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EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
PÓS-SINODAL

ECCLESIA IN ASIA

DO SANTO PADRE
JOÃO PAULO II
 
AOS BISPOS
AOS PRESBÍTEROS E DIÁCONOS
AOS RELIGIOSOS E RELIGIOSAS
E A TODOS OS FIÉIS LEIGOS

SOBRE JESUS CRISTO SALVADOR
E A SUA MISSÃO DE AMOR
E SERVIÇO NA ÁSIA: 
« PARA QUE TENHAM VIDA
E A TENHAM EM ABUNDÂNCIA » (Jo 10, 10)

 

INTRODUÇÃO

 

As maravilhas do plano de Deus, na Ásia

1. A Igreja na Ásia canta os louvores do « Deus da nossa salvação » (Sal 6867, 20) por ter escolhido iniciar o seu plano salvador em terra asiática, através de homens e mulheres deste continente. De facto, foi na Ásia que Deus deu início à revelação e cumprimento do seu desígnio de salvação. Guiou os Patriarcas (cf. Gen 12) e chamou Moisés para conduzir o seu povo para a liberdade (cf. Ex 3, 10). Falou ao seu povo eleito através de muitos profetas, juízes, reis e corajosas mulheres de fé. Na « plenitude dos tempos » (Gal 4, 4), enviou o seu Filho unigénito, Jesus Cristo Salvador, que encarnou com corpo semelhante ao de um asiático! Exultando pela bondade dos povos do Continente, pelas suas culturas e vitalidade religiosa, mas ao mesmo tempo consciente do dom único da fé que ela recebeu para benefício de todos, a Igreja na Ásia não pode deixar de proclamar: « Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterno o seu amor » (Sal 118-117, 1).

Uma vez que Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou dos mortos na Terra Santa, esta pequena porção da Ásia Ocidental tornou-se uma terra de promessa e de esperança para todo o género humano. Jesus conheceu e amou esta terra. Assumiu como próprios a história, os sofrimentos e as esperanças do seu povo. Amou a sua gente e abraçou as tradições e herança judaicas. De facto, muito tempo antes Deus escolhera este povo e revelou-Se a ele preparando a vinda do Salvador. E desta terra, pela pregação do Evangelho com o poder do Espírito Santo, a Igreja estendeu-se até fazer « discípulos de todas as nações » (Mt 28, 19). Com a Igreja espalhada por todo o mundo, a Igreja da Ásia cruzará o limiar do Terceiro Milénio Cristão, cheia de admiração por tudo o que Deus operou desde o início até agora, e bem consciente de que, « assim como no primeiro milénio a Cruz foi implantada no solo da Europa e, no segundo milénio, o mesmo ocorreu na América e na África, nós rezaremos para que, no terceiro milénio cristão, uma grande colheita de fé possa ser feita neste continente tão vasto e vivo ».1

Preparação da Assembleia Especial

2. Na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, apresentei um programa para a Igreja acolher bem o terceiro milénio de cristianismo, um programa centrado nos desafios da nova evangelização. Um aspecto importante desse plano era a realização de Sínodos Continentais onde os Bispos pudessem tratar a questão da evangelização de acordo com a situação particular e as necessidades de cada continente. Esta série de Sínodos, ligados entre si pelo tema da nova evangelização, demonstrou-se uma parte importante da preparação da Igreja para o Grande Jubileu do Ano 2000.

Na referida Carta Apostólica, ao mencionar a Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, observei que é nesta parte do mundo onde aparece « mais acentuada a questão do encontro do cristianismo com as antiquíssimas culturas e religiões locais. Grande desafio, este, para a evangelização, dado que sistemas religiosos como o budismo ou o hinduísmo se propõem com um claro carácter soteriológico ».2 E realmente um mistério o motivo pelo qual o Salvador do mundo, nascido na Ásia, tenha permanecido até agora largamente desconhecido para a população do continente. O Sínodo haveria de ser uma ocasião providencial para a Igreja da Ásia reflectir primariamente neste mistério e renovar o compromisso para com a missão de tornar Jesus Cristo melhor conhecido a todos. Dois meses depois da publicação da Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, ao dirigir-me à VI Assembleia Plenária da Federação das Conferências Episcopais da Ásia, em Manila nas Filipinas, durante as memoráveis celebrações da X Jornada Mundial da Juventude, lembrei aos Bispos: « Se a Igreja da Ásia deve realizar o seu destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade absoluta ».3

A resposta positiva dos Bispos e das Igrejas particulares à ideia de uma Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos foi evidente ao longo de toda a fase preparatória. Os Bispos comunicaram seus desejos e opiniões sobre cada ponto com franqueza e profundo conhecimento da situação do Continente. Fizeram-no com plena consciência do vínculo de comunhão que partilham com a Igreja Universal. Em sintonia com a ideia original da Carta Apostólica Tertio millennio adveniente e seguindo as propostas do Conselho Pré-Sinodal que ponderara o parecer dos Bispos e Igrejas particulares do Continente asiático, escolhi como tema do Sínodo: « Jesus Cristo Salvador e a sua missão de amor e serviço na Ásia: "Para que tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10, 10) ». Com esta formulação particular do tema, pretendi que o Sínodo pudesse « ilustrar e aprofundar a verdade sobre Cristo como único Mediador entre Deus e os homens e único Redentor do mundo, distinguindo-O bem dos fundadores de outras grandes religiões ».4 Ao aproximarmo-nos do Grande Jubileu, a Igreja na Ásia precisa de estar em condições de proclamar com renovado vigor: Ecce natus est nobis Salvator mundi, « Eis o Salvador do mundo nascido para nós », ... nascido na Ásia!

A celebração da Assembleia Especial

3. Pela graça de Deus, a Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos teve lugar de 18 de Abril a 14 de Maio de 1998 no Vaticano. Realizou-se depois das Assembleias Especiais para a África (1994) e para a América (1997), seguindo-se-lhe no final do ano de 1998 a Assembleia Especial para a Oceânia. Durante quase um mês, os Padres Sinodais e outros participantes, reunidos à volta do Sucessor de Pedro e partilhando o dom da comunhão hierárquica, deram voz e rosto à Igreja da Ásia. Foi realmente um momento de graça especial! 5 Anteriores reuniões de Bispos asiáticos tinham contribuído para preparar o Sínodo e tornar possível uma atmosfera de intensa comunhão eclesial e fraterna. Foram de particular relevo, a tal respeito, as precedentes Assembleias Plenárias e Seminários patrocinados pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia e seus departamentos, que faziam com que se encontrassem periodicamente grande número de Bispos asiáticos, cimentando entre eles laços pessoais e ministeriais. Tive o privilégio de tomar parte nalguns destes encontros, presidindo na mesma altura às solenes Celebrações Eucarísticas de abertura ou encerramento. Em tais ocasiões, pude observar directamente a experiência de diálogo entre as Igrejas particulares, incluindo as Igrejas Orientais, na pessoa dos seus Pastores. Estas e outras assembleias regionais dos Bispos da Ásia serviram providencialmente de preparação remota para a Assembleia Sinodal.

A própria celebração do Sínodo confirmou a importância do diálogo como uma forma característica da vida da Igreja na Ásia. Comprovou-se que uma sincera e leal partilha de experiências, ideias e propostas é o caminho para um genuíno encontro de almas, uma comunhão de mentes e corações que, no amor, se respeitam e transcendem as diferenças. Particularmente comovente foi o encontro das novas Igrejas com as antigas Igrejas cujas origens remontam aos Apóstolos. Experimentámos a alegria incomparável que sentiam os Bispos das Igrejas particulares no Myanmar [ex-Birmânia], Vietname, Laos, Camboja, Mongólia, Sibéria e nas novas Repúblicas da Ásia Central, por poderem sentar-se ao lado de seus Irmãos, que há muito tempo também os desejavam encontrar e dialogar com eles. Contudo havia também uma sensação de tristeza pelo facto de não poderem estar presentes os Bispos da China continental. A sua ausência constituiu uma lembrança constante dos sacrifícios e sofrimentos heróicos que a Igreja continua a suportar em muitas partes da Ásia.

A experiência de diálogo dos Bispos e do Sucessor de Pedro, a quem está confiada a tarefa de fortalecer os seus irmãos (cf. Lc 22, 32), foi verdadeiramente uma confirmação na fé e na missão. Dia após dia, a Aula do Sínodo e as salas de grupo enchiam-se com relatórios de fé profunda, amor de auto-imolação, inabalável esperança, compromisso à custa de longos sofrimentos, coragem constante, perdão misericordioso, manifestando-se eloquentemente em tudo isso a verdade das palavras de Jesus: « Eu estarei sempre convosco » (Mt 28, 20). O Sínodo constituiu um momento de graça, porque foi um encontro com o Salvador que continua a estar presente na sua Igreja pelo poder do Espírito Santo, palpável num diálogo fraterno de vida, comunhão e missão.

Partilha dos frutos da Assembleia Especial

4. Através desta Exortação Apostólica Pós-Sinodal, desejo partilhar com a Igreja presente na Ásia e no mundo inteiro os frutos desta Assembleia Especial. Este documento procura transmitir a riqueza deste grande acontecimento espiritual de comunhão e colegialidade episcopal. O Sínodo foi uma evocação celebrativa dos caminhos asiáticos do cristianismo. Os Padres Sinodais recordaram a primeira Comunidade Cristã, a primitiva Igreja, pequenino rebanho de Jesus neste Continente imenso (cf. Lc 12, 32). Recordaram o que a Igreja recebeu e ouviu desde o início (cf. Ap 3, 3), e, depois de o recordar, celebraram a « imensa bondade » (Sal 145144, 7) de Deus, que nunca falha. O Sínodo foi também uma ocasião para reconhecer as tradições religiosas e civilizações antigas, as profundas filosofias e sabedoria que fizeram da Ásia aquilo que ela é hoje. E sobretudo foram lembrados os próprios povos da Ásia, que constituem a verdadeira riqueza e esperança do futuro do Continente. Durante o Sínodo, aqueles que estiveram presentes foram testemunhas dum encontro extraordinariamente frutuoso entre as antigas e as novas culturas e civilizações da Ásia, um panorama maravilhoso na sua diversidade e convergência, especialmente quando símbolos, cânticos, danças e cores apareceram juntos, em harmoniosa combinação, à volta da Mesa do Senhor, nas Liturgias Eucarísticas de abertura e encerramento.

Uma celebração ditada, não pela vaidade de realizações humanas, mas pela consciência do que o Altíssimo tem feito pela Igreja da Ásia (cf. Lc 1, 49). Recordando a humilde condição da Comunidade católica e ainda as fraquezas dos seus membros, o Sínodo foi também uma chamada à conversão, para que a Igreja da Ásia pudesse tornar-se mais digna ainda das graças que continuamente lhe têm sido oferecidas por Deus.

Para além de comemoração e celebração, o Sínodo foi também uma ardente afirmação de fé em Jesus Cristo Salvador. Agradecidos pelo dom da fé, os Padres Sinodais concluíram que não há melhor meio para celebrar a fé do que afirmá-la na sua integridade, e reflectir como relacioná-la com o contexto no qual ela tem de ser proclamada e professada na Ásia de hoje. Frequentemente puseram em realce que a fé está já a ser proclamada com confiança e coragem no Continente, embora no meio de grandes dificuldades. Em nome dos muitos milhões de homens e mulheres da Ásia que põem a sua confiança apenas no Senhor, os Padres Sinodais confessaram: « Nós acreditamos e sabemos que és o Santo de Deus » (Jo 6, 69). Diante das muitas e dolorosas questões suscitadas pelo sofrimento, a violência, a discriminação e a pobreza a que a maioria dos povos asiáticos está sujeita, aqueles rezaram: « Eu creio! Ajuda a minha incredulidade » (Mc 9, 24).

Em 1995, convidei os Bispos da Ásia, reunidos em Manila, a « abrirem de par em par as portas da Ásia a Cristo ».6 Revigorados pelo mistério de comunhão com os inumeráveis e muitas vezes desconhecidos mártires da fé na Ásia e confirmados na esperança pela presença contínua do Espírito Santo, os Padres Sinodais corajosamente chamaram todos os discípulos de Cristo da Ásia a um renovado compromisso pela missão. Durante a Assembleia Sinodal, os Bispos e demais participantes foram testemunhas do génio, do ardor e zelo espiritual, que seguramente farão da Ásia a terra duma abundante colheita no milénio vindouro.

CAPÍTULO I

O CONTEXTO ASIÁTICO

A Ásia, terra natal de Jesus e da Igreja

5. A encarnação do Filho de Deus, que toda a Igreja comemorará solenemente no Grande Jubileu do Ano 2000, deu-se num contexto histórico e geográfico definido. Este contexto exerceu uma importante influência na vida e missão do Redentor enquanto homem. « Em Jesus de Nazaré, Deus assumiu as características próprias da natureza humana, incluindo a pertença obrigatória do indivíduo a um povo concreto e a uma determinada terra. (...) A dimensão concreta e física da terra e as suas coordenadas geográficas fazem parte da verdade da carne humana assumida pelo Verbo ».7 Por conseguinte, o conhecimento do mundo onde o Salvador « habitou entre nós » (Jo 1, 14) é uma chave importante para a compreensão mais exacta do desígnio do Eterno Pai e da imensidão do seu amor por toda a criatura: « Porque Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna » (Jo 3, 16).

Da mesma forma, a Igreja vive e cumpre a sua missão nas circunstâncias actuais de tempo e lugar. É essencial um conhecimento crítico das diversas e complexas realidades da Ásia, se o Povo de Deus neste Continente quiser corresponder ao desígnio duma nova evangelização que Deus tem sobre ele. Os Padres Sinodais afirmaram insistentemente que a missão de amor e serviço da Igreja na Ásia está condicionada por dois factores: por um lado, a compreensão de si própria como uma comunidade de discípulos de Jesus Cristo congregada à volta dos seus Pastores, e, por outro, as realidades sociais, políticas, religiosas, culturais e económicas da Ásia.8 A situação da Ásia foi examinada detalhadamente durante o Sínodo por aqueles que vivem em contacto diário com as realidades, extremamente diversificadas, de tão imenso Continente. O que se segue é, em síntese, o resultado das reflexões dos Padres Sinodais.

Realidades religiosas e culturais

6. A Ásia é o continente mais vasto da terra e a casa de aproximadamente dois terços da população mundial, contando a China e a Índia quase metade da população total do globo. A característica mais notável do Continente é a variedade das suas populações, que são « herdeiras de antigas culturas, religiões e tradições ».9 Não podemos deixar de ficar maravilhados perante a imensidão da população da Ásia e o complexo mosaico das suas múltiplas culturas, línguas, crenças e tradições, que abrangem uma parte substancial da história e do património da família humana.

A Ásia é também o berço das maiores religiões do mundo: judaísmo, cristianismo, islamismo e hinduísmo. É a terra natal de muitas outras tradições espirituais como o budismo, taoísmo, confucionismo, zoroastrismo, jainismo, sikhismo e xintoísmo. São milhões também os que vivem comprometidos com religiões tradicionais ou tribais, com variados graus de um complexo ritual e de ensino religioso formal. A Igreja nutre o mais profundo respeito por estas tradições e deseja empenhar-se num diálogo sincero com os seus seguidores. Os valores religiosos, que ensinam, aguardam pelo seu pleno cumprimento em Jesus Cristo.

O povo da Ásia ufana-se dos seus valores religiosos e culturais, tais como amor ao silêncio e contemplação, simplicidade, harmonia, desprendimento, não-violência, espírito de sacrifício, disciplina, vida frugal, sede de saber e indagação filosófica.10 Tem em grande apreço os valores do respeito pela vida, compaixão por todos os seres, cuidado com a natureza, piedade filial pelos familiares, idosos e antepassados, e um sentido muito vivo de comunidade.11 De maneira particular, considera a família como uma fonte vital de energia, como uma comunidade tecida intimamente por um poderoso sentimento de solidariedade.12 Os povos asiáticos são conhecidos pelo seu espírito de tolerância religiosa e de coexistência pacífica. Sem negar a existência de dolorosas tensões e violentos conflitos, pode-se tranquilamente afirmar que a Ásia demonstrou frequentemente uma notável capacidade de adaptação e uma abertura natural ao mútuo enriquecimento das pessoas no meio de uma pluralidade de religiões e culturas. Além disso, apesar da influência da modernidade e da secularização, as religiões asiáticas estão a mostrar sinais de grande vitalidade e uma boa capacidade de renovação, como se vê pelos movimentos reformistas no âmbito dos diversos grupos religiosos. Muitas pessoas, sobretudo jovens, sentem um profundo desejo de valores espirituais, como bem o demonstra o aparecimento de novos movimentos religiosos.

Tudo isto aponta para uma natural percepção espiritual e sabedoria moral no espírito asiático e constitui o centro à volta do qual se formou um sentido crescente de « ser asiático ». Este « ser asiático » identificou-se e foi-se consolidando, não no confronto e oposição, mas no espírito de complementaridade e harmonia. Nesta trama feita de complementaridade e harmonia, a Igreja há-de comunicar o Evangelho de modo tal que seja simultaneamente fiel à sua própria Tradição e ao espírito asiático.

Realidades económicas e sociais

7. Quanto ao andamento do progresso económico, são muito diversas as situações no continente asiático, impedindo uma simples classificação. Alguns países são superdesenvolvidos, outros estão a desenvolver-se graças a efectivas políticas económicas, e outros ainda encontram-se em degradante pobreza, contando-se de facto entre as nações mais pobres da terra. Com o processo de desenvolvimento, foram também ganhando terreno, sobretudo nas áreas urbanas, o materialismo e o secularismo. Estas ideologias, que minam os valores sociais e religiosos tradicionais, ameaçam as culturas da Ásia, com um dano incalculável.

Os Padres Sinodais falaram das rápidas mudanças, que se estão a verificar nas sociedades asiáticas, e dos aspectos positivos e negativos das mesmas. Dentre elas conta-se o fenómeno da urbanização e o aparecimento de imensos aglomerados urbanos, frequentemente com largas áreas deprimidas, onde prolifera o crime organizado, o terrorismo, a prostituição e a exploração das faixas débeis da sociedade. Também a migração é um fenómeno social saliente, expondo milhões de pessoas a situações penosas económica, cultural e moralmente. As pessoas emigram, quer dentro da Ásia quer da Ásia para outros continentes, por muitas razões, sendo algumas delas a pobreza, a guerra e os conflitos étnicos, a negação dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais. A constituição de complexos industriais gigantes é outra causa de emigração interna e externa, com efeitos devastantes sobre a vida e valores familiares. Também se fez menção da construção de potentes instalações nucleares, escolhidas pelo seu custo e eficiência mas com pouco respeito pela saúde das populações e pela integridade do ambiente.

A realidade do turismo justifica também especial atenção. Embora sendo uma actividade legítima com seus próprios valores culturais e educativos, o turismo exerce, nalguns casos, uma influência devastadora no cenário moral e físico de muitos países asiáticos, patente na degradação de jovens e até crianças pela prostituição.13 O cuidado pastoral tanto dos migrantes como dos turistas é difícil e complexo, sobretudo na Ásia onde faltam as estruturas básicas para o efeito. Ao planear a pastoral, a todos os níveis, é necessário tomar estas realidades em consideração. Neste contexto, devemos não esquecer os migrantes das Igrejas Católicas Orientais que necessitam de cuidados pastorais de acordo com as suas próprias tradições eclesiásticas.14

Vários países asiáticos enfrentam dificuldades relacionadas com o crescimento da população, que não é « simplesmente um problema demográfico e económico, mas sobretudo um problema moral ».15 É claro para todos que a questão da população está estritamente ligada com a promoção humana, mas abundam falsas soluções que atentam contra o carácter inviolável e a dignidade da vida, e constituem um desafio especial para a Igreja da Ásia. Talvez neste momento venha a propósito lembrar a contribuição da Igreja para a defesa e promoção da vida, através de cuidados sanitários, do desenvolvimento social e da educação, para benefício das pessoas, sobretudo dos pobres. Era oportuno que esta Assembleia Especial para a Ásia prestasse homenagem à falecida Madre Teresa de Calcutá, « que se tornou conhecida em todo o mundo pelo seu amor e generosa solicitude pelos mais pobres dos pobres ».16 Ela permanece como um ícone do serviço à vida que a Igreja está a oferecer à Ásia, contrastando corajosamente com muitas forças ocultas em acção na sociedade.

Um certo número de Padres Sinodais sublinhou as influências externas que estão a penetrar nas culturas asiáticas. Vão surgindo formas novas de comportamento resultantes da orientação dos mass-media e dos tipos de literatura, música e filmes que estão a proliferar no Continente. Sem negar que os meios de comunicação social podem ser uma grande força para o bem,17 não se pode ignorar o impacto negativo que frequentemente produzem. De facto, os seus efeitos benéficos podem ser sobrepujados pelo modo como são controlados e utilizados por pessoas com interesses política, económica e ideologicamente discutíveis. Em consequência disso, os aspectos negativos dos mass-media e espectáculos estão a ameaçar os valores tradicionais, e de modo particular a sacralidade do matrimónio e a estabilidade da família. O efeito de imagens de violência, hedonismo, individualismo e materialismo desenfreado « é impressionante no íntimo das culturas asiáticas, no carácter religioso das pessoas, famílias e sociedades inteiras ».18 Esta é uma situação que oferece um grande desafio à Igreja e à proclamação da sua mensagem.

A realidade persistente de pobreza e exploração de pessoas é objecto da mais premente preocupação. Na Ásia, há milhões de pessoas oprimidas, que, durante séculos, foram postas económica, cultural e politicamente à margem da sociedade.19 Ao reflectirem sobre a situação da mulher nas sociedades asiáticas, os Padres Sinodais observaram que, « embora o despertar da consciência da mulher para a sua dignidade e os seus direitos seja um dos sinais dos tempos mais significativos, a pobreza e a exploração da mulher continua a ser um problema sério por toda a Ásia ».20 O analfabetismo feminino é muito superior ao masculino; e as crianças de sexo feminino sofrem maior probabilidade de ser abortadas ou mesmo assassinadas depois do nascimento. Existem também milhões de indígenas ou populações tribais por toda a Ásia que vivem segregados social, cultural e politicamente da população dominante.21 Foi tranquilizador ouvir os Bispos dizerem ao Sínodo que, nalguns casos, estas questões estão a ser objecto de maior atenção a nível nacional, regional e internacional, e que a Igreja está activamente empenhada a perorar esta séria situação.

Os Padres Sinodais puseram em destaque que esta reflexão, necessariamente breve, sobre as realidades económicas e sociais da Ásia não seria completa se não se reconhecesse também o vasto crescimento económico que, nas últimas décadas, caracterizou muitas sociedades asiáticas: uma nova geração de operários especializados, cientistas, técnicos está crescendo diariamente, e o seu grande número é de bom auspício para o desenvolvimento da Ásia. Apesar disso, nem tudo é estável e seguro em tal progresso, como ficou patente na recente e profunda crise financeira sofrida por numerosos países asiáticos. O futuro da Ásia reside na cooperação, tanto no âmbito interno como com as nações de outros continentes, mas há-de ser sempre edificado sobre o que os asiáticos fazem em ordem ao seu próprio desenvolvimento.

