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VIAGEM APOSTÓLICA  DO PAPA JOÃO PAULO II
AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA
 (22-26 DE MAIO DE 2002)
 

 ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES DO MUNDO DA CULTURA,
 DA CIÊNCIA E DA ARTE

DISCURSO DO SANTO PADRE

Sófia, 24 de Maio de 2002 

 

Ilustres Senhores
Gentis Senhoras

É-me grato encontrar-me convosco, representantes das várias expressões da cultura e da arte. No contexto das vossas respectivas competências vós tornais aqui presentes, de certa maneira, todo o dilecto Povo búlgaro. Dirijo-me a vós com respeito e admiração, consciente da delicada e importante contribuição que ofereceis ao nobre empreendimento da construção de uma sociedade em que se possa realizar "a compreensão mútua e a disponibilidade para a cooperação, mediante o intercâmbio generoso dos bens culturais e espirituais" (Slavorum apostoli, 27).

Agradeço profundamente a quem interpretou com nobres expressões os sentimentos de todos os presentes, assim como a quantos, de várias maneiras, se fizeram promotores da minha visita ao vosso bonito País. Além disso, saúdo cordialmente os organizadores da iniciativa denominada "sinos para a paz", enquanto lhes confio de bom grado este "sino do Papa", formulando os bons votos a fim de que as suas badaladas recordem às crianças e aos jovens da Bulgária o dever e o compromisso que consiste em desenvolver a amizade e a compreensão entre as várias nações da terra.

2. Este encontro está a realizar-se num dia particularmente significativo:  com efeito, hoje a Bulgária celebra a solenidade dos Santos Irmãos Cirilo e Metódio, intrépidos anunciadores do Evangelho de Cristo e fundadores da língua e da cultura dos povos eslavos. A sua memória litúrgica reveste um carácter particular e é, ao mesmo tempo, a "festa das letras búlgaras". Esta festividade empenha não apenas os crentes ortodoxos e católicos, mas faz com que todos possam reflectir sobre aquele património cultural, cujo início teve lugar graças à acção dos dois Santos Irmãos de Tessalonica.

Na coluna conservada na localidade de Veliko Tarnovo, na igreja dos Quarenta Santos Mártires, foi gravada uma inscrição do Khan protobúlgaro Omurtag, cujo conteúdo é o seguinte:  "Mesmo que viva bem, um homem morre e outro nasce. Aquele que nascer mais tarde, quando vir esta inscrição, recorde-se de quem a escreveu" (AA.VV., As fontes da história búlgara, ed. Otechestwo, Sófia 1994, pág. 24). Por conseguinte, gostaria que este nosso encontro adquirisse a característica de um solene acto de veneração e de agradecimento ao Santos Cirilo e Metódio que, em 1980, proclamei Padroeiros da Europa, juntamente com São Bento de Núrsia, e que ainda hoje têm muito a ensinar a todos nós, tanto no Oriente como no Ocidente.

3. Introduzindo o Evangelho na cultura peculiar dos povos que evangelizavam, os Santos Irmãos ― mediante a criação genial e original de um alfabeto próprio ― adquiriram méritos singulares. Para corresponder às necessidades do seu serviço apostólico, eles traduziram os livros sagrados na língua local, tendo em vista finalidades litúrgicas e catequéticas, lançando assim as bases da literatura nas línguas destes povos. Por isso são considerados, justamente, não apenas os apóstolos dos eslavos, mas inclusivamente os pais da sua cultura. A cultura constitui a expressão da identidade de um povo, encarnada na história; ela forja a alma de uma nação, que se reconhece em determinados valores, se exprime em símbolos específicos e se comunica através dos sinais que lhe são próprios.

Mediante os seus discípulos, a missão de Cirilo e Metódio consolidou-se maravilhosamente na Bulgária. Aqui, graças a São Clemente de Ocrida, nasceram dinâmicos centros de vida monástica, e aqui o alfabeto cirílico encontrou um desenvolvimento deveras singular. Daqui também o cristianismo foi transmitido para outros territórios, a ponto de chegar, através da vizinha Roménia, à antiga Rus' de Kiev e de se estender, em seguida, a Moscovo e a outras regiões orientais.

A obra de Cirilo e Metódio constitui uma contribuição eminente para a formação das raízes cristãs conjuntas da Europa, aquelas raízes que, pela sua profundidade e vitalidade, representam um dos mais sólidos pontos de referência cultural, dos quais não pode prescindir qualquer tentativa séria de voltar a compor de modo novo e actual a unidade do Continente.

4. O critério inspirador da grandiosa obra levada a cabo por Cirilo e Metódio consistia na fé cristã. Efectivamente, cultura e fé não apenas não se encontram em contraste recíproco, mas têm entre si relações semelhantes às que existem entre o fruto e a árvore. Um facto inegável é que as Igrejas cristãs, tanto do Oriente como do Ocidente, favoreceram e propagaram entre os povos, ao longo dos séculos, o amor pela cultura que lhes é própria e também o respeito pela cultura dos outros. Foi assim que se edificaram igrejas e lugares de culto magníficos, repletos de riquezas arquitectónicas e de imagens sacras, como os ícones, fruto de oração e de penitência e, ao mesmo tempo, de gosto e de requintada técnica artística. E foi ainda por este motivo que se redigiram muitos documentos e escritos de índole religiosa e cultural, mediante os quais se exprimia e se modelava o génio dos povos, em crescimento rumo à obtenção de uma identidade nacional cada vez mais amadurecida.

