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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AO SACRO COLÉGIO E AOS MEMBROS
DA CÚRIA ROMANA SOBRE
O ANO JUBILAR DA REDENÇÃO

23 de Dezembro de 1982

 

Veneráveis Irmãos do Sacro Colégio,
Filhos caríssimos:

1. A iminência do Natal encontra-nos reunidos, como de costume, para a agradável troca de cumprimentos de Boas-Festas. Os nossos corações transbordam na mútua alegria: Dominus prope est! O Senhor está perto (Fil 4, 5) A expectativa do nascimento terreno do Filho de Deus feito homem polariza nestes dias a nossa atenção, a nossa vigilância, bem como a nossa oração, estimulando-a e tornando-a mais intensa e humilde.

Agradeço-vos, pois, esta vossa presença, que me permite regozijar-me desde já, em comunhão de espírito, com a riqueza do mistério que estamos para reviver. Agradeço de modo particular ao venerando Cardeal Decano, pelas palavras apropriadas que, em nome de todos vós, acaba de me dirigir.

Juntos, vamos ao encontro do Redentor que vem: a Liturgia do Advento já nos dispôs amplamente para esta viagem espiritual, que vai ao encontro do Esperado das nações: até agora percorremo-la na companhia de Isaias, « protótipo » da expectativa messiânica; seguindo as pegadas do Baptista, que uma vez mais fez ressoar para nós a sua voz, a fim de « prepararmos os caminhos »; (Cf. Mt 3, 3; Lc 3, 4) e, sobretudo, com Maria, a Virgem em atitude de escuta, que esteve connosco com o seu exemplo e com a sua intercessão, porque, onde se espera Jesus, está sempre presente Maria, a « Estrela da Manhã » que prepara a vinda do « Sol da Justiça ».(Mal 4, 2 )

2. E agora estão para se completar os dias (Cf. Lc 2, 6) daquela Natividade bendita, que iremos reviver nos divinos Mistérios da Noite Santa; aproxima-se « a plenitude dos tempos » quando, como diz São Paulo, «Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à lei, para resgatar » (Gál 4, 4).

Jesus nasce para resgatar, vem para nos redimir.

Vem para nos reconciliar com Deus. Como bem acentua Santo Agostinho, com a sua expressividade característica, « per Caput nostrum reconciliamur Deo, guia in illo est divinitas Unigeniti facta particeps mortalitatis nostrae, ut et nos participes eius immortalitatis essemus » (Ep. 187, 6, 20; CSEL 57, p. 99).

O Natal é o início daquele « admirável inter-câmbio » que nos une a Deus: É o início da Redenção.

Compreendeis, portanto, a ressonância que deve ter em nós a Solenidade iminente, quando, com toda a Igreja, já nos estamos a preparar com ardor para a celebração do Jubileu da Redenção. Desejo, pois, deter as minhas considerações sobre este acontecimento extraordinário, nesta ocasião, a primeira que se me oferece depois do anúncio feito na conclusão da Assembleia do Sacro Colégio, a 26 de Novembro passado. Desejaria abrir-vos o meu coração para vos dar a conhecer, e a toda a Igreja convosco, as minhas intenções, isto é, o meu pensamento acerca do significado e do valor deste Ano Santo. Não é este o momento para descer a particulares de carácter organizativo ou prático: virão brevemente. Interessa-me sobretudo reflectir juntamente convosco sobre os vários conteúdos do Jubileu que se está a preparar.

3. Antes de mais convém salientar um aspecto que chama a atenção de quem está atento « à voz do Espírito que fala às Igrejas » (Apoc 2, 29) a função que este Jubileu de graça assume, entre o Ano Santo celebrado em 1975 e o que será celebrado no ano 2000, na aurora do Terceiro Milénio — o grande Ano Santo. É pois um Jubileu de transição entre estas duas datas, como que uma ponte lançada para o futuro, que parte da experiência extraordinária, vivida por todos, oito anos atrás; de facto, Paulo VI, de venerável memória, convidou então todos os fiéis a viverem a própria « renovação espiritual em Cristo e a reconciliação com Deus  ».

