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CARTA APOSTÓLICA
A CONCILIO CONSTANTINOPOLITANO I
DO SUMO PONTÍFICE
 JOÃO PAULO II
AO EPISCOPADO DA IGREJA CATÓLICA
PELO 1600° ANIVERSÁRIO
DO I CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA
E PELO 1550° ANIVERSÁRIO
DO CONCÍLIO DE ÉFESO

 

Amadíssimos Irmãos no Episcopado:

I

1. LEVA-ME a escrever-vos esta Carta, que é ao mesmo tempo uma reflexão teológica e um convite pastoral que me nasce do mais íntimo do coração, antes de mais nada, a ocorrência do XVI Centenário do primeiro Concílio de Constantinopla, celebrado precisamente no ano de 381. Este Concílio, como pus em realce já, logo ao alvorecer do corrente ano, falando na Basílica de São Pedro, « depois do Concílio de Niceia, foi o segundo Concílio Ecuménico da Igreja... ao qual ficámos a dever o "Credo" que constantemente é recitado na Liturgia. E uma herança particular de tal Concílio é a doutrina sobre o Espírito Santo, que é proclamada na liturgia latina nestes termos: "Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida... e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas " »[1] .

Estas palavras repetidas no "Credo" por tantas e tantas gerações cristãs, este ano, por isso mesmo, hão-de ter para nós um particular significado doutrinal e afectivo e recordar-nos-ão os vínculos profundos que ligam a Igreja do nosso tempo — já na perspectiva do próximo advento do terceiro Milénio da sua vida, prodigiosamente rica e provada, participando continuamente da Cruz e da Ressurreição de Cristo e firmada na virtude do Espírito Santo — à Igreja do século quarto, numa continuidade única desde as primeiras origens, e na fidelidade à doutrina do Evangelho e à pregação apostólica.

Basta isto que acaba de ser enunciado para se compreender como o ensino do I Concílio de Constantinopla continua a ser ainda hoje a expressão da única fé comum da Igreja e de todo o Cristianismo. Assim, ao professar esta fé — como fazemos todas as vezes que recitamos o "Credo" — e reavivando-a na próxima comemoração centenária, nós desejamos pôr em relevo aquilo que nos une com todos os nossos Irmãos, não obstante as divisões que se verificaram no decorrer dos séculos. E ao fazermos isto, passados que foram 1600 anos após o I Concílio de Constantinopla, nós agradecemos a Deus pela Verdade do Senhor, que, graças ao ensino desse Concílio, ilumina os caminhos da nossa fé, bem como os caminhos da vida vivida com a virtude da fé.

Nesta celebração da efeméride trata-se não apenas de recordar uma fórmula de fé, que está em vigor na Igreja há dezasseis séculos, mas também de fazer ao mesmo tempo com que se torne cada vez mais presente nos espíritos — pela reflexão, pela oração e pelas contribuições da Espiritualidade e da Teologia — aquela Força pessoal divina que dá a vida, aquele Dom hipostático — Dominum et vivificantem — aquela Terceira Pessoa da Santíssima Trindade que, segundo esta fé, é participada pelas almas individualmente e pela Igreja toda. O Espírito Santo continua a vivificar a Igreja e a impulsioná-la pelos caminhos da santidade e do amor. Como bem frisava Santo Ambrósio na obra que escreveu sobre o Espírito Santo (De Spirito Sancto), « se bem que Ele por natureza seja inacessível, pode no entanto ser recebido por nós, graças à Sua bondade; Ele enche tudo com a Sua virtude, mas somente os justos d'Ele participam; Ele é simples na sua substância, rico de virtudes, está presente em todos e divide aquilo que é Seu para dá-lo a cada um, permanecendo todo inteiro onde quer que se encontre » [2] .