Realidades políticas

8. A Igreja precisa sempre de ter uma compreensão exacta da situação política nos diversos países onde ela procura cumprir a sua missão. Na Ásia, actualmente o panorama político é muito complexo, ostentando um leque de ideologias que varia desde formas democráticas de governo até formas teocráticas. Ditaduras militares e ideologias ateias estão muito presentes. Alguns países reconhecem uma religião oficial de Estado, que deixa pouca ou nenhuma liberdade religiosa às minorias e aos seguidores de outras religiões. Outros Estados, embora não explicitamente teocráticos, reduzem as minorias a cidadãos de segunda classe com menor salvaguarda dos seus direitos fundamentais. Nalguns lugares, não é permitido aos cristãos praticarem livremente a sua fé nem anunciar Jesus aos outros.22 São perseguidos e é-lhes negado o seu justo lugar na sociedade. Os Padres Sinodais recordaram de maneira particular o povo da China, manifestando a veemente esperança de que todos os seus irmãos e irmãs chineses católicos tenham um dia a possibilidade de cumprir livremente a sua religião e professar visivelmente a sua plena comunhão com a Sé de Pedro.23

Ao mesmo tempo que manifestavam apreço pelo progresso que muitos países asiáticos estão a realizar nas suas diferentes formas de governo, os Padres Sinodais chamaram a atenção para a larga corrupção que existe a vários níveis tanto do governo como da sociedade.24 E frequentemente as pessoas vêem-se abandonadas na sua própria defesa contra políticos, juízes, administradores e funcionários corruptos. Mas, por toda a Ásia vai crescendo a consciência da capacidade do povo para mudar estruturas injustas. Existem novas reivindicações de maior justiça social, de mais participação no governo e na vida económica, de iguais oportunidades na educação, e duma justa partilha dos recursos da nação. De forma crescente as pessoas vão-se tornando conscientes da sua dignidade e direitos humanos, e mais determinadas a salvaguardá-los. Longamente adormecidos, grupos étnica, social e culturalmente minoritários estão a procurar o modo de se tornarem agentes do seu próprio desenvolvimento social. O Espírito de Deus ajuda e sustenta os esforços das pessoas para transformar a sociedade de tal modo que o anseio humano duma vida em abundância possa ser satisfeito como Deus quer (cf. Jo 10, 10).

A Igreja da Ásia: passado e presente

9. A história eclesial na Ásia é tão antiga como a própria Igreja, porque foi neste Continente que Jesus derramou o Espírito Santo sobre os seus discípulos e os enviou até aos confins da terra para proclamarem a Boa Nova e congregarem os crentes em comunidades. « Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós » (Jo 20, 21; veja-se também Mt 28, 18-20; Mc 16, 15-18; Lc 24, 47; Act 1, 8). Obedecendo ao mandato do Senhor, os Apóstolos pregaram a Palavra e fundaram Igrejas. Pode servir de ajuda lembrar aqui alguns elementos desta história fascinante e complexa.

Partindo de Jerusalém, a Igreja dilatou-se até Antioquia, Roma e mais além. Chegou à Etiópia a sul, à Cita a norte, e à Índia a oriente, onde, segundo a tradição, esteve o apóstolo S. Tomé pelo ano 52 e fundou Igrejas no sul da Índia. O espírito missionário da Comunidade Síria Oriental dos séculos III e IV, com centro em Edessa, foi notável. As comunidades ascéticas da Síria foram uma força considerável de evangelização na Ásia desde o século III em diante. Elas deram energia espiritual à Igreja, sobretudo durante os tempos de perseguição. A Arménia foi a primeira nação em bloco a abraçar o cristianismo; isto deu-se no final do século III, preparando-se ela agora para celebrar os 1700 anos do seu baptismo. Pelo fim do século V, a mensagem cristã chegou aos Reinos Árabes, mas por diversas razões, sendo uma delas as divisões entre cristãos, a mensagem não conseguiu lançar raízes entre estes povos.

Comerciantes persas levaram a Boa Nova até à China no século V. A primeira igreja cristã foi lá construída no início do século VII. Durante a dinastia T'ang (618-907), a Igreja floresceu por cerca de duzentos anos. O declínio desta entusiasta Igreja da China, nos fins do primeiro milénio, é um dos capítulos mais tristes da história do Povo de Deus no Continente.

No século XIII, a Boa Nova foi anunciada aos Mongóis e aos Turcos e novamente aos Chineses. Mas o cristianismo quase desapareceu nestas regiões por numerosos motivos, contando-se entre eles o ressurgimento do islamismo, o isolamento geográfico, a falta de uma adaptação apropriada às culturas locais e, talvez acima de tudo, a falta de preparação para ir ao encontro das grandes religiões da Ásia. O fim do século XIV viu uma diminuição drástica da Igreja na Ásia, à excepção da comunidade isolada no sul da Índia. A Igreja da Ásia tem de esperar uma nova era de esforço missionário.

O trabalho apostólico de S. Francisco Xavier, a fundação da Congregação Propaganda Fide pelo Papa Gregório XV, e as orientações dadas aos missionários para respeitarem e estimarem as culturas locais, tudo contribuiu para se obter resultados muito positivos no decurso do século XVI e XVII. No século XIX, houve novamente um ressurgimento da actividade missionária. Várias congregações religiosas empenharam-se completamente nesta tarefa. A Congregação Propaganda Fide foi reorganizada. A insistência maior foi posta sobre a edificação das Igrejas locais. Obras educativas e caritativas andavam de mãos dadas com a pregação do Evangelho. Consequentemente a Boa Nova continuou a estender-se a um número sempre maior de pessoas, sobretudo entre os pobres e marginalizados, mas também, aqui e além, no meio de elites sociais e intelectuais. Fizeram-se novas tentativas para inculturar a Boa Nova, embora se revelassem ainda insuficientes. Não obstante a sua presença por longos séculos e os seus múltiplos esforços apostólicos, a Igreja em muitos lugares é ainda considerada como estranha à Ásia, tendo mesmo sido associada muitas vezes, na mente das pessoas, com os poderes coloniais.

Esta era a situação nas vésperas do Concílio Vaticano II; mas, graças ao impulso dado pelo Concílio, despertou uma nova compreensão da missão e, com ela, uma grande esperança. A universalidade do plano divino da salvação, a natureza missionária da Igreja e a responsabilidade de todos e cada um na Igreja por esta tarefa, tão fortemente reafirmadas no Decreto conciliar sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, tornou-se a estrutura de um novo compromisso. Durante a Assembleia Especial, os Padres Sinodais deram testemunho do recente crescimento da comunidade eclesial no meio dos mais diversos povos e em várias partes do Continente, e apelaram para novos esforços missionários nos anos vindouros, especialmente com as novas possibilidades abertas à proclamação do Evangelho na Região Siberiana e nos países da Ásia Central que conquistaram recentemente a sua independência como Casaquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão e Turquemenistão.25

Uma análise das comunidades católicas na Ásia mostra uma variedade magnífica quer pela sua origem e desenvolvimento histórico, quer por causa das diferentes tradições espirituais e litúrgicas dos vários ritos. Mas, todas elas estão unidas na proclamação da Boa Nova de Jesus Cristo através do testemunho cristão e das obras de caridade e de solidariedade humana. Enquanto algumas Igrejas particulares cumprem a sua missão em paz e liberdade, outras encontram-se em situações de violência e conflito ou sentem-se ameaçadas por grupos vários, por motivos religiosos ou de outra espécie. No mundo cultural imensamente diversificado da Ásia, a Igreja enfrenta múltiplos desafios filosóficos, teológicos e pastorais. A sua missão torna-se mais difícil pelo facto de ser uma minoria, com a única excepção das Filipinas, onde os católicos são a maioria.

Independentemente das circunstâncias, a Igreja na Ásia encontra-se no meio de pessoas que mostram um forte anseio de Deus. A Igreja reconhece que este anseio só pode ser plenamente satisfeito por Jesus Cristo, a Boa Nova de Deus para todas as nações. Os Padres Sinodais insistiram muito que esta Exortação Apostólica Pós-Sinodal focasse a sua atenção sobre tal anseio e encorajasse a Igreja da Ásia a proclamar vigorosamente, por palavras e obras, que Jesus Cristo é o Salvador.

O Espírito de Deus, sempre activo na história da Igreja da Ásia, continua a guiá-la. Os numerosos elementos positivos que se encontram nas Igrejas locais, postos frequentemente em evidência no Sínodo, reforçam a nossa expectativa de uma « nova primavera de vida cristã ».26 Um sólido motivo de esperança é o número crescente de leigos, melhor formados e cheios de entusiasmo e de Espírito, que estão cada vez mais conscientes da sua vocação específica dentro da comunidade eclesial. Dentre eles, merecem especial reconhecimento e louvor os leigos catequistas.27 Também os movimentos apostólicos e carismáticos são um dom do Espírito, trazendo nova vida e vigor à formação de homens e mulheres leigos, de famílias e de jovens.28 Associações e movimentos eclesiais, devotados à promoção da dignidade humana e da justiça, tornam acessível e palpável a universalidade da mensagem evangélica da nossa adopção como filhos de Deus (cf. Rom 8, 15-16).

Ao mesmo tempo, há Igrejas que vivem em circunstâncias muito difíceis, « passando por grandes provações na prática da sua fé ».29 Os Padres Sinodais ficaram comovidos com as narrações do testemunho heróico, perseverança inabalável e crescimento constante da Igreja Católica na China, com os esforços feitos pela Igreja da Coreia do Sul para prestar assistência ao povo da Coreia do Norte, a firmeza humilde da comunidade católica no Vietname, o isolamento de cristãos em muitos lugares do Laos e de Myanmar, a difícil coexistência com a maioria nalguns Estados predominantemente islâmicos.30 O Sínodo prestou uma especial atenção à situação da Igreja na Terra Santa e na Cidade Santa de Jerusalém, « o coração do cristianismo »,31 cidade amada por todos os filhos de Abraão. Os Padres Sinodais exprimiram a convicção de que a paz na região, e mesmo no mundo, depende em grande medida da paz e reconciliação que há tanto tempo desapareceu de Jerusalém.32

Não posso dar por terminada esta análise da situação da Igreja na Ásia, embora longe de ser completa, sem mencionar os Santos e Mártires da Ásia — quer os que como tal foram reconhecidos, quer aqueles que são conhecidos apenas de Deus —, cujo exemplo é uma fonte de « riqueza espiritual e um grande instrumento de evangelização ».33 Falam, silenciosa mas vigorosamente, da importância da santidade de vida e da prontidão em oferecer a própria vida pelo Evangelho. Eles são os mestres e protectores, a glória da Igreja da Ásia, no seu trabalho de evangelização. Com a Igreja inteira, peço ao Senhor que envie muitos trabalhadores prontos para ceifarem a messe de almas, que vejo já madura e abundante (cf. Mt 9, 37-38). Recordo, neste momento, o que escrevi na Encíclica Redemptoris missio: « Deus abre à Igreja os horizontes duma humanidade mais preparada para a sementeira evangélica ».34 Esta perspectiva de novos e promissores horizontes, vejo-a desenhando-se na Ásia, onde Jesus nasceu e o cristianismo começou.

CAPÍTULO II

JESUS SALVADOR: UM DOM PARA A ÁSIA

O dom da fé

10. À medida que se ia desenrolando o debate sinodal sobre as complexas realidades da Ásia, tornava-se sempre mais evidente para todos que a única contribuição da Igreja para os habitantes do continente é a proclamação de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, o mesmo e único Salvador para todos os povos.35 Aquilo que distingue a Igreja de outras comunidades religiosas é a sua fé em Jesus Cristo; e ela não pode esconder esta preciosa luz da fé debaixo do alqueire (cf. Mt 5, 15), pelo que a sua missão é partilhar esta luz com todos. A Igreja « quer oferecer a vida nova que encontrou em Jesus Cristo a todos os povos da Ásia que procuram a plenitude de vida, a fim de que possam instaurar a mesma comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo ».36 Esta fé em Jesus Cristo é o que anima a acção evangelizadora da Igreja na Ásia, levada a cabo muitas vezes em circunstâncias difíceis e até perigosas. Os Padres Sinodais observaram que proclamar Jesus como o único Salvador pode apresentar dificuldades particulares nas suas culturas, uma vez que muitas religiões asiáticas ensinam suas próprias manifestações divinas portadoras de salvação. Os desafios enfrentados nos seus esforços evangelizadores, longe de desanimar os Padres Sinodais, foram um incentivo ainda maior para se empenharem em transmitir « a fé que a Igreja da Ásia herdou dos Apóstolos e partilha com a Igreja de todas as gerações e lugares ».37 Com efeito, eles declararam-se convictos de que « o coração da Igreja da Ásia permanecerá inquieto até quando a Ásia inteira encontrar o seu repouso na paz de Cristo, o Senhor Ressuscitado ».38

A fé da Igreja em Jesus é um dom recebido, e um dom que deve ser partilhado; é o maior dom que a Igreja pode oferecer à Ásia. Partilhar a verdade de Jesus Cristo com os demais é dever sagrado de todos os que receberam o dom da fé. Na Encíclica Redemptoris missio, escrevi que « a Igreja, e nela cada cristão, não pode esconder nem guardar para si esta novidade e riqueza, recebida da bondade divina para ser comunicada a todos os homens ».39 Acrescentando logo a seguir: « Aqueles que estão incorporados na Igreja Católica devem sentir-se privilegiados e, por isso mesmo, mais comprometidos em testemunhar a fé e a vida cristã como serviço aos irmãos e resposta devida a Deus ».40

Profundamente convencidos disto, os Padres Sinodais sentiram-se igualmente conscientes da sua responsabilidade pessoal de compreender, através do estudo, oração e reflexão, a verdade eterna de Jesus, para levarem a sua força e vitalidade aos desafios actuais e futuros da evangelização na Ásia.

Jesus Cristo, o Deus humanado que salva

11. As Escrituras atestam que Jesus viveu uma existência autenticamente humana. Jesus, que proclamamos como o único Salvador, caminhou sobre a terra como o Deus humanado, na posse plena da natureza humana; era como nós em tudo, à excepção do pecado. Nascido duma Virgem Mãe, nos arredores humildes de Belém, achou-Se sem recursos como outros meninos, e até sofreu o destino de um refugiado, escapando à ira de um chefe cruel (cf. Mt 2, 13-15). Viveu submisso a pais humanos, que nem sempre entenderam as suas atitudes, mas confiou-Se a eles e obedeceu-lhes amorosamente (cf. Lc 2, 41-52). Constantemente em oração, Jesus viveu em íntima relação com Deus, a Quem Se dirigia com a palavra Abba, « Pai », para espanto dos seus ouvintes (cf. Jo 8, 34-59).

Aproximou-Se dos pobres, marginalizados e humildes, dizendo que eram verdadeiramente bem-aventurados, pois Deus estava com eles. Comeu com os pecadores, assegurando-lhes que há um lugar para eles à mesa do Pai, quando se afastam dos seus maus caminhos e regressam a Ele. Tocando os impuros e deixando que O tocassem, Jesus fez-lhes sentir a proximidade de Deus. Chorou por um amigo morto, restituiu vivo o filho morto à sua mãe viúva, declarou bem-vindas as crianças e lavou os pés aos seus discípulos. Nunca a compaixão divina tinha sido acessível tão imediatamente.

O doente, o paralítico, o cego, o surdo e o mudo, todos experimentaram cura e perdão ao tocá-Lo. Como seus companheiros e colaboradores mais íntimos, Ele escolheu um grupo insólito no qual se misturavam pescadores com cobradores de impostos, zelotas com pessoas ignorantes da Lei, e mulheres também. Uma nova família se foi criando sob o amor surpreendente do Pai que tudo abraça. Jesus pregou com simplicidade, servindo-Se de exemplos da vida diária para falar do amor de Deus e do seu Reino; e o povo reconheceu que Ele falou com autoridade.

Mas, foi acusado de ser blasfemo, um violador da Lei sagrada, um estorvo público que devia ser eliminado. Depois de um julgamento baseado em testemunhas falsas (cf. Mc 14, 15), foi condenado a morrer como um criminoso na cruz e, abandonado e humilhado, pareceu um falhado. Foi sepultado à pressa num túmulo emprestado. Mas no terceiro dia depois da sua morte e apesar das guardas que estavam de vigia, o túmulo foi encontrado vazio! Jesus, ressuscitado dos mortos, em seguida apareceu aos seus discípulos, antes de voltar para o Pai, que O tinha enviado. Com todos os cristãos, acreditamos que esta vida muito particular, num determinado sentido tão normal e simples mas noutro completamente maravilhosa e tão envolvida em mistério, introduziu na história humana o Reino de Deus e « aplicou o seu poder sobre todas as facetas da vida e da sociedade humana, prisioneiras do pecado e da morte ».41 Através das suas palavras e acções, especialmente pelo seu sofrimento, morte e ressurreição, Jesus realizou o desígnio que o Pai tinha de reconciliar consigo a humanidade, porque o pecado original tinha criado uma ruptura no relacionamento entre o Criador e a sua criação. Na Cruz, carregou sobre Si mesmo os pecados do mundo — passado, presente e futuro. S. Paulo recorda que estávamos mortos em consequência dos nossos pecados, mas a sua morte devolveu-nos novamente à vida: Deus « vivificou-vos com Ele, perdoando-vos todos os vossos pecados; cancelando a acta escrita contra nós, cujas prescrições nos condenavam; aboliu-a inteiramente, cravando-a na Cruz » (Col 2, 13-14). Assim, a salvação ficou concluída duma vez por todas. Jesus é o nosso Salvador no sentido mais pleno da palavra, porque as suas palavras e obras, especialmente a sua ressurreição dos mortos, revelaram que Ele é o Filho de Deus, o Verbo preexistente que reina para sempre como Senhor e Messias.

A pessoa e missão do Filho de Deus

12. O « escândalo » do cristianismo é o facto de acreditar que o Deus Santíssimo, Omnipotente e Omnisciente assumiu para Si próprio a nossa natureza humana, e suportou o sofrimento e a morte para conquistar a salvação para todo o povo (cf. 1 Cor 1, 23). A fé que recebemos ensina que Jesus Cristo revelou e cumpriu o plano que o Pai tinha de salvar o mundo e a humanidade inteira, por causa « do que Ele é » e « daquilo que Ele fez para ser o que é ». « O que Ele é » e « aquilo que Ele fez » só adquire o seu significado pleno quando se coloca dentro do mistério de Deus Uno e Trino. Tem sido uma constante do meu pontificado lembrar aos crentes a comunhão de vida da Santíssima Trindade e a unidade das três Pessoas divinas no plano da criação e da redenção. As Encíclicas Redemptor hominis, Dives in misericordia, e Dominum et vivificantem debruçam-se sobre o Filho, o Pai e o Espírito Santo, respectivamente, e suas funções no plano divino de salvação. Mas, não podemos isolar ou separar uma Pessoa das outras, dado que cada uma   delas Se revela apenas no âmbito da comunhão de vida e acção da Trindade. A acção salvadora de Jesus tem a sua origem na comunhão do Pai, e abre o caminho a todos os que acreditam n'Ele para entrarem em comunhão íntima com a Trindade e, na Trindade, uns com os outros.

« Quem Me vê, vê o Pai », reclama Jesus (Jo 14, 9). Somente n'Ele habita corporalmente a plenitude da divindade (cf. Col 2, 9), constituindo-O como a única e absoluta Palavra salvadora de Deus (cf. Heb 1, 1-4). Enquanto Palavra definitiva do Pai, Jesus torna conhecido o mais plenamente possível Deus e o seu desígnio salvador. « Ninguém vem ao Pai senão por Mim », disse Jesus (Jo 14, 6). Ele é « o Caminho, a Verdade e a Vida » ( Jo 14, 6), porque — como Ele mesmo explica — « o Pai que está em Mim é que faz as obras » (Jo 14, 10). Só na pessoa de Jesus, a palavra divina de salvação aparece em toda a sua plenitude, introduzindo nos últimos tempos (cf. Heb 1, 1-2). Por isso, nos primeiros dias da Igreja, Pedro pôde proclamar: « Não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar » (Act 4, 12).

A missão do Salvador atingiu o seu ponto culminante no Mistério Pascal. Na Cruz, ao « estender os braços entre o céu e a terra, como sinal indelével da (...) aliança »,42 Jesus lançou o seu apelo final pedindo ao Pai que perdoasse os pecados da humanidade: « Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem » (Lc 23, 34). Jesus destruiu o pecado em virtude do seu amor para com o Pai e a humanidade inteira. Ele assumiu sobre Si próprio todas as feridas feitas à humanidade pelo pecado, e ofereceu a libertação através da conversão. Os primeiros frutos disto são evidentes na pessoa do ladrão arrependido, suspenso a seu lado noutra cruz (cf. Lc 23, 43). A sua última expressão foi o grito do Filho fiel: « Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito » (Lc 23, 46). Neste acto supremo de amor, Jesus confiou toda a sua vida e missão nas mãos do Pai que O tinha enviado. Entregou assim ao Pai a criação inteira e toda a humanidade, para ser finalmente recebida por Ele com amor compassivo.

Tudo o que o Filho é e realizou, foi aceite pelo Pai, que ofereceu estes dons ao mundo no próprio momento em que ressuscitou Jesus dos mortos e O sentou à sua mão direita, onde o pecado e a morte já não têm qualquer poder. Com o Sacrifício Pascal de Jesus, o Pai ofereceu irrevogavelmente reconciliação e vida em abundância ao mundo. Este dom extraordinário só poderia vir através do seu Filho amado, o único que era capaz de corresponder plenamente ao amor do Pai, recusado com o pecado. Em Jesus Cristo, pelo poder do Espírito Santo, ficámos a saber que Deus não Se encontra distante, nem acima, nem fora do homem, mas está muito perto, antes unido a cada pessoa e à humanidade inteira em todas as situações da vida. Esta é a mensagem que o cristianismo oferece ao mundo, sendo uma fonte de consolação e esperança incomparável para todos os crentes.

Jesus Cristo: a verdade da humanidade

13. Como pode a humanidade de Jesus e o mistério inefável da encarnação do Filho do eterno Pai iluminar a condição humana? O Filho encarnado de Deus não só revela completamente o Pai e o seu plano de salvação, mas também « revela plenamente o homem a si próprio ».43 As suas palavras e acções, e sobretudo a sua morte e ressurreição, revelam a profundidade do que significa ser homem. Através de Jesus, o homem pode finalmente conhecer a verdade acerca de si mesmo. A vida perfeitamente humana de Jesus, completamente devotada ao amor e serviço do Pai e do homem, revela que a vocação de todo o ser humano é receber amor e, em troca, dar amor. Admiramos, em Jesus, a capacidade inexaurível do coração humano para amar a Deus e o homem, mesmo quando isso acarreta grande sofrimento. Mas sobretudo é na cruz que Jesus quebra o poder da resistência auto-destruidora ao amor, que o pecado nos impõe. Por sua vez, o Pai responde ressuscitando Jesus como o primogénito de todos os que estão predestinados a ser conformes à imagem do seu Filho (cf. Rom 8, 29). Naquele instante, Jesus tornou-Se de uma vez por todas simultaneamente revelação e realização duma humanidade recriada e renovada de acordo com o plano de Deus. Assim em Jesus descobrimos a grandeza e a dignidade de cada pessoa no coração de Deus, que criou o homem à sua própria imagem (cf. Gen 1, 26), e encontramos a origem da nova criação em que nos transformámos pela sua graça.