É o Jubileu da Redenção: na verdade, se cada Ano Santo propõe em plano universal o aprofundamento do mistério da Redenção e o faz reviver na fé e na penitência, mais ainda, se a Igreja recorda sempre a Redenção, não só cada ano, mas cada domingo, cada dia, cada instante da sua vida — porque na celebração dos Sacramentos, ela está totalmente imersa neste dom sublime e único do amor de Deus que nos foi proporcionado em Cristo Redentor — então este próximo Jubileu é um ano ordinário celebrado de modo extraordinário: a posse da graça da Redenção, vivida ordinariamente na estrutura e mediante a mesma estrutura da Igreja, torna-se extraordinária pela peculiaridade da celebração em programa.

Colocado nesta perspectiva, no Kairós da data histórica que estamos a viver, este Jubileu adquire o carácter de um desafio lançado ao homem de hoje, aos cristãos de hoje, para que compreendam mais profundamente o mistério da Redenção, se deixem captar por este movimento extraordinário de atracção para a Redenção, cujo realismo se verifica constantemente na Igreja como instituição, e deve ser apreendido, como carisma, na hora de graça que o Senhor faz soar para cada homem nos momentos fortes da experiência cristã. Trata-se de um movimento espiritual central, que desde já deve ser favorecido e preparado ao nível de toda a Igreja.

Daqui, a necessidade de viver intensamente este período muito importante. O próximo Jubileu, se não teve as habituais formas de longos tempos de preparação, encontra, contudo, a Igreja já preparada para o celebrar. As duas Encíclicas « Redemptor Hominis » e « Dives in Misericordia » constituem indicações concretas que podem, de alguma maneira, apontar o caminho a seguir e dar orientações para uma apropriada celebração do acontecimento. Estamos também aguardando, ao nível da Igreja universal, o Sínodo dos Bispos, que por singular coincidência decorrerá durante o Jubileu e será dedicado a uma temática estritamente ligada com os seus conteúdos concretos: « A Reconciliação e a Penitência na Missão da Igreja ». O Sínodo está a ser preparado há dois anos, e todos os Episcopados do mundo estão por isso em plena sintonia com o íntimo significado do Jubileu da Redenção; e, por seu intermédio, é já toda a Igreja que está a caminho para a celebração deste acontecimento de graça e de misericórdia.

4. O próximo Jubileu visa « consciencializar » a celebração da Redenção que continuamente se comemora e se revive em toda a Igreja. A sua finalidade específica é a de convidar a uma consideração mais aprofundada do acontecimento da Redenção e da sua concreta aplicação no Sacramento da Penitência.

O conteúdo acha-se claro já na forma evidente da sua formulação: Ano da Redenção. Toda a riqueza do mistério cristão, toda a urgência da proposta evangélica está contida nesta palavra: Redenção. O acontecimento da Redenção é central na história da salvação. Tudo está compendiado nisto: Cristo veio para nos salvar. Ele é o Redentor do homem: « Redemptor hominis ». Para o homem que procura a verdade, a justiça, a felicidade, a beleza, a bondade, sem as poder encontrar só com as suas forças, e permanece insatisfeito diante das propostas que as ideologias imanentistas e materialistas hoje lhe oferecem, e por isso mesmo se abeira do abismo do desespero e da náusea ou se paralisa no estéril e autodestrutivo gozo dos sentidos — para o homem que traz em si impressa, na mente e no coração, a imagem de Deus e experimenta esta sede de absoluto — a única resposta é Cristo. Cristo vem ao encontro do homem para o libertar da escravidão do pecado e para lhe restituir a dignidade primigénia.

A Redenção compendia todo o mistério de Cristo e constitui o mistério fundamental da fé cristã, o mistério de um Deus que é Amor, e que se revelou como Amor, na doação do seu Filho como vítima de « propiciação pelos nossos pecados » (1 Jo 4, 8-10).

A Redenção é revelação de amor, é obra de amor, como escrevi na minha primeira Encíclica (Cf. Redemptor Hominis, 9). O Jubileu deve portanto levar todos os cristãos a redescobrir o mistério de amor contido na Redenção, e a um aprofundamento das riquezas escondidas desde sempre em Cristo, na « fornalha ardente » do Mistério Pascal.

Além disso, a Redenção não só revela Deus ao homem, mas revela o homem a si mesmo. (Cf. Gaudium et Spes, 22). Ela é elemento constitutivo da história humana, porque não se é homem em plenitude se não se viver na Redenção, a qual leva o mesmo homem a descobrir as raízes profundas da sua pessoa, ferida pelo pecado e pelas suas dilacerantes contradições, mas salva por Deus em Cristo, e elevada « ao estado de homem perfeito, à medida que convém à plena maturidade de Cristo » (Ef 4,13).

