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CARTA DO SUMO PONTÍFICE
 JOÃO PAULO II
 A TODOS OS SACERDOTES DA IGREJA
POR OCASIÃO
DA QUINTA-FEIRA SANTA DE 1979

 

Caros Irmãos Sacerdotes:

1. PARA VÓS SOU BISPO, CONVOSCO SOU SACERDOTE

No início do meu novo ministério na Igreja, sinto a profunda necessidade de me dirigir a vós, a todos vós sem excepção, Sacerdotes, quer diocesanos quer religiosos, que sois meus irmãos em virtude do sacramento da Ordem. Em primeiro lugar, desejo exprimir a minha fé na vocação, que vos une aos vossos Bispos, em particular comunhão de sacramento e de ministério, mediante a qual se edifica a Igreja, Corpo Místico de Cristo.

Para todos vós, pois, que em virtude de uma graça especial e por singular entrega ao Salvador, suportais «o peso do dia e o calor»(1), no meio das múltiplas ocupações do serviço sacerdotal e pastoral, se dirigiram o meu pensamento e o meu coração desde que Cristo me chamou a esta Cátedra, na qual outrora São Pedro, com a sua vida e com a sua morte, teve de responder até ao fim à pergunta: «Tu amas-me? Amas-me tu mais do que estes?»(2).

Penso incessantemente em vós, rezo por vós e juntamente convosco procuro vias de união espiritual e de colaboração. E que sois meus irmãos em virtude do sacramento da Ordem, que também eu recebi das mãos do meu Bispo (o Arcebispo de Cracóvia, Cardeal Adão Estêvão Sapieha, de inolvidável memória). Adaptando as conhecidas palavras de Santo Agostinho, desejo dizer-vos: «Para vós sou Bispo, convosco sou Sacerdote»(3).

Ocorre hoje uma particular circunstância que me impele a confiar-vos alguns pensamentos através desta Carta: é a iminência da Quinta-Feira Santa, o dia da festa anual do nosso Sacerdócio. Nele se reúne todo o Presbitério de cada Diocese ao redor do seu Bispo, na celebração em comum da Eucaristia. É neste dia que todos os Sacerdotes são convidados a renovar, perante o seu Bispo e juntamente com ele, as promessas feitas no momento da Ordenação sacerdotal. Isto dá-me azo, a mim e a todos os meus Irmãos no Episcopado, para encontrar-me convosco em unidade especial no próprio coração do mistério de Jesus Cristo, do qual nós todos participamos.

UNIDADE DOS SACERDOTES COM O SEU BISPO

O Concílio Vaticano II, que pôs em evidência de maneira tão explícita a colegialidade do Episcopado na Igreja, apresentou também de forma nova a vida das comunidades de sacerdotes. Também eles estão ligados entre si por especial vínculo de fraternidade e unidos com o Bispo das respectivas Igrejas particulares. Toda a sua vida e ministério sacerdotal têm de aprofundar e reforçar esta união. Para a animação das várias tarefas relacionadas com tal vida e ministério, assumem particular responsabilidade, entre outras coisas, os Conselhos Presbiterais. Em conformidade com o pensamento do Concílio e com o «Motu proprio» Ecclesiae Sanctae do Papa Paulo VI, devem estar operantes em todas as Dioceses (4).

Tudo isto tende a fazer com que cada Bispo, em unidade com o seu Presbitério, possa servir de maneira mais eficaz a grande causa da evangelização. A Igreja desempenha a sua missão, ou melhor, realiza a sua própria natureza, mediante tal serviço. A importância que tem para isto a união dos Sacerdotes com o próprio Bispo, é confirmada pelas palavras de Santo Inácio de Antioquia: «Tende o cuidado de fazer tudo com a concórdia que é do agrado de Deus, sob a presidência do Bispo, que representa o próprio Deus; com os Presbíteros, que representam o colégio apostólico; e com os Diáconos, para mim caríssimos, aos quais foi confiado o serviço de Jesus Cristo (5).

2. UNE-NOS O AMOR DE CRISTO E DA IGREJA

Não é minha intenção apresentar nesta Carta um resumo de tudo o que constitui a riqueza da vida e do ministério sacerdotal. No que vou dizer, quero contudo basear-me no que relativamente a isso propôs toda a tradição do Magistério da Igreja e, de modo particular, a doutrina do Concílio Vaticano II, contida nos seus diversos Documentos, sobretudo na Constituição Lumen Gentium e nos Decretos Presbyterorum Ordinis e Ad Gentes. Refiro-me também à Encíclica do meu Predecessor Paulo VI Sacerdotalis Caelibatus. E, por fim, darei grande importância ao Documento De Sacerdotio Ministeriali, fruto dos trabalhos do Sínodo dos Bispos de 1971, que o mesmo Paulo VI, aprovou. Vejo nesse documento — não obstante o carácter consultivo da sessão do Sínodo que o elaborou — doutrina de importância essencial sobre o aspecto específico da vida e ministério sacerdotal no mundo contemporâneo.

Atendo-me, pois, a todas estas fontes, por vós conhecidas, desejo com a presente Carta tocar somente alguns pontos, que me parecem da máxima importância neste momento da história da Igreja e do mundo. Estas minhas palavras são-me ditadas pelo amor à Igreja. Ela só estará em condições de cumprir a sua missão em relação ao mundo, se — apesar de toda a fraqueza humana — mantiver a sua fidelidade a Cristo. Sei, porém, que me estou a dirigir a quem somente o amor do mesmo Cristo levou, por especial vocação, a entregar-se ao serviço da Igreja e, na Igreja, ao serviço do homem e à solução dos problemas mais importantes do mesmo homem, especialmente daqueles que dizem respeito à sua salvação eterna.

Embora eu faça assim referência, no início destas minhas considerações, a muitas fontes escritas e documentos oficiais, é minha intenção inspirar-me sobretudo naquela fonte viva, que é o nosso comum amor a Cristo e à sua Igreja, amor que nasce da graça da vocação sacerdotal, e amor que é o maior dom do Espírito Santo(6).

