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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA
(5-17 DE JUNHO DE 1999)

CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Gliwice, 14 de Junho de 1999

 

1. «Vede que prova de amor o Pai nos deu, chamando-nos filhos de Deus. E somo-lo de facto!» (1 Jo 3, 1). 

O encontro hodierno introduz-nos directamente nas profundidades do mistério do amor de Deus. Com efeito, estamos a participar nas Vésperas em honra do Sacratíssimo Coração de Jesus, que nos permitem viver e experimentar o que é o amor que Deus dá ao homem. «Deus amou de tal forma o mundo que entregou o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele acreditar não morra, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). O mundo é amado por Deus e será amado até ao fim. O Coração do Filho de Deus, trespassado na cruz e aberto, testemunha de modo profundo e definitivo o amor de Deus. Escreverá São Boaventura: «Por disposição divina, foi permitido que um soldado trespassasse e abrisse aquele sagrado lado. Dele saiu sangue e água, preço da nossa salvação» (Liturgia das Horas, vol. III, pág. 601). 

Apresentamo-nos com o coração trepidante e com humildade diante do grande mistério de Deus, que é amor. Hoje aqui, em Gliwice, queremos exprimir-Lhe o nosso louvor e ao mesmo tempo uma imensa gratidão. 

É com grande alegria que venho a vós, pois me sois queridos. Todo o povo da Silésia é caro ao meu coração. Como Arcebispo Metropolitano de Cracóvia, todos os anos eu ia em peregrinação a Nossa Senhora de Piekary e lá encontrávamo-nos para a comum oração. Eu apreciava muito cada convite. Para mim era sempre uma experiência profunda. Porém, na diocese de Gliwice encontro-me pela primeira vez, porque é uma diocese jovem, instituída há alguns anos. Recebei, por isso, a minha saudação cordial, que dirijo em primeiro lugar ao vosso Bispo D. Jan e ao Bispo Auxiliar D. Gerard. Saúdo também o clero, as famílias religiosas, todas as pessoas consagradas e o povo fiel desta diocese. Sinto-me feliz porque no percurso da minha peregrinação na Pátria está também Gliwice, uma cidade que visitei várias vezes, à qual me ligam especiais recordações. Com grande alegria visito esta terra de homens habituados ao trabalho duro: é a terra do mineiro polaco, a terra das usinas de aço, das minas e dos fornos das fábricas, mas também a terra que possui uma rica tradição religiosa. Os meus pensamentos e o meu coração abrem-se hoje a vós aqui presentes, a todos os homens da Alta Silésia e de toda a terra da Silésia. Saúdo-vos a todos no nome de Deus uno e trino. 

2. «Deus é amor» (1 Jo 4, 16). Estas palavras de São João evangelista constituem o tema-guia da peregrinação do Papa na Polónia. Na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, é preciso que seja de novo transmitida ao mundo esta jubilosa e impressionante boa nova sobre um Deus que ama. Deus é uma realidade que supera a nossa capacidade de exaustiva compreensão. Porque é Deus, com a nossa razão não seremos capazes de compreender a sua infinidade, nem de a encerrar nas estreitas dimensões humanas. É Ele que nos dá valor, que nos governa, nos guia e nos compreende, mesmo quando não somos conscientes disto. Mas este Deus, inatingível na sua essência, fez-Se próximo do homem mediante o seu amor paterno. A verdade sobre Deus que é amor constitui como que uma síntese e, ao mesmo tempo, o ápice de tudo aquilo que Deus nos revelou sobre Si mesmo, do que, por meio dos Profetas e de Cristo, nos disse sobre aquilo que Ele é. 

Deus revelou este amor de vários modos. Em primeiro lugar, no mistério da criação. A criação é obra da omnipotência de Deus, guiada pela sabedoria e pelo amor. «Eu amei-te com amor eterno; por isso, conservei o Meu amor por ti» - dirá Deus a Israel pelos lábios do profeta Jeremias (31, 3). Deus amou o mundo que criou, e nele acima de todas as coisas amou o homem. E mesmo quando o homem prevaricou contra este amor original, Deus não cessou de o amar e ergueu-o da queda, pois é Pai, é Amor. Do modo mais perfeito e definitivo Deus revelou o seu amor em Cristo - na sua cruz e na sua ressurreição. São Paulo dirá: «Deus que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos a vida juntamente com Cristo» (Ef 2, 4-5). Na mensagem deste ano para os jovens, escrevi: «O Pai ama-vos». Esta magnífica notícia foi depositada no coração do homem que crê, o qual como o discípulo predilecto de Jesus apoia a cabeça no peito do Mestre e escuta as suas confidências: «Quem Me ama será amado por Meu Pai. Eu também o amarei e manifestar-Me-ei a ele» (Jo 14, 21). 

«O Pai ama-vos» - estas palavras do Senhor Jesus constituem o centro mesmo do Evangelho. Ao mesmo tempo, ninguém mais do que Cristo ressalta o facto de que esse amor é exigente: «tornando-Se obediente até à morte» (Fl 2, 8), ensinou de modo mais perfeito que o amor espera a resposta por parte do homem. Exige a fidelidade aos mandamentos e à vocação que o homem recebeu de Deus. 

3. «E nós reconhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse amor» (1 Jo 4, 16).