O Ano da Redenção oferecerá, pois, a ocasião para uma renovada descoberta destas verdades consoladoras e transformadoras: e será tarefa dos Pastores de almas, dos estudos teológicos, da pastoral e do Kerigma difundir num raio o mais vasto possível o anúncio da Salvação, no qual está contida a essência do Evangelho: Cristo é o único salvador, pois que « em nenhum outro há salvação: não existe debaixo dos céus outro nome dado aos homens no qual possamos ser salvos » (Act 4, 12).

5. Esta realidade objectiva do mistério da Redenção deve tornar-se realidade subjectiva, própria de cada um dos fiéis, para obter a sua eficácia concreta, na condição histórica do homem que vive, sofre e trabalha neste final do segundo milénio depois de Cristo, que agora está prestes a terminar.

Neste Jubileu, que visa aproximar da misericórdia de Deus a miséria do homem, deve reavivar-se a tensão para graça, deve aumentar o esforço das consciências para se apropriarem subjectivamente do dom da Redenção, daquele amor que brotou de Cristo crucificado e ressuscitado. O Ano Santo é por isso um apelo ao arrependimento e à conversão, como disposições necessárias para participar na graça da Redenção. Não é o homem que se redime dos próprios pecados, mas sim é ele que é redimido ao aceitar o perdão alcançado pelo Redentor. Procuremos, pois, viver o mistério da Redenção, inspirando-nos naquelas grandes realidades que constituem o fio condutor das minhas primeiras Encíclicas: Cristo Redentor do homem, Cristo que revela o Pai, rico de misericórdia. Também a celebração do Sínodo há-de facilitar a compreensão deste inestimável dom, dispondo os ânimos para se apropriarem subjectivamente da Redenção e para vivê-la, mediante a Penitência e a Reconciliação, isto é, com a vitória sobre o mal moral. Ou seja, com o voltarem-se novamente para Deus, pela conversão. Como escrevi na « Dives in Misericordia », « o autêntico conhecimento do Deus da misericórdia, Deus do amor benigno, é uma fonte constante e inexaurível de conversão, não somente como momentâneo acto interior, mas também como disposição permanente, como estado de espírito. Aqueles que assim chegam ao conhecimento de Deus, aqueles que assim o « vêem », não podem viver de outro modo que não seja convertendo-se a Ele continuamente » (n. 13).

É preciso redescobrir o sentido do pecado, cuja perda se relaciona com uma outra mais radical e profunda, a perda do sentido de Deus. O sacramento da Penitência é o sacramento da reconciliação com Deus, do encontro da miséria do homem com a misericórdia de Deus, personificada em Cristo Redentor e no poder da Igreja. A Confissão é uma actualização prática da fé no acontecimento da Redenção.

O Sacramento da Confissão é portanto reproposto, mediante o Jubileu, como testemunho da fé na santidade dinâmica da Igreja, a qual, dos homens pecadores, faz santos; como exigência da comunidade eclesial, que é sempre atingida na sua totalidade por cada pecado, mesmo cometido individualmente; como purificação em preparação para a Eucaristia; e ainda como sinal consolador daquela economia sacramental, pela qual o homem entra em contacto directo e pessoal com Cristo, que por ele morreu e ressuscitou: « amou-me e entregou-se a si mesmo por mim » (Gál 2, 20). Em todos os Sacramentos, a começar pelo Baptismo, estabelece-se esta relação interpessoal de Cristo com q homem; mas é sobretudo na Penitência e na Eucaristia que ela se torna mais viva ao longo da vida humana, tornando-se realidade, posse, sustentáculo, luz e alegria. Dilexit me.

6. Mas o Jubileu da Redenção reveste-se ainda de um outro significado. Vivemos num mundo que sofre: tantos homens, nossos irmãos, carregam uma tristíssima herança de privações, de ansiedade, de dor, que a ninguém pode deixar indiferente.

