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VIAGEM APOSTÓLICA  DO PAPA JOÃO PAULO II
AO AZERBAIJÃO E À BULGÁRIA
 (22-26 DE MAIO DE 2002)
 

 ENCONTRO COM OS MONGES DA BULGÁRIA
NO MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE RILA

DISCURSO DO SANTO PADRE

Rila, 25 de Maio de 2002

 

Veneráveis Metropolitas e Bispos
Amadíssimos Monges e Monjas
da Bulgária
e todas as Santas Igrejas ortodoxas

1. A paz esteja convosco! Saúdo-vos a todos com afecto no Senhor. Em particular, saúdo o Superior deste Mosteiro, o Bispo D. Joan que, como Observador enviado por Sua Santidade o Patriarca Cirilo, participou comigo nas sessões do Concílio Ecuménico Vaticano II.

Desejei inserir no itinerário da minha visita à Bulgária a peregrinação a Rila, a fim de venerar as relíquias do santo monge João e de poder testemunhar a todos vós o meu reconhecimento e afecto:  "Damos sempre graças a Deus por todos vós, lembrando-nos sem cessar de vós nas nossas orações, recordando a actividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a constância da esperança que tendes em Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Ts 1, 2-3).

Sim, queridos Irmãos e Irmãs, o monaquismo oriental, juntamente com o ocidental, constitui um grande dom para toda a Igreja.

2. Realcei várias vezes o precioso contributo que dais à Comunidade eclesial mediante o exemplo da vossa vida. Na Carta apostólica Orientale lumen escrevi que queria "olhar para o vasto panorama do cristianismo do Oriente" como "de uma altitude particular", isto é, a do monaquismo, "que permite distinguir muitos dos seus traços" (n. 9). Com efeito, estou convencido de que a experiência monástica constitui o centro da vida cristã, de forma a poder propôr-se como ponto de referência para todos os baptizados.

Um grande monge e místico ocidental, Guilherme de Saint-Thierry, chama à vossa experiência, que alimentou e enriqueceu a vida monástica do Ocidente católico, "luz que vem do Oriente" (cf. Epistula ad fratres de Monte Dei I, Sources chrétiennes 223, pág. 145). Com ele, numerosos outros homens espirituais do Ocidente renderam elogiosas homenagens à riqueza da espiritualidade monástica oriental. Sinto-me feliz por unir hoje a minha voz a este coro de apreço, reconhecendo a validade do caminho de santificação delineado nos escritos e na vida de tantos dos vossos monges, que ofereceram exemplos eloquentes de seguimento radical do Senhor Jesus Cristo.

3. A vida monástica, em virtude da tradição ininterrupta de santidade sobre a qual se baseia, conserva com amor e fidelidade alguns elementos da vida cristã, que são importantes também para o homem de hoje:  o monge é memória evangélica para os cristãos e para o mundo.

Como ensina São Basílio Magno, (cf. Regulae fusius tractatae VIII, PG 31, pp. 933-941), a vida cristã é antes de mais apotaghé, "renúncia":  ao pecado, às coisas do mundo, aos ídolos, para aderir ao único e verdadeiro Deus e Senhor, Jesus Cristo (cf. 1 Ts 1, 9-10). No monaquismo esta renúncia torna-se radical:  renúncia à casa, à família, à profissão (cf. Lc 18, 28-29); e depois, renúncia aos bens terrenos na busca incessante dos eternos (cf. Cl 3, 1-2); renúncia à philautía, como a chama São Máximo, o Confessor (cf. Capita de caritate II, 8; III, 8; III, 57 e passim, PG 90, pp. 960-1080), ou seja, ao amor egoísta, para conhecer o amor infinito de Deus e nos tornarmos capazes de amar os irmãos. A ascese do monge é antes de mais um caminho de renúncia a fim de poder aderir cada vez mais ao Senhor Jesus e ser transfigurado pelas energias do Espírito Santo.

O beato João de Rila que eu quis que fosse representado com outros santos orientais e ocidentais no mosaico da Capela Redemptoris Mater no Palácio Apostólico do Vaticano e do qual este Mosteiro é testemunho duradouro tendo ouvido as palavras de Jesus, que lhe dizia para renunciar a todos os seus bens e que os distribuísse aos pobres (cf. Mc 10, 21), abandonou tudo pela pérola preciosa do Evangelho, e pôs-se na escola de santos ascetas para aprender a arte da luta espiritual.

4. A "luta espiritual" é outro elemento da vida monástica, que hoje é necessário aprender e propor de novo a todos os cristãos. Trata-se de uma arte secreta e interior, um combate invisível que o monge empreende todos os dias contra as tentações, as sugestões malignas, que o demónio procura incutir no seu coração; é uma luta que se torna crucifixão na arena da solidão com vista à purificação do coração que permite ver a Deus (cf. Mt 5, 8) e da caridade que faz participar  na  vida  de  Deus  que  é  amor (cf. 1 Jo 4, 16).