3. «ESCOLHIDO DE ENTRE OS HOMENS...
CONSTITUÍDO A FAVOR DOS HOMENS»
(7)

O Concilio Vaticano II aprofundou a concepção do Sacerdócio, apresentando-o, no conjunto do seu magistério, como expressão das forças interiores, daqueles «dinamismos» por meio dos quais se realiza na Igreja a missão de todo o Povo de Deus. Devo referir-me, sobretudo, à Constituição Lumen Gentium, relendo atentamente os parágrafos relativos a este ponto. A missão do Povo de Deus realiza-se mediante a sua participação no múnus e missão do mesmo Jesus Cristo. Ora essa missão e função — como se sabe — tem dimensão tríplice, ou seja: de Profeta, de Sacerdote e de Rei.

Analisando com atenção os textos conciliares, vê-se que convém antes falar de tríplice dimensão do mesmo serviço e missão de Cristo, do que de três funções diferentes, uma vez que estão intimamente relacionadas entre si. Explicam-se reciprocamente. Condicionam-se reciprocamente e reciprocamente se iluminam também. Por conseguinte, é nesta tríplice união que assenta a nossa participação na missão e no múnus de Cristo. Como cristãos, membros do Povo de Deus e, sucessivamente, como sacerdotes, participantes da ordem hierárquica, vamos encontrar a origem dessa participação no conjunto da missão e do múnus do nosso Mestre, que é Profeta, Sacerdote e Rei, a fim de dar particular testemunho d'Ele na Igreja e no mundo.

SACERDÓCIO MINISTERIAL E SACERDÓCIO COMUM DOS FIÉIS

O Sacerdócio do qual participamos através do sacramento da Ordem, que ficou «impresso» para sempre nas nossas almas, mediante um sinal particular de Deus, isto e, o «carácter», permanece em relação explícita com o sacerdócio comum dos fiéis, ou seja, o de todos os baptizados. Mas, ao mesmo tempo, difere dele «essencialmente e não apenas em grau»(8). Assim se revestem de significado pleno as palavras do autor da Epístola aos Hebreus sobre o sacerdote: «sendo escolhido de entre os homens, é constituído em benefício dos homens»(9). Chegados a este ponto, é melhor relermos, uma vez mais, o clássico texto conciliar que exprime as verdades fundamentais sobre a nossa vocação na Igreja:

«Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os homens (cf. Hebr. 5, 1-5), fez do novo povo um 'reino e sacerdotes para seu Deus e Pai' (Apoc. 1, 6; cf. 5, 9-10). Na verdade, os baptizados, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para formarem um templo espiritual e um sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam sacrifícios espirituais e tornem conhecidos os prodígios daquele que das trevas os chamou para a sua admirável luz (cf. 1 Pdr. 2, 4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a Deus (cf. Act. 2, 42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas e agradáveis a Deus (cf. Rom. 12, 1), dêem testemunho de Cristo em toda a parte e, àqueles que Iha pedirem, dêem razão da esperança da vida eterna que neles habita (cf. 1 Pdr. 3, 15).

O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas por grau, ordenam-se mutuamente um ou outro; pois um e outro participam, cada um a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o Sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua vez, em virtude do seu sacerdócio real, concorrem para a oblação da Eucaristia, e exercitam-no na recepção dos Sacramentos, na oração e na acção de graças, e com o testemunho da santidade de vida, com a abnegação e com a caridade operosa»(10).

4. O SACERDOTE, DOM DE CRISTO PARA A COMUNIDADE

Devemos aprofundar, não apenas o significado teórico, mas também o significado existencial da relação mútua entre o sacerdócio hierárquico e o sacerdócio comum dos fiéis. Se ambos se diferenciam entre si, não só por grau, mas também por essência, é fruto da particular riqueza do sacerdócio de Cristo. E ele o único centro e fonte, tanto da participação própria de todos os baptizados, como daquela que se obtém por meio dum Sacramento distinto, o sacramento da Ordem. Este Sacramento, Irmãos, é o que nos caracteriza. Sendo fruto da graça peculiar da vocação, é base da nossa identidade.

Ora é ele que em virtude da sua própria natureza e de tudo aquilo que produz na nossa vida e actividade, serve para tornar os fiéis conscientes do seu sacerdócio comum e para o realizar(11) recorda-lhes que são Povo de Deus e habilita-os para a «oferta dos sacrifícios espirituais»(12), mediante os quais o mesmo Cristo faz de nós oferenda permanente ao Pai(13). Isto tem lugar, primeiro que tudo, quando o sacerdote, «pelo seu poder sagrado... realiza o Sacrifício eucarístico, fazendo as vezes de Cristo (in persona Christi) e o oferece a Deus em nome de todo o povo»(14), conforme lemos no texto conciliar atrás citado.

O SACERDÓCIO SACRAMENTAL NÃO RECEBE
A SUA ORIGEM DA COMUNIDADE

O nosso Sacerdócio sacramental, portanto, é sacerdócio «hierárquico» e, simultaneamente, «ministerial». Ele constitui particular ministerium, ou seja, «serviço» em relação à comunidade dos fiéis. Não se origina, porém, a partir desta comunidade, como se fosse ela a «chamar», ou a «delegar». E dom, sem dúvida para a comunidade; mas provém de Cristo, da plenitude do seu Sacerdócio. Tal plenitude tem a sua expressão no facto de Cristo, embora tornando a todos idóneos para oferecerem o sacrifício espiritual, chamar e habilitar alguns para serem ministros do seu Sacrifício sacramental, a Eucaristia, em cuja oblação concorrem todos os fiéis e no qual são inseridos os sacrifícios espirituais do Povo de Deus.