O sofrimento tem a sua raiz teológica e antropológica no mistério do pecado e, por isso mesmo, é elemento constitutivo da Redenção de Cristo. Nada existe neste mundo que mais corresponda ao sofrimento humano que a Cruz de Cristo. Cristo sofreu a sua Paixão, carregando o peso do pecado do mundo: « Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por nós, para que nos tornássemos n'Ele justiça de Deus » (2 Cor 5, 21). O Concílio Vaticano II, apresentando as dramáticas antinomias e dilacerações que tanto afligem o homem contemporâneo, com os enigmas e os desafios que se apresentam à sua nacionalidade e sensibilidade, indicou em Cristo, o Homem novo, e na sua Cruz e Ressurreição, « a única resposta às dramáticas interrogações do homem sobre a dor e a morte » (Gaudium et Spes, 22).

A Redenção abre-nos o magnífico livro da nossa solidariedade com Cristo sofredor e, por Ele, introduz-nos no mistério da nossa solidariedade com os irmãos que sofrem. O Jubileu da Redenção permitir-nos-á viver mais intensamente no espírito da « Communio Sanctorum ». Os sofrimentos humanos são património comum de todos: cada um tem a sua quota parte a dar para a Redenção, a qual, se bem que realizada de uma vez para sempre, necessita desta misteriosa integração, da oferta deste gravosíssimo peso que são os males e as dores da humanidade — « Adimpleo: completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo Seu Corpo, que é a Igreja » (Col 1, 24). Se hoje a Igreja tornou muito mais leves as tradicionais práticas penitenciais, foi precisamente porque aumentou no mundo, apesar das aparências em contrário, o número daqueles que podem realmente fazer uma grande penitência cristã, porque toda a sua vida é uma grande penitência. Estou a pensar nos doentes, na solidão dos anciãos, na ansiedade dos pais em relação aos próprios filhos, no desalento dos desempregados e nas frustrações de tantos jovens que não conseguem inserir-se na sociedade; e estou a pensar igualmente nos que sofrem pela violação dos próprios direitos, através de formas de perseguição, por vezes refinadas, ou mesmo de morte civil.

Pois bem, o Jubileu da Redenção está intimamente ligado a esta multiforme e secreta « Communio Sanctorum ». É verdade que a celebração de cada Jubileu nos põe em comunicação com a incomparável riqueza, que os méritos e sofrimentos dos Mártires e dos Santos ao longo da história antiga e recente da Igreja foram constituindo, como coroa admirável, com o dom da própria vida e da sua heróica fortaleza; e entretanto tem vindo a tornar-se cada vez mais patente - e este será, certamente, um fruto fundamental do próximo Jubileu — que o sofrimento dos irmãos, unido ao de Cristo, é um tesouro do qual vive a Igreja e que sustenta a fé de todos.

Se as dificuldades inerentes à celebração do Jubileu se apresentam hoje menores, em comparação com as de épocas passadas, ou até mesmo dos últimos decénios, isso não nos deve levar a esquecer que cada um pode e deve dar o seu contributo de sofrimento que, quer queiramos quer não, é inerente à existência humana e deve ser associado, em Cristo, ao dos outros irmãos.

Esta solidariedade no sofrimento é hoje muito sentida. Há realmente um amor muito maior na convivência dos cristãos, entre si e que se estende para além das fronteiras da Igreja. A responsabilidade em relação àqueles que sofrem empenha em moldes que não eram até aqui sentidos com tanta acuidade. O Jubileu que se aproxima tornará por isso possível um novo enriquecimento desta sensibilidade, que constitui um genuíno « sensus Ecclesiae », na consciência cada vez maior daquela solidariedade, daquele adimpleo.

7. Por todos estes motivos a que me referi, vós compreendereis que a celebração da Redenção não pode limitar-se a Roma, como é habitual na costumada estrutura dos outros Jubileus. Com efeito, o mistério da Redenção abrange todos os homens; e é por isso que esta Santa Sé de Pedro, fiel ao seu mandato, se preocupa com toda a humanidade. O Jubileu é concebido em favor de todos os fiéis, onde quer que vivam. O seu objectivo é ajudá-los a compreender melhor « as imperscrutáveis riquezas de Cristo », fazendo « resplandecer aos olhos de todos a economia do mistério escondido desde todos os séculos em Deus, que tudo criou, para que a multiforme sabedoria de Deus seja manifestada pela Igreja ».(Ef 3, 8 ss).

 É verdade que Roma se oferece a todos os peregrinos com o seu carácter único, com as suas memórias apostólicas, com as suas celebrações em que está presente o Papa e com a sua secular prática de organização. Ela, porém, não deseja monopolizar um tesouro que é de todos; e quer que o Jubileu se celebre com os mesmos direitos e os mesmos efeitos espirituais em cada Igreja local, em todo o mundo.