Na existência dos cristãos, hoje mais do que nunca, os ídolos seduzem, as tentações são prementes:  a arte da luta espiritual, o discernimento dos espíritos, a manifestação dos próprios pensamentos ao mestre espiritual, a invocação do santo Nome de Jesus e da sua misericórdia devem voltar a fazer parte da vida interior do discípulo do Senhor. Esta luta é necessária para não estarmos "distraídos", aperíspastoi, nem "preocupados", amérimnoi (cf. 1 Cor 7, 32.35) e viver em constante recolhimento no Senhor (cf. São Basílio Magno, Regulae fusius tractatae VIII, 3; XXXII, 1; XXXVIII).

5. Com a luta espiritual, o beato João de Rila viveu também a "submissão" na obediência e no serviço recíproco exigidos  pela  vida  em  comum.  O  cenóbio é o lugar da realização quotidiana do "mandamento novo", é a casa e a escola da comunhão, é o espaço em que nos tornamos servos dos irmãos como Jesus,  que  quis  ser  servo  entre  os  seus (cf. Lc 22, 27). Que grande testemunho cristão  oferece  uma  comunidade  monástica quando vive na caridade autêntica! Perante ela, também os não-cristãos são levados a reconhecer que o Senhor está sempre vivo e operante entre o seu povo.

O beato João conheceu, depois, a vida eremítica na "contrição" e no arrependimento, mas sobretudo na escuta ininterrupta da Palavra e na oração incessante, até se tornar como diz São Nilo um "teólogo" (cf. De oratione LX, PG 79, 1180 B), isto é, um homem dotado de uma sabedoria que não é deste mundo, mas que provém do Espírito Santo. O testamento, que João escreveu por amor dos seus discípulos desejosos de ter uma sua última palavra, é um ensinamento extraordinário sobre a investigação e sobre a experiência de Deus para todos os que desejam levar uma autêntica vida cristã e monástica.

6. O monge, em obediência ao chamamento do Senhor, empreende o itinerário que, partindo da renúncia em relação a si próprio, alcança a caridade perfeita, em virtude da qual ele tem os mesmos sentimentos de Cristo (cf. Fl 2, 5):  torna-se manso e humilde de coração (cf. Mt 11, 29), participa do amor de Deus por todas as criaturas e ama como diz Isac, o Sírio os próprios inimigos da verdade (cf. Sermões ascéticos, Collatio prima, LXXXI).

Posto em condições de ver o mundo com os olhos de Deus, e cada vez mais assimilado a Cristo, o monge tende para o fim último para o qual o homem foi criado:  a divinização, ser participante da vida trinitária. Isto só é possível mediante a graça concedida àquele que, através da oração, das lágrimas de contrição e da caridade, se dispõe para receber o Espírito Santo, como recorda outro grande monge destas amadas terras eslavas, Serafim de Sarov (cf. Colóquio com Motovilov III, em Pe. Evdokimov, Serafim de Sarov, homem do Espírito, Bose 1996, pp. 67-81).

7. Quantas testemunhas do caminho de santidade brilharam neste Mosteiro de Rila durante a sua história plurissecular e em muitos outros Mosteiros ortodoxos! Como é grande a dívida de gratidão da Igreja universal para com todos os ascetas que souberam recordar o "único necessário" (cf. Lc 10, 42), o destino último do homem!

Nós admiramos com gratidão a preciosa tradição que os monges cristãos vivem fielmente e que continuam a transmitir, de geração em geração, como sinal autêntico da éschaton, daquele futuro para o qual Deus continua a chamar cada homem através da força íntima do Espírito. Eles são sinal através da sua adoração da Santíssima Trindade na liturgia, através da comunhão vivida no ágape, através da esperança que na sua intercessão alcança todos os homens e todas as criaturas, até à entrada do inferno, como recorda São Silvano do Monte Atos (cf. Ieromonach Sofronij, Starec Siluan, Atavropegic, Mosteiro de São João Baptista, Tolleshunt Knights by Maldon 1952 [1990], pp. 91-93).

8. Caríssimos Irmãos e Irmãs, todas as Igrejas ortodoxas sabem como os Mosteiros são um património inestimável  da  sua  fé  e  da  sua  cultura.  Que seria a Bulgária sem o Mosteiro de Rila, que nos tempos mais obscuros da história nacional manteve acesa a chama da fé? Que seria da Grécia sem o Santo Monte Atos? Ou da Rússia sem aquela miríade de casas do Espírito Santo que lhe permitiram superar o inferno das perseguições soviéticas? Pois bem, o Bispo de Roma está hoje aqui para vos dizer que também a Igreja latina e os Monges do Ocidente vos estão reconhecidos pela vossa existência e pelo vosso testemunho!

Amadíssimos Monges e Monjas, Deus vos abençoe! Ele vos confirme na fé e na vocação e vos torne instrumentos de comunhão na sua santa Igreja e testemunhas do seu amor no mundo.

 



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