O SACERDÓCIO FOI-NOS DADO PARA SERVIR OS OUTROS
 E NÃO SE PODE RENUNCIAR A TAL

Conscientes desta realidade, compreendemos de que modo o nosso sacerdócio é «hierárquico», isto é, está ligado ao poder de formar e de reger o povo sacerdotal(15) e é, precisamente por isso, «ministerial». Desempenhamos, pois, o múnus, mediante o qual o próprio Cristo «serve» incessantemente o Pai na obra da nossa salvação. Toda a nossa existência sacerdotal é e deve ser profundamente penetrada por este serviço, se quisermos realizar, de maneira adequada, o Sacrifício eucarístico in persona Christi. O Sacerdócio exige particular integridade de vida e de serviço; tal integridade condiz muito bem com a nossa identidade sacerdotal. Nela se exprime a grandeza da nossa dignidade e a «disponibilidade» que lhe é própria: a prontidão humilde para aceitar os dons do Espírito Santo e distribuir aos outros os frutos do amor e da paz, a prontidão para lhes proporcionar aquela certeza da fé donde nasce a compreensão profunda do sentido da existência humana e a capacidade de introduzir a ordem moral na vida dos indivíduos e dos ambientes humanos.

Uma vez que o Sacerdócio nos é dado para servir constantemente os outros, como fazia o Senhor Jesus Cristo, não se pode renunciar a ele por causa das dificuldades que encontramos e dos sacrifícios que nos são exigidos. Tal como os Apóstolos, também nós deixámos tudo para seguir Cristo» (16). Por isso, devemos perseverar ao lado dele, mesmo nos momentos de cruz.

5. AO SERVIÇO DO BOM PASTOR

Ao escrever estas palavras, apresentam-se ao meu espírito os mais amplos e variados sectores da vida dos homens, aos quais vós, caros Irmãos, sois enviados com trabalhadores da vinha do Senhor (17). Para vós é igualmente válida a comparação do rebanho(18), pois em virtude do carácter sacerdotal, participais do carisma pastoral, sinal de peculiar semelhança com Cristo Bom Pastor. Sois dotados desta característica de maneira absolutamente especial. A solicitude pela salvação dos outros é e deve ser sempre dever de cada membro da grande comunidade do Povo de Deus, isto é, também de todos os nossos irmãos e irmãs leigos, conforme declarou amplamente o Concílio Vaticano II (19) Mas de vós, Sacerdotes, espera-se, solicitude e aplicação muito maiores, diversas das de qualquer dos simples leigos. E isto porque a vossa participação no Sacerdócio de Jesus Cristo difere da participação deles «essencialmente, e não apenas em grau»(20)

SALVAÇÃO DO PRÓXIMO DÁ SENTIDO A VIDA SACERDOTAL

O Sacerdócio de Jesus Cristo é, efectivamente, a primeira fonte e expressão da incessante e sempre eficaz solicitude pela nossa salvação, que nos leva a ver n'Ele exactamente o Bom Pastor. As palavras «o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas»(21) não se referem, porventura, ao Sacrifício da Cruz, o acto definitivo do Sacerdócio de Cristo? E, uma vez que o Senhor Jesus Cristo nos tornou participantes do seu Sacerdócio, mediante o sacramento da Ordem, não estão essas mesmas palavras a indicar-nos a todos o caminho que também nós devemos percorrer? Não nos dizem que a nossa vocação é singular solicitude pela salvação do próximo? E não nos dizem que tal solicitude constitui particular razão de ser da nossa vida sacerdotal? E não dizem que é essa solicitude, precisamente, que lhe dá sentido, e que só por meio dela nos poderemos encontrar o significado pleno da nossa mesma vida, perfeição e santidade? Este tema é tratado em várias passagens do Decreto conciliar Optatam Totius (22). Este problema, torna-se, todavia, mais compreensível à luz das palavras do Mestre, quando diz: «Ouem quiser salvar a vida, perdê-la-á; mas quem a perder por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á»(23). Estas palavras são misteriosas e parecem envolver um paradoxo. No entanto, elas deixarão de ser misteriosas se procurarmos pô-las em prática. Então o paradoxo desaparecerá e manifestar-se-á plenamente a profunda simplicidade do seu significado. Que nos seja concedida esta graça a todos nós, na nossa vida sacerdotal e no nosso serviço cheio de zelo!

6. «A ARTE DE GUIAR AS ALMAS E A ARTE DAS ARTES»(24)

A particular solicitude pela salvação dos outros, pela verdade, pelo amor e pela santidade de todo o Povo de Deus, pela unidade espiritual da Igreja, que nos foi confiada por Cristo juntamente com o poder sacerdotal, desenvolve-se de várias maneiras. São diversos certamente, caros Irmãos, os caminhos em que realizais a vossa vocação sacerdotal. Uns, na pastoral paroquial ordinária; outros, em terras de missão; outros ainda, em actividades ligadas ao ensino, à instrução e à educação da juventude, ou trabalhando em diversos sectores e organizações ao serviço do desenvolvimento da vida social e cultural; outros, enfim, no campo da assistência, ao lado dos que sofrem, dos doentes e abandonados, ou então, «pregados» vós próprios ao leito de dor. São, pois, diversos os caminhos; e não é possível nomeá-los a todos, um a um. Mais: eles são necessariamente numerosos e diferenciados, porque variada é a estrutura da vida humana, dos processos sociais, das tradições históricas e do património das diferentes culturas e civilizações.

Não obstante todas estas diferenciações, vós sois sempre e em toda a parte portadores da vossa vocação: sois portadores da graça de Cristo, eterno Sacerdote, e do carisma do Bom Pastor. E isto não podeis nunca esquecê-lo. A isto não podeis nunca renunciar. Isto deveis realizar a todo o momento, em todos os lugares e de todas as maneiras. Nisto consiste a tal «arte das artes», para a qual Jesus Cristo vos chamou. «A arte de guiar as almas é a arte das artes», escrevia São Gregório Magno.