2. A evocação do I Concilio de Constantinopla, que foi o segundo Concílio Ecuménico da Igreja, torna-nos conscientes, a nós, homens do Cristianismo do segundo Milénio que está prestes a terminar, de quanto se apresentava viva no seio da crescente comunidade dos crentes, nos primeiros séculos do primeiro Milénio, a necessidade de conhecer e de proclamar com justeza, na confissão da Igreja, o inescrutável mistério de Deus na sua transcendência absoluta: do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Este, como aliás outros dados-chave da verdade e da vida cristã, primeiro que tudo atraíram sobre si a atenção dos fiéis; e depois, quanto a tais conteúdo da fé nasceram também numerosas interpretações, por vezes divergentes, as quais exigiam a palavra da Igreja, o seu testemunho solene, dado em virtude da promessa feita por Cristo no Cenáculo: « o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ... vos recordará tudo o que eu vos disse »; [3] Ele, o Espírito da verdade, « guiar-vos-á por toda a verdade » [4] .

Assim, no corrente ano de 1981, devemos de uma maneira particular agradecer ao Espírito Santo por ter permitido, no meio das múltiplas oscilações do pensamento humano, que a Igreja exprimisse a própria fé, embora com as peculiaridades expressivas da época, em plena coerência com « toda a verdade ».

« Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai. Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas »: é assim que soam as palavras do símbolo da Fé do primeiro Concílio de Constantinopla em 381, [5] que ilustrou o mistério do Espírito Santo, o mistério da Sua origem do Pai, afirmando assim a unidade e a igualdade na divindade do mesmo Espírito Santo com o Pai e com o Filho.

II

3. Ao recordar o XVI Centenário do I Concílio de Constantinopla, não posso no entanto deixar em silêncio uma outra circunstância significativa, que diz respeito ao ano de 1981: é que ocorre também este ano o 1550° aniversário do Concílio de Éfeso, celebrado em 431. É uma evocação que se coloca como que à sombra da do precedente Concílio, mas que reveste também ela uma importância particular para a nossa fé, e é sumamente digna de ser lembrada.

No mesmo Símbolo ou "Credo", efectivamente, nós recitamos no seio da comunidade litúrgica que se prepara para reviver os Divinos Mistérios estas palavras: « E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem » (Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine, et homo factus est). O Concilio de Éfeso, portanto, teve um valor sobretudo cristológico, definindo as duas naturezas em Jesus Cristo, a natureza divina e a natureza humana, a fim de precisar bem a doutrina autêntica da Igreja, que já fora expressa pelo Concílio de Niceia em 325, mas havia sido posta em perigo pela difusão de diferentes interpretações da mesma verdade esclarecida em tal Concilio, especialmente pela difusão de algumas fórmulas usadas no ensino nestoriano. Em conexão íntima com estas afirmações, o Concílio de Éfeso reveste-se também de um significado soteriológico, ao pôr em evidência que — segundo o conhecido axioma — « aquilo que não é assumido não é salvo ». Mas do mesmo modo conexa intimamente com o valor de tais definições dogmáticas, havia ainda a verdade respeitante à Santíssima Virgem, chamada àquela dignidade única e irrepetível de Mãe de Deus, de « Theotokos », conforme é posto em esplêndida evidência principalmente pelas Cartas de São Cirilo a Nestório [6] e pela luminosa Formula unionis de 433.[7] Foi um autêntico hino que aqueles Padres da antiguidade entoaram à Encarnação do Filho Unigénito de Deus, com a plena verdade das duas naturezas numa única Pessoa; foi um hino à obra da Salvação, realizada no mundo por obra do Espírito Santo: e tudo isso não podia deixar de reverter em honra à Mãe de Deus, primeira cooperadora da potência do Altíssimo que a recobriu no momento da Anunciação, no maravilhoso vir sobre Ela do Espírito Santo [8] . E assim o entenderam as nossas irmãs e os nossos irmãos de Éfeso, os quais naquela tarde de 22 de Junho, dia da abertura do Concílio celebrado na Catedral da « Mãe de Deus », com este mesmo título aclamaram a Virgem Maria e, ao terminar aquela primeira sessão, levaram em triunfo os Padres conciliares.

Parece-me muito oportuno, pois, que também este antigo Concílio, o terceiro da história da Igreja, seja recordado no seu rico contexto teológico e eclesial. A Virgem Maria é Aquela que, à sombra da potência da Santíssima Trindade, foi a criatura mais estreitamente associada à obra da Salvação. A Encarnação do Verbo verificou-se sob o seu coração, por obra do Espírito Santo. Nela começou a raiar a aurora da nova humanidade que, com Cristo, se apresentava no mundo para levar a termo o plano original da aliança com Deus, infringida pela desobediência do primeiro homem. Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine.