O Concílio Vaticano II ensinou que, « pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem ».44 Nesta profunda intuição, os Padres Sinodais viram a suprema fonte de esperança e força para o povo da Ásia, nas suas lutas e incertezas. Quando homens e mulheres respondem com fé viva à oferta do amor de Deus, a sua presença gera amor e paz, transformando o coração humano a partir de dentro. Na Encíclica Redemptor hominis, escrevi que « a redenção do mundo — aquele tremendo mistério de amor em que a criação foi renovada — é, na sua raiz mais profunda, a plenitude da justiça num coração humano — o Coração do Filho primogénito —, a fim de que ela possa tornar-se justiça dos corações de muitos homens, os quais, precisamente no Filho primogénito, foram predestinados desde toda a eternidade para se tornarem filhos de Deus e chamados à graça, chamados ao amor ».45

Assim, a missão de Jesus não só restaurou a comunhão entre Deus e a humanidade, mas estabeleceu também uma nova comunhão entre os seres humanos, alienados uns dos outros por causa do pecado. Para além de todas as divisões, Jesus dá às pessoas a possibilidade de viverem como irmãos e irmãs, reconhecendo todos um único Pai, Aquele que está nos céus (cf. Mt 23, 9). N'Ele, surgiu uma nova harmonia, onde « não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus » (Gal 3, 28). Jesus é a nossa paz, « Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava » (Ef 2, 14). Em tudo o que disse e fez, Jesus foi a voz, as mãos e os braços do Pai, congregando todos os filhos de Deus numa única família de amor. Rezou para que os seus discípulos pudessem viver em comunhão, tal como Ele está em comunhão com o Pai (cf. Jo 17, 11). Entre as suas últimas palavras, ouvímo-Lo dizer: « Como o Pai Me amou também Eu vos amei; permanecei no meu amor. (...) O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei » (Jo 15, 9.12). Enviado pelo Deus da comunhão, Jesus estabeleceu a comunhão entre o céu e a terra em sua própria pessoa, visto que Ele é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. A fé diz-nos que « agradou a Deus que residisse n'Ele toda a plenitude, e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando, pelo sangue da sua cruz, tanto as da terra como as dos céus » (Col 1, 19-20). Deste modo, a salvação pôde fundar-se na pessoa do Filho de Deus feito homem e na missão unicamente confiada a Ele enquanto Filho, uma missão de serviço e de amor pela vida de todos. Juntamente com a Igreja espalhada pelo mundo, a Igreja da Ásia proclama esta verdade de fé: « Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que Se deu em resgate por todos » (1 Tim 2, 5-6).

O carácter único e universal da salvação de Jesus

14. Os Padres Sinodais reafirmaram que o Verbo preexistente, o Filho de Deus gerado desde toda a eternidade, « já estava presente na criação, na história e em cada anseio humano de bem ».46 Por meio do Verbo, presente no cosmo já antes da Encarnação, foi feito o mundo (cf. Jo 1, 1-4.10; Col 1, 15-20). Mas enquanto Verbo encarnado que viveu, morreu e ressuscitou dos mortos, Jesus Cristo é agora proclamado como o cumprimento de toda a criação, de toda a história e de todo o anseio humano de uma vida em abundância.47 Ressuscitado dos mortos, Jesus Cristo « está unido, duma forma nova e misteriosa, a cada elemento e ao conjunto da criação ».48 N'Ele, « encontram a sua plenitude e realização os valores autênticos de todas as tradições religiosas e culturais, tais como misericórdia e submissão à vontade de Deus, compaixão e integridade, não-violência e justiça, piedade filial e harmonia com a criação ».49 Desde o primeiro instante do tempo até ao seu termo, Jesus é o único Mediador universal. Mesmo a todos aqueles que não professam explicitamente a fé n'Ele como Salvador, também lhes chega a salvação como uma graça de Jesus Cristo, através da comunicação do Espírito Santo.

Acreditamos que Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é o único Salvador, porque só Ele — o Filho — realizou o plano universal de salvação do Pai. Enquanto manifestação definitiva do mistério do amor do Pai por todos, Jesus é realmente único, e « é precisamente esta singularidade única de Cristo que Lhe confere um significado absoluto e universal, pelo qual, enquanto está na história, é o centro e o fim da mesma história ».50

Não há indivíduo, nação ou cultura que fique insensível ao apelo de Jesus, que fala verdadeiramente a partir do âmago da condição humana. « É a sua própria vida que fala, a sua humanidade, a sua fidelidade à verdade e o seu amor que a todos abraça. Fala, ainda, a sua morte na cruz, isto é, a imperscrutável profundidade do seu sofrimento e do seu abandono ».51 Contemplando Jesus na sua natureza humana, os povos da Ásia encontram as suas questões mais profundas respondidas, as suas esperanças realizadas, a sua dignidade exaltada, e o seu desespero vencido. Jesus é a Boa Nova para os homens e mulheres de todo o tempo e lugar, que andam à procura do significado da existência e da verdade da sua própria humanidade.

CAPÍTULO III

O ESPÍRITO SANTO: SENHOR QUE DÁ A VIDA

O Espírito de Deus na criação e na história

15. Se é verdade que o significado salvífico de Jesus só pode ser compreendido no contexto da revelação que Ele fez do plano de salvação da Trindade, conclui-se daí que o Espírito Santo é uma parte absolutamente vital do mistério de Jesus e da salvação que Ele traz. Os Padres Sinodais referiram-se frequentemente ao papel do Espírito Santo na história da salvação, fazendo notar que uma errada separação entre o Redentor e o Espírito Santo meteria em risco a verdade de Jesus como o único Salvador de todos.

Na tradição cristã, o Espírito Santo sempre esteve associado com a vida e com a doação da vida. O Símbolo niceno-constantinopolitano chama ao Espírito Santo « Senhor que dá a vida ». Por isso, não admira que muitas interpretações da narração da criação, no Génesis, tenham visto o Espírito Santo no vento impetuoso que soprava sobre as águas (cf. Gen 1, 2). O Espírito Santo esteve presente desde o primeiro instante da criação, a primeira manifestação do amor de Deus Uno e Trino, e continua presente no mundo como força que lhe dá vida.52 Uma vez que a criação é o princípio da história, o Espírito constitui, em determinado sentido, um poder que actua secretamente na história, guiando-a pelos caminhos da verdade e do bem.

A revelação da pessoa do Espírito Santo, o amor recíproco entre o Pai e o Filho, é peculiar do Novo Testamento. No pensamento cristão, Ele é visto como a nascente da vida para todas as criaturas. A criação é uma livre comunicação de amor de Deus, pela qual, do nada, fez existir todas as coisas. Nada há de criado, que não seja cumulado daquele intercâmbio incessante de amor que caracteriza a vida mais íntima da Trindade, isto é, cumulado do Espírito Santo: « O Espírito do Senhor enche o universo » (Sab 1, 7). A presença do Espírito na criação produz ordem, harmonia e recíproca dependência entre tudo o que existe.

Criados à imagem de Deus, os homens tornam-se morada do Espírito duma forma nova quando são elevados à dignidade da adopção divina (cf. Gal 4, 5). Renascidos pelo Baptismo, experimentam a presença e o poder do Espírito, não tanto como Autor da Vida, mas como Aquele que purifica e salva, produzindo frutos de « caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança » (Gal 5, 22-23). Estes frutos do Espírito são sinal de que « o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido » (Rom 5, 5).

Quando livremente aceite, este amor torna os homens e mulheres instrumentos visíveis da actividade incessante do Espírito invisível. É sobretudo esta nova capacidade de dar e receber amor que dá testemunho da presença e força interior do Espírito Santo. Em consequência da transformação e re-criação por Ele operada no coração das pessoas, o Espírito influencia as sociedades e culturas humanas.53 « Com efeito, Ele está na base dos ideais nobres e das iniciativas benfeitoras da humanidade peregrina: "com admirável providência, o Espírito de Deus dirige o curso dos tempos e renova a face da terra" ».54

Seguindo o exemplo do Concílio Vaticano II, os Padres Sinodais chamaram a atenção para a acção múltipla e diversificada do Espírito Santo, que continuamente espalha as sementes da verdade no meio de todos os povos, das suas religiões, culturas e filosofias.55 Isto significa que estas religiões, culturas e filosofias são capazes de ajudar as pessoas, individual e colectivamente, a lutarem contra o mal e a servirem a vida e tudo o mais que seja bom. As forças de morte isolam as pessoas, sociedades e comunidades religiosas umas das outras, gerando suspeita e rivalidade que levam ao conflito. O Espírito Santo, pelo contrário, sustenta as pessoas na sua busca de entendimento e aceitação recíproca. Por isso, o Sínodo justamente viu o Espírito de Deus como o principal agente do diálogo da Igreja com todos os povos, culturas e religiões.

O Espírito Santo e a encarnação do Verbo

16. Sob a guia do Espírito, a história da salvação desenrola-se no palco do mundo, e mesmo no universo, de acordo com o plano eterno do Pai. Este plano, iniciado pelo Espírito desde a origem mesma da criação, foi revelado no Antigo Testamento e levado a cumprimento pela graça de Jesus Cristo, e é continuado, na nova criação, pelo mesmo Espírito até que o Senhor volte na glória, no final dos tempos.56 A encarnação do Filho de Deus é a obra suprema do Espírito Santo: « A concepção e o nascimento de Jesus Cristo são a obra maior realizada pelo Espírito Santo na história da criação e da salvação: a graça suprema — "a graça da união" — fonte de todas as outras graças ».57 A encarnação é o acontecimento pelo qual Deus agregou a Si mesmo, em nova e definitiva união, não apenas o homem mas também toda a criação e a história inteira.58

Tendo sido concebido no seio da Virgem Maria pelo poder do Espírito Santo (cf. Lc 1, 35; Mt 1, 20), Jesus de Nazaré, o Messias e o único Salvador, viveu cheio do Espírito Santo. Este desceu sobre Ele no baptismo (cf. Mc 1, 10) e conduziu-O ao deserto para Se fortalecer antes do seu ministério público (cf. Mc 1, 12; Lc 4, 1; Mt 4, 1). Na sinagoga de Nazaré, deu início ao seu ministério profético, aplicando a Si próprio a visão de Isaías onde se fala da unção do Espírito que leva a pregar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos cativos e um ano de graça do Senhor (cf. Lc 4, 18-19). Pelo poder do Espírito, Jesus curou os enfermos e expulsou os demónios, como sinal de que o Reino de Deus tinha chegado (cf. Mt 12, 28). Depois de ressuscitar dos mortos, Ele concedeu aos discípulos o Espírito Santo que tinha prometido enviar sobre a Igreja quando voltasse para o Pai (cf. Jo 20, 22-23).

Tudo isto mostra como a missão salvífica de Jesus apresenta a marca inconfundível da presença do Espírito: vida, vida nova. Entre o envio do Filho pelo Pai e o envio do Espírito pelo Pai e o Filho, existe uma ligação íntima e vital.59 A acção do Espírito na criação e na história humana adquire cabalmente um novo significado na acção realizada na vida e missão de Jesus. As « sementes do Verbo » espalhadas pelo Espírito preparam a criação inteira, a história e o homem para a plena maturação em Cristo.60

Os Padres Sinodais manifestaram a sua preocupação pela tendência em separar a actividade do Espírito Santo da de Jesus Salvador. Como resposta a tal preocupação, apraz-me repetir aqui o que escrevi na Encíclica Redemptoris missio: O Espírito « não é de modo algum uma alternativa a Cristo, nem vem preencher uma espécie de vazio, como algumas vezes se sugere existir, entre Cristo e o Logos. Tudo quanto o Espírito opera no coração dos homens e na história dos povos, nas culturas e religiões, assume um papel de preparação evangélica, e não pode deixar de referir-se a Cristo, Verbo feito carne pela acção do Espírito, "a fim de, como Homem perfeito, salvar todos os homens e recapitular em Si todas as coisas" ».61

Por conseguinte, a presença universal do Espírito Santo não pode servir como desculpa para deixar de proclamar explicitamente Jesus Cristo como Salvador, o único Salvador. Pelo contrário, a presença universal do Espírito é inseparável da salvação universal que temos em Jesus. A presença do Espírito na criação e na história aponta para Jesus Cristo, no Qual criação e história foram redimidas e plenificadas. A presença e acção do Espírito, tanto antes da encarnação como no momento culminante do Pentecostes, sempre aponta para Jesus e para a salvação que Ele trouxe. Do mesmo modo, também a presença universal do Espírito Santo nunca pode ser separada da sua actividade no âmbito do Corpo de Cristo, a Igreja.62

O Espírito Santo e o Corpo de Cristo

17. O Espírito Santo preserva infalivelmente os laços de comunhão entre Jesus e a sua Igreja. Habitando na Igreja como num templo (cf. 1 Cor 3, 16), o Espírito, antes de mais, guia-a para a plenitude da verdade sobre Jesus. Depois, é o Espírito que dá poderes à Igreja para continuar a missão de Jesus, em primeiro lugar dando testemunho do próprio Jesus, realizando assim o que Ele tinha prometido antes da sua morte e ressurreição, isto é, que enviaria o Espírito aos seus discípulos para que pudessem dar testemunho d'Ele (cf. Jo 15, 26-27). Obra do Espírito na Igreja é também o atestar que os crentes são filhos adoptivos de Deus, que hão-de herdar a salvação, a desejada plenitude de comunhão com o Pai (cf. Rom 8, 15-17). Dotando a Igreja de diferentes carismas e dons, o Espírito fá-la crescer em comunhão como um único corpo formado por muitos membros diversos (cf. 1 Cor 12, 4; Ef 4, 11-16). O Espírito congrega na unidade toda a variedade de pessoas, com seus diferentes costumes, recursos e talentos, fazendo da Igreja um sinal da comunhão de toda a humanidade sob a chefia de Cristo.63 O Espírito forma a Igreja como uma comunidade de testemunhas, que, com o seu estímulo, dão testemunho de Jesus Salvador (cf. Act 1, 8). Neste sentido, o Espírito Santo é o primeiro agente da evangelização. A partir disto, os Padres Sinodais chegariam a concluir que, tal como o ministério terreno de Jesus foi realizado com a força do Espírito Santo, assim « o mesmo Espírito foi dado à Igreja pelo Pai e o Filho no Pentecostes, para levar a termo a missão de amor e serviço de Jesus na Ásia ».64

O plano do Pai para a salvação do homem não terminou com a morte e ressurreição de Jesus. Pelo dom do Espírito de Cristo, os frutos da sua missão salvadora foram oferecidos pela Igreja a todos os povos de todos os tempos, através da proclamação do Evangelho e do serviço amoroso à família humana. Como observa o Concílio Vaticano II, a Igreja « é impelida pelo Espírito Santo a cooperar para que o desígnio de Deus, que fez de Cristo o princípio de salvação para todo o mundo, se realize totalmente ».65 Fortalecida pelo Espírito para realizar a salvação de Cristo na terra, a Igreja é a semente do Reino de Deus e suspira ardentemente pela sua vinda final. A sua identidade e missão são inseparáveis do Reino de Deus, que Jesus anunciou e inaugurou com tudo o que disse e fez, sobretudo com a sua morte e ressurreição. O Espírito lembra à Igreja que não é fim em si mesma: em tudo o que ela é e faz, existe para servir Cristo e a salvação do mundo. Na actual economia da salvação, as actividades do Espírito Santo na criação, na história e na Igreja são, todas elas, parte de um desígnio eterno da Trindade sobre tudo o que existe.

O Espírito Santo e a missão da Igreja na Ásia

18. O Espírito que Se movia sobre a Ásia no tempo dos Patriarcas e dos profetas e, ainda mais vigorosamente, no tempo de Jesus Cristo e da Igreja antiga, move-Se agora entre os cristãos asiáticos, fortalecendo o testemunho da sua fé no meio dos povos, culturas e religiões do Continente. Tal como o esplêndido diálogo de amor entre Deus e o homem foi preparado pelo Espírito e realizado em terra asiática no mistério de Cristo, assim também o diálogo entre o Salvador e os povos do Continente continua hoje pelo poder do mesmo Espírito Santo, em acção na Igreja. Neste processo, Bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas têm todos um papel essencial a desempenhar, recordando-se destas palavras de Jesus que são simultaneamente uma promessa e um mandato: « Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins do mundo » (Act 1, 8).

A Igreja está convencida de que, no mais íntimo dos povos, culturas e religiões da Ásia, há sede de « água viva » (cf. Jo 4, 10-15), uma sede que o próprio Espírito criou e que só Jesus Salvador pode saciar plenamente. A Igreja vê o Espírito Santo continuar a preparar os povos da Ásia para o diálogo de salvação com o Salvador de todos. Guiada pelo Espírito na sua missão de serviço e de amor, a Igreja pode proporcionar um encontro entre Jesus Cristo e os povos da Ásia que suspiram pela vida em plenitude. Somente neste encontro se funda a possibilidade de ter aquela água viva que jorra para a vida eterna, nomeadamente o conhecimento do único Deus verdadeiro e de Jesus Cristo que Ele enviou (cf. Jo 17, 3).

A Igreja bem sabe que só pode cumprir a sua missão obedecendo às inspirações do Espírito Santo. Destinada a ser um sinal e instrumento autêntico da acção do Espírito nas complexas realidades da Ásia, ela deve discernir, nas mais diversas circunstâncias do Continente, o apelo do Espírito para testemunhar, de forma nova e efectiva, Jesus Salvador. A verdade plena de Jesus e a salvação por Ele alcançada são sempre um dom, nunca o resultado do esforço humano. « O próprio Espírito atesta em união com o nosso espírito que somos filhos de Deus; filhos e igualmente herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo » (Rom 8, 16-17). Por isso, a Igreja clama sem cessar: « Vinde, Espírito Santo; enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor ». Este é o fogo que Jesus lança sobre a terra. A Igreja da Ásia compartilha o seu ardente desejo de ver este fogo ateado (cf. Lc 12, 49). Com tais sentimentos, os Padres Sinodais procuraram discernir as áreas principais de missão para a Igreja na Ásia ao cruzar o limiar do novo milénio.

CAPÍTULO IV

JESUS SALVADOR: O DOM A ANUNCIAR

A primazia do anúncio

19. Nas vésperas do Terceiro Milénio, ressoa de novo no coração de cada cristão a voz de Cristo Ressuscitado: « Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra. Ide, pois, e fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (Mt 28, 18-20). Certos da ajuda incessante do próprio Jesus e da presença e força do Espírito, os Apóstolos saíram, imediatamente depois do Pentecostes, para cumprir tal mandato: « Eles, partindo, foram pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles » (Mc 16, 20). Aquilo que anunciaram, pode resumir-se nestas palavras de S. Paulo: « Não nos pregamos a nós próprios, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós não somos senão vossos servos, por amor de Jesus » (2 Cor 4, 5). Abençoada com o dom da fé, a Igreja continua, dois mil anos depois, a sair ao encontro dos povos do mundo para partilhar com eles a Boa Nova de Jesus Cristo. É uma comunidade ardente de zelo missionário, a fim de tornar Jesus conhecido, amado e seguido.

Não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor. O Concílio Vaticano II e o Magistério posterior, refutando certa confusão sobre a verdadeira natureza da missão da Igreja, tem repetidamente sublinhado a primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização. Neste sentido, o Papa Paulo VI escreveu explicitamente que « não haverá nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados ».66 Foi o que fizeram gerações e gerações de cristãos, ao longo dos séculos. Com compreensível orgulho, os Padres Sinodais recordaram como « muitas comunidades cristãs da Ásia preservaram a sua fé, no decurso dos séculos, contra grandes controvérsias e mantiveram a sua herança espiritual com heróica perseverança. Para elas, partilhar este imenso tesouro é motivo de grande alegria e urgência ».67

Ao mesmo tempo os participantes na Assembleia Especial afirmaram repetidamente que é necessário um renovado compromisso em prol da proclamação de Jesus Cristo, precisamente no Continente que conheceu o início deste anúncio há dois mil anos. À vista de tanta gente da Ásia que nunca se encontrou, de forma clara e consciente, com a pessoa de Jesus, tornam-se ainda mais incisivas as seguintes palavras do apóstolo Paulo: « Todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. Mas como hão-de invocar Aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar n'Aquele de que não ouviram falar? E como ouvirão se ninguém lhes prega? » (Rom 10, 13-14). A grande questão que a Igreja da Ásia tem agora pela frente é como partilhar com os nossos irmãos e irmãs asiáticos o tesouro que possuímos como um dom onde se encerram todos os dons, ou seja, a Boa Nova de Jesus Cristo?

Anunciar Jesus Cristo na Ásia

20. A Igreja na Ásia sente maior impaciência na sua missão de levar este anúncio, ao pensar que « existe já, nas pessoas e nos povos, pela acção do Espírito, uma ânsia — mesmo se inconsciente — de conhecer a verdade acerca de Deus, do homem, do caminho que conduz à libertação do pecado e da morte ».68 Esta insistência no anúncio não é ditada por impulso sectário, nem espírito de proselitismo nem ainda qualquer sentido de superioridade. A Igreja evangeliza por obediência ao mandato de Cristo, na certeza de que toda a pessoa tem o direito de ouvir a Boa Nova de Deus, que Se revela e dá em Cristo.69 Dar testemunho de Jesus Cristo é o maior serviço que a Igreja pode oferecer aos povos da Ásia, porque é a resposta ao seu anelo profundo de Absoluto, e desvenda as verdades e valores que hão-de assegurar o seu desenvolvimento humano integral.

Bem ciente da complexidade das numerosas situações da Ásia, tão diversificada, e « anunciando a verdade na caridade » (cf. Ef 4, 15), a Igreja proclama a Boa Nova com amoroso respeito e estima pelos seus ouvintes. Um anúncio, que respeite os direitos das consciências, não viola a liberdade, já que a fé requer sempre uma resposta livre por parte do indivíduo.70 Todavia, tal respeito não exclui a necessidade de anunciar explicitamente o Evangelho em toda a sua amplitude. Há que sublinhar, especialmente no contexto rico de culturas e religiões da Ásia, que « nem o respeito e a estima para com essas religiões, nem a complexidade dos problemas levantados são motivo para a Igreja calar, diante dos não cristãos, o anúncio de Jesus Cristo ».71 Ao visitar a Índia em 1986, afirmei claramente que « a aproximação da Igreja às outras religiões é ditada por autêntico respeito. (...) Este respeito é duplo: respeito pelo homem na sua procura de resposta às perguntas mais profundas da sua vida, e respeito pela acção do Espírito no homem ».72 De facto, os Padres Sinodais reconheceram de boa vontade, nas sociedades, culturas e religiões asiáticas, a acção do Espírito, pela qual o Pai prepara os corações das pessoas para a plenitude de vida em Cristo.73

Apesar disso, já durante as consultações que precederam o Sínodo, muitos Bispos asiáticos referiram-se a dificuldades no anúncio de Jesus como o único Salvador. No decurso da Assembleia, a situação foi descrita desta forma: « Alguns dos seguidores das grandes religiões da Ásia não sentem problema em aceitar Jesus como uma manifestação da Divindade ou do Absoluto, ou como um "ser iluminado". Mas, é difícil para eles vê-l'O como a única manifestação da Divindade ».74 De facto, o esforço por partilhar o dom da fé em Jesus como o único Salvador apresenta-se carregado de dificuldades filosóficas, culturais e teológicas, sobretudo à luz das crenças de grandes religiões da Ásia profundamente permeadas por específicos valores culturais e visões do mundo.