«ADAPTAÇÃO» DOS GRANDES SANTOS AO SEU TEMPO

Tendo em conta tais palavras, quero exortar-vos: esforçai-vos por ser «artistas» da pastoral. Tem havido muitos na história da Igreja. Será necessário enumerá-los? Por «exemplo, São Vicente de Paulo, São João de Ávila, Santo Cura d'Ars, São João Bosco, Beato Maximiliano Kolbe e tantos e tantos outros. Cada um deles era diferente dos outros, era ele mesmo, filho do seu tempo e «actualizado» (aggiornato) em relação ao seu tempo. Mas essa «actualização» de cada um era resposta original ao Evangelho: a resposta necessária, exacta, para aqueles tempos. Era a resposta da santidade e do zelo. Fora desta não há outra regra para nos «actualizarmos», na nossa vida e actividade sacerdotal, nos nossos tempos e no mundo como ele se apresenta. Não podem, pois, ser consideradas como adequada «actualização» (aggiornamento), tentativas e planos de «laicização» da vida sacerdotal.

7. DISPENSADOR E TESTEMUNHA

A vida sacerdotal é construída sobre o sacramento da Ordem, que imprime na nossa alma carácter indelével. Este sinal, impresso no mais fundo do nosso ser humano, tem a sua dinâmica «personalista». A personalidade sacerdotal deve ser para os outros claro e límpido sinal e uma indicação. E a primeira condição do nosso serviço pastoral.

A LAICIZAÇÃO DA VIDA SACERDOTAL

Os homens, dentre os quais somos escolhidos e em benefício dos quais somos constituídos(25), desejam ver em nós sobretudo esse sinal, essa indicação. Têm direito a isso. Pode parecer-nos às vezes que eles não o querem; que desejam que nós sejamos em tudo «como eles». As vezes parece-nos que o exigem mesmo de nós. Mas nisto é necessário profundo «sentido de fé» e «o dom do discernimento». E muito fácil, deixar-se levar pelas aparências e tornar-se vítima duma ilusão fundamental. Aqueles que desejam a secularização da vida sacerdotal e que aplaudem as suas várias manifestações, são os que mais certamente nos abandonarão, se porventura viéssemos a sucumbir levados pela tentação; e então deixaremos de ser necessários e populares. A nossa época é célebre nas mais diversas formas de «manipulação» e «instrumentalização» do homem.

Não cedamos a nenhuma delas(26) Em última análise, o sacerdote sempre indispensável para os homens será somente o que vive consciente do sentido pleno do seu Sacerdócio: o sacerdote que crê profundamente, que professa com coragem a sua fé, que reza com fervor, que ensina com profunda convicção, que sente, que realiza na própria vida o programa das Bem-aventuranças, que sabe amar desinteressadamente, que está ao lado de todos e, em particular, dos mais necessitados.

ESPERAM QUE SEJAMOS HOMENS DE ORAÇÃO

A actividade pastoral exige que estejamos muito perto dos homens e inteirados de todos os seus problemas, tanto problemas pessoais e familiares, como sociais; mas exige também que estejamos perto deles e inteirados desses problemas, «como sacerdotes». Só então, no meio de todos esses problemas, permanecemos nós mesmos. Se quisermos, pois, servir verdadeiramente os outros nesses problemas humanos, às vezes bem difíceis, conservemos a nossa identidade. Sejamos verdadeiramente fiéis à nossa vocação. Devemos procurar, é certo, com grande perspicácia, em união com todos os homens, a verdade e a justiça. Mas a sua autêntica e definitiva dimensão não a poderemos encontrar senão no Evangelho, melhor, no próprio Cristo.

A nossa tarefa é servir a verdade e a justiça nas dimensões da «temporalidade» humana, sim, mas sempre com uma perspectiva que seja a perspectiva da salvação eterna. Esta tem em conta as conquistas temporais do espírito humano no campo do conhecimento e da moral, como recordou de maneira admirável o Concilio Vaticano II(27); mas não se identifica com essas coisas e, na realidade, supera-as: «Nem olhos (do homem) viram, nem ouvidos escutaram... o que Deus preparou para aqueles que o amam»(28), Os homens, nossos irmãos na fé, bem como os não-crentes, esperam que estejamos sempre em condições de lhes indicar tal perspectiva, que nos tornemos suas testemunhas autênticas, que sejamos dispensadores da graça e servidores da Palavra de Deus. Esperam que sejamos homens de oração.

O MINISTÉRIO SACERDOTAL DOS CONTEMPLATIVOS

Há entre nós alguns que uniram a sua vocação sacerdotal, de maneira especial, a intensa vida de oração e de penitência, sob a forma estritamente contemplativa das respectivas Ordens religiosas. Recordem estes que o seu ministério sacerdotal, mesmo sob esta forma, está — de modo particular — «ordenado» para a grande solicitude do Bom Pastor, que é a solicitude pela salvação de todos os homens. E todos devemos reflectir bem nisto: a nenhum de nós é licito merecer o nome de «mercenário», ou seja, de alguém à quem as ovelhas não pertencem», de alguém que «ao ver chegar o lobo, abandona as ovelhas e foge; e assim o lobo as arrebata e dispersa.

Porque é mercenário, não se preocupa em nada com as ovelhas»(29) A solicitude de todo o bom Pastor é que os homens «tenham a vida, e a tenham em abundância»(30), a fim de que nenhum deles se perca(31) mas tenham a vida eterna. Façamos que tal solicitude penetre profundamente nas nossas almas. Procuremos vivê-la. Que ela caracterize a nossa personalidade e esteja sempre na base da nossa identidade sacerdotal.

8. SIGNIFICADO DO CELIBATO

Permiti-me que toque aqui o problema do celibato sacerdotal. Tratá-lo-ei sinteticamente, porque já foi objecto de consideração profunda e global durante o Concílio e, depois, na Encíclica Sacerdotalis Caelibatus e na sessão ordinária do Sínodo dos Bispos de 1971. Esta reflexão, porém, torna-se necessária, quer para apresentar o problema de modo mais amadurecido, quer para motivar com mais profundidade o sentido da decisão assumida pela Igreja Latina há tantos séculos e à qual procurou ser fiel e deseja continuar a sê-lo para o futuro. A importância deste problema é tão grave e a sua consonância com a linguagem do Evangelho tão estrita, que não o podemos repensar com categorias diferentes daquelas de que já se serviram o Concílio, o Sínodo dos Bispos e o grande Papa Paulo VI. O que podemos é apenas tentar compreender mais profundamente este problema e responder-lhe de modo mais amadurecido. Poderemos assim libertar-nos quer das objecções que sempre — como sucede ainda hoje — se têm levantado contra o celibato sacerdotal, quer das interpretações que se atêm a critérios estranhos ao Evangelho, à Tradição e ao Magistério da Igreja; critérios estes, acrescentemos, cuja exactidão e fundamentação «antropológica» se revelam muito duvidosas e de valor relativo.