4. Os dois aniversários, embora por diversos motivos e com diversa importância, redundam em honra do Espírito Santo. Tudo o que aludimos se realizou por obra do Espírito Santo. Vê-se quanto estas duas grandes comemorações, às quais é imperioso fazer referência no ano do Senhor de 1981, estão profundamente unidas entre si, no ensino e na profissão de fé da Igreja, da fé de todos os cristãos. Fé na Santíssima Trindade: fé no Pai, do qual provém todos os dons; [9] fé em Cristo, Redentor do homem; e fé no Espírito Santo. E, a esta luz, veneração para com Nossa Senhora que, « dando o seu consentimento à palavra divina, se tornou Mãe de Jesus; e, abraçando de todo o coração e sem impedimento algum de pecado a vontade salvífica de Deus, Ela consagrou-se totalmente, como Serva do Senhor, à pessoa e à obra do seu Filho »; e por isso « não foi utilizada como instrumento meramente passivo nas mãos de Deus, mas... cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens » [10] . E é muito belo que, assim como Maria esperou com essa sua fé a vinda do Senhor, de modo análogo também, neste final do segundo Milénio, Ela esteja presente a iluminar a nossa fé, em tal perspectiva de « advento ».

Ora tudo isto é para nós fonte de imensa alegria e fonte de gratidão pela luz desta fé, mediante a qual participamos nos imperscrutáveis mistérios divinos, fazendo disso o conteúdo vital das nossas almas e alargando nelas os horizontes da visão da nossa dignidade espiritual e dos nossos destinos humanos. E por conseguinte, também estes grandes aniversários não podem permanecer para nós apenas uma recordação de um passado longínquo. Pelo contrário, devem reviver na fé da Igreja, devem ressoar com um eco novo na sua espiritualidade, e devem mesmo ter a manifestação externa da sua actualidade sempre viva para toda a comunidade dos fiéis.

5. Escrevo estas coisas dirigindo-me em primeiro lugar a vós, meus amados e veneráveis Irmãos no serviço episcopal. Mas dirijo-me ao mesmo tempo aos Irmãos Sacerdotes, os mais próximos colaboradores na vossa solicitude pastoral « in virtute Spiritus Sancti ». Dirijo-me aos Irmãos e Irmãs de todas as Famílias religiosas masculinas e femininas, no seio das quais deveria ser particularmente vivo o testemunho do Espírito de Cristo e, simultâneamente, querida de modo particular a missão d'Aquela que quis ser a Serva do Senhor [11] . E dirijo-me, enfim, a todos os Irmãos e Irmãs do laicado da Igreja, os quais, professando a sua fé juntamente com todos os outros membros da comunidade eclesial, tantas vezes e da há tantas gerações para cá mantêm viva a recordação dos grandes Concílios. Estou convencido de que eles irão acolher com reconhecimento a reevocação destas grandes datas e destes aniversários, especialmente quando em conjunto se aperceberem bem de quanto continuam a ser « actuais » hoje os mistérios a que deram uma expressão autorizada os dois grandes Concílios, já antes dos meados do primeiro Milénio da história da Igreja.

E ouso por fim alimentar a esperança de que a comemoração dos Concílios de Constantinopla e, conjuntamente, de Éfeso, os quais foram a ex-pressão da fé ensinada e professada pela Igreja indivisa, nos faça crescer na recíproca compreensão com os nossos amados Irmãos no Oriente e no Ocidente, com os quais ainda não nos une a plena comunhão eclesial, mas juntamente com os quais buscamos na oração, com humildade e com confiança, as vias para a unidade na verdade. Com efeito, o que haverá que possa apressar mais a caminhada no sentido desta unidade, do que a recordação e, ao mesmo tempo, a vivificação daquilo que durante tantos séculos constituiu o conteúdo da fé professada em comum, melhor dito, daquilo que nunca deixou de ser tal, mesmo depois das dolorosas divisões que se verificaram no decorrer dos tempos?