O Jubileu, portanto, será celebrado contemporaneamente em toda a Igreja, tanto em Roma como nas Igrejas locais, durante o mesmo ano. Isto favorecerá nos fiéis cristãos o sentido da universalidade da Igreja, a sua dimensão « católica », e será para todos uma proposta a viverem mais intimamente a mensagem da Redenção, bem como o empenho de conversão e de renovamento espiritual nela contido e que o Jubileu recorda de maneira vigorosa e sugestiva.

8. O Jubileu será celebrado a partir de 25 de Março do próximo ano, Solenidade da Anunciação do Senhor, até à Páscoa da Ressurreição, 22 de Abril de 1984.

Jesus empregou toda a sua existência terrena na Redenção: Redemptor hominis. « Por isso, entrando no mundo — diz-nos a Carta aos Hebreus — Cristo diz "Não quiseste sacrifício nem oblação, mas preparaste-me um corpo... Então eu disse: Eis que venho — como está escrito de mim no livro — para fazer, ó Deus, a Tua vontade"... Em virtude desta vontade, é que nós fomos santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo » (Heb 10, 5 ss.; 10). Jesus viveu esperando a « hora » que o Pai lhe confiou: « Vim lançar fogo sobre a terra; e que quero Eu senão que ele já se tenha ateado? Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize » (Lc 12, 49). « O meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que me enviou e realizar a Sua obra » (Jo 4, 34).

Esta obra realizou-se na Cruz, no supremo « tudo está consumado » (Jo 19, 30). E o Pai correspondeu a esta santíssima oblação, « constituindo Filho de Deus com todo o poder, segundo o Espírito de santificação pela Sua ressurreição de entre os mortos, Jesus Cristo, Senhor Nosso » (Rom 1, 4).

Cristo é o Redentor desde a sua concepção até a sua ressurreição. Poderemos, pois, percorrer uma vez mais todas as etapas da vida do Salvador, para assim participarmos dos frutos da sua Redenção.

9. Confio muito em que também os nossos irmãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica, compreendam plenamente estes valores próprios da celebração do Jubileu e saibam encará-lo sintonizados com a viva esperança e amor eclesiais.

O Jubileu é um grande serviço à causa do Ecumenismo. Celebrando a Redenção, passamos além das incompreensões históricas e das controvérsias contingentes, para nos reencontrarmos no comum plano de fundo do nosso ser cristãos, ou seja Remidos. A redenção une-nos a todos no único amor de Cristo, Crucificado e Ressuscitado. É este o primeiro significado que, à luz da actividade ecuménica, se deve atribuir ao próximo Jubileu.

Existe ainda um outro motivo que faz nascer em nós a esperança nesta união de corações: o espírito de oração e de penitência, que caracteriza todas as celebrações jubilares, e que deve levar àquela conversão de coração que os Padres Conciliares indicaram como condição essencial para a recomposição da unidade da Igreja: « Não há verdadeiro ecumenismo — como se lê no Decreto sobre o mesmo assunto — sem conversão interior. É que os anseios de unidade nascem e amadurecem a partir da renovação da mente, da abnegação de si mesmo e da libérrima efusão da caridade. Por isso, devemos implorar do Espírito Divino a graça da sincera abnegação, humildade e mansidão em servir e da fraterna generosidade de ânimo para com os outros » (Unitatis Redintegratio, 7).

Dirijo pois, desde já, um caloroso apelo a todos os responsáveis e aos membros das outras Igrejas e Comunidades eclesiais, para que acompanhem as celebrações do Ano da Redenção com a sua oração, com a sua fé em Cristo Redentor e com o seu amor; e que este, neles como em nós, se torne anelo cada vez mais sentido de se realizar a oração de Jesus antes da sua Paixão redentora: « ut omnes unum sint » (Jo 17, 21).

10. Desejo, por fim, que o Jubileu seja uma catequese geral, uma evangelização capilar a nível de todas as Igrejas locais, centrada na realidade da Redenção: Cristo que salva o homem com o seu amor imolado na Cruz; e o homem que se deixa salvar por Cristo. É um convite a compreender-mos melhor o mistério da salvação, e a vivê-lo em profundidade na prática da vida sacramental.

