna-se presente na Eucaristia; o grande acto, a grande aventura do amor de Deus é a humildade de Deus que se doa a nós. Neste sentido a Eucaristia deve ser considerada como o entrar neste caminho de Deus. Santo Agostinho diz, no De Civitate Dei, livro X: "Hoc est sacrificium Christianorum: multi unum corpus in Christo", isto é: o sacrifício dos cristãos é estar congregados pelo amor de Cristo na unidade do único corpo de Cristo. O sacrifício consiste precisamente em sair de nós, em deixar-nos atrair pela comunhão do único pão, do único Corpo, e deste modo entrar na grande aventura do amor de Deus. Assim devemos celebrar, viver, meditar sempre a Eucaristia, como uma escola da libertação do meu "eu": entrar no único pão, que é pão de todos, que nos une no único Corpo de Cristo. E por conseguinte, a Eucaristia é, em si, um acto de amor, obriga-nos a esta realidade do amor pelos outros: que o sacrifício de Cristo é a comunhão de todos no seu Corpo. E por conseguinte, deste modo devemos aprender a Eucaristia, que de resto é precisamente o contrário do clericalismo, do fechamento em si mesmo. Pensemos também em Madre Teresa, deveras o exemplo grande neste século, neste tempo, de um amor que se deixa a si mesmo, que deixa qualquer tipo de clericalismo, de estraneidade ao mundo, que vai ao encontro dos mais marginalizados, dos mais pobres, das pessoas que estão próximas da morte e se entrega totalmente ao amor pelos pobres, pelos marginalizados. Mas Madre Teresa, que nos ofereceu este exemplo, a comunidade que segue os seus passos supunha sempre como primeira condição de uma sua fundação a presença de um tabernáculo. Sem a presença do amor de Deus que se doa não teria sido possível realizar aquele apostolado, não teria sido possível viver naquele abandono de si mesmos; só inserindo-se neste abandono de si em Deus, nesta aventura de Deus, nesta humildade de Deus, podiam e podem realizar hoje este grande acto de amor, esta abertura a todos. Neste sentido, diria: viver a Eucaristia no seu sentido originário, na sua verdadeira profundidade, é uma escola de vida, é a protecção mais segura contra qualquer tentação de clericalismo.

Oceânia

P. – Beatíssimo Padre, sou Pe. Anthony Denton e venho da Oceânia, da Austrália. Esta noite, aqui, somos numerosíssimos sacerdotes. Mas sabemos que os nossos seminários não estão cheios e que, no futuro, em várias partes do mundo, esperamos uma diminuição, até brusca. O que fazer de verdadeiramente eficaz pelas vocações? Como propor a nossa vida, no que nela existe de grande e de belo, a um jovem do nosso tempo?

R. – Obrigado. Realmente o senhor refere-se de novo a um problema grande e doloroso do nosso tempo: a falta de vocações, devido à qual as Igrejas locais correm o risco de se tornar áridas, porque falta a Palavra de vida, falta a presença do sacramento da Eucaristia e dos outros Sacramentos. Que fazer? A tentação é grande: tomar nós próprios as rédeas do problema, transformar o sacerdócio o sacramento de Cristo, o ser eleito por Ele numa profissão normal, num "job" que ocupa as suas horas, e o resto do dia pertencer só a si mesmo; e deste modo tornando-o como qualquer outra vocação: torná-lo acessível e fácil. Mas esta é uma tentação que não resolve o problema. Faz-me pensar na história de Saul, rei de Israel, que antes da batalha contra os Filisteus espera Samuel para o necessário sacrifício a Deus. E quando Samuel, no momento esperado, não vem, ele mesmo realiza o sacrifício, mesmo não sendo sacerdote (cf. 1 Sm 13); pensa que assim resolve o problema, que naturalmente não resolve, porque assume ele mesmo aquilo que não pode fazer, torna-se ele mesmo Deus, ou quase, e não pode esperar que as coisas procedam realmente à maneira de Deus. Assim, também nós, se desempenhássemos só uma profissão como outros, renunciando à sacralidade, à novidade, à diversidade do sacramento que só Deus dá, que só pode vir da sua vocação e não do nosso "fazer", nada resolveríamos. Por isso devemos como nos convida o Senhor rezar a Deus, bater à porta do coração de Deus, para que nos conceda as vocações; rezar com grande insistência, com grande determinação, com grande convicção, porque Deus não se fecha a uma oração insistente, permanente, confiante, mesmo se deixa fazer, esperar, como Saul, além dos tempos que nós previmos. Este parece-me o primeiro ponto: encorajar os fiéis a ter esta humildade, esta confiança, esta coragem de rezar com insistência pelas vocações, de bater à porta do coração de Deus para que nos conceda sacerdotes. Além disto, acrescentaria talvez três aspectos: o primeiro: cada um de nós deveria fazer o possível para viver o próprio sacerdócio de tal modo que seja convincente, de maneira que os jovens possam dizer: esta é uma verdadeira vocação, assim pode-se viver, assim faz-se uma coisa essencial para o mundo. Penso que nenhum de nós se teria tornado sacerdote, se não tivesse conhecido sacerdotes convincentes nos quais ardia o fogo do amor de Cristo. Portanto, este é o primeiro aspecto: procuremos ser nós mesmos sacerdotes convincentes. O segundo, é que devemos convidar, como já disse, para a iniciativa da oração, para ter esta humildade, esta confiança de falar com Deus, com força, com decisão. O terceiro aspecto: ter a coragem de falar com os jovens, se podem pensar que Deus os chame, porque muitas vezes é necessária uma palavra humana para predispor para a escuta à vocação divina; falar com os jovens e sobretudo ajudá-los a encontrar um contexto vital no qual possam viver. O mundo de hoje é tal que parece quase excluída a maturação de uma vocação sacerdotal; os jovens precisam de ambientes nos quais se viva a fé, nos quais sobressaia a beleza da fé, nos quais sobressaia que este é um modelo de vida, "o" modelo de vida, e portanto ajudá-los a encontrar movimentos, ou a paróquia a comunidade na paróquia ou outros contextos nos quais estejam realmente circundados pela fé, pelo amor de Deus, e possam portanto abrir-se para que a vocação de Deus os alcance e ajude. De resto, demos graças ao Senhor por todos os seminaristas do nosso tempo, pelos jovens sacerdotes, e rezemos. O Senhor ajudar-nos-á! Obrigado a todos vós!

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