III

6. É meu desejo, portanto, que estes acontecimentos sejam vividos no seu profundo contexto eclesiológico. Não devemos, de facto, somente recordar estes grandes aniversários como eventos do passado; mas sim reanimá-los também com a nossa contemporaneidade e pô-los em ligação profundamente com a vida e as tarefas da Igreja do nosso tempo, tal como elas foram expressas em toda a mensagem do Concílio da nossa época: o II do Vaticano. Quão profundamente vivem em tal magistério as verdades definidas naqueles outros Concílios e quanto delas se acha embebido o conteúdo da doutrina sobre a Igreja, que é central no mesmo II Concílio do Vaticano! Quanto elas são substanciais e constitutivas para esse ensino e, igualmente, quão intensamente tais verdades fundamentais e centrais do nosso « Credo » vivem, por assim dizer, uma vida nova e brilham com uma luz nova no conjunto da doutrina do II Concílio do Vaticano!

Se a principal tarefa de nossa geração, e talvez também ainda das futuras gerações na Igreja, há-de ser a de realizar e introduzir na vida o ensino e as orientações deste grande Concílio, este ano os aniversários dos Concílios I de Constantinopla e de Éfeso proporcionam a oportunidade para se intensificar a actuação de tal tarefa, no contexto vivo da verdade que, através dos séculos, permanece para sempre.

7. « Consumada a obra que o Pai confiara ao Filho para fazer na terra,[12] no dia de Pentecostes foi enviado o Espírito Santo para santificar continuamente a Igreja, e para que os crentes tivessem, por Cristo, acesso ao Pai, num único Espírito [13] . Ele é o Espírito que dá a vida; é uma fonte de água que jorra para a vida eterna;[14] por Ele o Pai dá novamente a vida aos homens, mortos por causa do pecado, até que um dia ressuscite em Cristo os seus corpos mortais [15] . O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo,[16] e neles ora e dá testemunho da sua. adopção filial [17] . Ele conduz a Igreja à verdade total,[18] unifica-a na comunhão e no ministério, dota-a e dirige-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e embeleza-a com os seus frutos [19] . Com a força do Evangelho faz rejuvenescer a Igreja, renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo. Porque o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: « Vem! » [20] Assim a Igreja inteira aparece como "um povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo" » [21] É esta a passagem certamente mais rica, mais sintética, embora não seja a única, que pode servir para indicar como no conjunto do ensino do II Concílio do Vaticano se encontra viva com uma vida nova e brilha com um esplendor novo a verdade sobre o Espírito Santo, à qual deu uma tão autorizada expressão, há já 1600 anos, o I Concílio de Constantinopla.

Toda a obra de renovação da Igreja, tão providencialmente proposta e iniciada pelo II Concílio do Vaticano — renovação que tem de ser a um tempo « actualização » e consolidação naquilo que é eterno e constitutivo para a missão da mesma Igreja — não poderá nunca realizar-se senão no Espírito Santo; ou seja, com a ajuda das suas luzes e do seu poder. Isto é importante, muito importante mesmo, para toda a Igreja na sua universalidade e também para cada uma das Igrejas particulares em comunhão com todas as demais Igrejas particulares. Isto é importante também pelo que respeita à caminhada ecuménica no interior do Cristianismo e para a Igreja prosseguir na sua via no mundo contemporâneo, via esta que deve estender-se na direcção da justiça e da paz. Isto é importante ainda para a obra das vocações sacerdotais e religiosas e, ao mesmo tempo, para o apostolado dos leigos, como fruto de uma nova maturidade da sua fé.

8. As duas formulações do Símbolo Niceno-Constantinopolitano — « E encarnou pelo Espírito Santo ... Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida » (Et incarnatus est de Spiritu Sancto ... Credo in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem) — recordam-nos ainda que a maior obra realizada pelo Espírito Santo, obra à qual todas as outras se referem constantemente, indo a ela haurir como a uma fonte, é precisamente a obra da Encarnação do Verbo Eterno, a obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria.

Cristo, Redentor do homem e do mundo, é o mesmo, ontem e hoje ... » [22] . Num momento em que os nossos pensamentos e os nossos corações se acham voltados para Ele, na perspectiva do segundo Miléno que está para encerrar-se e que nos separa da Sua primeira vinda ao mundo, com isso eles estão a voltar-se para o Espírito Santo, por obra do Qual se verificou a concepção humana do mesmo Cristo; e voltam-se também para Aquela, por quem foi concebido e de quem nasceu: voltam-se para a Virgem Maria. E sucede exactamente que os aniversários dos dois grandes Concílios este ano comemorados orientam de modo especial os nossos pensamentos e os nossos corações para o Espírito Santo e para a Mãe de Deus, Maria.