HERANÇA DA IGREJA CATÓLICA LATINA

Não devemos admirar-nos demasiadamente, de resto, de todas estas objecções e críticas. Intensificaram-se no período pós-conciliar. Mas, aqui e além, parece estarem a atenuar-se presentemente. Jesus Cristo, depois de ter apresentado aos discípulos a questão da renúncia ao matrimónio «por amor do reino dos Céus», não acrescentou porventura estas significativas palavras — «quem puder compreender, compreenda»?(32) A Igreja Latina quis e continua a querer, baseando-se no exemplo do próprio Cristo Senhor, no ensinamento apostólico e em toda a tradição, que todos aqueles que recebem o sacramento da Ordem abracem também esta renúncia por amor do reino dos Céus. Esta tradição, no entanto, anda unida ao respeito pelas tradições diferentes de outras Igrejas. E de facto, característica, peculiaridade e herança da Igreja Católica Latina. Esta deve-lhe muito. Por isso está decidida a perseverar nessa linha, não obstante as dificuldades a que tal fidelidade possa estar exposta, e malgrado os vários sintomas de fraqueza e de crise de sacerdotes isolados. Todos estamos conscientes de que «trazemos este tesouro em vasos de (33), mas sabemos também perfeitamente que é um «tesouro».

DOM DO ESPÍRITO, DIVERSO DA VOCAÇÃO AO AMOR CONJUGAL

E porquê um tesouro? Considerá-lo assim, é acaso diminuir o valor do matrimónio e a vocação à vida familiar? Estaremos nós assim a sucumbir ao desprezo maniqueu pelo corpo humano e suas funções? Quereremos nós com isto «depreciar», de algum modo, o amor que leva o homem e a mulher ao matrimónio e à unidade conjugal do corpo, para formarem assim «uma só carne»?(34) Como poderíamos nós pensar e raciocinar de tal maneira, quando sabemos, acreditamos e proclamamos, seguindo São Paulo, que o matrimónio é um «grande mistério» em referência a Cristo e à Igreja?(35).

No entanto, nenhum dos motivos com que por vezes nos procuram convencer a respeito da inoportunidade do celibato, corresponde à verdade que a Igreja proclama e procura levar à prática na vida, mediante o compromisso a que se obrigam os Sacerdotes antes da sagrada Ordenação. O motivo essencial, próprio e adequado, está contido, sim, na verdade que Cristo declarou, ao falar da renúncia ao matrimónio por amor do reino dos Céus, e que São Paulo proclamou, ao escrever que na Igreja cada um tem o seu dom(36).

O celibato é exactamente «dom do Espírito». Dom semelhante, muito embora diverso, está contido na vocação para o verdadeiro e fiel amor conjugal, em ordem à procriação segundo a carne, no contexto tão sublime do sacramento do Matrimónio. E sabido que este dom é fundamental para construir a grande comunidade da Igreja, Povo de Deus. Contudo, se esta comunidade quiser corresponder plenamente à sua vocação em Jesus Cristo, é necessário que nela se realize, em proporção adequada, também o outro «dom», o dom do celibato «por amor do reino dos Céus»(37). Por que razão é que a Igreja Católica Latina liga este dom não apenas à vida das pessoas que aceitam o programa estrito dos conselhos evangélicos nos Institutos Religiosos, mas também à vocação para o Sacerdócio hierárquico e ministerial? Fá-lo porque o celibato «por amor do Reino» não é apenas um sinal escatológico. Tem também grande significado social na vida presente, no serviço a prestar ao Povo de Deus.

O Sacerdote, mediante o celibato, torna-se um homem «para os outros», de maneira diversa de como se torna tal aquele que, ligando se em unidade conjugal com a mulher, se torna também ele, enquanto esposo e pai, homem «para os outros» sobretudo no âmbito da própria família: para a esposa, e juntamente com ela para os filhos, aos quais dá a vida. O Sacerdote, ao renunciar à paternidade própria dos esposos , procura outra paternidade, e realmente como que outra maternidade, se recordamos as palavras do Apóstolo acerca dos filhos que ele gera com o sofrimento(38) Esses são filhos do seu espírito, homens confiados pelo Bom Pastor à sua solicitude. E são muito mais numerosos do que quantos possa abranger uma família humana. A vocação pastoral dos Sacerdotes é grande.

O Concílio ensina mesmo que ela é universal: está ordenada a toda a Igreja(39). Por conseguinte, é também missionária. Normalmente, está ligada ao serviço de determinada comunidade do Povo de Deus, onde, cada fiel espera encontrar atenção, dedicação e amor. O coração do Sacerdote, a fim de estar disponível para tal serviço, para tal solicitude e amor, tem de ser livre. O celibato é sinal de liberdade para servir. De acordo com este sinal, o sacerdócio hierárquico, ou «ministerial» — segundo a tradição da nossa Igreja — está assim mais estritamente «ordenado» ao serviço do sacerdócio comum dos fiéis.

9. PROVA E RESPONSABILIDADE

Fruto de equívoco — se não mesmo de má fé — é a opinião, com frequência difundida, de que o celibato sacerdotal na Igreja Católica é apenas uma instituição imposta por lei àqueles que recebem o sacramento da Ordem. Ora todos sabemos que não é assim. Todo o cristão que recebe o sacramento da Ordem compromete-se ao celibato com plena consciência e liberdade , depois de preparação de vários anos, profunda reflexão e assídua oração. Toma essa decisão de vida em celibato, só depois de ter chegado à firme convicção de que Cristo lhe concede esse «dom», para bem da Igreja e para serviço dos outros. Só então se compromete a observá-lo por toda a vida.