O património cultural que os Santos de Tessalonica deixaram aos povos eslavos era o fruto da árvore da sua fé, profundamente enraizada na sua alma. Em seguida, desenvolveram-se renovados ramos desta árvore e produziram-se novos frutos,  para  um  ulterior  enriquecimento daquela extraordinária herança de pensamento e de arte que o mundo reconhece como pertencente às nações eslavas.

5. A experiência histórica demonstra que o anúncio da fé cristã não destruiu mas, pelo contrário, integrou e exaltou os valores humanos e culturais autênticos, típicos do génio dos países evangelizados, e inclusivamente chegou a contribuir para a sua abertura recíproca, ajudando-os a ultrapassar os antagonismos  e  a  criar  um  património espiritual e cultural conjunto, que constitui um verdadeiro pressuposto para relacionamentos de paz estáveis e construtivos.

Quem quiser trabalhar efectivamente em favor da edificação de uma unidade europeia que seja autêntica, não pode prescindir destes dados históricos, que possuem uma eloquência incontrastável. Como já tive a oportunidade de afirmar, "a marginalização das religiões, que contribuíram e ainda contribuem para a cultura e o humanismo dos quais a Europa legitimamente se orgulha, parece-me, ao mesmo tempo, ser uma injustiça e um erro de perspectiva" (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 10 de Janeiro de 2002, em:  ed. port. de L'Osservatore Romano de 19.1.2002, pág. 7, n. 2). Com efeito, o Evangelho não empobrece nem extingue aquilo que cada homem, povo ou nação reconhece como autêntico e que realiza como bem, verdade e beleza (cf. Slavorum apostoli, 18).

6. Olhando para trás, devemos reconhecer que, ao lado de uma Europa da cultura, com os seus grandes movimentos filosóficos, artísticos e religiosos que a caracterizam, ao lado de uma Europa do trabalho, com as suas conquistas tecnológicas e informáticas do século que há pouco chegou ao seu termo, infelizmente existe também uma Europa dos regimes ditatoriais e das guerras, uma Europa do sangue, das lágrimas e da crueldade mais assustadores. Talvez também em virtude destas amargas experiências do passado, na Europa contemporânea parece que se torna cada vez mais vigorosa a tentação do cepticismo  e  da  indiferença,  diante  da fragmentação  dos  pontos  de  referência morais fundamentais da vida pessoal e social.

É necessário agir! No preocupante contexto contemporâneo, é urgente afirmar que, para voltar a encontrar a profunda identidade que lhe é própria, a Europa não pode deixar de regressar às suas raízes cristãs e, de maneira particular, à obra de homens como Bento, Cirilo e Metódio, cujo testemunho constitui um contributo de primeira importância para o relançamento espiritual e moral do Continente.

Assim, esta é a mensagem dos Padroeiros da Europa e de todos os místicos e santos cristãos que deram testemunho do Evangelho no meio das populações europeias:  o "porquê" último da vida e da história do homem foi-nos oferecido no Verbo de Deus, que encarnou para redimir o homem do mal do pecado e do abismo da angústia.

7. Nesta perspectiva, é com profunda consideração que aprecio a iniciativa tomada pelos Bispos católicos, em ordem a prover à tradução do Catecismo da Igreja Católica em língua búlgara:  com efeito, "a finalidade deste Catecismo é apresentar uma exposição orgânica e sintética do conteúdo essencial e fundamental da doutrina católica, tanto sobre a fé como sobre a moral, à luz do Concílio Vaticano II e do conjunto da Tradição da Igreja. As suas fontes principais são a Sagrada Escritura, os santos Padres, a Liturgia e o Magistério da Igreja" (Introdução ao C.I.C., n. 11).

Gostaria de o entregar simbolicamente também àqueles de entre vós que, embora não sejam católicos, compartilham connosco o único Baptismo, a fim de que possam conhecer de perto aquilo em que a Igreja católica acredita e o que ela anuncia.

8. O monge Paisij, do Mosteiro de Chilandar, justamente observava que uma nação com um passado glorioso tem o direito a um futuro maravilhoso (cf. Istoria slavianobolgarskaia, pp. 1722-1773).

Ilustres Senhores e gentis Senhoras, o Papa de Roma olha com confiança para vós e repete diante de vós a sua convicção acerca do grandioso compromisso confiado aos homens e às mulheres de cultura, em ordem a conservar e a transmitir a ciência e a sabedoria que, ao longo dos tempos, inspiraram a vida dos seus respectivos povos.

Formulo à Bulgária, o bonito País das rosas, um "futuro maravilhoso" para que, continuando a ser uma terra de encontro entre o Oriente e o Ocidente, com a bênção de Deus Todo-Poderoso, possa prosperar na liberdade, no desenvolvimento e na paz!

 



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