Depois ao recordarmos aquela grande alegria e mesmo alvoroço que suscitou há 1550 anos a profissão de fé na maternidade divina da Virgem Maria (Theotokos), podemos ver que naquela profissão de fé foi simultâneamente glorificada a particular obra do Espírito Santo: obra que se concretizou quer na concepção e no nascimento do Filho de Deus por obra do Espírito Santo, quer ainda, e igualmente por obra do Espírito Santo, na maternidade santíssima da Virgem Maria. Esta maternidade não só é fonte e fundamento de toda a santidade excepcional de Maria e da sua particularíssima participação em toda a economia da Salvação, mas estabelece também um permanente vínculo materno de Maria com a Igreja, devido ao facto de Ela ter sido escolhida pela Santíssima Trindade como Mãe de Cristo, o qual é « a Cabeça do Corpo, que é a Igreja » [23] . Este vínculo revela-se particularmente aos pés da Cruz, onde Maria esteve, « padecendo acerbamente com o seu Filho Unigénito, e associando-se com coração de mãe ao sacrifício d'Ele ... Jesus Cristo, (que) agonizante na Cruz, a deu por Mãe ao discípulo, com estas palavras: "Mulher, eis aí o teu filho" [24] »[25] .

O mesmo II Concílio do Vaticano sintetizou ainda de modo feliz a relação indissolúvel de Maria com Cristo e com a Igreja: « Tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da Salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos "perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e Seus irmãos";[26] e também Maria a implorar, com as suas orações, o dom daquele Espírito que já sobre si descera na Anunciação » [27] Com esta expressão o texto do Concílio une entre si os dois momentos em que a maternidade de Maria está mais intimamente ligada com a obra do Espírito Santo: primeiro, o momento de Encarnação; e depois, o momento do nascimento da Igreja no Cenáculo de Jerusalém.

IV

9. Todos estes grandes e importantes motivos e a confluência de circunstâncias tão significativas induzem, por conseguinte, a que se faça com que no ano que está a decorrer, duplamente jubilar, seja posta particularmente em evidência a solenidade do Pentecostes em toda a Igreja.

Convido, pois, a virem a Roma nesse dia todas as Conferências Episcopais da Igreja Católica e os Patriarcados e as Metrópoles das Igrejas Orientais católicas, com aquela representação que melhor lhes parecer enviar, a fim de que todos juntamente possamos renovar aquela herança que recebemos do Cenáculo do Pentecostes e na potência do Espírito Santo: foi Ele, efectivamente, que mostrou à Igreja, no momento do nascimento desta, aquele caminho que leva a todas as nações, a todos os povos e línguas, e ao coração de todos os homens.

Encontrando-nos recolhidos na unidade colegial, como herdeiros da solicitude apostólica por todas as Igrejas,[28] hauriremos da abundância de manancial do mesmo Espírito, que guia a missão da Igreja pelas vias da humanidade contemporânea, no final de segundo Milénio depois da Encarnação do Verbo, por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria.

10. A primeira parte do programa para essa solenidade reunir-nos-á de manhã na Basílica de São Pedro no Vaticano, para cantarmos com todo o coração o nosso « Credo » « no Espírito Santo, Senhor que dá a vida ... Ele que falou pelos Profetas ... e na Igreja una, santa, católica e apostólica » (in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem ... qui locutus est per Prophetas ... Et unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam). A isto nos impele a 1600° aniversário do I Concílio de Constantinopla; como sucedeu com os Apóstolos no Cenáculo e com os Padres deste Concílio, congregar-nos-á Aquele que « pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e a renova continuamente » [29] .