Mediante a graça, o homem é chamado à aliança com o seu Criador, a dar a resposta de fé e de amor, que ninguém pode dar no seu lugar. Essa resposta não faltou aqui, na Silésia. Destes-la a Deus durante séculos inteiros com a vossa vida cristã. Na história estivestes sempre unidos à Igreja e aos seus Pastores, fortemente apegados à tradição religiosa dos vossos antepassados. De modo particular, o longo período do pós-guerra, até às mudanças ocorridas no nosso país em 1989, também para vós era tempo de uma grande prova de fé. Perseverastes com fidelidade junto de Deus, resistindo à ateização e à laicização da nação e à luta contra a religião. Recordo-me como milhares de operários da Silésia repetiam com firmeza, no Santuário de Piekary, o lema: «O Domingo é de Deus e nosso». Sempre sentistes a necessidade da oração e dos lugares de onde ela pode elevar-se melhor. Por isso não vos faltou a vontade de espírito e a generosidade para vos empenhardes na construção de novas igrejas e de lugares de culto, que surgiram numerosos naquele tempo nas cidades e aldeias da Alta Silésia. Tínheis em grande consideração também o bem da família. Por esta razão reclamáveis os direitos a ela devidos, especialmente da livre educação dos vossos filhos e dos jovens para a fé. Muitas vezes vos reuníeis nos santuários e em muitos outros lugares queridos ao vosso coração, para exprimirdes a adesão a Deus e para Lhe dardes testemunho. Convidáveis também a mim para estas comuns celebrações na Silésia. De muito bom grado vos anunciava a palavra de Deus, porque tínheis necessidade de ser confortados no difícil período de lutas pela conservação da identidade cristã, a fim de terdes força para obedecer «mais a Deus do que aos homens» (cf. Act 5, 29).

Olhando para o passado, hoje damos graças à Providência por este exame sobre a fidelidade a Deus e ao Evangelho, à Igreja e aos seus Pastores. Este era também um exame sobre a responsabilidade para com a nação, pela Pátria cristã e pelo seu património milenário, que apesar de todas as grandes provas não sofreu a destruição ou o esquecimento. Assim foi porque «reconhecestes e acreditastes no amor que Deus tem por nós» e quisestes responder sempre com amor a Deus. 

4. «Feliz o homem que não vai ao conselho dos injustos (...). Pelo contrário: o seu prazer está na lei de Javé, e medita a Sua lei, dia e noite» (Sl 1, 1-2).

Escutámos estas palavras do Salmista na breve leitura durante as Vésperas de hoje. Permanecei fiéis à experiência das gerações, que viveram nesta terra com Deus no coração e com a oração nos lábios. Na Silésia vençam sempre a fé e a moralidade sadia, o verdadeiro espírito cristão e o respeito pelos mandamentos divinos. Conservai como o maior tesouro aquilo que era fonte de força espiritual para os vossos antepassados. Eles sabiam incluir Deus na própria vida e n'Ele rejeitar todas as manifestações do mal. Símbolo eloquente disto é a saudação «Deus te seja propício!», que é precisamente a dos que trabalham nas minas. Sabei conservar o coração sempre aberto aos valores anunciados pelo Evangelho, conservai-os; eles decidem a vossa identidade. 

Caros Irmãos e Irmãs, queria também dizer que conheço as vossas dificuldades, os temores e os sofrimentos que agora estais a viver; os temores e os sofrimentos que experimenta o mundo do trabalho nesta diocese e em toda a Silésia. Dou-me conta dos perigos ligados a este estado de coisas, especialmente para muitas famílias e para a inteira vida social. É necessária uma atenta consideração tanto das causas desses perigos como das possíveis soluções. Já falei a respeito disto durante esta peregrinação, em Sosnowiec. Hoje, dirijo-me mais uma vez a todos os meus concidadãos na Pátria. Construí o futuro da nação sobre o amor de Deus e dos homens, sobre o respeito dos mandamentos de Deus e sobre a vida da graça. Com efeito, é feliz o homem, é feliz a nação que se compraz com a lei do Senhor. 

A consciência de que Deus nos ama, deveria impelir ao amor pelos homens, todos os homens sem excepção alguma e sem qualquer divisão em amigos e inimigos. O amor pelo homem consiste em desejar para cada um o verdadeiro bem. Consiste também na solicitude por garantir este bem e rejeitar toda a forma de mal e de injustiça. Deve-se, sempre e com perseverança, procurar as vias de um justo desenvolvimento para todos, a fim de «tornar - como diz o Concílio - mais humana a vida do homem» (cf. Gaudium et spes, 38). Abundem no nosso país o amor e a justiça, produzindo frutos todos os dias na vida da sociedade. Somente graças a eles esta terra pode tornar-se uma casa feliz. Sem um grande e autêntico amor não existe casa para o homem. Embora alcance grandes sucessos no campo do desenvolvimento material, sem ele seria condenado a uma vida privada de verdadeiro sentido.

«O homem é a única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma» (cf.  Gaudium et spes, 24). Ele foi chamado a participar da vida de Deus, foi chamado à plenitude da graça e da verdade. A própria grandeza, o valor e a dignidade da mesma humanidade, ele encontra-os precisamente nesta vocação. 

Deus, que é amor, seja a luz da vossa vida para hoje e para os tempos vindouros. Seja a luz para a nossa Pátria inteira. Construí um futuro digno do homem e da sua vocação! 

Deponho todos vós, as vossas famílias e os vossos problemas aos pés da Mãe Santíssima, que é venerada em muitos santuários desta diocese e em toda a Silésia. Ela ensine o amor de Deus e do homem, como o praticou na sua vida. A todos: «Deus vos seja propício»!

 



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