FIDELIDADE A PALAVRA DADA.
AS DISPENSAS

E óbvio, portanto, que tal decisão obriga não apenas em virtude da «lei» estabelecida pela Igreja, mas também em virtude da responsabilidade pessoal. Trata-se, pois, de manter a palavra dada a Cristo e à Igreja. Manter a sua palavra é, ao mesmo tempo, dever e verificação da maturidade interior do Sacerdote. E a expressão da sua dignidade pessoal. Isto manifesta-se com toda a clareza quando manter a palavra dada a Cristo, por compromisso celibatário consciente e livre para toda a vida, encontra dificuldades, é posto à prova, ou então exposto à tentação. São coisas que não poupam o Sacerdote, como não poupam aliás qualquer outro homem e cristão.

Nesses momentos, cada um deve procurar apoio na oração mais fervorosa. Mediante a oração, há-de saber encontrar em si aquela atitude de humildade e sinceridade em relação a Deus e à própria consciência, que é a fonte da força para suster o que vacila Nasce então nele confiança semelhante àquela que São Paulo exprimiu com estas palavras: «Tudo posso n'Aquele que me dá força»(40) Tais verdades são confirmadas pela experiência de numerosos Sacerdotes e comprovadas pela realidade da vida. A sua aceitação é a base da fidelidade à palavra dada a Cristo e à Igreja, que é ao mesmo tempo a autêntica fidelidade a si mesmo, à própria consciência e à própria humanidade e dignidade.

Cumpre pensar em tudo isto, principalmente nos momentos de crise, e não recorrer logo ao pedido de dispensa, entendida qual «intervenção administrativa», como se na realidade em tal caso não se tratasse, ao contrário, de profunda questão de consciência e de prova de ser homem. Deus tem direito a esta prova em relação a cada um de nós, pois a vida terrena de todos e cada um dos homens é na verdade tempo de provação. Deus quer que saiamos vitoriosos de tais provas. Para tanto nos dá o auxílio adequado.

OS QUE ESTÃO UNIDOS PELO MATRIMÓNIO
TÊM DIREITO A ESPERAR DE NÓS TESTEMUNHO
 DE FIDELIDADE ATÉ A MORTE

Talvez não seja fora de propósito e seja até conveniente acrescentar aqui que o compromisso da fidelidade conjugal, derivado do sacramento do Matrimónio, cria, no seu âmbito próprio, obrigações análogas. Por vezes torna-se terreno de provas e dificuldades análogas para os esposos, marido e mulher. Também eles têm assim modo de verificar no meio dessas «provas de fogo» o valor do seu amor. O amor, de facto, em todas as suas dimensões, não é apenas chamamento, mas também dever. Acrescentemos, por fim, que os nossos irmãos e irmãs ligados pelo matrimónio, tem direito a esperar de nós, Sacerdotes e Pastores, bom exemplo e testemunho de fidelidade à vocação até à morte.

Por esta fidelidade optámos mediante o sacramento da Ordem, como eles a escolheram através do sacramento do Matrimónio. Também com este alcance e neste sentido devemos entender a «subordinação» do nosso sacerdócio ministerial ao sacerdócio comum de todos os fiéis, especialmente daqueles que vivem no matrimónio e formam família. Deste modo, prestamos serviço à «edificação do corpo de Cristo»(41) de contrário, em vez de cooperar para essa edificação, enfraquecemos a sua estrutura espiritual. A edificação do corpo de Cristo está intimamente ligado o autêntico desenvolvimento da personalidade humana de todo o cristão — assim como de todo o Sacerdote — que se realiza segundo a medida do dom de Cristo. A desorganização da estrutura espiritual da Igreja não favorece certamente o desenvolvimento da personalidade humana e não constitui a sua adequada realização.

10. É PRECISO CONVERTER-SE TODOS OS DIAS

«Que devemos então fazer?»(42) — perguntais, como tantas vezes perguntavam ao próprio Cristo os discípulos e aqueles que o ouviam. Que deve fazer a Igreja, quando faltam Sacerdotes, quando a sua carência se faz sentir especialmente nalguns países e regiões do mundo? De que maneira ocorrer às imensas necessidades da evangelização? Como poderemos saciar a fome da Palavra e do Corpo do Senhor? A Igreja, ao empenhar-se em manter o celibato dos sacerdotes como dom particular para o reino de Deus, professa a fé e exprime a esperança no seu Mestre, Redentor e Esposo e n'Aquele que é ao mesmo tempo «senhor da messe» e «doador do dom»(43). Na verdade, «todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes»(44).

Não podemos enfraquecer esta fé e confiança com as nossas dúvidas humanas, ou com a nossa pusilanimidade. Devemos pois converter-nos cada dia. E exigência fundamental do Evangelho, a que têm de submeter-se todos os homens(45) e muito mais nós. Se temos o dever de ajudar os outros a converter se, também nós o devemos fazer constantemente na nossa própria vida. Converter-nos significa retornar à graça da nossa vocação, meditar na infinita bondade e amor de Cristo, que a cada um de nós chamou pelo nome e nos disse: «Segue-me». Converter-nos quer dizer «dar conta» do nosso serviço, do nosso zelo, da nossa fidelidade ao Senhor dos nossos corações, pois somos «ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus»(46).

Converter-nos quer dizer «dar conta» também das nossas negligências e pecados, pusilanimidade, falta de fé e de esperança, e de pensar somente «à maneira humana», e não à «divina». Recordemos, a este propósito, a advertência de Cristo a São Pedro(47). Converter-nos significa procurar de novo o perdão e a força de Deus no sacramento da Reconciliação e, assim, recomeçar novamente, progredir todos os dias, dominar-se, fazer conquistas espirituais e dar alegremente, porque «Deus ama quem dá com alegria»(48)

ORAÇÃO

Converter-nos quer dizer, ainda, «orar sempre sem desfalecer»(49). A oração, de certo modo, é a primeira e a última condição da conversão, do progresso espiritual e da santidade. Nestes últimos anos — pelo menos em certos ambientes — talvez se tenha discutido demasiado sobre o sacerdócio, sobre a «identidade» do sacerdote, sobre o valor da sua presença no mundo contemporâneo etc. Mas, talvez se tenha rezado demasiado pouco.