Deste modo, a solenidade do Pentecostes deste ano irá tornar-se uma sublime e reconhecida profissão daquela fé no Espírito Santo, Senhor e Doador da vida, que ficámos a dever de modo particular ao referido Concílio. E, ao mesmo tempo, irá ser assinalada por uma oração humilde e uma invocação ardente, para que este mesmo Espírito Santo nos ajude a « renovar a face da terra », também mediante a renovação da Igreja em conformidade com a pensamento do II Concílio do Vaticano; nos ajude para que esta obra se realize de maneira amadurecida e regular em todas as Igrejas e em todas as comunidades cristãs; e nos ajude para que essa obra se torne realidade antes de mais nada nas almas dos homens, porque não é possível uma renovação verdadeira sem uma contínua conversão a Deus. Iremos pedir ao Espírito da Verdade que permaneçamos, ao longo da caminhada desta renovação, perfeitamente fiéis àquele « falar do Espírito », que é para nós actualmente o ensino do II Concílio do Vaticano, e que não abandonemos nunca a justa direcção de tal caminhada, impelidos por uma certa consideração para com a espírito do mundo. Iremos pedir, ainda, Àquele que é « água viva, fogo e amor » (tons vivus, ignis, caritas), para nos imbuir a nós e a toda a Igreja, e mesmo à família humana, daquele amor que « tudo espera, tudo suporta » e que « não passa jamais » [30] .

Não há dúvida nenhuma de que, na fase presente da história da Igreja e da humanidade, se  sente uma necessidade particular de aprofundar e de reanimar esta verdade. Pois bem, pelo próximo Pentecostes dar-nos-á ocasião para isso a comemoração do 1600° aniversário do I Concílio de Constantinopla. Que o Espírito Santo nos aceite esta nossa manifestação de fé. Que Ele acolha, na altura da função litúrgica da solenidade do Pentecostes, esta humilde abertura dos corações para Ele, o Consolador, no qual se revela e se realiza o dom da unidade.

11. Numa segunda parte do programa da celebração, reunir-nos-emos nesse dia pelo fim da tarde na Basílica de Santa Maria Maior, onde a parte da manhã irá ser completada com aqueles conteúdos que são oferecidos à nossa reflexão pelo 1550° aniversário do Concílio de Éfeso. É sugestivo para assim procedermos também a singular coincidência de a solenidade do Pentecostes deste ano ocorrer a 7 de Junho, como outrora aconteceu em 431; e naquele dia solene, que tinha sido fixado como data para se iniciarem as sessões do Concílio (depois adiada para o dia 22 do mesmo mês), começaram a afluir a Éfeso os primeiros grupos de Bispos.

Tais conteúdos da fé, no entanto, irão ser vistos também à luz da contribuição do II Concílio do Vaticano, com uma atenção particular voltada para o admirável capítulo VIII da Constituição Lumen Gentium. Com efeito, assim como o Concilio de Éfeso, mediante a doutrina cristológica e soteriológica, deu azo a que se confirmasse a verdade quanto à Maternidade Divina de Maria designada « Theotokos » — também o II Concílio do Vaticano nos proporciona recordar que a Igreja, que nasceu no Cenáculo de Jerusalém da potência do Espírito Santo, começa a olhar para Maria como o exemplo da maternidade espiritual da própria Igreja e, por isso mesmo, como a sua figura arquetípica. Naquele dia, Aquela que foi chamada pelo Papa Paulo VI também Mãe da Igreja, começou a irradiar o poder da sua inter-cessão sobre a Igreja-Mãe e a proteger aquele seu impulso apostólico do qual ela vive ainda hoje, gerando para Deus os crentes de todos os tempos e de todas as latitudes.

É por tudo isto que a liturgia da parte da tarde da próxima solenidade do Pentecostes nos congregará na Basílica Mariana de Roma, a fim de recordarmos de maneira particular, mediante esse acto, que no Cenáculo de Jerusalém os Apóstolos « perseveravam concordes na oração ... com Maria, Mãe de Jesus ... »,[31] a preparar-se para a vinda do Espírito Santo. À semelhança deles, também nós, nesse dia tão importante, desejamos encontrar-nos juntos perseverantes na oração com Aquela que, segundo as palavras da Constituição dogmática do II Concílio do Vaticano sobre a Igreja, enquanto Mãe de Deus, « ... é figura da (mesma) Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo » [32] . E assim, perseverando na oração juntamente com Ela e cheios de esperança n'Ela, confiaremos ao Espírito Santo a Igreja e a sua missão entre todas as nações do mundo de hoje e de amanhã. Nós, de facto, somos portadores em nós próprios da herança daqueles a quem Cristo Ressuscitado ordenou que fossem por todo o mundo e pregassem o Evangelho a toda a criatura [33] .