Na opinião dos Padres Sinodais, a dificuldade é criada pelo facto de Jesus ser muitas vezes considerado como alheio à Ásia. É paradoxal que muitos asiáticos tendam a ver Jesus — nascido no continente asiático — como uma figura ocidental em vez de asiática. Era inevitável que o anúncio do Evangelho, feito por missionários ocidentais, estivesse influenciado pelas culturas donde vieram. Os Padres Sinodais reconheceram-no um facto sempre presente na história da evangelização, aproveitando a ocasião para « testemunhar de modo muito especial o seu agradecimento a todos os missionários — homens e mulheres, religiosos e leigos, estrangeiros e autóctones — que lhes trouxeram a mensagem de Jesus Cristo e o dom da fé. Uma palavra especial de gratidão deve ser expressa ainda a todas as Igrejas particulares que enviaram e continuam a enviar missionários para a Ásia ».75

Os evangelizadores podem tirar proveito da experiência de S. Paulo que se empenhou em dialogar com os valores filosóficos, culturais e religiosos dos seus ouvintes (cf. Act 14, 13-17; 17, 22-31). Mesmo os Concílios Ecuménicos, que formularam doutrinas vinculantes para toda a Igreja, tiveram de lançar mão dos recursos linguísticos, filosóficos e culturais disponíveis. Assim, estes recursos tornaram-se um bem partilhado pela Igreja inteira, capazes de exprimir a sua doutrina cristológica de modo apropriado e universal. Fazem parte da herança de fé que deve ser assumida e incessantemente partilhada no encontro com as várias culturas.76 Por isso mesmo, a tarefa de anunciar Jesus de modo tal que permita aos povos asiáticos identificarem-se com Ele, continuando eles fiéis simultaneamente à doutrina teológica da Igreja e às suas próprias origens asiáticas, permanece o maior desafio.

A apresentação de Jesus Cristo como o único Salvador necessita de seguir uma pedagogia que introduza a pessoa passo a passo até chegar à plena apropriação do mistério. Obviamente, a evangelização inicial dos não cristãos e o anúncio posterior de Jesus aos crentes terá de ser diferente na sua abordagem. No anúncio inicial, por exemplo, « a apresentação de Jesus Cristo poderia aparecer como a realização dos desejos expressos nas mitologias e tradições dos povos asiáticos ».77 Geralmente há que preferir os métodos narrativos, mais parecidos com as formas culturais asiáticas. Com efeito, o anúncio de Jesus Cristo pode fazer-se mais eficazmente narrando a sua história, como fazem os Evangelhos. E o uso de termos ontológicos, que hão-de ser sempre supostos e usados para se apresentar Jesus, pode ser contrabalançado pelo uso de categorias mais relacionais, históricas e cósmicas. Como observaram os Padres Sinodais, a Igreja deve permanecer aberta a novos e imprevistos caminhos pelos quais o rosto de Jesus possa ser apresentado aos habitantes da Ásia.78

O Sínodo recomendou que a catequese, etapa posterior ao anúncio, devia seguir « uma pedagogia evocativa, usando narrações, parábolas e símbolos, tão característicos da metodologia asiática no campo do ensino ».79 O próprio ministério de Jesus mostra claramente o valor do contacto pessoal, que exige ao evangelizador que tenha a peito a situação do ouvinte, para lhe oferecer um anúncio adaptado ao seu nível de maturidade e numa forma e linguagem apropriadas. Nesta perspectiva, os Padres Sinodais sublinharam várias vezes a necessidade de um modo de evangelizar que toque a sensibilidade das pessoas asiáticas, sugerindo algumas imagens de Jesus que seriam inteligíveis para a mentalidade e as culturas asiáticas e, ao mesmo tempo, fiéis à Sagrada Escritura e à Tradição. Contam-se entre elas « Jesus Cristo como mestre de sabedoria, médico, libertador, guia espiritual, ser iluminado, amigo compassivo do pobre, bom samaritano, bom pastor, ser obediente ».80 Jesus poderia ser apresentado como a Sabedoria encarnada de Deus, cuja graça faz frutificar as « sementes » da Sabedoria divina já presentes nas vidas, religiões e povos da Ásia.81 No meio de povos asiáticos que vivem a braços com tantos sofrimentos, seria melhor proclamar Jesus como o Salvador « que pode dar significado a quantos suportam penas e sofrimentos sem sentido ».82

A fé que a Igreja oferece em dom aos seus filhos e filhas asiáticos não se pode confinar dentro dos limites de compreensão e expressão duma mera cultura humana, porque transcende tais limites e desafia realmente todas as culturas a elevarem-se para novas luzes de compreensão e expressão. Porém, ao mesmo tempo, os Padres Sinodais estavam cientes da necessidade premente que as Igrejas locais da Ásia têm de apresentar o mistério de Cristo às respectivas populações segundo os seus modelos culturais e formas de pensamento. Eles puseram em destaque que uma tal inculturação da fé no seu Continente implica redescobrir a fisionomia asiática de Jesus e identificar os meios pelos quais estas culturas possam compreender o significado salvífico universal do mistério de Jesus e da sua Igreja.83 O profundo conhecimento dos povos e suas culturas, demonstrado por homens como João de Montecorvino, Mateus Ricci e Roberto de Nobili, precisa de ser imitado no tempo actual.

O desafio da inculturação

21. A cultura é o espaço vital onde a pessoa humana se encontra face a face com o Evangelho. Se uma cultura é o resultado da vida e actividade dum grupo humano, também as pessoas pertencentes a este grupo são modeladas em larga medida pela cultura onde vivem. Dado que pessoas e sociedade mudam, também a cultura muda com elas. Se uma cultura se transforma, as pessoas e a sociedade são transformadas por ela. A partir desta perspectiva, torna-se mais claro por que evangelização e inculturação aparecem natural e intimamente ligadas uma com a outra. O Evangelho e a evangelização não são certamente identificáveis com a cultura; são independentes dela. Mas o Reino de Deus irrompe em pessoas que estão profundamente ligadas a uma cultura, e a edificação do Reino não pode deixar de servir-se de elementos das culturas humanas. Por isso, Paulo VI definiu a ruptura entre o Evangelho e a cultura como o drama do nosso tempo, com um impacto profundo tanto na evangelização como na cultura.84

Neste processo que leva a Igreja a encontrar-se com as diversas culturas do mundo, ela não só transmite as suas verdades e valores renovando intimamente as culturas, mas aproveita também das várias culturas os elementos positivos que nelas se encontram já. Este é o caminho obrigatório para os evangelizadores apresentarem a fé cristã e tornarem-na parte da herança cultural de um povo. Inversamente, as diversas culturas, quando purificadas e renovadas pela luz do Evangelho, podem tornar-se verdadeiras expressões de fé cristã. « Por sua vez, a Igreja, com a inculturação, torna-se um sinal mais transparente daquilo que realmente ela é, e um instrumento mais apto para a missão ».85 Este compromisso com as culturas esteve sempre presente na peregrinação da Igreja ao longo da história; mas hoje reveste-se de uma urgência particular na situação pluriétnica, plurirreligiosa e pluricultural da Ásia, onde o cristianismo muitas vezes é visto ainda como religião estrangeira.

Neste momento, é bom lembrar a verdade repetidamente afirmada durante o Sínodo de que o Espírito Santo é o primeiro agente da inculturação da fé cristã na Ásia.86 O mesmo Espírito Santo que nos guia para a verdade total, torna possível um diálogo frutuoso com os valores culturais e religiosos dos diversos povos, no meio dos quais Ele se encontra já em certa medida presente, dando aos homens e mulheres de coração sincero a força para vencerem o mal e as insídias do maligno e oferecendo realmente a todos, embora de um modo que só Deus conhece, a possibilidade de terem parte no Mistério Pascal.87 A presença do Espírito garante que o diálogo se desenrole com verdade, lealdade, humildade e respeito.88 « Ao oferecer aos outros a Boa Nova da Redenção, a Igreja esforça-se por compreender a sua cultura. Procura conhecer as mentalidades e os corações dos seus ouvintes, os seus valores e costumes, os seus problemas e dificuldades, as suas esperanças e sonhos. Uma vez que conhece e compreende estes vários aspectos da cultura, então ela pode começar o diálogo da salvação; pode oferecer, de modo respeitoso, com clareza e convicção, a Boa Nova da Redenção a todos aqueles que livremente desejarem ouvir e responder ».89 Por isso, o povo da Ásia, que deseja assumir a fé cristã segundo a sua maneira própria de asiáticos, pode estar certo de que as suas esperanças, expectativas, inquietações e sofrimentos não só são partilhadas por Jesus, mas tornam-se verdadeiramente o ponto pelo qual o dom da fé e o poder do Espírito penetram no âmago mais profundo das suas vidas.

Compete aos Pastores, em virtude do seu carisma, conduzir este diálogo com discernimento. De igual modo, os peritos em ciências sagradas e profanas têm um papel importante a desempenhar no processo de inculturação. Mas, o processo deve envolver todo o Povo de Deus, já que a vida da Igreja inteira deve mostrar exteriormente a fé que está a ser anunciada e recebida. Para garantir que isso se verifique como convém, os Padres Sinodais identificaram algumas áreas que merecem particular atenção: reflexão teológica, liturgia, a formação de sacerdotes e religiosos, catequese e espiritualidade.90

Áreas-chave de inculturação

22. O Sínodo encorajou os teólogos no cumprimento do seu delicado trabalho de desenvolver uma teologia inculturada, especialmente na área da cristologia.91 Lá foi observado que « este trabalho teológico tem de ser realizado com coragem, fidelidade à Sagrada Escritura e à Tradição da Igreja, sincera adesão ao Magistério e conhecimento das realidades pastorais ».92 Desejo também incitar os teólogos a trabalharem em espírito de união com os Pastores e o povo, que — cada um em união com os outros, e nunca um separado dos outros — « reflecte aquele sentido da fé, que é necessário nunca perder de vista ».93 O trabalho teológico deve procurar sempre respeitar a sensibilidade dos cristãos, para que, graças a um crescimento gradual para formas inculturadas de exprimir a fé, o povo nunca seja confundido nem escandalizado. Em todo o caso, a inculturação há-de ser marcada pela compatibilidade com o Evangelho e a comunhão com a fé da Igreja universal, em plena concordância com a Tradição da Igreja e com o intuito de fortalecer a fé do povo.94 O teste de uma inculturação verdadeira é verificar se o povo adere mais à sua fé cristã, porque a vê melhor com os olhos da sua própria cultura.

A liturgia é a fonte e o vértice de toda a vida e missão cristã.95 É decisivamente um meio de evangelização, sobretudo na Ásia, onde os seguidores das diferentes religiões são muito sensíveis ao culto, festas religiosas e devoções populares.96 Na sua maior parte, a liturgia das Igrejas Orientais tem sido inculturada com bom êxito ao longo de séculos de interacção com a cultura circundante, mas as Igrejas de formação mais recente precisam de assegurar que a liturgia se torne uma fonte ainda maior de nutrimento para os seus povos, através de um uso claro e efectivo de elementos tirados das culturas locais. Mas, para a inculturação litúrgica, não basta fixar a atenção sobre os valores, símbolos e rituais da cultura tradicional; é preciso atender também às mudanças causadas na consciência e nos comportamentos pelas culturas secularistas e consumistas emergentes, que estão a afectar o sentido asiático do culto e da oração. Nem se podem descuidar, numa inculturação litúrgica genuinamente asiática, as necessidades específicas dos pobres, migrantes, refugiados, jovens e mulheres.

As Conferências Nacionais e Regionais dos Bispos têm necessidade de trabalhar de forma mais estreita com a Congregação do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos na busca de meios efectivos para fomentar formas de culto apropriadas ao contexto asiático.97 Tal cooperação é essencial porque a Liturgia Sagrada exprime e celebra a única fé professada por todos e, sendo herança de toda a Igreja, não pode ser determinada pelas Igrejas locais isoladamente da Igreja universal.

Os Padres Sinodais assinalaram de forma particular a importância da palavra da Bíblia na transmissão da mensagem de salvação aos povos da Ásia, porque neste Continente a palavra é muito importante para a salvaguarda e comunicação da experiência religiosa.98 Daqui se deduz que é necessário desenvolver um efectivo apostolado bíblico a fim de assegurar que o texto sagrado seja mais amplamente difundido e mais intensa e devotamente usado entre os membros da Igreja da Ásia. Os Padres Sinodais incitaram a fazer dela a base de todo o anúncio missionário, catequese, pregação e géneros de espiritualidade.99 Há necessidade de estimular e apoiar iniciativas para traduzir a Bíblia para as línguas locais. A formação bíblica deveria ser considerada um meio importante para educar as pessoas na fé e habilitá-las para a tarefa do anúncio. Cursos sobre a Bíblia, de orientação pastoral, com a devida ênfase na aplicação dos seus ensinamentos às complexas realidades da vida asiática, devem ser incorporados nos programas de formação para o clero, as pessoas de vida consagrada e o laicado. 100 A Sagrada Escritura deveria ser dada a conhecer também entre os seguidores doutras religiões; a Palavra de Deus possui, inerente a si mesma, um poder que toca o coração das pessoas, visto que, através das Escrituras, o Espírito Santo revela o plano de Deus para a salvação do mundo. Além disso, o estilo narrativo presente em muitos livros da Bíblia tem afinidades com os textos religiosos próprios da Ásia. 101

Outro aspecto-chave do processo de inculturação é a formação dos evangelizadores, de que depende em grande parte o futuro do mesmo. No passado, a formação seguiu frequentemente o estilo, os métodos e programas importados do Ocidente; os Padres Sinodais, ao mesmo tempo que manifestavam o seu apreço pelo serviço prestado por este modo de formação, reconheceram, como evolução positiva, os esforços que se têm feito recentemente para adaptar a formação dos evangelizadores ao contexto cultural da Ásia. Juntamente com um sólido fundamento nos estudos bíblicos e patrísticos, os seminaristas deveriam adquirir uma detalhada e firme compreensão do património teológico e filosófico da Igreja, como recomendei na Encíclica Fides et ratio. 102 Tendo esta preparação por base, ser-lhes-á proveitoso o contacto com as tradições filosóficas e religiosas asiáticas. 103 Os Padres Sinodais encorajaram também os professores e orientadores dos Seminários a procurarem uma profunda compreensão dos elementos de espiritualidade e oração próprios do continente asiático, e a comprometerem-se mais profundamente na luta dos povos asiáticos por uma vida mais abundante. 104 Tendo isso em vista, foi realçada a necessidade de assegurar a formação apropriada dos orientadores dos Seminários. 105 O Sínodo falou também da formação das pessoas de vida consagrada, deixando claro que a sua espiritualidade e estilo de vida há-de ser sensível à herança religiosa e cultural da gente com quem vivem e a quem servem, sempre pressupondo o necessário discernimento do que é, ou não, conforme ao Evangelho. 106 Além disso, visto que a inculturação do Evangelho envolve todo o povo de Deus, o papel do laicado é de suprema importância. São sobretudo os leigos os que são chamados a transformar a sociedade, em colaboração com os Bispos, clero e religiosos, infundindo o « pensamento de Cristo » na mentalidade, costumes, leis e estruturas do mundo secular onde vivem. 107 Uma inculturação do Evangelho alargada a todos os níveis da sociedade asiática dependerá imenso da formação adequada que as Igrejas locais poderem dar ao laicado.

Vida cristã como anúncio

23. Quanto mais a Comunidade cristã estiver arraigada na experiência de Deus que brota duma fé viva, tanto mais será capaz de anunciar credivelmente aos outros a realização do Reino de Deus em Cristo. Isso será o resultado da escuta fiel da palavra de Deus, da oração e contemplação, da celebração do mistério de Jesus nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, e do exemplo dado de verdadeira comunhão de vida e integridade de amor. O coração da Igreja particular deve permanecer fixo na contemplação de Jesus Cristo, Deus feito homem, e esforçar-se constantemente por chegar a uma união cada vez mais íntima com Ele, cuja missão ela continua. A missão é acção contemplativa e contemplação activa. Por isso, um missionário que não possua uma profunda experiência de Deus na oração e na contemplação terá pouca influência espiritual e reduzido sucesso missionário. Trata-se de uma conclusão extraída do meu próprio ministério sacerdotal; e, como escrevi noutro lugar, o meu contacto com representantes das tradições espirituais não cristãs, de modo particular as da Ásia, veio confirmar a minha convicção de que o futuro da missão depende em grande parte da contemplação. 108 Na Ásia, berço de grandes religiões onde indivíduos e mesmo populações inteiras têm sede do Divino, a Igreja é chamada a ser uma comunidade orante, profundamente espiritual, mesmo quando directamente ocupada em assuntos humanos e sociais. Todos os cristãos necessitam duma verdadeira espiritualidade missionária feita de oração e contemplação.

Uma pessoa verdadeiramente religiosa ganha prontamente respeito e aceitação na Ásia. É que a oração, o jejum e as várias formas de ascetismo são tidas em grande estima; e a renúncia, o desapego, a humildade, a simplicidade e o silêncio são considerados grandes valores pelos seguidores de outras religiões. Para que a oração não apareça desunida da promoção humana, os Padres Sinodais insistiram em que « as obras de justiça, de caridade e de solidariedade façam parte duma autêntica vida de oração e contemplação, e de facto só uma tal espiritualidade poderá ser a fonte boa da nossa obra evangelizadora ». 109 Plenamente convictos da importância de testemunhas autênticas para a evangelização da Ásia, os Padres Sinodais declararam: « A Boa Nova de Jesus Cristo só pode ser proclamada por aqueles que se deixarem conquistar e inspirar pelo amor do Pai a seus filhos, manifestado na pessoa de Jesus Cristo. Este anúncio é uma missão que necessita de homens e mulheres santos que desejam, através de suas vidas, tornar conhecido e amado o Salvador. Um fogo só pode ser aceso por algo que já esteja incendiado. Do mesmo modo, também só é possível realizar, na Ásia, um frutuoso anúncio da Boa Nova da salvação, se Bispos, clero, pessoas de vida consagrada e laicado estiverem, eles próprios, abrasados pelo amor de Cristo e inflamados de zelo por tornarem-No mais largamente conhecido, mais profundamente amado e mais intimamente imitado ». 110 Os cristãos que falam de Cristo devem manifestar na vida a mensagem que proclamam.

A propósito disto, há uma circunstância particular no contexto asiático que merece a nossa atenção: a Igreja sabe que o testemunho silencioso de vida permanece ainda o único meio de proclamar o Reino de Deus em muitos lugares da Ásia, onde é proibido o anúncio explícito, e a liberdade religiosa é negada ou sistematicamente restringida. A Igreja abraça conscientemente este tipo de testemunho, considerando-o como parte da cruz que deve carregar (cf. Lc 9, 23), embora não cesse de implorar e incitar os Governos a reconhecerem a liberdade religiosa como um direito humano fundamental. Vale a pena repetir aqui as palavras do Concílio Vaticano II: « A pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, por parte quer dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites ». 111 Em alguns países asiáticos, esta declaração tem ainda de ser reconhecida e posta em prática.

É claro, portanto, que o anúncio de Jesus Cristo na Ásia apresenta aspectos vários e complexos tanto no conteúdo como no método. Os Padres Sinodais estavam bem cientes da legítima variedade de modelos para o anúncio de Jesus, tomando providências para que a própria fé seja respeitada em toda a sua integridade ao longo do processo da sua recepção e partilha. O Sínodo observou que « a evangelização é, hoje, uma realidade rica e dinâmica. Possui vários aspectos e elementos: testemunho, diálogo, anúncio, catequese, conversão, baptismo, inserção na comunidade eclesial, a implantação da Igreja, inculturação e promoção humana integral. Alguns destes elementos comparecem juntos, enquanto outros constituem fases sucessivas do processo global de evangelização ». 112 Mas, em todo o trabalho de evangelização há que anunciar a verdade completa de Jesus Cristo. Pôr em destaque determinados aspectos do mistério inexaurível de Jesus é simultaneamente legítimo e necessário para iniciar gradualmente uma pessoa no conhecimento de Cristo, mas isso não deve levar a comprometer a integridade da fé. No fim, a aceitação da fé por um indivíduo deve estar assente numa compreensão segura da pessoa de Jesus Cristo, tal como é apresentada pela Igreja em todo o tempo e lugar, o Senhor de todos, que é « o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade » (Heb 13, 8).

CAPÍTULO V

COMUNHÃO E DIÁLOGO AO SERVIÇO DA MISSÃO

Comunhão e missão, de mãos dadas

24. De acordo com o desígnio eterno do Pai, a Igreja, que foi prefigurada desde o princípio do mundo, preparada na Antiga Aliança, instituída por Jesus Cristo e apresentada ao mundo pelo Espírito Santo no dia de Pentecostes, « prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus », 113 enquanto se esforça por chegar à sua perfeição na glória dos céus. Dado que Deus deseja « que todo o género humano forme um só Povo de Deus, se una num só corpo de Cristo, e se edifique num só templo do Espírito Santo », 114 a Igreja é, no mundo, « o plano visível do amor de Deus pela humanidade, o sacramento da salvação ». 115 Por conseguinte, a Igreja não pode ser entendida meramente como uma organização social ou uma agência humana de assistência social. Apesar de incluir nela homens e mulheres pecadores, a Igreja deve ser vista como o lugar privilegiado de encontro entre Deus e o homem, onde Deus escolheu revelar o mistério da sua vida íntima e realizar o seu plano de salvação do mundo.

O mistério do desígnio amoroso de Deus torna-se presente e activo na comunidade de homens e mulheres que, pelo baptismo, foram sepultados com Cristo na morte, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim eles pudessem caminhar numa vida nova (cf. Rom 6, 4). No âmago do mistério da Igreja, está o vínculo de comunhão que une Cristo Esposo a todos os baptizados. Por meio desta comunhão viva e vivificante, « os cristãos deixam de pertencer a si mesmos, tornando-se propriedade de Cristo ». 116 Unidos ao Filho pelo vínculo amoroso do Espírito, os cristãos estão unidos ao Pai, e desta comunhão brota a comunhão que eles partilham entre si por Cristo no Espírito Santo. 117 Assim, a primeira finalidade da Igreja é ser o sacramento da união íntima da pessoa humana com Deus, e, porque a comunhão das pessoas entre si está enraizada nesta união com Deus, a Igreja é também o sacramento da unidade da raça humana. 118 Na Igreja, esta unidade já começou; e ao mesmo tempo ela é « sinal e instrumento » da plena realização da unidade que há-de vir. 119

Uma exigência essencial da vida em Cristo é frutificar, pelo que, quem entra em comunhão com o Senhor, supõe-se que produza fruto: « Quem está em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto » (Jo 15, 5). Tanto é assim que a pessoa que não produz frutos, perde a comunhão: « Toda a vara que em Mim não dá fruto, Ele [o Pai] corta-a » (Jo 15, 2). A comunhão com Jesus, que faz crescer a comunhão dos cristãos entre si, é condição indispensável para produzir fruto; e a comunhão com os outros, que é dom de Cristo e do seu Espírito, é o fruto mais esplêndido que os ramos podem dar. Neste sentido, comunhão e missão estão inseparavelmente ligadas entre si. Compenetram-se e integram-se mutuamente, ao ponto de « a comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão ». 120

Servindo-se da teologia de comunhão, o Concílio Vaticano II pôde descrever a Igreja como o Povo peregrino de Deus com o qual todos os povos estão de algum modo relacionados. 121 Baseados nisto, os Padres Sinodais puseram em realce o vínculo misterioso que existe entre a Igreja e os seguidores de outras religiões asiáticas, observando que eles estão « relacionados com [a Igreja] segundo graus e modos diversos ». 122 No meio de povos, culturas e religiões tão diversos, « a vida da Igreja como comunhão assume ainda maior importância ». 123 Com efeito, o serviço da Igreja a favor da unidade tem uma relevância específica na Ásia, onde existem muitas tensões, divisões e conflitos, provocados por diferenças étnicas, sociais, culturais, linguísticas, económicas e religiosas. Num contexto assim, as Igrejas locais da Ásia, em comunhão com o Sucessor de Pedro, têm necessidade de fomentar uma maior comunhão de mente e coração, através duma estreita colaboração entre elas próprias. De importância vital para a sua missão evangelizadora, são também as suas relações com as outras Igrejas Cristãs e Comunidades Eclesiais, e com os seguidores de outras religiões. 124 Por isso, o Sínodo renovou o compromisso da Igreja da Ásia na sua missão de aperfeiçoar quer as relações ecuménicas quer o diálogo inter-religioso, reconhecendo que edificar a unidade, trabalhar pela reconciliação, forjar laços de solidariedade, promover o diálogo entre religiões e culturas, extirpar preconceitos e gerar confiança entre as pessoas pertence à essência da missão evangelizadora da Igreja no Continente. Tudo isto exige, por parte da Comunidade Católica, um sincero exame de consciência, a coragem para buscar a reconciliação e um renovado compromisso a favor do diálogo. No limiar do terceiro milénio, é evidente que a eficácia evangelizadora da Igreja exige que ela se esforce cuidadosamente por servir a causa da unidade em todas as suas dimensões. Comunhão e missão caminham de mãos dadas.