Nesta acção que nos leva a Cristo, para n'Ele encontrarmos o Pai, deve ser posta em relevo a acção silenciosa e persuasiva do Espírito Santo, com a exortação a uma docilidade cada vez maior e a confiar-se aos seus dons, a fim de que a obra de Salvação, na qual Ele intervém directamente, atinja em cada um dos fiéis a sua efectiva realização. Será assim atingido aquele objectivo principal do Jubileu, que visa acima de tudo a elevação interior e espiritual do homem e, por isso mesmo, contribui também para o amor efectivo entre os povos.

Só Cristo, efectivamente, é « a nossa paz », (Ef 2, 14) « Foi Deus que reconciliou consigo o mundo, em Cristo, não lhe levando mais em conta os pecados dos homens e pondo nos nossos lábios a mensagem da reconciliação »  (2 Cor 5, 19). O tema da reconciliação está intimamente relacionado com o da paz, da vitória sobre o pecado, a qual deve reflectir-se na vitória do amor sobre as inimizades, sobre as rivalidades e sobre as hostilidades entre os povos, bem como na vitória do amor no âmbito de cada comunidade civil e, mais intimamente ainda, no coração de cada homem. Toda a actividade em favor da paz é uma forma especial de fidelidade ao mistério da Redenção, porque a paz é irradiação da Redenção, é a sua aplicação na vida concreta dos homens e das nações.

 O Jubileu há-de contribuir para a consolidação de uma mentalidade de paz no mundo: são estes os votos que me saiem do coração.

11. Confio desde já a realização deste programa à intercessão de Maria Santíssima. Ela é o vértice da Redenção. Ela está indissoluvelmente ligada a esta obra, porque é a Mãe do Redentor e o fruto mais sublime da Redenção. Ela é de facto a « primeira Redimida », em virtude dos méritos de Cristo, Filho de Deus e seu Filho.

A Igreja tem de olhar mais intensamente para Maria. Ela encarna em si aquele modelo que a mesma Igreja espera e deseja realizar: « gloriosa, sem mancha ... santa e imaculada » (Ef 5, 2).

O Jubileu da Redenção reveste-se, por conseguinte, também de um aspecto eminentemente mariano: a coincidência da celebração, que se enquadra na expectativa do Terceiro Milénio, ajuda a compreender aquela mentalidade de Advento que caracteriza a presença de Maria em toda a história da Salvação. Ela, como « Estrela da manhã », precede Cristo, prepara a Sua vinda, acolhe-O em si e dá-O ao mundo. Por isso, também na preparação do Jubileu A cremos e sabe-mos presente, a dispor os nossos corações para o grande acontecimento.

Para tanto Lhe confere deputação a sua função materna: como afirmou o Concílio Vaticano II, Ela « cooperou, de modo absolutamente singular — com a sua obediência, com a fé, com a esperança e com a caridade ardente — na obra do Salvador para restaurar nas almas a vida sobrenatural »; (Lumen Gentium, 61)  e por isso, continua ainda hoje, « a cuidar, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada ».(Ibid., 62) Ela é « nossa Mãe na ordem da graça ».(Ibid., 61) Mostrar-nos-á dentro de poucos dias o Verbo Encarnado, no qual fixou o seu olhar interior « meditando todas estas coisas no seu coração » (Cf. Lc 2, 19. 51) Por isso, a Ela se dirige a nossa oração, para que mostre uma vez mais a toda a Igreja, ou melhor, a toda a humanidade, aquele Jesus que é « bendito fruto do seu ventre » e Redentor de todos.

12. Veneráveis Irmãos e filhos caríssimos: Eis quanto desejava ardentemente comunicar-vos, a vós e a toda a Igreja, no momento em que nos preparamos para reviver o mistério do Natal, que é a aurora da Redenção: na extrema pobreza de Belém, de facto, já se projecta a sombra da Cruz. Que Maria esteja sempre connosco! Que São Miguel Arcanjo, São João Baptista, os Santos Pedro e Paulo, com todos os outros Apóstolos, intercedam por nós, para alcançarmos o dom cada vez mais copioso da Salvação, ajudando-nos a uma digna e frutuosa celebração do Jubileu; e que disponham toda a Igreja a viver este grande acontecimento: a preparem para acolher em plenitude a Redenção de Cristo. Dirijo a toda a Igreja, daqui, o meu brado: « Abri as portas ao Redentor! ».

 

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