No dia do Pentecostes, unidos em oração juntamente com Maria, a Mãe de Jesus, eles, os Apóstolos, estavam convencidos de poder realizar tal ordem, firmados na potência do Espírito Santo, que descera sobre eles, conformemente ao preanúncio do Senhor [34] . E analogamente nesse dia, nós, seus herdeiros, unir-nos elos muito uns aos outros no mesmo acto de fé e de oração.

V

12. Meus amados Irmãos:

Sei que na Quinta-Feira Santa vós renovais, na comunidade do Presbitério das vossas Dioceses, o Memorial da Última Ceia, durante a qual o pão e o vinho, mediante as palavras de Cristo e a potência do Espírito Santo, se tornaram o Corpo e o Sangue do nosso Salvador, isto é, a Eucaristia da nossa Redenção.

Nesse dia, ou então noutras ocasiões oportunas, falai a todo o Povo de Deus destes aniversários e acontecimentos importantes, a fim de que eles sejam similarmente recordados e vividos também em todas as Igrejas locais e em todas as comunidades da Igreja, do modo que merecem e daquela forma que for estabelecida por cada um dos Pastores, de acordo com as indicações das respectivas Conferências Episcopais e dos Patriarcados e Metrópoles das Igrejas Orientais.

Aguardando com um desejo vivíssimo as anunciadas celebrações, é-me grato enviar a todos vós, veneráveis a caríssimos Irmãos no Episcopado, e juntamente convosco a cada uma das vossas Comunidades eclesiais, a minha particular Bênção Apostólica.

Dado em Roma, junto de São Pedro, a 25 de Março de 1981, solenidade da Anunciação do Senhor, terceiro ano do meu Pontificado.

 

IOANNES PAULUS II 


Notas

[1] « L'Osservatore Romano », 2-3 de Janeiro de 1981.

[2] S. AMBRÓSIO, De Spiritu Sancto, I, V, 72; ed. O. Faller, CSEL 79, Vindobonae 1964, p. 45.

[3] Jo. 14, 26.

[4] Jo. 16, 13.

[5] Assim é citado pela primeira vez nas actas do Concilio de Calcedónia, act. II: ed. E. Schwartz, Acta Conciliorum Oecumenicorum, I Conciliam universale Chalcedonense, Berolini et Lipsiae 1927-32, I, 2, p. 80; cf. também Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Bologna 1973 p. 24.

[6] Acta Conciliorum Oecumenicorum, I Conciliorum universale Ephesinum: ed. E. Schwartz, I, 1, pp. 25-28 e 233-242; cf. também Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Bologna 1973', pp. 40-44; 50-61.

[7] Acta Conciliorum Oecumenicorum, I, 1, 4, pp. 8 s. (A); cf. também Conciliorum Oecumenicorum Decreta, pp. 69 s.

[8] Cf. Lc. 1, 35.

[9] Cf. Gál. 1, 17.

[10] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, n. 56.

[11] Cf. Lc. 1, 38.

[12] Cf. Jo. 17, 4.

[13] Cf. Ef. 2, 18.

[14] Cf. Jo. 4, 14; 7, 38-39.

[15] Cf. Rom. 8, 10-11.

[16] Cf. 1 Cor. 3, 16; 6, 19.

[17] Cf. Gál. 4, 6; Rom. 8, 15-16 e 26.

[18] Cf. Jo. 16, 13.

[19] Cf. Ef. 4, 11-12; 1 Cor. 12, 4; Gál. 5, 22.

[20] Cf. Apoc. 22, 17.

[21] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, n. 4.

[22] Hebr. 13, 8.

[23] Col. 1, 18.

[24] Cf. Jo. 19, 26-27.

[25] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, n. 58.

[26] Act. 1, 14.

[27] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, n 59.

[28] Cf. 2 Cor. 11, 28.

[29] Cf. II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, n. 4.

[30] Cf. 1 Cor. 13, 7-8.

[31] Act. 1, 14.

[32] Lumen Gentium, n. 63.

[33] Cf. Mc. 16, 15.

[34] Cf. Act. 1, 8.

 



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