Comunhão dentro da Igreja

25. Reunidos em torno do Sucessor de Pedro, rezando e trabalhando juntos, os Bispos participantes nesta Assembleia Sinodal Especial para a Ásia personificaram, por assim dizer, a comunhão eclesial em toda a rica diversidade das Igrejas particulares a que presidem na caridade. A minha presença nas Sessões Gerais do Sínodo foi uma feliz oportunidade de partilhar as alegrias e esperanças, as dificuldades e ânsias dos Bispos, e ao mesmo tempo um exercício, intensa e profundamente sentido, do meu próprio ministério. De facto, é dentro da perspectiva da comunhão eclesial que a autoridade do Sucessor de Pedro se evidencia mais claramente, não tanto nem primariamente como poder jurídico sobre as Igrejas locais, como sobretudo uma primazia pastoral ao serviço da unidade de fé e de vida de todo o Povo de Deus. Bem cientes de que « o único ministério do Ofício Petrino é garantir e fomentar a unidade da Igreja », 125 os Padres Sinodais agradeceram o serviço que os Dicastérios da Cúria Romana e o serviço diplomático da Santa Sé prestam às Igrejas locais, em espírito de comunhão e colegialidade. 126 Um aspecto essencial deste serviço é o respeito e sensibilidade que estes colaboradores íntimos do Sucessor de Pedro mostram pela legítima diversidade das Igrejas locais e pela variedade de culturas e povos com que estão em contacto.

Cada Igreja particular deve estar assente no testemunho de comunhão eclesial, que constitui a sua verdadeira natureza como Igreja. Os Padres Sinodais optaram por descrever a diocese como uma comunhão de comunidades reunidas à volta do Pastor, onde clero, pessoas consagradas e laicado estão empenhados num « diálogo de vida e coração », apoiado pela graça do Espírito Santo. 127 É primariamente na diocese que a imagem duma comunhão de comunidades pode ser concretizada no meio das complexas realidades sociais, políticas, religiosas, culturais e económicas da Ásia. A comunhão eclesial implica que cada Igreja local se torne, segundo as palavras dos Padres Sinodais, uma « Igreja participativa », isto é, uma Igreja onde todos vivam a sua própria vocação e desempenhem a própria missão. Para se construir a « comunhão para a missão » e a « missão de comunhão », é preciso reconhecer, dinamizar e pôr efectivamente em prática os carismas específicos de cada membro. 128 De modo particular, há necessidade de encorajar um maior envolvimento do laicado e das pessoas consagradas na planificação pastoral e nas decisões tomadas através de estruturas de participação tais como Conselhos Pastorais e Assembleias Paroquiais. 129

Em cada diocese, a paróquia continua a ser o lugar onde ordinariamente o fiel se reúne para crescer na fé, viver o mistério da comunhão eclesial e tomar parte na missão da Igreja. Por isso, os Padres Sinodais incitaram os Pastores a inventar meios novos e eficazes para apascentarem os fiéis, para que assim todos, sobretudo os pobres, se sintam verdadeiramente parte da paróquia e do conjunto do Povo de Deus. Planear a pastoral com os fiéis leigos deveria ser uma característica normal de todas as paróquias. 130 O Sínodo indicou de modo particular os jovens como aqueles a quem « a paróquia deveria proporcionar maiores oportunidades de amizade e comunhão (...) por meio de organizações de apostolado juvenil e grupos de jovens ». 131 Ninguém deveria ser excluído a priori de participar plenamente da vida e missão da paróquia, por causa da sua origem social, económica, política, cultural ou educativa. Da mesma forma que cada discípulo de Cristo possui um dom para oferecer à comunidade, assim a comunidade deveria colocar toda a sua boa vontade em receber e beneficiar do dom de cada um.

Neste contexto e valendo-se da sua experiência pastoral, os Padres Sinodais sublinharam o valor das comunidades eclesiais de base, como meio eficaz para promover a comunhão e a participação nas paróquias e dioceses, e como uma autêntica força de evangelização. 132 Estes grupos pequenos ajudam o fiel a viver em comunidades de fé, oração e amizade semelhantes às dos primeiros cristãos (cf. Act 2, 44-47; 4, 32-35). Visam ajudar os seus membros a viverem o Evangelho com espírito de amor e serviço fraterno, sendo por isso mesmo um sólido ponto de partida para construir uma nova sociedade, expressão de uma civilização do amor. Com o Sínodo, eu encorajo a Igreja na Ásia, onde for possível, a encarar estas comunidades de base como um aspecto positivo da actividade evangelizadora da Igreja. No entanto, elas só serão verdadeiramente eficazes, se — como escreveu o Papa Paulo VI — viverem em união com a Igreja particular e universal, em comunhão sincera com os Pastores e o Magistério da Igreja, comprometidas com a expansão missionária, sem cederem ao isolamento nem à exploração ideológica. 133 A presença destas pequenas comunidades não põe de lado as instituições e estruturas já existentes, que continuam a ser necessárias para a Igreja realizar a sua missão.

O Sínodo reconheceu também o contributo dos movimentos de renovação para a construção da comunhão, criando oportunidades para uma experiência mais íntima de Deus, através da fé e dos sacramentos, e fomentando a conversão da vida. 134 É responsabilidade dos Pastores orientar, acompanhar e estimular estes grupos, de maneira que estejam bem integrados na vida e missão da paróquia e da diocese. Os elementos destas associações e movimentos ofereçam o seu apoio à Igreja local e evitem de se apresentarem a si mesmos como alternativa das estruturas diocesanas e da vida paroquial. A comunhão cresce mais vigorosamente, quando os dirigentes locais destes movimentos trabalham juntamente com os Pastores, em espírito de caridade, para o bem de todos (cf. 1 Cor 1, 13).

Solidariedade entre as Igrejas

26. Esta comunhão ad intra contribui para a solidariedade entre as próprias Igrejas particulares. A solicitude pelas necessidades locais é legítima e indispensável, mas a comunhão exige que as Igrejas particulares permaneçam abertas umas às outras e colaborem reciprocamente, de maneira que, na sua diversidade, saibam defender e manifestar claramente o vínculo de comunhão com a Igreja universal. A comunhão reclama mútuo entendimento e coordenação no planeamento da missão, sem prejuízo da autonomia nem dos direitos das Igrejas segundo as suas respectivas tradições teológicas, litúrgicas e espirituais. Contudo, a história mostra como as divisões feriram às vezes a comunhão das Igrejas na Ásia. Ao longo dos séculos, as relações entre Igrejas particulares com jurisdições eclesiásticas, tradições litúrgicas e estilos missionários diferentes foram, por vezes, tensas e difíceis. Os Bispos presentes no Sínodo reconheceram que ainda hoje, no interior de cada uma e entre as Igrejas particulares da Ásia, existem às vezes lamentáveis divisões, devidas frequentemente a diferenças de ritual, língua, raça, casta e ideologia. Algumas feridas foram parcialmente tratadas, mas não estão ainda completamente curadas. Reconhecendo que, quando se debilita a comunhão, sofre o testemunho da Igreja e o trabalho missionário, os Padres Sinodais propuseram passos concretos para fortalecer as relações entre as Igrejas particulares da Ásia. Assim como há necessidade de gestos espirituais de apoio e estímulo, sugeriram uma distribuição mais equitativa de sacerdotes, uma solidariedade financeira mais efectiva, intercâmbios culturais e teológicos, e oportunidades sempre crescentes de consórcio entre dioceses. 135

As associações regionais e continentais de Bispos, com destaque para o Conselho dos Patriarcas Católicos do Médio Oriente e para a Federação das Conferências Episcopais da Ásia, têm ajudado a fomentar a união entre as Igrejas locais e proporcionado encontros de cooperação para se resolverem problemas pastorais. De igual modo, existem muitos centros de teologia, espiritualidade e actividade pastoral, através da Ásia, que promovem a comunhão e a cooperação prática. 136 Todos devem cuidar de que estas promissoras iniciativas cresçam cada vez mais para bem tanto da Igreja como da sociedade na Ásia.

As Igrejas Católicas Orientais

27. A situação das Igrejas Católicas Orientais, sobretudo no Médio Oriente e na Índia, merece particular atenção. Desde os tempos apostólicos, aquelas têm sido guardiães de uma preciosa herança espiritual, litúrgica e teológica. As suas tradições e ritos, nascidos de uma profunda inculturação da fé no território de muitos países asiáticos, merecem o maior respeito. Com os Padres Sinodais, convido cada um a reconhecer os legítimos costumes e a legítima liberdade destas Igrejas em matéria disciplinar e litúrgica, como estipulado pelo Código dos Cânones das Igrejas Orientais. 137 Como ensina o Concílio Vaticano II, há urgente necessidade de ultrapassar medos e equívocos que foram surgindo ao longo do tempo quer nas Igrejas Católicas Orientais entre si, quer entre elas e a Igreja Latina, especialmente no que diz respeito ao cuidado pastoral dos seus fiéis, mesmo fora dos seus próprios territórios. 138 Como filhos duma única Igreja, renascidos para a vida nova em Cristo, os crentes são chamados a resolver tudo num espírito de união de objectivos, de confiança e de caridade sem fim. Não se deve deixar que os conflitos criem divisão, mas, antes, sejam tratados num espírito de confiança e respeito, visto que o bem não pode brotar senão do amor. 139

Estas veneráveis Igrejas estão directamente empenhadas no diálogo ecuménico com as Igrejas Ortodoxas irmãs, e os Padres Sinodais incitaram-nas a prosseguir nesse caminho. 140 Têm tido também valiosas experiências de diálogo inter-religioso, especialmente com o islamismo. Isto pode ser útil para as demais Igrejas na Ásia e noutras partes. É claro que as Igrejas Orientais Católicas possuem uma grande riqueza de tradição e experiência, que pode beneficiar imenso toda a Igreja.

Partilhando esperanças e sofrimentos

28. Os Padres Sinodais estavam cientes também da necessidade duma efectiva comunhão e colaboração com as Igrejas locais presentes nos territórios asiáticos da ex-União Soviética, que estão a reconstruir-se no meio de penosas circunstâncias herdadas de um período difícil da sua história. A Igreja acompanha-as na oração, compartilhando os seus sofrimentos e recém-fundadas esperanças. Encorajo toda a Igreja a prestar apoio moral, espiritual e material, e pessoal, ordenado ou não, necessário para ajudar estas comunidades na sua missão de partilharem com os povos destas terras o amor de Deus, revelado em Jesus Cristo. 141

Em muitas partes da Ásia, os nossos irmãos e irmãs continuam a viver a sua fé no meio de restrições senão mesmo total negação da liberdade. Os Padres Sinodais manifestaram especial preocupação e solicitude por estes membros da Igreja que sofrem. Com os Bispos da Ásia, exorto os nossos irmãos e irmãs destas Igrejas que vivem em condições difíceis a juntarem os seus sofrimentos aos do Senhor crucificado, porque, nós e eles, sabemos que só a cruz, quando suportada com fé e amor, é caminho de ressurreição e de vida nova para a humanidade. Animo as diversas Conferências Episcopais da Ásia a constituírem um serviço específico para ajudar estas Igrejas; e prometo a continuação da solidariedade e interessamento da Santa Sé por todos quantos sofrem perseguição pela sua fé em Cristo. 142 Faço apelo aos Governos e dirigentes das Nações para que adoptem e ponham em prática políticas que garantam a liberdade religiosa para todos os seus cidadãos.

Em muitas ocasiões, os Padres Sinodais voltaram o pensamento para a Igreja católica da China continental e rezaram para que chegue brevemente o dia em que os nossos amados irmãos e irmãs chineses possam livremente praticar a sua fé em plena comunhão com a Sé de Pedro e a Igreja universal. A vós, queridos irmãos e irmãs chineses, faço esta calorosa exortação: nunca deixeis que privação ou sofrimento algum diminua a vossa devoção a Cristo ou a dedicação à vossa grande nação. 143 O Sínodo manifestou também cordial solidariedade à Igreja católica da Coreia e apoiou « os esforços feitos pelos católicos para dar assistência ao povo da Coreia do Norte, privado dos recursos mínimos de sobrevivência, e provocar a reconciliação entre as duas parcelas de um único povo, com a mesma língua e herança cultural ». 144

De igual modo, a reflexão sinodal fixou-se com frequência na Igreja de Jerusalém, que ocupa um lugar especial no coração dos cristãos. De facto, no coração de milhões de crentes espalhados pelo mundo, para quem Jerusalém constitui um lugar único e querido, encontram um eco particular estas palavras de Isaías: « Alegrai-vos com Jerusalém, regozijai-vos com ela, todos vós que a amais, (...) e saboreareis com delícia a plenitude da sua glória » (66, 10.11). Jerusalém, cidade de reconciliação dos homens com Deus e de uns com os outros, foi muitas vezes também um lugar de conflito e divisão. Os Padres Sinodais convidaram as Igrejas particulares a permanecerem solidárias com a Igreja de Jerusalém, compartilhando as suas tribulações, rezando por ela e colaborando com o seu serviço em prol da paz, da justiça e da reconciliação entre os dois povos e as três religiões presentes na Cidade Santa. 145 Renovo o apelo, que tenho feito muitas vezes aos dirigentes políticos e religiosos e às pessoas de boa vontade, para que busquem caminhos que assegurem a paz e a integridade de Jerusalém. Como escrevi, é meu ardente desejo ir até lá em religiosa peregrinação, à semelhança do meu predecessor Papa Paulo VI, para rezar na Cidade Santa, onde Jesus Cristo viveu, morreu e ressuscitou, e visitar o lugar donde partiram os Apóstolos, com o poder do Espírito Santo, para anunciar ao mundo o Evangelho de Jesus Cristo. 146

Uma missão de diálogo

29. Os vários Sínodos « continentais », que têm ajudado a preparar a Igreja para o Grande Jubileu do Ano 2000, tiveram como tema comum a nova evangelização. É essencial um novo tempo de anúncio do Evangelho, não só porque, depois de dois mil anos, a maior parte da família humana ainda não reconhece Cristo, mas também porque a situação em que a própria Igreja e o mundo se encontram no limiar do novo milénio está particularmente modificada quanto à crença religiosa e às verdades morais daí derivadas. Quase por todo o lado, há tendência para se criar progresso e prosperidade sem qualquer referimento a Deus e para reduzir a dimensão religiosa da pessoa humana à esfera privada. Uma sociedade, privada da verdade mais basilar sobre o homem, nomeadamente a sua relação com o Criador e com a redenção trazida por Cristo no Espírito Santo, pode somente extraviar-se cada vez mais das verdadeiras fontes da vida, do amor e da felicidade. Este século violento, que caminha rapidamente para o seu termo, gerou terríveis testemunhos do que pode acontecer quando a verdade e o bem são sacrificados à ambição do poder e da fama. A nova evangelização, como um apelo à conversão, à graça e à sabedoria, é a única esperança genuína para um mundo melhor e um futuro mais risonho. A questão não é saber se a Igreja tem algo de essencial a dizer aos homens e mulheres do nosso tempo, mas como será possível dizê-lo clara e convictamente.

Quando decorria o Concílio Vaticano II, o meu predecessor Papa Paulo VI declarou, na Encíclica Ecclesiam suam, que a questão da relação entre a Igreja e o mundo moderno constituía uma das preocupações mais importantes do nosso tempo. Escrevia ele que « a sua realidade e urgência era tal que criou um peso na nossa alma, um estímulo, uma chamada ». 147 A partir do Concílio, a Igreja tem mostrado constantemente que deseja prosseguir esta relação num espírito de diálogo. Esta opção pelo diálogo, porém, não é uma mera estratégia para a coexistência pacífica entre os povos; é uma parte essencial da missão da Igreja, porque tem a sua origem no amoroso diálogo de salvação do Pai com a humanidade, através do Filho no poder do Espírito Santo. A Igreja só pode realizar a sua missão por caminho igual àquele de que Deus Se serviu em Jesus Cristo: fez-Se homem, partilhou a nossa vida humana e falou uma linguagem humana para comunicar a sua mensagem salvífica. O diálogo que a Igreja propõe, fundamenta-se na lógica da Encarnação. Por isso, apenas um amor zeloso e uma solidariedade desinteressada move a Igreja no seu diálogo com os homens e mulheres da Ásia, que procuram a verdade no amor.

Na sua qualidade de sacramento da unidade de toda a humanidade, a Igreja não pode deixar de entrar em diálogo com todos os povos, em todo o tempo e lugar. De acordo com a missão que recebeu, ela aventura-se pelo mundo ao encontro dos vários povos, ciente de ser um « pequenino rebanho » dentro da multidão imensa da humanidade (cf. Lc 12, 32), mas também de ser fermento na massa do mundo (cf. Mt 13, 33). Os seus esforços em dialogar são dirigidos primeiramente àqueles que partilham a sua fé em Jesus Cristo, Senhor e Salvador. Mas alargam-se, para além do mundo cristão, aos seguidores de outras tradições religiosas, tendo por base os anseios religiosos presentes em todo o coração humano. O diálogo ecuménico e o diálogo inter-religioso constituem uma verdadeira vocação para a Igreja.

Diálogo ecuménico

30. O diálogo ecuménico é um desafio e um apelo à conversão lançado a toda a Igreja, e de modo especial à Igreja da Ásia onde o povo espera dos cristãos um sinal mais claro de unidade. Para todas as pessoas se reunirem sob a graça de Deus, é necessário restabelecer a comunhão entre aqueles que, pela fé, aceitaram Jesus Cristo como Senhor. Pediu-o o próprio Jesus, o Qual não cessa de convocar os seus discípulos para a unidade visível, para que o mundo possa acreditar que o Pai O enviou (cf. Jo 17, 21). 148 Mas, a vontade do Senhor de que a sua Igreja viva unida, aguarda ainda por uma resposta completa e corajosa dos seus discípulos.

Precisamente na Ásia, onde o número de cristãos é proporcionalmente pequeno, a divisão torna o trabalho missionário ainda mais difícil. Os Padres Sinodais confessaram que « o escândalo do cristianismo dividido é um grande obstáculo para a evangelização da Ásia ». 149 De facto, a divisão entre os cristãos é vista como um contra-testemunho de Jesus Cristo, sobretudo na Ásia onde tantos buscam harmonia e unidade precisamente através das suas religiões e culturas. Por isso, a Igreja católica da Ásia sente-se particularmente impelida a trabalhar pela unidade com os outros cristãos, sabendo que a busca da comunhão plena requer, de cada um, caridade, discernimento, coragem e esperança. « O ecumenismo, para ser autêntico e frutuoso, exige, por parte dos fiéis católicos, algumas disposições fundamentais: em primeiro lugar, a caridade, para que transpareça nela simpatia e um desejo vivo de cooperar, onde for possível, com os fiéis de outras Igrejas e Comunidades eclesiais; em segundo lugar, a fidelidade à Igreja católica, sem ignorar nem negar as negligências manifestadas pelo comportamento de alguns dos seus membros; em terceiro lugar, o espírito de discernimento, para apreciar aquilo que é bom e digno de louvor; por último, é pedida uma sincera vontade de purificação e de renovamento ». 150

Ao mesmo tempo que reconheciam as dificuldades ainda existentes nas relações entre os cristãos, nas quais se incluem não só preconceitos herdados do passado, mas também juízos radicados em profundas convicções que tocam na consciência, 151 os Padres Sinodais indicaram também sinais de melhores relações entre algumas Igrejas Cristãs e Comunidades Eclesiais da Ásia. Os cristãos católicos e ortodoxos, por exemplo, reconhecem frequentemente uma unidade cultural entre eles, e a sensação de partilhar importantes elementos duma tradição eclesial comum. Isto cria uma base sólida para continuar um diálogo ecuménico frutuoso no próximo milénio, que, como esperamos e rezamos, há-de pôr fim definitivamente às divisões do milénio que está para concluir.

A nível prático, o Sínodo propôs que as Conferências Episcopais nacionais da Ásia convidem outras Igrejas cristãs a tomar parte num processo, feito de oração e deliberação, que sonde as possibilidades de novas estruturas e associações ecuménicas para promover a unidade cristã. A sugestão sinodal de que a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos seja frutuosamente celebrada, é proveitosa também. Os Bispos foram animados a estabelecer e vigiar pelos centros de oração e diálogo; e há necessidade de incluir, no currículo dos Seminários, casas de formação e instituições educativas, uma adequada formação para o diálogo ecuménico.

Diálogo interreligioso

31. Na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, referi que a chegada do novo milénio oferece uma grande oportunidade para o diálogo interreligioso e para encontros com os dirigentes das grandes religiões mundiais. 152 O contacto, diálogo e cooperação com os seguidores de outras religiões foi um dever que o Concílio Vaticano II legou a toda a Igreja como uma obrigação e um desafio. Os princípios desta busca de relações positivas com outras tradições religiosas estão expostos na Declaração conciliar Nostra ætate, promulgada no dia 28 de Outubro de 1965, a Carta Magna para o diálogo interreligioso do nosso tempo. Do ponto de vista cristão, o diálogo inter-religioso é mais do que um simples meio para favorecer o conhecimento e enriquecimento mútuo; é uma parte da missão evangelizadora da Igreja, uma expressão da missão ad gentes. 153 O que move os cristãos ao diálogo inter-religioso é a firme convicção de que a plenitude da salvação vem apenas de Cristo, e que a Igreja, comunidade à qual a mesma está entregue, é o meio ordinário de salvação. 154 Repito aqui o que escrevi à V Assembleia Plenária da Federação das Conferências Episcopais da Ásia: « Ainda que a Igreja reconheça de bom grado quanto há de verdadeiro e de santo nas tradições religiosas do budismo, do hinduísmo e do islamismo, como reflexo daquela verdade que ilumina todos os homens, isto não diminui o seu dever e determinação de proclamar sem hesitações Jesus Cristo, que é o "caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6). (...) O facto de os seguidores de outras religiões poderem receber a graça de Deus e ser salvos por Cristo, independentemente dos meios ordinários por Ele estabelecidos, não cancela de maneira alguma o apelo à fé e ao baptismo, que Deus quer para todos os povos ». 155

No processo de diálogo, como escrevi na Encíclica Redemptoris missio, « não deve haver qualquer abdicação dos princípios, nem falso irenismo, mas o testemunho recíproco em ordem a um progresso comum no caminho da procura e da experiência religiosa, e simultaneamente em vista do superamento de preconceitos, intolerâncias e malentendidos ». 156 Só pessoas dotadas duma fé cristã matura e convicta é que são qualificadas para se empenharem num diálogo inter-religioso autêntico. « Apenas cristãos imersos profundamente no mistério de Cristo e felizes na sua comunidade de fé podem, sem riscos indevidos e com esperança de bons frutos, comprometer-se no diálogo inter-religioso ». 157 Por conseguinte, é importante que a Igreja da Ásia proporcione modelos idóneos de diálogo inter-religioso — evangelização em diálogo e diálogo para a evangelização — e conveniente instrução a quantos nele estão envolvidos.