Não houve ardor bastante para realizar o sacerdócio através da oração, para tornar eficaz o seu autêntico dinamismo evangélico e para confirmar a identidade sacerdotal. E a oração que dá o estilo essencial do sacerdócio. Sem ela, esse estilo deforma-se. A oração ajuda-nos a reencontrar a luz que nos guiou desde os inícios da nossa vocação sacerdotal, e que incessantemente nos guia, embora algumas vezes pareça ficar perdida na escuridão. A oração é que permite converter-nos continuamente, permanecer em estado de constante tensão para Deus, o que é indispensável para conduzir os outros para Ele.

A oração ajuda-nos a crer, a esperar e a amar, mesmo quando a isso se opõe a nossa fraqueza humana. A oração permite-nos, ainda, redescobrir continuamente as dimensões daquele Reino, cuja vinda suplicamos todos os dias, ao repetir as palavras que Cristo nos ensinou. Damo -nos então conta do nosso lugar na realização desta petição: «Venha a nós o vosso Reino». Vemos assim quanto somos necessários para que ela se torne realidade. Talvez, ao rezar, descobrimos mais facilmente aqueles «campos que já branquejam para a ceifa»(50) e compreendamos melhor o significado das palavras que Cristo pronunciou ao entrevê-los: «Rogai, pois, ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe» (51)

FORMAÇÃO PERMANENTE

A oração devemos unir contínuo trabalho sobre nós próprios: a formatio permanens. Como recorda justamente o Documento que dedicou a este assunto a Sagrada Congregação para o Clero(52), tal formação tem de ser tanto interior, isto é, de aprofundamento da vida espiritual do sacerdote, como pastoral e intelectual (filosófica e teológica). Se a nossa actividade pastoral, o anúncio da Palavra e o conjunto do ministério sacerdotal dependem da intensidade da nossa vida interior, esta por sua vez tem de se apoiar no estudo assíduo. Não basta aquilo que aprendemos no Seminário, mesmo que nele haja estudos a nível universitário, como decididamente deseja a Sagrada Congregação para a Educação Católica. A formação intelectual tem de se continuar durante a vida inteira, especialmente nos tempos modernos caracterizados — pelo menos em muitas regiões do mundo — pelo desenvolvimento geral da instrução pública e da cultura. Perante os homens que já usufruem desse desenvolvimento, temos de ser testemunhas adequadamente qualificadas de Jesus Cristo. Como mestres da verdade e da moral, temos de responder, de modo convincente, eficaz e responsável, pela esperança que nos anima(53). Faz parte do processo de conversão quotidiana ao amor, mediante a verdade.

LUGARES ONDE SE SENTE PROFUNDAMENTE
A AUSÊNCIA DO SACERDOTE

Irmãos queridos, vós que suportais «o peso do dia e o calor» (54), que pusestes a mão ao arado e não olhais para trás(55), e talvez mais ainda vós que duvidais do sentido da vossa vocação, ou do valor do vosso serviço: pensai naqueles lugares onde os homens esperam com ansiedade por um Sacerdote. Sentindo há muitos anos a sua falta, não cessam de suspirar pela sua presença. Por vezes, até se reúnem nalgum Santuário abandonado e, colocada sobre o altar a estola ainda conservada, assim recitam todas as orações da Liturgia eucarística; e então, no momento que corresponderia à transubstanciação, desce sobre eles um silêncio profundo, por vezes interrompido talvez por choro incontido... tão ardentemente desejam ouvir aquelas palavras que só os lábios de um Sacerdote podem eficazmente pronunciar!

Quão vivamente desejam a Comunhão eucarística, da qual se podem tornar participantes somente em virtude do ministério sacerdotal! E com que ansiedade anelam ouvir as palavras divinas do perdão: Eu te absolvo dos teus pecados! Quão profundamente, sentem a ausência de algum Sacerdote do meio deles! ..... Lugares assim não faltam no mundo dos nossos dias. Se algum de vós duvida, pois, do sentido do seu sacerdócio, se porventura pensa que ele é «socialmente» infrutuoso ou até inútil, reflicta sobre isto! E preciso converter-nos todos os dias, redescobrir cada dia o dom recebido do próprio Cristo no sacramento da Ordem, penetrando na importância da missão salifica da Igreja e reflectindo sobre o grande significado da nossa vocação à luz de tal missão.

11. MÃE DOS SACERDOTES

Caros Irmãos: no princípio do meu ministério confio-vos a todos à Mãe de Cristo. Ela é de modo particular, a nossa Mãe: a Mãe dos Sacerdotes. Com efeito, o discípulo amado, um dos Doze que tinha ouvido no Cenáculo as palavras «Fazei isto em memória de mim»(56), foi precisamente por Cristo indicado do alto da Cruz à sua Mãe, com esta expressão: «Eis aí o teu filho»(57). Aquele homem, que na Quinta-Feira Santa recebera o poder de celebrar a Eucaristia, foi também com estas palavras do Redentor agonizante dado a Sua Mãe como «filho».

Todos nós, pois, os que recebemos o mesmo poder, mediante a Ordenação sacerdotal, somos os primeiros, em certo sentido, a ter o direito de ver n'Ela a nossa Mãe. Desejo, portanto, que todos encontremos em Maria a Mãe do Sacerdócio, que vós e eu recebemos de Cristo. E desejo ainda que a Ela confieis de modo particular o vosso sacerdócio. Permiti-me que o faça eu mesmo, confiando à Mãe de Cristo cada um de vós, sem excepção alguma, de maneira solene, embora simples e humilde. Rogo-vos também, que cada um de vós o faça pessoalmente, como lho ditar o próprio coração e, sobretudo, o próprio amor a Cristo-Sacerdote, e também a própria fraqueza, a qual anda a par com o desejo do serviço e da santidade. Eu peço-vos isto!