Depois de sublinharem a necessidade de uma fé firme em Cristo para participar no diálogo inter-religioso, os Padres Sinodais passaram a falar da necessidade de um diálogo de vida e coração. Os discípulos de Cristo devem ter o coração manso e humilde do seu Mestre, não orgulhoso nem arrogante, quando encontram os seus interlocutores de diálogo (cf. Mt 11, 29). « As relações inter-religiosas terão melhor êxito num contexto de sinceridade para com os outros crentes, de prontidão em escutá-los e vontade de respeitar e compreender os outros nas suas diferenças. Para tudo isto, é indispensável o amor aos outros. Daí resultaria colaboração, harmonia e mútuo enriquecimento ». 158

Como guia para quantos estão empenhados neste processo, o Sínodo sugeriu que fosse redigido um Directório para o diálogo inter-religioso. 159 Visto que a Igreja está sondando novos caminhos de encontro com as outras religiões, apraz-me mencionar formas de diálogo já efectuadas com bons resultados: intercâmbio de estudos entre peritos nas diversas tradições religiosas ou representantes destas tradições, iniciativas comuns em prol do desenvolvimento humano integral e em defesa dos valores humanos e religiosos. 160 Volto a afirmar a grande importância que tem, para o processo de diálogo, a revitalização da oração e da contemplação. Homens e mulheres de vida consagrada podem contribuir real e significativamente para o diálogo inter-religioso, dando testemunho do vigor das grandes tradições cristãs de ascetismo e misticismo. 161

O memorável encontro, que teve lugar em Assis, a cidade de S. Francisco, no dia 27 de Outubro de 1986, entre a Igreja Católica e os representantes das outras religiões mundiais demonstra que homens e mulheres religiosos, sem abandonarem as suas próprias tradições, podem apesar disso comprometer-se a rezar e trabalhar pela paz e o bem da humanidade. 162 A Igreja deve continuar a esforçar-se por defender e fomentar, a todos os níveis, este espírito de encontro e cooperação entre as religiões.

A comunhão e o diálogo são dois aspectos essenciais da missão da Igreja, que tem o seu modelo infinitamente transcendente no mistério da Santíssima Trindade, da Qual provém e à Qual deve retornar toda a missão. Uma das maiores prendas de aniversário, que os membros da Igreja, e de modo especial os seus Pastores, podem oferecer ao Senhor da história nos dois mil anos da sua Encarnação, é um reforço do espírito de unidade e comunhão, a todos os níveis da vida eclesial, um renovado « santo orgulho » na fidelidade perseverante da Igreja àquilo que tem sido transmitido, uma nova confiança na graça e missão inalterável que a envia para o meio dos povos do mundo como testemunha do amor e misericórdia salvífica de Deus. Só se o Povo de Deus reconhecer o grande dom que possui em Cristo, é que será capaz de comunicar tal dom aos outros através do anúncio e do diálogo.

CAPÍTULO VI

O SERVIÇO DE PROMOÇÃO HUMANA

A doutrina social da Igreja

32. No seu serviço à família humana, a Igreja estende a mão a todos os homens e mulheres sem distinção, procurando construir com eles uma civilização de amor, fundada sobre os valores universais da paz, da justiça, da solidariedade e da liberdade, que encontram a sua plenitude em Cristo. Como disse, de forma memorável, o Concílio Vaticano II, « as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. E não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração ». 163 A Igreja, no caso da Ásia com a sua multidão de pobres e oprimidos, é chamada a viver uma comunhão de vida tal que a apresente particularmente comprometida num serviço de amor aos pobres e abandonados.

Se, nos tempos recentes, o Magistério da Igreja tem insistido cada vez mais na necessidade de promover o desenvolvimento autêntico e integral da pessoa humana, 164 fê-lo para dar resposta quer à situação real da população mundial, quer à convicção crescente de que a hostilizarem o bem-estar humano são muitas vezes, não propriamente acções de indivíduos, mas as estruturas da vida social, política e económica. O desequilíbrio palpável no fosso, sempre maior, entre aqueles que beneficiam da crescente capacidade mundial de produzir riqueza e aqueles que são deixados à margem do progresso, reclama uma mudança radical tanto da mentalidade como das estruturas a favor da pessoa humana. O grande desafio moral, que se coloca às nações e à comunidade internacional relativamente ao desenvolvimento, é ter a coragem de uma nova solidariedade, capaz de dar passos engenhosos e eficazes para vencer quer o subdesenvolvimento desumanizante, quer o « sobredesenvolvimento » que tende a reduzir a pessoa a mera unidade económica numa rede consumista sempre mais opressiva. Para provocar esta mudança, « a Igreja não tem soluções técnicas para oferecer », mas « dá a sua primeira contribuição para a solução do urgente problema do desenvolvimento, quando proclama a verdade acerca de Cristo, de si mesma e do homem, aplicando-a a uma situação concreta ». 165 Afinal de contas, o desenvolvimento humano nunca é uma mera questão técnica e económica; mas é fundamentalmente uma questão humana e moral.

A doutrina social da Igreja, que propõe um conjunto de princípios de reflexão, critérios de discernimento e directrizes de acção, 166 é dirigida em primeiro lugar aos membros da Igreja. É essencial que o fiel, comprometido na promoção humana, tenha domínio firme deste precioso corpo de doutrina e faça dele parte integrante da sua missão evangelizadora. Por isso, os Padres Sinodais realçaram a importância de proporcionar aos fiéis — em todas as actividades educativas, e de modo especial nos Seminários e casas de formação — uma sólida preparação em doutrina social da Igreja. 167 Os dirigentes cristãos na Igreja e na sociedade, particularmente os leigos com responsabilidades na vida pública, necessitam de estar bem formados nesta doutrina, para que possam inspirar e vivificar a sociedade civil e as suas estruturas com o fermento do Evangelho. 168 A doutrina social da Igreja não pretende apenas alertar estes dirigentes cristãos para os seus deveres, mas também dar-lhes orientações para a acção em favor do desenvolvimento humano, e libertá-los de falsas noções da pessoa e actividade humana.

A dignidade da pessoa humana

33. Os primeiros agentes e destinatários do desenvolvimento são os seres humanos, não a riqueza nem a tecnologia. Por isso, o género de desenvolvimento que a Igreja promove, aponta para além das questões de economia e tecnologia. Principia e termina na integridade da pessoa humana criada à imagem de Deus e dotada da dignidade que Deus lhe deu e de direitos humanos inalienáveis. As várias declarações internacionais sobre os direitos humanos e tantas iniciativas, que os mesmos inspiraram, são sinal de uma crescente atenção mundial à dignidade da pessoa humana. Infelizmente, tais declarações acabam muitas vezes por ser violadas na prática. Cinquenta anos depois da proclamação solene da Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitas pessoas estão ainda sujeitas às formas mais degradantes de exploração e manipulação, que as convertem em verdadeiros escravos dos mais poderosos, sejam eles uma ideologia, um poder económico, um sistema político opressivo, uma tecnocracia científica ou a invadência dos mass-media. 169

Os Padres Sinodais estavam bem cientes da contínua violação dos direitos humanos em muitas partes do mundo, e de modo particular na Ásia onde « largos milhões de pessoas são vítimas de discriminação, exploração, pobreza e marginalização ». 170 Eles manifestaram a necessidade de todo o povo de Deus na Ásia chegar a uma maior consciência do desafio inevitável e irrenunciável que é a defesa dos direitos humanos e a promoção da justiça e da paz.

Amor preferencial pelos pobres

34. Ao procurar promover a dignidade humana, a Igreja mostra um amor preferencial pelos pobres e marginalizados, porque o Senhor identificou-Se de forma especial com eles (cf. Mt 25, 40). Este amor não exclui ninguém; simplesmente individua uma prioridade de serviço, que goza do testemunho favorável de toda a tradição da Igreja. « Este amor preferencial pelos pobres, com as decisões que ele nos inspira, não pode deixar de abranger as imensas multidões de famintos, de mendigos, sem-tecto, sem assistência médica e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor; não se pode deixar de ter em conta a existência destas realidades. Ignorá-las seria tornar-nos como o "rico epulão", que fingia não conhecer o pobre Lázaro que jazia ao seu portão (cf. Lc 16, 19-31) ». 171 Isto é particularmente verdade quando se pensa na Ásia, um continente de abundantes recursos e grandes civilizações, mas onde se encontram algumas das nações mais pobres da terra, e onde mais de metade da população sofre privações, pobreza e exploração. 172 A melhor razão que os pobres da Ásia e do mundo encontrarão para esperar, será sempre o mandamento evangélico de nos amarmos uns aos outros como Cristo nos amou (cf. Jo 13, 34); e a Igreja da Ásia não pode deixar de cumprir seriamente, em palavras e obras, este mandamento para com os pobres.

A solidariedade com os pobres tornar-se-á mais crível, se os próprios cristãos viverem de forma simples, seguindo o exemplo de Jesus. Simplicidade de vida, fé profunda e sincero amor por todos, especialmente pelos pobres e marginalizados, são sinais luminosos do Evangelho em acção. Os Padres Sinodais pediram aos católicos asiáticos que adoptem um estilo de vida coerente com a doutrina do Evangelho, de maneira que possam cumprir melhor a sua missão eclesial, e a própria Igreja se torne uma Igreja dos pobres e para os pobres. 173

No seu amor pelos pobres da Ásia, a Igreja volta-se especialmente para os migrantes, as populações indígenas e tribais, as mulheres e as crianças, visto que frequentemente são vítimas das piores formas de exploração. Também um número incalculável de pessoas sofre discriminação por causa da sua cultura, cor, raça, casta, situação económica, ou modo de pensar. Entre eles, contam-se quantos são maltratados por causa da sua conversão ao cristianismo. 174 Uno-me ao apelo feito pelos Padres Sinodais a todas as nações para que reconheçam o direito à liberdade de consciência e de religião e os restantes direitos humanos básicos. 175

Actualmente a Ásia está experimentando um fluxo sem precedentes de refugiados, pessoas em busca de asilo, imigrantes e trabalhadores estrangeiros. Nos países de chegada, tais indivíduos sentem-se frequentemente desamparados, alienados culturalmente, linguisticamente impreparados, e vulneráveis economicamente. Precisam de apoio e cuidado para preservarem a própria dignidade humana e a sua herança cultural e religiosa. 176 Apesar dos seus recursos limitados, a Igreja da Ásia procura generosamente ser uma casa acolhedora para quantos se sentem cansados e oprimidos, sabendo que eles, no Coração de Jesus onde ninguém é estrangeiro, encontrarão repouso (cf. Mt 11, 28-29).

Em quase todos os países asiáticos, há populações aborígenes consideráveis, algumas delas ocupando o ínfimo grau económico. O Sínodo assinalou mais de uma vez que frequentemente as populações indígenas ou tribais se sentem atraídas pela pessoa de Jesus Cristo e pela Igreja enquanto comunidade de amor e serviço. 177 Aqui jaz um imenso campo de acção, tanto no sector da educação e da assistência sanitária como no âmbito da promoção e participação social. A Comunidade católica precisa de intensificar a acção pastoral no meio deles, prestando atenção aos seus interesses e às questões de justiça que afectam a sua vida. Isto supõe uma atitude de profundo respeito pela sua religião tradicional e seus valores; e inclui também a necessidade de ajudá-los a ajudarem-se a si próprios, de maneira que possam eles mesmos trabalhar para melhorar a sua situação e tornar-se evangelizadores da sua própria cultura e sociedade. 178

Ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento de tantas crianças na Ásia, que caiem vítimas de exploração e violência intoleráveis, não só devido a crimes praticados por indivíduos, mas muitas vezes como consequência directa de estruturas sociais perversas. Os Padres Sinodais identificaram o trabalho infantil, a pedofilia e o fenómeno da droga como males sociais que mais directamente afectam as crianças, deixando claro que são acompanhados por outros males, como a pobreza, males esses concebidos como programas de desenvolvimento nacional. 179 A Igreja deve fazer tudo o que puder para vencer estes males, agir em favor dos explorados, e procurar conduzir os pequeninos ao amor de Jesus, porque deles é o Reino de Deus (cf. Lc 18, 16). 180

O Sínodo exprimiu particular preocupação pelas mulheres, cuja situação permanece um sério problema na Ásia, onde a discriminação e a violência contra elas estão frequentemente instaladas em casa, no lugar de trabalho e mesmo no sistema legal. O analfabetismo é muito mais generalizado entre as mulheres, e muitas são tratadas como simples mercadoria usada na prostituição, turismo e agências de divertimento. 181 No seu combate contra todas as formas de injustiça e discriminação, as mulheres devem achar uma aliada na Comunidade cristã e, por esta razão, o Sínodo propôs que as Igrejas locais da Ásia promovam, onde for possível, os direitos humanos com iniciativas a favor da mulher. O objectivo deve ser provocar uma mudança de atitude, através da própria compreensão do papel do homem e da mulher na família, na sociedade e na Igreja, por meio de uma maior consciência da original complementaridade entre o homem e a mulher, e mediante uma maior valorização da dimensão feminina em todas as realidades humanas. A contribuição da mulher tem sido muitas vezes depreciada ou ignorada, do que resultou um empobrecimento espiritual da humanidade. A Igreja da Ásia quer defender, mais visível e eficazmente, a dignidade e liberdade da mulher, valorizando o seu papel na vida da Igreja, inclusive na sua vida intelectual, e criando também maiores oportunidades para elas estarem presentes e activas na missão de amor e serviço da Igreja. 182

O Evangelho da vida

35. A luta em prol do desenvolvimento humano começa pelo serviço a favor da própria vida. A vida é o grande dom que Deus nos confiou: Ele confiou-no-la como um projecto e uma responsabilidade. Por isso, nós somos os guardiães da vida, não seus proprietários. Recebemos o dom livremente e, em atitude de gratidão, não devemos jamais cessar de o respeitar e defender, desde o seu início até ao termo natural. Desde o momento da concepção, a vida humana supõe a acção criadora de Deus e permanece para sempre numa especial ligação com o Criador, que é a fonte da vida e o seu único fim. Não há verdadeiro progresso, nem sociedade civil autêntica, nem real promoção humana, sem o respeito pela vida humana, especialmente pela vida daqueles que não têm voz para se defenderem a si próprios. A vida de cada pessoa, quer a de uma criança no ventre de sua mãe, quer a de alguém que está doente, é deficiente ou idoso, é um dom para todos.

Os Padres Sinodais reafirmaram, com cordial adesão, a doutrina acerca da sacralidade da vida humana, ensinada pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério posterior, nomeadamente a Encíclica Evangelium vitæ. Uno-me aqui ao apelo que dirigiram aos fiéis dos seus países — onde frequentemente a questão demográfica é usada como argumento para a necessidade de introduzir o aborto e programas de controle artificial da população —, para que se oponham à « cultura de morte ». 183 Eles podem mostrar a sua fidelidade a Deus e o seu compromisso com a verdadeira promoção humana, apoiando e participando em programas que defendam a vida dos que são impotentes para se defenderem a si próprios.

Serviço de saúde

36. Seguindo os passos de Jesus Cristo, que teve compaixão de todos e curou « todas as enfermidades e moléstias » (Mt 9, 35), a Igreja da Ásia está decidida a empenhar-se cada vez mais no cuidado dos doentes, visto que este é parte vital da missão que ela tem para oferecer a graça salvífica de Cristo a todas as pessoas. Como o bom samaritano da parábola (cf. Lc 10, 29-37), a Igreja deseja cuidar dos doentes e deficientes de modo concreto, 184 sobretudo nos lugares onde as pessoas estão privadas da assistência médica elementar por causa da pobreza e marginalização.

Em numerosas ocasiões durante as minhas visitas à Igreja nas várias partes do mundo, fiquei profundamente impressionado pelo extraordinário testemunho cristão dado por religiosos e pessoas consagradas, médicos, enfermeiros e outro pessoal do serviço de saúde, especialmente aqueles que trabalham com os deficientes, no âmbito dos cuidados terminais, ou lutam contra a difusão de novas doenças como a SIDA. De forma sempre crescente, o pessoal que trabalha no serviço cristão de saúde é chamado a ser generoso e altruísta para olhar pelas vítimas da dependência da droga e da SIDA, que muitas vezes são desprezadas e abandonadas pela sociedade. 185 Há muitas instituições médicas católicas na Ásia, que estão a enfrentar pressões de políticas do serviço público de saúde não baseadas em princípios cristãos, e muitas delas são sobrecarregadas por exigências financeiras sempre maiores. Apesar destes problemas, o altruísmo exemplar e o devotado profissionalismo do pessoal aí empenhado permite proporcionar um admirável e valioso serviço à comunidade e um sinal, particularmente visível e eficaz, do amor inexaurível de Deus. O pessoal do serviço de saúde deve ser estimulado e apoiado no bem que fazem. O seu empenhamento e eficácia permanente são o meio melhor para assegurar a penetração profunda dos valores e princípios cristãos nos sistemas de serviço de saúde neste Continente, transformando-os a partir de dentro. 186

Educação

37. Por toda a Ásia, o envolvimento da Igreja na educação é amplo e bem visível, sendo, portanto, um elemento-chave da sua presença no meio dos povos do continente. Em muitos países, as escolas católicas jogam um papel importante na evangelização, inculturando a fé, ensinando hábitos de sinceridade e respeito, e fomentando o entendimento inter-religioso. Muitas vezes as escolas da Igreja oferecem as únicas oportunidades educativas para as meninas, as minorias tribais, os pobres do campo e as crianças menos privilegiadas. Os Padres Sinodais estavam persuadidos da necessidade de ampliar e desenvolver o apostolado da educação na Ásia, com uma atenção particular aos mais desfavorecidos, para que todos sejam ajudados a ocupar o seu justo lugar como cidadãos de pleno direito na sociedade. 187 Como observaram os Padres Sinodais, isto significa que o sistema de educação católica deve orientar-se ainda mais nitidamente para a promoção humana, proporcionando um ambiente onde os estudantes recebam não só os elementos formais de escolaridade mas, mais amplamente, uma formação humana integral baseada nos ensinamentos de Cristo. 188 As escolas católicas hão-de continuar a ser lugares onde a fé possa ser livremente proposta e recebida. De igual modo, as universidades católicas, para além de manterem a excelência académica por que são já bem conhecidas, devem conservar uma clara identidade cristã para serem o fermento cristão na sociedade asiática. 189

Construção da paz

38. No final do século vinte, o mundo encontra-se ainda ameaçado por forças que geram conflitos e guerras, e a Ásia não está por certo isenta delas. Entre estas forças, contam-se a intolerância e a marginalização de qualquer espécie que seja — social, cultural, política e mesmo religiosa. Dia a dia, novas violências são infligidas a indivíduos e nações inteiras, estando esta cultura de morte ligada com o recurso injustificado à violência como meio para resolver as tensões. Frente à situação de terríveis conflitos em tantas partes do mundo, a Igreja é chamada a empenhar-se profundamente nos esforços internacionais e inter-religiosos para se alcançar a paz, a justiça e a reconciliação. Ela continua a insistir na resolução negociada e pacífica dos conflitos, e aguarda o dia em que as nações deixarão de lado a guerra como instrumento para fazer reivindicações ou meio para resolver divergências. A Igreja está convencida de que a guerra cria mais problemas do que resolve, que o diálogo é o único caminho justo e nobre para se chegar a acordo e à reconciliação, e que a arte paciente e sábia de fazer a paz é particularmente abençoada por Deus.

Particularmente inquietante na Ásia, é a corrida contínua à aquisição de armas de destruição de massa, uma despesa imoral e devastante em orçamentos nacionais que, nalguns casos, ainda não consegue satisfazer as necessidades básicas da população. Os Padres Sinodais falaram também do número imenso de minas semeadas em terra asiática, que mutilaram ou mataram centenas de milhares de pessoas inocentes, e ao mesmo tempo roubaram terra fértil que poderia, caso contrário, ser usada para a produção de alimentos. 190 É responsabilidade de todos, especialmente dos governantes das nações, trabalhar mais decididamente em prol do desarmamento. O Sínodo pediu a interrupção do fabrico, venda e uso de armas nucleares, químicas e biológicas, e exigiu que os responsáveis pela colocação das minas prestem agora assistência no trabalho de bonificação dos terrenos. 191 E, acima de tudo, os Padres Sinodais pediram a Deus, o único a conhecer as profundezas de cada consciência humana, que infunda sentimentos de paz no coração de quantos se sentem tentados a seguir o caminho da violência, para que se realize a visão bíblica: « Das suas espadas, [os povos] forjarão relhas de arados, e das suas lanças, foices. Uma nação não levantará a espada contra outra nação, e não se adestrarão mais para a guerra » (Is 2, 4).

O Sínodo ouviu muitos testemunhos relativos aos sofrimentos do povo do Iraque, assegurando que muitos iraquenos, sobretudo crianças, morreram devido à falta de remédios e de outros artigos básicos, por causa da continuação do embargo. Com os Padres Sinodais, exprimo uma vez mais a minha solidariedade ao povo do Iraque, e estou particularmente unido na oração e na esperança com os filhos e filhas da Igreja naquele país. O Sínodo pediu a Deus para que iluminasse as mentes e corações de quantos têm a responsabilidade de encontrar uma justa solução para a crise, a fim de que, a um povo já duramente provado, sejam poupados ulteriores sofrimentos e penas. 192

Globalização

39. Ao considerarem a questão da promoção humana na Ásia, os Padres Sinodais reconheceram a importância do processo de globalização económica. Ao mesmo tempo que reconheciam vários dos seus efeitos positivos, sublinharam que tem contribuído também para prejudicar os pobres, 193 tendendo a impelir os países mais pobres para a periferia das relações económicas e políticas internacionais. Muitas nações asiáticas não estão preparadas para se integrarem numa economia global de mercado. E existe também o outro aspecto, de certo modo mais significativo, que é a globalização cultural, que os actuais meios de comunicação social tornaram possível e que está arrastando rapidamente as sociedades asiáticas para uma cultura global consumista, que é simultaneamente secularista e materialista. O resultado é a corrosão da família tradicional e dos valores sociais que serviram até agora de suporte a pessoas e sociedades. Tudo isto põe em evidência que os aspectos éticos e morais da globalização precisam de ser guiados mais directamente pelos dirigentes das nações e pelas organizações interessadas na promoção humana.

A Igreja insiste na necessidade de « uma globalização sem marginalização ». 194 Com os Padres Sinodais, convido as Igrejas particulares de toda a parte, e especialmente as dos países ocidentais, a trabalharem para assegurar que a doutrina social da Igreja tenha o devido impacto sobre a formulação de normas éticas e jurídicas que regulem o livre mercado mundial e os meios de comunicação social. Os dirigentes e profissionais católicos pressionem os Governos e as instituições de finanças e de comércio, para que reconheçam e respeitem tais normas. 195

Dívida externa

40. Além disso a Igreja, na sua luta pela justiça num mundo marcado por desigualdades sócio-económicas, não pode ignorar o pesado fardo da dívida contraída por muitas nações asiáticas em vias de desenvolvimento, com o consequente impacto sobre o seu presente e futuro. Em muitos casos, estes países são forçados a cortar as despesas para necessidades vitais, como alimentação, saúde, habitação e educação, para satisfazerem as suas dívidas a agências financeiras internacionais e bancos. Isto significa que muitas pessoas estão condenadas a condições de vida que são uma afronta à dignidade humana. Embora ciente da complexidade técnica desta matéria, o Sínodo declarou que a sua resolução põe à prova a capacidade de indivíduos, sociedades e Governos avaliarem a pessoa e as vidas de milhões de seres humanos acima das considerações de vantagens financeiras e materiais. 196

A aproximação do Grande Jubileu do Ano 2000 é um tempo oportuno para as Conferências Episcopais de todo o mundo, especialmente as das nações mais ricas, incitarem as agências financeiras internacionais e os bancos a individuarem meios que melhorem esta situação da dívida internacional. Entre os mais óbvios deles, aparecem a renegociação da dívida, com uma substancial redução ou puro e simples cancelamento, e também contratos de empreendimentos e investimentos para assistir as economias dos países mais pobres. 197 Ao mesmo tempo, os Padres Sinodais dirigiram-se também aos países devedores, salientando a necessidade de se desenvolver um sentido de responsabilidade nacional, lembrando-lhes a importância de planear uma economia sólida e de uma acção transparente e honesta de governo, e convidando-os a empenharem-se numa decidida campanha contra a corrupção. 198 Eles apelaram aos cristãos da Ásia para condenarem todas as formas de corrupção e apropriação indevida de fundos públicos por aqueles que detêm o poder político. 199 Os cidadãos dos países endividados foram muitas vezes vítimas de desperdício e ineficácia na própria pátria, antes de caírem vítimas da dívida internacional.

O meio ambiente

41. Quando o interesse pelo progresso económico e tecnológico não é acompanhado de igual atenção pelo equilíbrio do ecossistema, a nossa terra fica inevitavelmente sujeita a sérios danos ecológicos, com consequente dano para o bem-estar dos homens. A falta flagrante de respeito pelo ambiente natural persistirá enquanto a terra e suas potencialidades forem vistas meramente como objecto de uso e consumo imediato, algo a ser manipulado pelo insaciável desejo de lucro. 200 É obrigação dos cristãos e de quantos olham para Deus como Criador proteger o meio ambiente, recuperando o sentido de veneração por todas as criaturas de Deus. É vontade do Criador que o homem se ocupe da natureza, não como um bárbaro explorador, mas como administrador inteligente e responsável. 201 Os Padres Sinodais advogaram de maneira especial uma maior responsabilidade por parte dos governantes das nações, legisladores, empresários e todos os que estão directamente envolvidos na administração dos recursos da terra. 202 Eles sublinharam a necessidade de educar as pessoas, especialmente os jovens, para a responsabilidade ambiental, instruindo-as no cargo de administradores que Deus confiou à humanidade sobre a criação. A protecção do meio ambiente não é só uma questão técnica, mas também e sobretudo uma questão ética. Todos têm obrigação moral de olhar pelo meio ambiente, não apenas para vantagem própria, mas também em proveito das gerações futuras.

Ao concluir estas reflexões, vale a pena recordar que os Padres Sinodais, ao chamarem os cristãos para se comprometerem e sacrificarem ao serviço do desenvolvimento humano, fizeram-no movidos por algumas das intuições mais profundas da tradição bíblica e eclesiástica. O antigo Israel insistiu apaixonadamente sobre o vínculo inquebrantável entre o culto de Deus e o cuidado pelo débil, que a Sagrada Escritura, tipicamente, exemplifica como « a viúva, o estrangeiro e o órfão » (cf. Ex 22, 21-22; Dt 10, 18; 27, 19), que eram, na sociedade de então, os mais vulneráveis à ameaça de injustiça. Mais tarde, no tempo dos Profetas, ouvimos o grito pela justiça, pela recta ordenação da sociedade humana, sem o que não pode haver verdadeiro culto de Deus (cf. Is 1, 10-17; Am 5, 21-24). Assim no apelo dos Padres Sinodais, ouvimos um eco dos Profetas, que foram cheios do Espírito do Senhor que deseja « misericórdia e não sacrifícios » (Os 6, 6). Jesus fez suas estas palavras (cf. Mt 9, 13), e o mesmo se diga dos Santos em todo o tempo e lugar. Considera estas palavras de S. João Crisóstomo: « Queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez. Aquele que disse: "Isto é o meu Corpo", confirmando o facto com a sua palavra, também afirmou: "Vistes-Me com fome e não Me destes de comer" (...). De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de comer a quem tem fome, e depois ornamenta a sua mesa com o que sobra ». 203 No apelo do Sínodo a favor do desenvolvimento humano e da justiça nas questões humanas, ouve-se ressoar uma voz que é, simultaneamente, antiga e nova. É antiga, porque surge das profundezas da nossa Tradição cristã, que aponta para aquela harmonia profunda querida pelo Criador; é nova, porque toca a situação imediata de tantos povos da Ásia actual.

CAPÍTULO VII

TESTEMUNHAS DO EVANGELHO

Uma Igreja que testemunha

42. O Concílio Vaticano II ensinou claramente que toda a Igreja é missionária, e que o trabalho de evangelização é dever de todo o Povo de Deus. 204 Uma vez que o Povo de Deus como um todo é instado a pregar o Evangelho, a evangelização nunca é um acto individual e isolado; é sempre uma tarefa eclesial que necessita de ser levada a cabo em comunhão com toda a comunidade de fé. A missão é una e indivisa, coincidindo a sua origem e o seu termo final; mas, no seu âmbito, existem responsabilidades diversas e vários tipos de actividade. 205 De qualquer modo, é claro que não pode haver verdadeiro anúncio do Evangelho, a não ser que os cristãos ofereçam também o testemunho de uma vida de acordo com a mensagem que pregam: « A primeira forma de testemunho é a própria vida do missionário, da família cristã e da comunidade eclesial, que torna visível um novo modo de se comportar. (...) Mas todos na Igreja, esforçando-se por imitar o divino Mestre, podem e devem dar o mesmo testemunho, que é, em muitos casos, o único modo possível de ser missionário ». 206 Hoje de modo especial, há necessidade de um genuíno testemunho cristão, porque « o homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas do que nos mestres, mais na experiência do que na doutrina, mais na vida e nos factos do que nas teorias ». 207 Isto é certamente verdade no contexto asiático, onde as pessoas se deixam persuadir mais pela santidade de vida do que por argumentos intelectuais. Assim, a experiência de fé e dos dons do Espírito Santo torna-se a base de todo o trabalho missionário, tanto nas cidades como nas aldeias, nas escolas ou nos hospitais, em contacto com os deficientes, os migrantes ou os povos indígenas, ou na luta pela justiça e pelos direitos humanos. Cada situação oferece ocasião para os cristãos tornarem patente a força que a verdade de Cristo dá à sua vida. Por isso, inspirada por muitos missionários que no passado deram heróico testemunho do amor de Deus entre os povos do Continente, a Igreja na Ásia esforça-se agora por testemunhar, com zelo não inferior, Jesus Cristo e o seu Evangelho. A missão cristã o exige!

Conscientes do carácter essencialmente missionário da Igreja e esperançados numa nova efusão do dinamismo do Espírito Santo aquando da entrada da Igreja no novo milénio, os Padres Sinodais pediram-me que esta Exortação Apostólica Pós-Sinodal oferecesse algumas directrizes e critérios para aqueles que labutam no vasto campo da evangelização na Ásia.

Pastores

43. O Espírito Santo é que torna a Igreja capaz de cumprir a missão que lhe foi confiada por Cristo. Antes de enviar os discípulos como suas testemunhas, Jesus deu-lhes o Espírito Santo (cf. Jo 20, 22), que operava através deles e tocava o coração dos que os ouviam (cf. Act 2, 37). O mesmo se pode dizer daqueles que Jesus envia hoje. Num certo nível, todos os baptizados, pela graça do sacramento do Baptismo, ficam incumbidos de tomar parte na missão salvadora de Cristo, sendo habilitados para isso mesmo pelo amor de Deus que foi derramado nos seus corações pelo Espírito Santo que lhes foi concedido (cf. Rom 5, 5). A outro nível, porém, esta missão comum é realizada através de uma variedade de funções e carismas específicos na Igreja. A responsabilidade principal pela missão da Igreja foi confiada por Cristo aos Apóstolos e seus sucessores. Em virtude da Ordenação Episcopal e da comunhão hierárquica com a Cabeça do Colégio Episcopal, os Bispos recebem o mandato e a autoridade para ensinar, governar e santificar o Povo de Deus. Por vontade do próprio Cristo, dentro do Colégio dos Bispos, o Sucessor de Pedro — a rocha sobre a qual a Igreja está construída (cf. Mt 16, 18) — exerce um ministério especial de unidade. Por isso, os Bispos hão-de cumprir o seu ministério em união com o Sucessor de Pedro, garante da verdade dos seus ensinamentos e da sua plena comunhão na Igreja.

Associados aos Bispos no trabalho de proclamar o Evangelho, os presbíteros são chamados pela Ordenação a serem pastores do rebanho, pregadores da Boa Nova da salvação e ministros dos sacramentos. Para servirem a Igreja como Cristo quer, os Bispos e os presbíteros necessitam de uma formação sólida e contínua, que lhes proporcione ocasiões para uma renovação humana, espiritual e pastoral, tais como cursos de teologia, de espiritualidade e de ciências humanas. 208 Os povos da Ásia precisam de ver os clérigos, não simplesmente como obreiros da caridade e administradores institucionalizados, mas como homens cuja mente e coração se encontram fixos nas coisas profundas do Espírito (cf. Rom 8, 5). O respeito que os povos asiáticos têm por quantos estão constituídos em autoridade, há-de ser correspondido por uma clara rectidão moral por parte daqueles que possuem responsabilidades ministeriais na Igreja. Pela sua vida de oração, zeloso serviço e estilo de vida exemplar, os clérigos testemunham vigorosamente o Evangelho nas comunidades que pastoreiam em nome de Cristo. Peço encarecidamente que os Ministros Ordenados das Igrejas na Ásia vivam e trabalhem em espírito de comunhão e colaboração com os Bispos e todos os fiéis, dando testemunho do amor que Jesus afirmou ser o verdadeiro sinal dos seus discípulos (cf. Jo 13, 35).

De modo especial, desejo sublinhar a preocupação do Sínodo quanto à preparação dos que dirigem e ensinam nos Seminários e nas Faculdades de Teologia. 209 Depois de uma completa preparação nas ciências sagradas e matérias relacionadas, deveriam receber uma formação específica que focasse a espiritualidade sacerdotal, a arte da direcção espiritual e outros aspectos da difícil e delicada tarefa que os espera na educação dos futuros sacerdotes. Trata-se de um apostolado de forma nenhuma secundário para o bem-estar e a vitalidade da Igreja.

A vida consagrada e as Sociedades Missionárias

44. Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita consecrata, pus em destaque a conexão íntima entre vida consagrada e missão. No seu tríplice aspecto de confessio Trinitatis, signum fraternitatis e servitium caritatis, a vida consagrada evidencia o amor de Deus no mundo, pelo testemunho específico da missão salvadora que Jesus cumpriu com a sua consagração total ao Pai. Ao reconhecer que toda a acção na Igreja se apoia na oração e na comunhão com Deus, a Igreja na Ásia vê com profundo respeito e apreço as comunidades religiosas contemplativas como fonte especial de força e inspiração. Na linha das recomendações do Padres Sinodais, desejo encorajar fortemente a constituição, onde for possível, de comunidades monásticas e contemplativas. Deste modo, como nos lembra o Concílio Vaticano II, a obra de edificação da cidade terrena terá o seu fundamento no Senhor e para Ele se orientará; caso contrário, os construtores trabalhariam em vão. 210

A busca de Deus, a vida de comunhão e o serviço aos outros são as três características principais da vida consagrada, que pode oferecer um testemunho cristão atraente aos povos da Ásia actual. A Assembleia Especial para a Ásia incitou as pessoas de vida consagrada a serem testemunhas da vocação universal à santidade, tornando-se, tanto para os cristãos como para os não cristãos, um exemplo inspirador de doação amorosa a todos, de modo especial aos mais pequenos dos seus irmãos e irmãs. Num mundo onde frequentemente fica ofuscado o sentido da presença de Deus, as pessoas consagradas hão-de dar um testemunho profético convicto da primazia de Deus e da vida eterna. Vivendo em comunidade, dão testemunho dos valores da fraternidade cristã e da força transformadora da Boa Nova. 211 Todos os que abraçaram a vida consagrada são chamados a tornar-se guias na busca de Deus, busca essa que sempre atormentou o coração humano e que é particularmente visível em muitas formas de espiritualidade e de ascetismo da Ásia. 212 De facto, em muitas tradições religiosas da Ásia, os homens e mulheres votados à vida contemplativa e ascética gozam de grande respeito e o seu testemunho tem uma força persuasiva especial; a sua existência, vivida em comunidade e irradiando um testemunho pacífico e silencioso, pode inspirar as pessoas a trabalharem por uma maior harmonia na sociedade. O mesmo se espera dos homens e mulheres consagrados na tradição cristã. O seu exemplo silencioso de pobreza e abnegação, de pureza e sinceridade, de imolação na obediência pode tornar-se um testemunho eloquente capaz de tocar as pessoas de boa vontade e conduzir a um diálogo frutuoso com as culturas e religiões circundantes, e com os pobres e indefesos. Isto faz da vida consagrada um meio privilegiado para uma evangelização eficaz. 213

Os Padres Sinodais reconheceram o papel vital que as Ordens e Congregações religiosas, e os Institutos Missionários e as Sociedades de Vida Apostólica desempenharam, ao longo dos séculos passados, na evangelização da Ásia. Por esta estupenda contribuição, o Sínodo manifestou-lhes a gratidão da Igreja, incitando-os a não desfalecerem no seu empenho missionário. 214 Uno-me aos Padres Sinodais neste convite feito aos consagrados para revigorarem o seu zelo de proclamar a verdade salvadora de Cristo. Todos hão-de ter uma adequada formação e preparação, que deverá estar centrada em Cristo e ser fiel ao seu carisma fundacional, com particular destaque para a santidade e testemunho pessoal; a sua espiritualidade e estilo de vida deveriam ser sensíveis à herança religiosa das pessoas com quem vivem e a quem servem. 215 Quanto ao seu carisma específico, deveriam integrar-se no plano pastoral da diocese onde trabalham. Por sua vez, as Igrejas locais devem estimular a consciência do ideal de vida religiosa e consagrada, promovendo tais vocações. Isto exige que cada diocese prepare um programa pastoral para as vocações, destinando até alguns padres e religiosos para trabalharem a tempo inteiro com a juventude, a fim de ajudar os jovens a escutar e discernir o chamamento de Deus. 216

No âmbito da comunhão da Igreja universal, não posso deixar de apelar à Igreja da Ásia para enviar alhures missionários, apesar de ela mesma necessitar de operários na sua vinha. Alegra-me constatar que têm sido recentemente fundados, em vários países asiáticos, Institutos missionários de Vida Apostólica, como expressão do carácter missionário da Igreja e da responsabilidade que têm as Igrejas particulares da Ásia de pregar o Evangelho por todo o mundo. 217 Os Padres Sinodais recomendaram « a constituição dentro de cada Igreja local da Ásia, se tal ainda não existir, de Sociedades Missionárias de Vida Apostólica, caracterizadas pelo seu compromisso especial para com a missão ad gentes, ad exteros e ad vitam ». 218 Certamente uma tal iniciativa dará abundantes frutos, não só nas Igrejas que recebem missionários, mas também naquelas que os enviam.

O laicado

45. Como foi claramente indicado pelo Concílio Vaticano II, a vocação dos leigos situa-os no mundo, onde realizam as mais diversas tarefas, para aí difundirem o Evangelho de Jesus Cristo. 219 Por graça e missão recebida no Baptismo e na Confirmação, todos os leigos são missionários; o campo do seu trabalho missionário é o vasto e complexo mundo da política, da economia, da indústria, da educação, dos meios de comunicação social, da ciência, da tecnologia, das artes e do desporto. Em muitos países asiáticos, os leigos comportam-se como verdadeiros missionários, atingindo milhões de compatriotas asiáticos, que nunca tiveram contacto com os sacerdotes ou os religiosos. 220 Desejo exprimir-lhes a gratidão da Igreja inteira, e encorajar todos os leigos a assumirem o seu papel específico, na vida e missão do Povo de Deus, como testemunhas de Cristo onde quer que estejam.

Cabe aos Pastores garantir que os fiéis leigos sejam formados como evangelizadores capazes de enfrentar os desafios do mundo actual, não com a sabedoria e eficácia própria do mundo, mas com um coração renovado e robustecido com a verdade de Cristo. 221 Dando testemunho do Evangelho nos vários sectores da vida social, eles podem desempenhar um papel único no combate contra a injustiça e a opressão; e também para isso devem ser preparados adequadamente. Com tal finalidade, uno-me de boa vontade à proposta dos Padres Sinodais para se constituírem, a nível diocesano ou nacional, centros de formação para leigos que hão-de prepará-los para o seu trabalho missionário como testemunhas de Cristo na Ásia de hoje. 222

Os Padres Sinodais manifestaram grande desejo de que a Igreja seja cada vez mais participativa e aberta, de modo que ninguém se sinta excluído, e concluíram que há uma necessidade particularmente urgente de uma participação mais ampla da mulher na vida e missão da Igreja na Ásia. « A mulher tem uma aptidão muito particular para transmitir a fé, de maneira que Jesus mesmo recorreu a ela para a evangelização. Assim acontece com a Samaritana, com quem Jesus Se encontra junto do "poço de Jacob", escolhendo-a para a primeira expansão da nova fé em território não judaico ». 223 Para valorizar o seu serviço na Igreja, deveria haver maiores oportunidades de elas frequentarem cursos de teologia e outras áreas de estudo; e os homens, nos Seminários e nas casas de formação, precisam de ser preparados para considerarem as mulheres como cooperadoras no apostolado. 224 As mulheres deveriam ser mais directamente envolvidas nos programas pastorais, nos Conselhos Pastorais diocesanos e paroquiais, e nos Sínodos diocesanos. As suas capacidades e serviços sejam plenamente apreciados na assistência sanitária, na educação, na preparação dos fiéis para os sacramentos, na construção da comunidade e da paz. Como indicaram os Padres Sinodais, a presença da mulher na missão de amor e serviço da Igreja contribui enormemente para levar Jesus, compassivo, médico e reconciliador, ao povo asiático, especialmente aos pobres e marginalizados. 225

A família

46. A família é o lugar normal onde o jovem cresce até à maturidade pessoal e social. É também a transmissora da herança da própria humanidade, porque, através da sua vida, aquela passa de geração em geração. A família ocupa um lugar muito importante nas culturas asiáticas; e, como observaram os Padres Sinodais, valores familiares como o respeito filial, o amor e o cuidado dos idosos e dos doentes, o amor pelas crianças e a harmonia são tidos em grande estima em todas as culturas do Continente e religiões tradicionais.

Do ponto de vista cristão, a família é uma espécie de « Igreja doméstica ». 226 A família cristã, à semelhança da Igreja no seu conjunto, deveria ser um lugar onde a verdade do Evangelho fosse a regra de vida e o dom que os seus membros oferecem à comunidade mais alargada. Por isso, ela não é simplesmente objecto dos cuidados pastorais da Igreja, mas um dos mais eficazes agentes da evangelização da Igreja. As famílias cristãs são hoje chamadas a testemunhar o Evangelho em tempos e circunstâncias difíceis, já que elas próprias estão ameaçadas por um batalhão de forças contrárias. 227 Para ser agente de evangelização num tempo assim, a família cristã necessita de ser genuinamente « uma Igreja doméstica », vivendo humilde e amorosamente a vocação cristã.

Como apontavam os Padres Sinodais, isto significa que a família deve tomar parte activa na vida paroquial, participando nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia e no sacramento da Penitência, e comprometendo-se ao serviço dos outros. Mas significa também que os pais se devem esforçar por fazer, dos momentos em que a família está reunida, uma ocasião para rezar, para ler e meditar a Bíblia, para celebrações especiais presididas por eles próprios e para uma saudável recreação. Isto ajudará a família cristã a tornar-se um centro de evangelização, onde cada membro experimenta o amor de Deus e comunica-o aos outros. 228 Os Padres Sinodais reconheceram igualmente que os filhos têm um papel na evangelização, quer no seio da própria família quer na comunidade mais alargada. 229 Convencido de que « o futuro da Igreja e do mundo passa através da família », 230 proponho uma vez mais para estudo e implementação aquilo que publiquei sobre o tema da família na Exortação Apostólica Familiaris consortio, resultante da V Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos de 1980.

Os jovens

47. Os Padres Sinodais mostraram-se particularmente sensíveis ao tema da juventude na Igreja. Os problemas muito complexos, que os jovens enfrentam hoje neste mundo em mudança da Ásia, obrigam a Igreja a recordar-lhes a sua responsabilidade pelo futuro da sociedade e da Igreja, dando-lhes coragem e apoio a todo o momento esperando que eles abracem tal responsabilidade. A Igreja oferece-lhes a verdade do Evangelho como um mistério cheio de alegria e libertação, mas que precisa de ser conhecido, vivido e partilhado com coragem e convicção.

Se os jovens devem ser realmente agentes eficazes de missão, a Igreja tem de dedicar-lhes um cuidado pastoral apropriado. 231 Em sintonia com os Padres Sinodais, recomendo que cada diocese da Ásia, onde for possível, designe capelães ou directores jovens para dinamizarem a formação espiritual e o apostolado da juventude. As escolas católicas e as paróquias têm um papel vital na formação integral dos jovens, procurando conduzi-los por um caminho de verdadeiro discipulado e desenvolvendo neles aquelas qualidades humanas que a missão requer. O apostolado juvenil organizado e os grupos de jovens podem fomentar a experiência da amizade cristã, que é tão importante para o jovem. A paróquia, as associações e os movimentos podem ajudá-los a lutarem melhor contra as pressões sociais, oferecendo-lhes não só um crescimento mais amadurecido na vida cristã, mas também assistência quanto a orientação profissional, preparação vocacional e direcção espiritual.

A formação cristã dos jovens da Ásia deverá ter em conta que estes não são apenas objecto do cuidado pastoral da Igreja, mas também « agentes e cooperadores na missão da Igreja nas suas diversas obras apostólicas de amor e serviço ». 232 Por isso, nas paróquias e dioceses, os jovens e as jovens deveriam ser convidados a tomarem parte na organização das actividades que lhes dizem respeito. A sua própria frescura e entusiasmo, o seu espírito de solidariedade e de esperança podem torná-los construtores de paz num mundo dividido; e, neste sentido, é encorajador ver os jovens envolvidos em programas de intercâmbio entre Igrejas particulares dos países asiáticos, e mesmo de outros Continentes, para promoverem o diálogo interreligioso e intercultural.

Comunicações sociais

48. Numa era de globalização, « os meios de comunicação social alcançaram tamanha importância que são para muitos o principal instrumento de informação e formação, de guia e inspiração dos comportamentos individuais, familiares e sociais. Principalmente as novas gerações crescem num mundo condicionado pelos mass-media ». 233 O mundo vai assistindo ao aparecimento duma nova cultura, que « nasce, menos dos conteúdos do que do próprio facto de existirem novos modos de comunicar com novas linguagens, novas técnicas, novas atitudes psicológicas ». 234 O papel excepcional, desempenhado pelos meios de comunicação social na configuração do mundo, das suas culturas e formas de pensamento, levou a mudanças rápidas e amplas nas sociedades asiáticas.

Inevitavelmente, também a missão evangelizadora da Igreja foi afectada profundamente pelo impacto dos mass-media. Considerando a influência sempre maior que têm mesmo nas regiões mais remotas da Ásia, podem ser de grande ajuda no anúncio do Evangelho em todos os recantos do Continente. Porém, « não é suficiente usá-los para difundir a mensagem cristã e o Magistério da Igreja, mas é necessário integrar a mensagem nesta "nova cultura", criada pelas modernas comunicações »; 235 por isso, a Igreja precisa de encontrar formas de integrar cuidadosamente os mass-media nos seus planos e actividades pastorais, para que, através do seu uso efectivo, a força do Evangelho possa estender-se ainda mais aos indivíduos e povos inteiros, e impregnar a cultura asiática com os valores do Reino.