«EXPERIÊNCIA PESSOAL»

A Igreja de hoje fala de si mesma sobretudo na Constituição dogmática Lumen Gentium. Também aí, no último capítulo, confessa que olha para Maria, Mãe de Cristo, porque se sente ela mesma mãe e deseja ser mãe, gerando para Deus os homens para uma vida nova(58). Oh, meus caros Irmãos: que perto estais desta causa de Deus! Quanto ela está impressa na vossa vocação, ministério e missão! Por conseguinte, no meio do Povo de Deus, que olha para Maria com imenso amor e esperança, vós deveis olhar para Ela com esperança e amor excepcionais.

Efectivamente, vós deveis anunciar Cristo que é seu filho: e quem melhor que sua Mãe vos há-de transmitir a verdade sobre Ele? Depois, vós deveis nutrir os corações humanos com Cristo: e quem vos pode tornar mais conscientes daquilo que fazeis, se não Ela que o nutriu a Ele (Cristo)? «Salve, ó verdadeiro Corpo (de Cristo), nascido da Virgem Maria!». Há no nosso sacerdócio «ministerial» a dimensão estupenda e penetrante da proximidade da Mãe de Cristo. Procuremos, portanto, viver essa dimensão. E se é permitido fazer aqui referência à própria experiência, dir-vos-ei que, ao escrever-vos, estou a referir-me sobretudo à minha experiência pessoal.

Ao comunicar-vos tudo isto, nos primórdios do meu serviço à Igreja universal, não cesso de rogar a Deus que vos encha a vós, Sacerdotes de Jesus Cristo, de todas as suas bênçãos e graças. Como penhor e confirmação desta comunhão orante, abençoo-vos de todo coração, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Recebei esta bênção. Acolhei as palavras do novo Sucessor de Pedro. A ele o Senhor ordenou: «E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos»(59). Não cesseis de rezar por mim juntamente com toda a Igreja, a fim de que eu corresponda àquelas exigências do primado de amor, que o mesmo Senhor pôs como fundamento da missão de Pedro, quando lhe disse: «Apascenta as minhas ovelhas»(60). Assim seja!

Vaticano, 8 de Abril — Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor — do ano de 1979, primeiro do meu Pontificado.

JOÃO PAULO II


NOTAS

(1) Cf. Mt. 20, 12.

(2) Cf. Jo. 21, 15-17.

(3) Vobis enim sum episcopus, vobiscum Christianus: Serm, 340, 1 PL: 38, 1483.

(4) Cf. I, art. 15.

(5) Ep. ad Magnesios, VI, 1: Patres Apostolici 1, ed. Funk, p. 235.

(6) Cf. Rom. 5, 5;1 Cor. 12, 31; 13

(7) Hebr. 5, 1.

(8) Const. dogm. Lumen Gentium, 10.

(9) Hebr. 5, 1.

(10) Const. dogm. Lumen Gentium, 10.

(11) Cf Ef. 4, 11 s.

(12) Cf. 1 Pdr. 2, 5.

(13) Cf . 1 Pdr. 3, 18.

(14) Cf. Const. dogm. Lumen Gentium, 10.

(15) Cf. Ibid.

(16) Cf. Mt. 19. 27.

(17) Cf. Mt. 20, 1-16.

(18) Cf. Jo. 10, 1-16.

(19) Cf. Const. dogm. Lumen Gentium, cap. II

(20) Const. dogm. Lumen Gentium, 10.

(21) Jo. 10, 11.

(22) Cf. 8-11; 19-20.

(23) Mc. 8, 35.

(24) S. GREGORIO MAGNO, Regula pastoralis, I, 1; PL: 77, 14.

(25) Cf. Hebr. 5, 1.

(26) Não nos iludamos, julgando servir o o evangelho, se tentamos «diluir» o nosso carisma sacerdotal no interesse exagerado pelo vasto campo dos problemas temporais, se desejamos «laicizar» o nosso modo de viver e de proceder, se apagamos até os sinais exteriores da nossa vocação sacerdotal. Devemos conservar o sentido da nossa singular vocação, e tal «singularidade» deve exprimir-se também no nosso vestuário exterior. Não nos envergonhemos disso! Sim, estamos no mundo! Mas nós não somos do mundo!»; JOÃO PAULO PP. II, Discurso ao Clero de Roma (9 de Novembro de 1978): «L'Osservatore Romano» (10 de Novembro de 1978), p. 2.

(27) Ct. Const. pastoral Gaudium et Spes, 38-39. 42.

(28) 1 Cor. 2, 9.

(29) Jo. 10, 12-13.

(30) Jo. 10 10.

(31) Cf. Jo. 17, 12.

(32) Mt. 19, 12.

(33) Cf. 2 Cor. 4, 7

(34) Gén. 2, 24; Mt. 19, 6.

(35) Cf. Ef. 5, 32.

(36) Cf. 1 Cor. 7, 7.

(37) Mt. 19, 12.

(38) Cf. 1 Cor. 4, 15; Gál. 4, 19.

(39) Cf. Decr. Presbyterorum Ordinis, 3. 6. 10. 12.

(40) Flp. 4, 13

(41) Ef. 4, 12 (42) Lc. 3, 10

(43) Mt. 9, 38; 1 Cor. 7.7

(44) Tg. 1, 17.

(45) Cf. Mt. 4, 17; Mc. 1, 15.

(46) 1 Cor. 4, 1.

(47) Cf. Mt. 16, 23.

(48) 2 Cor 9. 7 (49) Lc. 18, 1.

(50) Jo. 4, 35.

(51) Mt. 9, 38.

(52) Cf. Carta circular de 4 de Novembro de 1969: AAS 62 (1970) pp. 123 ss.

(53) Cf. 1 Pdr. 3, 15

(54) Cf. Mt. 20, 12.

(55) Cf. Lc. 9, 62.

(56) Lc. 22, 19. (57) Jo. 19, 26.

(58) Cf. Const. dogm. Lumen Gentium, cap. VIII.

 (59) Lc. 22, 32. (60) Jo. 21, 16.



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