Dou eco ao elogio feito pelos Padres Sinodais à Rádio Veritas Asia, a única estação continental de rádio para a Igreja na Ásia, pelos trinta anos aproximadamente de evangelização através das suas transmissões. Há que congregar esforços para potenciar este excelente instrumento de missão, através de uma adequada programação linguística, e da disponibilização de colaboradores e ajuda financeira por parte das Conferências Episcopais e das dioceses da Ásia. 236 Além da Rádio, existem também as publicações católicas e as agências de notícias que podem ajudar a difundir informação e a oferecer uma contínua educação e formação religiosa por todo o Continente. Nos lugares onde os cristãos estão em minoria, isso pode ser um importante meio para apoiar e educar para um sentido de identidade católica e para dar a conhecer os princípios morais católicos. 237

Acolho as recomendações dos Padres Sinodais relativas à evangelização através das comunicações sociais, o « areópago da era moderna », na esperança de que possa servir para a promoção humana e a divulgação da verdade de Cristo e do ensinamento da Igreja. 238 Poderia ajudar a constituição em cada diocese, se possível, de um serviço de comunicações e de informação. A educação sobre os meios de comunicação social, incluindo a avaliação crítica da sua produção, deve fazer parte da formação de sacerdotes, seminaristas, religiosos, catequistas, profissionais leigos, estudantes das escolas católicas e comunidades paroquiais. Tendo em conta a influência enorme e o impacto extraordinário de tais meios, os católicos hão-de trabalhar com os membros de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais e com os seguidores doutras religiões, para assegurar um lugar para os valores espirituais e morais nos mass-media. Juntamente com os Padres sinodais, encorajo o desenvolvimento de planos pastorais de comunicações a nível nacional e diocesano, conforme as indicações da Instrução Pastoral TATIS NOVæ, com particular atenção às circunstâncias que prevalecem na Ásia.

Os mártires

49. Por mais importantes que sejam os programas de formação e as estratégias de evangelização, em última análise é o martírio que revela ao mundo a verdadeira essência da mensagem cristã. A própria palavra « mártir » significa testemunha, e os que derramaram o próprio sangue por Cristo deram o testemunho supremo do verdadeiro valor do Evangelho. Na Bula de proclamação do Grande Jubileu do Ano 2000, Incarnationis mysterium, sublinhei a importância vital de fazer memória dos mártires: « Do ponto de vista psicológico, o martírio é a prova mais eloquente da verdade da fé, que consegue dar um rosto humano inclusive à morte mais violenta e manifestar a sua beleza mesmo nas perseguições mais atrozes ». 239 Ao longo dos tempos, a Ásia deu à Igreja e ao mundo uma grande multidão destes heróis da fé, e do coração da Ásia levanta-se o grande canto de louvor: « Te martyrum candidatus laudat exercitus ». Este é o canto daqueles que morreram por Cristo no solo asiático nos primeiros séculos da Igreja, mas é também o grito de alegria de homens e mulheres de tempos mais recentes, como S. Paulo Miki e companheiros, S. Lourenço Ruiz e companheiros, S. André Dung Lac e companheiros, S. André Kim Taegon e companheiros. Que a grande multidão de mártires da Ásia, antigos e recentes, nunca deixe de ensinar à Igreja asiática o que significa dar testemunho do Cordeiro, em cujo sangue eles lavaram os seus vestidos (cf. Ap 7, 14)! Que eles permaneçam como testemunhas invencíveis da verdade que, em todo o tempo e lugar, os cristãos são chamados a proclamar, ou seja, a verdade do poder da Cruz do Senhor! E que o sangue dos mártires da Ásia seja, agora e sempre, semente de vida nova para a Igreja em todos os cantos do Continente!

CONCLUSÃO

Gratidão e encorajamento

50. No termo desta Exortação Apostólica Pós-Sinodal, que, procurando discernir a palavra do Espírito às Igrejas que estão na Ásia (cf. Ap 1, 11), vem comunicar os frutos da Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, desejo manifestar a gratidão da Igreja a todos vós, queridos irmãos e irmãs da Ásia, que contribuístes de muitos modos para o bom êxito deste importante acontecimento eclesial. Em primeiro lugar e acima de tudo, louvamos novamente a Deus pela riqueza de culturas, línguas, tradições e sensibilidades religiosas deste grande Continente: Bendito seja Deus pelos povos da Ásia, tão ricos na sua diversidade e unidos no seu anseio de paz e vida em abundância. Especialmente agora, na proximidade imediata dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo, agradecemos a Deus por ter escolhido a Ásia como lugar da morada terrena do seu Filho encarnado, o Salvador do mundo.

Não posso deixar de testemunhar o meu apreço aos Bispos da Ásia pelo seu profundo amor a Jesus Cristo, à Igreja e aos povos da Ásia, pelo seu testemunho de comunhão e pela sua dedicação generosa à tarefa da evangelização. Agradeço a todos os que formam a grande família da Igreja na Ásia: o clero, os religiosos e religiosas e outras pessoas consagradas, os missionários, o laicado, as famílias, os jovens, os povos indígenas, os trabalhadores, os pobres e atribulados. No fundo do meu coração, há um lugar especial para quantos são perseguidos, na Ásia, pela sua fé em Cristo. Eles são as colunas ocultas da Igreja; falando deles, o próprio Jesus pronuncia estas palavras de conforto: « Vós sois bem-aventurados no Reino dos Céus » (cf. Mt 5, 10).

As seguintes palavras de Jesus Cristo tranquilizem a Igreja da Ásia: « Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino » (Lc 12, 32). Aqueles que crêem em Cristo são ainda uma pequena minoria neste Continente tão vasto e populoso. Mas, apesar de serem uma tímida minoria, eles possuem uma fé viva, estão cheios de esperança e vitalidade que só o amor pode originar. De forma humilde e corajosa, têm influído nas culturas e sociedades da Ásia, especialmente na vida dos pobres e desamparados, muito dos quais nem partilham a fé católica. Eles são um exemplo para que os cristãos de todo o mundo estejam prontos a partilhar o tesouro da Boa Nova « oportuna e inoportunamente » (2 Tim 4, 2). Fortalecem-se com a força admirável do Espírito Santo, já que, apesar da escassez geral de membros da Igreja na Ásia, Ele garante que a presença eclesial se torne o fermento que, oculta e silenciosamente, faz levedar toda a massa (cf. Mt 13, 33).

Os povos da Ásia necessitam de Jesus Cristo e do seu Evangelho. A Ásia está sedenta de água viva, que só Jesus lhe pode dar (cf. Jo 4, 10-15). Por isso, os discípulos de Cristo na Ásia devem ser generosos nos seus esforços para cumprirem a missão que receberam do Senhor, o Qual prometeu estar com eles até ao fim do mundo (cf. Mt 28, 20). Confiando no Senhor que não abandonará os que chamou, a Igreja na Ásia encaminha-se alegremente para o Terceiro Milénio. A sua única alegria é a que nasce da partilha com a multidão dos povos asiáticos do dom imenso que ela mesma recebeu: o amor de Jesus Salvador. A única ambição dela é continuar a sua missão de serviço e de amor, para que todos os asiáticos « tenham vida e a tenham em abundância » (Jo 10, 10).

Súplica à Mãe de Cristo

51. Diante de missão tão desafiadora, voltemos o nosso olhar para Maria, a Mãe do Redentor, pela qual, como afirmaram os Padres Sinodais, os cristãos asiáticos têm um grande amor e afecto, venerando-A como sua própria Mãe e Mãe de Cristo. 240 Por toda a Ásia, existem centenas de santuários e templos marianos, onde se congregam não só os fiéis católicos, mas também crentes doutras religiões.

A Maria, modelo de todos os discípulos e Estrela luminosa da Evangelização, confio a Igreja da Ásia no limiar do Terceiro Milénio da era cristã, com a plena confiança de que os d'Ela são ouvidos que sempre nos escutam, o seu é um coração que sempre nos acolhe, e as suas são preces que nunca falham:

Ó Santa Maria, Filha do Deus Altíssimo,
Virgem Mãe do Salvador e Mãe de todos nós,
olhai, com bondade, para a Igreja do vosso Filho
plantada em solo asiático.

Sede o seu guia e modelo, enquanto ela prossegue
a missão de amor e serviço do vosso Filho,
na Ásia.

Vós aceitastes plena e livremente
o chamamento do Pai
para serdes a Mãe de Deus:
ensinai-nos a arrancar de nossos corações
tudo o que não for de Deus,
para que possamos também ficar
cheios do Espírito Santo, que vem do Alto.

Vós meditastes os desígnios misteriosos de Deus
no silêncio do vosso coração:
ajudai-nos a discernir, dia após dia,
os sinais da poderosa mão de Deus.

Fostes apressadamente visitar Isabel,
e ajudá-la nos seus dias de expectação:
alcançai-nos o mesmo espírito de zelo e de serviço
na nossa tarefa evangelizadora.

Levantastes a voz para cantar
os louvores do Senhor:
guiai-nos no anúncio jubiloso da fé
em Cristo nosso Salvador.

Vós sentistes compaixão ao ver a necessidade
e pedistes ao vosso Filho para ir em sua ajuda:
ensinai-nos a nunca ter medo
de falar do mundo a Jesus
e de Jesus ao mundo.

Vós estáveis ao pé da Cruz
quando o vosso Filho exalou o último suspiro:
ficai connosco enquanto procuramos viver
em união de espírito e de serviço
com todos aqueles que sofrem.

Vós orastes com os discípulos na Sala de Cima:
ajudai-nos a acolher o Espírito
e a ir para onde quer que Ele nos conduza.
Protegei a Igreja de todas as forças que a ameaçam.
Ajudai-a a ser uma verdadeira imagem
da Santíssima Trindade.

Pedi que, através do amor e serviço da Igreja,
todos os povos asiáticos
cheguem a conhecer o vosso Filho
Jesus Cristo, o único Salvador do mundo,
e experimentem assim a alegria da vida
em toda a sua plenitude.

O Virgem Maria, Mãe da Nova Criação
e Mãe da Ásia,
rogai por nós, vossos filhos, agora e sempre!


Dado em Nova Deli, na Índia, no dia 6 de Novembro do ano 1999, vigésimo segundo de Pontificado.

 

JOÃO PAULO II


Notas

(1) João Paulo II, Discurso à VI Assembleia Plenária da Federação das Conferências Episcopais da Ásia (FABC) (Manila, 15 de Janeiro de 1995), 11: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 21 de Janeiro de 1995), 37.

(2) Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de Novembro de 1994), 38: AAS 87 (1995), 30.

(3) N. 11: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 21 de Janeiro de 1995), 37.

(4) João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de Novembro de 1994), 38: AAS 87 (1995), 30.

(5) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Mensagem final, 2.

(6) Discurso à VI Assembleia Plenária da Federação das Conferências Episcopais da Ásia (FABC) (Manila, 15 de Janeiro de 1995), 10: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 21 de Janeiro de 1995), 37.

(7) João Paulo II, Carta sobre a peregrinação aos lugares relacionados com a história da salvação (29 de Junho de 1999), 3: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 10 de Julho de 1999), 352.

(8) Cf. propositio 3.

(9) Propositio 1.

(10) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Lineamenta, 3.

(11) Cf. ibid., 3.

(12) Cf. propositio 32.

(13) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Instrumentum laboris, 9.

(14) Cf. propositiones 36 e 50.

(15) Propositio 44.

(16) Propositio 27.

(17) Cf. propositio 45.

(18) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Instrumentum laboris, 9.

(19) Cf. propositio 39.

(20) Propositio 35.

(21) Cf. propositio 38.

(22) Cf. propositio 22.

(23) Cf. propositio 52.

(24) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Lineamenta, 6.

(25) Cf. propositio 56.

(26) João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de Novembro de 1994), 18: AAS 87 (1995), 16.

(27) Cf. propositio 29.

(28) Cf. propositiones 29 e 31.

(29) Propositio 51.

(30) Cf. propositiones 51, 52 e 53.

(31) Propositio 57.

(32) Cf. ibid., 57.

(33) Propositio 54.

(34) N. 3: AAS 83 (1991), 252.

(35) Cf. propositio 5.

(36) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, II parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de Abril de 1998), 202.

(37) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 3.

(38) Propositio 8.

(39) N. 11: AAS 83 (1991), 260.

(40) Ibid., 11: o. c., 260.

(41) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 3.

(42) Missal Romano: Oração Eucarística I das Missas da Reconciliação.

(43) João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 10: AAS 71 (1979), 274.

(44) Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.

(45) N. 9: AAS 71 (1979), 272-273.

(46) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 3.

(47) Cf. ibid., 3.

(48) Ibid., 3.

(49) Propositio 5.

(50) João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 6: AAS 83 (1991), 255.

(51) João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 7: AAS 71 (1979), 269.

(52) Cf. João Paulo II, Carta enc. Dominum et vivificantem (18 de Maio de 1986), 54: AAS 78 (1986), 875.

(53) Cf. ibid., 59: o. c., 885.

(54) João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 28: AAS 83 (1991), 274; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 26.

(55) Cf. propositio 11; Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, 4 e 15; Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 17; Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 11, 22 e 38; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 28: AAS 83 (1991), 273-274.

(56) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, II parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de Abril de 1998), 202.

(57) João Paulo II, Carta enc. Dominum et vivificantem (18 de Maio de 1986), 50: AAS 78 (1986), 870; cf. S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ, III, 2, 10-12; 6, 6; 7, 13.

(58) Cf. João Paulo II, Carta enc. Dominum et vivificantem (18 de Maio de 1986), 50: AAS 78 (1986), 870.

(59) Cf. ibid., 24: o. c., 832.

(60) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 28: AAS 83 (1991), 274.

(61) N. 29: AAS 83 (1991), 275; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 45.

(62) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 29: AAS 83 (1991), 275.

(63) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 13.

(64) Propositio 12.

(65) Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 17.

(66) Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 22: AAS 68 (1976), 20.

(67) Propositio 8.

(68) João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 45: AAS 83 (1991), 292.

(69) Cf. ibid., 46: o. c., 292-293.

(70) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanæ, 3-4; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 39: AAS 83 (1991), 287; propositio 40.

(71) Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 53: AAS 68 (1976), 41-42.

(72) Discurso aos representantes das religiões não cristãs (Madrasta, 5 de Fevereiro de 1986), 2: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16 de Fevereiro de 1986), 74.

(73) Cf. propositiones 11 e 12; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 28: AAS 83 (1991), 273-274.

(74) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, II parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de Abril de 1998), 203.

(75) Propositio 58.

(76) Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 72: AAS 91 (1999), 61.

(77) Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 15.

(78) Cf. ibid., 15.

(79) Ibid., 15.

(80) Propositio 6.

(81) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 6.

(82) Ibid., 6.

(83) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, III parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 2 de Maio de 1998), 213.

(84) Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 20: AAS 68 (1976), 18-19.

(85) João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 52: AAS 83 (1991), 300.

(86) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 9.

(87) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 28: AAS 83 (1991), 273-274.

(88) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 56: AAS 83 (1991), 304.

(89) João Paulo II, Homilia na Missa para os católicos do Bengala Ocidental (Calcutá, 4 de Fevereiro de 1986), 3; L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16 de Fevereiro de 1986), 73.

(90) Cf. propositio 43.

(91) Cf. propositio 7.

(92) Ibid., 7.

(93) João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 54: AAS 83 (1991), 302.

(94) Cf. ibid., 54: o. c., 301.

(95) Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum concilium, 10; Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 14.

(96) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 14; propositio 43.

(97) Cf. propositio 43.

(98) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio post disceptationem, 13.

(99) Cf. propositio 17.

(100) Cf. propositio 18.

(101) Cf. propositio 17.

(102) Nn. 60, 62 e 105: AAS 91 (1999), 52-53, 54 e 85-86.

(103) Cf. propositio 24.

(104) Cf. propositio 25.

(105) Cf. ibid., 25.

(106) Cf. propositio 27.

(107) Cf. propositio 29.

(108) Cf. Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 91: AAS 83 (1991), 338.

(109) Propositio 19.

(110) Propositio 8.

(111) Decl. sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanæ, 2.

(112) Propositio 6.

(113) S. Agostinho, De civitate Dei, XVIII, 51, 2: PL 41, 614; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 8.

(114) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, 7; cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 17.

(115) Paulo VI, Discurso ao Colégio Cardinalício (22 de Junho de 1973): AAS 65 (1973), 391.

(116) João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 18: AAS 81 (1989), 421.

(117) Cf. ibid., 18: o. c., 421; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 4.

(118) Cf. Catecismo da Igreja Católica, 775.

(119) Cf. ibid., 775.

(120) João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 32: AAS 81 (1989), 452.

(121) Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 16.

(122) Propositio 13.

(123) Ibid., 13.

(124) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, III parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 2 de Maio de 1998), 213.

(125) Propositio 13; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 22.

(126) Cf. propositio 13.

(127) Cf. propositio 15; Congr. da Doutrina da Fé, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da Igreja como comunhão Communionis notio (28 de Maio de 1992), 3-10: AAS 85 (1993), 839-844.

(128) Cf. propositio 15.

(129) Cf. ibid., 15.

(130) Cf. propositio 16.

(131) Propositio 34.

(132) Cf. propositio 30; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 51: AAS 83 (1991), 298.

(133) Cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 58: AAS 68 (1976), 46-49; João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 51: AAS 83 (1991), 299.

(134) Cf. propositio 31.

(135) Cf. propositio 14.

(136) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, III parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 2 de Maio de 1998), 213.

(137) Cf. propositio 50.

(138) Cf. propositiones 36 e 50.

(139) Cf. João Paulo II, Discurso ao Sínodo dos Bispos da Igreja Sírio-Malabar (8 de Janeiro de 1996), 6: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 20 de Janeiro de 1996), 29.

(140) Cf. propositio 50.

(141) Cf. propositio 56.

(142) Cf. propositio 51.

(143) Cf. propositio 52.

(144) Propositio 53.

(145) Cf. propositio 57.

(146) Cf. Carta sobre a peregrinação aos lugares relacionados com a história da salvação (29 de Junho de 1999), 7: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 10 de Julho de 1999), 353.

(147) Carta enc. Ecclesiam suam (6 de Agosto de 1964): AAS 56 (1964), 613.

(148) Cf. propositio 42.

(149) Ibid., 42.

(150) João Paulo II, Discurso na Audiência Geral (26 de Julho de 1995), 4: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 29 de Julho de 1995), 364.

(151) Cf. João Paulo II, Discurso na Audiência Geral (20 de Janeiro de 1982), 2: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24 de Janeiro de 1982), 44.

(152) Cf. n. 53: AAS 87 (1995), 37.

(153) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 55: AAS 83 (1991), 302.

(154) Cf. ibid., 55: o. c., 304.

(155) N. 4: AAS 83 (1991), 101-102.

(156) N. 56: AAS 83 (1991), 304.

(157) Propositio 41.

(158) Ibid., 41.

(159) Cf. ibid., 41.

(160) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 57: AAS 83 (1991), 305.

(161) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25 de Março de 1996), 8: AAS 88 (1996), 383.

(162) Cf. João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 47: AAS 80 (1988), 582.

(163) Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 1.

(164) Em muitos meios, o ponto de partida foi a Encíclica Rerum novarum do Papa Leão XIII (15 de Maio de 1891), que introduziu uma série de declarações solenes da Igreja acerca de vários aspectos da questão social. Entre estas, conta-se a Encíclica Populorum progressio (26 de Março de 1967), que o Papa Paulo VI publicou em resposta a indicações do Concílio Vaticano II e à nova situação do mundo. Para comemorar o trigésimo aniversário desta Encíclica, lancei a Encíclica Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), na qual, prosseguindo o Magistério mais recente, convidei todos os fiéis a sentirem-se, eles próprios, chamados a uma missão de serviço que inclui necessariamente a promoção do desenvolvimento humano integral.

(165) João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 41: AAS 80 (1988) 570-571.

(166) Cf. Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a libertação Libertatis conscientia (22 de Março de 1986), 72: AAS 79 (1987), 586.

(167) Cf. propositio 22.

(168) Cf. propositio 21.

(169) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 5: AAS 81 (1989), 400-402; Carta enc. Evangelium vitæ (25 de Março de 1995), 18: AAS 87 (1995), 419-420.

(170) Propositio 22; cf. propositio 39.

(171) João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 573; cf. Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a libertação Libertatis conscientia (22 de Março de 1986), 68: AAS 79 (1987), 583.

(172) Cf. propositio 44.

(173) Cf. ibid., 44.

(174) Cf. propositio 39.

(175) Cf. propositio 22.

(176) Cf. propositio 36.

(177) Cf. propositio 38.

(178) Cf. ibid., 38.

(179) Cf. propositio 33.

(180) Cf. ibid., 33.

(181) Cf. propositio 35.

(182) Cf. ibid., 35.

(183) Propositio 32.

(184) Cf. João Paulo II, Carta ap. Salvifici doloris (11 de Fevereiro de 1984), 28-29: AAS 76 (1984), 242-244.

(185) Cf. propositio 20.

(186) Cf. ibid., 20.

(187) Cf. propositio 21.

(188) Cf. ibid., 21.

(189) Cf. ibid., 21.

(190) Cf. propositio 23.

(191) Cf. ibid., 23.

(192) Cf. propositio 55.

(193) Cf. propositio 49.

(194) João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1998), 3: AAS 90 (1998), 50.

(195) Cf. propositio 49.

(196) Cf. propositio 48.

(197) Cf. ibid., 48; João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio adveniente (10 de Novembro de 1994), 51: AAS 87 (1995), 36.

(198) Cf. propositio 48.

(199) Cf. propositio 22; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 44: AAS 80 (1988), 576-577.

(200) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 287.

(201) Cf. ibid., 15: o. c., 287.

(202) Cf. propositio 47.

(203) Homilias sobre o Evangelho de S. Mateus, 50, 3-4: PG 58, 508-509.

(204) Cf. Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, 2 e 35.

(205) Cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 31: AAS 83 (1991), 277.

(206) Ibid., 42: o. c., 289.

(207) Ibid., 42: o. c., 289.

(208) Cf. propositio 25.

(209) Cf. ibid., 25.

(210) Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 46.

(211) Cf. propositio 27.

(212) Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25 de Março de 1996), 103: AAS 88 (1996), 479.

(213) Cf. Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 69: AAS 68 (1976), 59.

(214) Cf. propositio 27.

(215) Cf. ibid., 27.

(216) Cf. ibid., 27.

(217) Cf. propositio 28.

(218) Ibid., 28.

(219) Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 31.

(220) Cf. propositio 29.

(221) Cf. ibid., 29.

(222) Cf. ibid., 29.

(223) João Paulo II, Discurso na Audiência Geral (13 de Julho de 1994), 4: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16 de Julho de 1994), 404.

(224) Cf. propositio 35.

(225) Cf. ibid., 35.

(226) Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 11.

(227) Cf. Assembleia Especial para a Ásia do Sínodo dos Bispos, Relatio ante disceptationem, III parte: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 2 de Maio de 1998), 213.

(228) Cf. propositio 32.

(229) Cf. propositio 33.

(230) João Paulo II, Discurso à Confederação dos Consultores Familiares Cristãos (29 de Novembro de 1980), 4: L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 21 de Dezembro de 1980), 777.

(231) Cf. propositio 34.

(232) Ibid., 34.

(233) João Paulo II, Carta enc. Redemptoris missio (7 de Dezembro de 1990), 37: AAS 83 (1991), 285.

(234) Ibid., 37: o. c., 285.

(235) Ibid., 37; o. c., 285.

(236) Cf. propositio 45.

(237) Cf. ibid., 45.

(238) Cf. ibid., 45.

(239) N. 13: AAS 91 (1999), 142.

(240) Cf. propositio 59.

 

 



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